Ao ler algumas recentes homenagens ao velho mestre -- que foi também o meu, que o admirava por sua independência de pensamento, suas vastas leituras -- e informações sobre a republicação de algumas de suas obras, lembro-me que produzi, muitos anos atrás, um texto sobre nossa relação intelectual que também era uma homenagem a Mauricio Tragtenberg, mas que não deixava de assinalar os elementos utópicos de seu pensamento.
Esse artigo, bem longo, se chamava "
A educação de Mauricio Tragtenberg", que vou recuperar para indicar o link de sua leitura.
Alguns anos depois, com um outro discípulo do mestre, e editor da revista Espaço Acadêmico, Antonio Ozai, homenageando Tragtenberg num pequeno artigo da revista, resolvi escrever novamente sobre ele, um pequeno artigo que posso reproduzir abaixo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5/11/2016
A grande ilusão do socialismo e dos
socialistas - Mauricio Tragtenberg
Paulo Roberto de Almeida
terça-feira, 7 de setembro de 2010
Fui aluno, talvez discípulo,
mas certamente amigo de Maurício Tragtenberg, com o qual convivi em meus anos
de formação acadêmica. Dele obtive a melhor inspiração de leituras e reflexões,
como ocorreu com tantos outros jovens que também foram seus alunos e que com
ele conviveram dos anos 1960 aos 1990, nas diversas escolas e faculdades em que
ele lecionou. Como todos, eu tinha o maior respeito pelo mestre, pelas suas
aulas e ensinamentos, o que não quer dizer que acatei totalmente suas ideias e
concepções.
No começo, sim, tendíamos a
concordar com ele, pois éramos todos socialistas, quase todos marxistas, alguns
libertários, como ele, o que não era difícil no ambiente universitário daqueles
tempos – talvez mesmo hoje –, ainda mais no contexto da ditadura militar vivida
pelo Brasil dos anos 1960 aos 80.
Estas rememorações me vieram à
mente ao ler uma resenha feita por Antonio Ozaí na Espaço Acadêmico de setembro de 2010. Destacou ele um trecho de um
dos livros – o qual já tinha lido em edição anterior – agora reeditado graças
aos esforços de seus seguidores, alunos, discípulos. Assim reza o trecho:
"É pela socialização
dos meios de produção controlados pela classe operária organizada em suas
organizações diretamente representativas, que é possível efetuar-se a passagem
de uma sociedade liberal capitalista a uma sociedade planificada, evitando o
capitalismo de Estado e o totalitarismo, conservando as liberdades básicas do
homem."
In: Mauricio Tragtenberg: O
capitalismo no século XX (2ª. ed. revisada e ampliada. São Paulo: Editora
UNESP, 2010; Coleção Maurício Tragtenberg, 186p.), p.170-171.
Ao ler esse trecho, constato que
nesses poucos argumentos estão resumidos, de forma muito transparente, a grande
tragédia do socialismo e dos socialistas, incluindo, portanto, o próprio
Mauricio Tragtenberg. Rememoro meu último encontro com ele, exatamente como
ocorreu, e depois retomo o argumento substantivo.
Fui visitar Mauricio Tragtenberg
em sua casa, em meados dos anos 1980, depois de longos oito anos de intervalo,
ao ter voltado de minha segunda estada na Europa, e depois de ter conhecido
praticamente todos os socialismos reais, aliás, os únicos existentes. Tinha
também conhecido um socialismo “surreal’ na Iugoslávia, a última réstia de
esperança para aqueles que, como ele, valorizavam não o socialismo burocrático,
centralizado, mas a sua vertente auto-gestionária, supostamente mais benigna ou
pretensamente mais “funcional” (já que seria isento dos pecados do excesso de
centralismo e de burocratismo estatal).
De forma puramente factual, pude
confirmar, para decepção do velho mestre, que, em qualquer da modalidades, o
socialismo não funcionava como modo de produção econômica, e menos ainda como
forma de organização social. O sistema simplesmente não conseguia fornecer à
população bens de uso corrente (esqueçamos produtos mais sofisticados), na
quantidade e na qualidade requeridas
Se formos, então, analisar seu
desempenho na área política, e nessa vertente a questão crucial das liberdades,
seria forçoso concluir que TODAS as experiências socialistas redundaram em
fracassos absolutos, já que todas elas recorreram à mais violenta das
tentativas de remodelação social conhecidas na história, e todas conduziram a sistemas
autoritários, quando não totalitários, e a uma opressão ainda maior do que
aquela existente nos antigos sistemas feudais ou capitalistas.
Portanto, ao reler o velho
mestre, nas linhas selecionadas na resenha, que acreditava que seria:
“...possível efetuar-se a
passagem de uma sociedade liberal capitalista a uma sociedade planificada,
evitando o capitalismo de Estado e o totalitarismo, conservando as liberdades
básicas do homem”
o que eu teria a dizer-lhe,
novamente – e que já tinha dito diretamente a ele, em minha volta do socialismo
– seria que, NÃO, infelizmente, essa passagem não é possível, pois NENHUMA
sociedade planificada centralmente, no sentido socialista – ou seja, sem garantir
a propriedade privada dos meios de produção – JAMAIS conseguiu preservar as
liberdades básicas do homem.
Sorry,
velho mestre, mas a História não esteve consigo, nesse particular, ou seja, não
caminhou no sentido desejado por tantos libertários e outros sonhadores
socialistas. Não se trata de falhas teóricas dos socialistas ou de incapacidade
organizacional de seus movimentos de massa, e sim de impedimentos estruturais
que têm a ver com as prescrições formuladas para a organização econômica da
sociedade, de uma contradição primária, como diriam os “sábios” da academia
soviética.
Tudo isso não me impede de
saudar a enorme erudição do mestre, agradecer-lhe, sempre, as inúmeras lições
intelectuais que recebi dele, as infinitas recomendações bibliográficas e de
leitura, e aquele fino gosto pela ironia que era a marca registrada de Mauricio
Tragtenberg.
Grato por tudo, velho mestre,
mesmo estando do outro lado do processo histórico, do lado da utopia, esta era
formulada com a melhor das intenções, e você foi um homem verdadeiramente
digno, honesto intelectualmente, uma personalidade admirável. Minha homenagem a
um educador exemplar.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 8 de setembro de 2010)