Muito boa análise deste professor gaúcho sobre os 19 anos do Real, o plano de estabilização que os companheiros tentaram destruir, a ele se opuseram ferrenhamente e depois não conseguiram fazer nada melhor a não ser destruir os seus fundamentos macroeconômicos e trazer a inflação de volta...
Paulo Roberto de Almeida
No dia 1º de julho o Plano Real completou 19 anos de vida com sucesso em relação ao seu principal objetivo, o de estancar o processo crônico de elevada inflação no Brasil. Ainda que a inflação continue um tema presente no debate econômico do País e que as taxas atuais não correspondam às nossas expectativas — situando-se acima do que se vê nos países de economia estabilizada — os níveis presentes de elevação dos preços no Brasil representam uma vitória em relação ao passado recente, quando flertamos várias vezes com a hiperinflação. O simples fato da moeda atual estar já no seu 20º ano de vigência e com confiança da população é significativo para quem trocou tanto de padrão monetário nos 10 anos que antecederam o real.
Não foram poucos os percalços para chegarmos até aqui. Lembrem-se as repercussões das crises do México (1994/95) e do Sudeste Asiático (1997) no Brasil, dois momentos em que o Plano Real correu sérios riscos, mas sobreviveu às custas de grandes elevações da taxa de juros. Em 1999, nos primeiros dias do segundo mandato de Fernando Henrique, o expediente dos juros não fui suficiente e a fuga maciça do capital internacional nos deixou sem reservas para sustentar a taxa de câmbio manipulada da época. A política econômica dos primeiros quatro anos e meio do Plano teve que mudar. Na realidade quebramos em 1999 e abandonamos a chamada “âncora cambial” – o dólar muito barato que sustentava as importações para competir com os produtos brasileiros e não deixar os preços daqui dispararem. De lá para cá seguimos outro tipo de política, conhecida como “metas de inflação”, cujo instrumento central é a taxa de juros, em lugar do câmbio.
Na passagem de 2002 para 2003, a política econômica foi posta à prova novamente. Diante do temor que a eleição de Lula causava no capital financeiro internacional, que via nele o risco de um governo irresponsável, o script se repetiu, com fuga de divisas e aumento do risco país. O novo Governo começou com uma taxa de câmbio alta e a possibilidade de perder o controle da inflação. Neste momento delicado, mais do que a continuidade do Plano Real, estava em jogo o próprio futuro político do Governo Lula. A política econômica adotada e a própria composição da equipe, muito conservadora, logo acalmou os ânimos. O que aconteceu de bom desde então foi a melhora das contas externas e um processo notável de redistribuição de renda. As contas externas se beneficiaram do aquecimento do mercado internacional e da demanda de commodities, principalmente da China. Exportamos como nunca e melhoramos todos indicadores externos, ao ponto de as reservas de divisas hoje serem maiores que a dívida externa.
No front doméstico as políticas de recomposição do valor real do salário mínimo e o Bolsa Família, associadas à expansão do crédito e ao aumento da escolaridade, causaram saltos importantes na redução das desigualdades sociais e no acesso das camadas mais pobres ao consumo de bens antes inalcançáveis. Isto movimentou o comércio e a produção, até mesmo em regiões antes estagnadas pela pobreza generalizada.
Contudo, muitos aspectos importantes ainda esperam melhores soluções. Um Plano que tinha como diagnóstico central da inflação o problema da indexação da economia brasileira, algo considerado exótico pelos economistas estrangeiros, ainda não resolveu esta questão que reproduz a inflação do passado para o futuro por mecanismos formais e informais. Estudos econométricos mostram que quase um terço da inflação atual se explica pela inflação do passado recente e boa parte do mercado financeiro não abandonou o vício da indexação.
Por sua vez, o atual sistema de metas de inflação, em vigor desde 1999, não tem sido capaz de dar respostas que reduzam a alta dos preços, até porque não está programado nem para combater choques de preços, que muitas vezes vêm de fora do País, nem para lidar com o problema da indexação. O sistema de metas prevê como instrumento contra a alta dos preços a elevação da taxa de juros, o que significa que o diagnóstico é que a inflação é sempre ou majoritariamente causada por excesso de demanda. E nem sempre isto é verdade. O sonho de um ministro da economia de qualquer país é entregar para a sociedade crescimento do PIB e do emprego, contas externas estabilizadas e uma inflação baixa, na casa dos 2% a 3% ao ano. Nossa meta de inflação há dez anos é de 4,5%, alta, portanto, e nem temos conseguido alcançá-la na maioria das vezes.
Portanto, há o que comemorar neste mês de julho de 2013 e há muito o que avançar nos próximos anos.
Flávio Fligenspan é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
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