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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 26 de novembro de 2024

A questão da Hierarquia e da Disciplina, nas Forças Armadas e na Diplomacia (1a parte) - Paulo Roberto de Almeida

A questão da Hierarquia e da Disciplina, nas Forças Armadas e na Diplomacia (1a parte)

Paulo Roberto de Almeida


Ao retornar, em março de 1977, de um autoexílio na Europa, iniciado no final de 1970, a partir do recrudescimento da máquina repressora do regime militar contra os opositores da ditadura, entre os quais eu me incluía ativamente, retorno decidido depois que o então general-presidente Ernesto Geisel anunciou uma “abertura gradual e flexível”, eu me engajei imediatamente no movimento político pela redemocratização e pela anistia dos exilados. Durante todo o tempo passado na Europa, dedicado, ao lado dos estudos, ao trabalho informativo e analítico de resistência à ditadura, preservei minha identidade, escrevendo e me reunindo sob o disfarce de pseudônimos, preservando assim meu passaporte.

Ao me reintegrar a atividades docentes em faculdades privadas de São Paulo, eu visava iniciar uma típica carreira acadêmica numa das grandes universidades públicas do Brasil, o que só seria possível por concurso. Poucos meses depois, o único concurso anunciado, lido numa curta nota da FSP, foi o de um concurso direto para a carreira diplomática, aberta — à diferença dos vestibulares para o curso de formação de diplomatas pelo Instituto Rio Branco, que exigia somente dois anos de qualquer curso superior — a titulados completos, ou seja, graduados do terceiro ciclo. Eu já tinha graduação e mestrado completos, e estava em meio a um doutoramento em Sociologia Histórica, deixado interrompido ao decidir retornar ao Brasil.

Não pretendia voltar a ser aluno de algum curso de graduação, mas tampouco tinha conhecimento de minha situação junto aos órgãos de segurança e de investigação, bastante ativos inclusive no exterior. O concurso seria, portanto, uma maneira indireta de “testar minha ficha”. Fiz o concurso, entre julho e outubro de 1977 — na terceira e última fase eu me encontrava em Brasília, quando o ministro do Exército, general Sylvio Frota, tentou derrubar Geisel da presidência da República — e, para minha “tranquilidade política” (num ambiente ainda tenso no Brasil) fui chamado para a posse, em 1o. de dezembro, sem qualquer objeção aparente do SNI ou de outros serviços do regime. 

O que não se confirmou em 1977, acabou acontecendo em 1978: fui fichado pelo SNI como “diplomata subversivo”, mas isso só vim a saber bem depois. Minha maior surpresa, ao ingressar no Itamaraty, foi ter sido apresentado a dois conceitos que eu imaginava ter vigência unicamente nos meios militares: Hierarquia e Disciplina. Em praticamente todas as palestras e discursos que ouvíamos nessa fase já agônica do regime militar, eles figuravam de forma recorrente, sobretudo em direção e em intenção dos alunos do IRBr e dos jovens diplomatas, entre os quais eu me incluía. 

Meu horror ao regime militar só era maior do que minha objeção ao autoritarismo implícito a esse tipo de imposição vinda do alto, pois que meu anarquismo sempre foi maior do que o meu marxismo, ambos aprendidos e exercidos precocemente, quando me iniciei nas leituras políticas logo depois do golpe militar de 1964.

(a continuar)

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 26/11/2024


segunda-feira, 19 de junho de 2023

O que impede os diplomatas de pensarem com suas próprias cabeças? - Paulo Roberto de Almeida

 O que impede os diplomatas de pensarem com suas próprias cabeças?

Respondo de maneira imediata: tal de “hierarquia e disciplina” e os equívocos de uma “diplomacia presidencial” mal concebida, seguida de forma submissa pela corporação da diplomacia profissional.
Desde 2006, ou seja, desde sua concepção original, eu afirmei que o BRIC diplomático era uma má ideia para o Brasil e para a sua diplomacia. Essa ideia básica, de simples constatação prima face, está consignada em entrevista que dei a Lourival Sant’Anna, em 9/11/2006, publicada no Estadão em 4/12/2006, e que foi objeto de editorial do jornal no dia seguinte(“Atraso made in Brazil”), muito mal recebido pelo então chanceler Celso Amorim, conforme sua própria declaração a mim pouco tempo depois. Nada preciso dizer do acolhimento generalizado nos meios acadêmicos.
No entanto, essa má ideia de unir o Brasil a duas autocracias e a uma outra democracia de baixa qualidade (como aliás a do Brasil) recebeu a adesão entusiástica da diplomacia profissional, apenas por essa adesão irrefletida à tal de hierarquia e disciplina.
Qualquer estudo técnico isento dos objetivos do Brasil nas áreas comercial, de cooperação ou até de prestígio internacional poderia confirmar que eles poderiam ser alcançados por sua atuação independente nos planos multilateral, regional ou bilateral, sem os incômodos de uma adequação a interesses de outros países sem qualquer convergência de valores, princípios e interesses nacionais próprios ao Brasil.
As evidências dessa minha oposição a uma aliança que eu já achava mal concebida desde o início estão aqui disponíveis:
“1686. “Os BRICs e a economia mundial: Algumas questões de atualidade”, Brasília, 13 novembro 2006, 3 p. Notas a partir de entrevista concedida ao jornalista Lourival Sant’Ana, do jornal O Estado de São Paulo, no Rio de Janeiro, em 9 de novembro de 2006. Entrevista publicada no jornal O Estado de São Paulo em 04/12/2006, caderno Economia, pág. B7, sob o título “O Bric é só um exercício intelectual”. Postado no Diplomatizzando (14/11/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/11/o-bric-e-economia-mundial-2006-paulo.html).  
Essa entrevista foi objeto de editorial do jornal em 5/12/2006, sob o título “Atraso made in Brazil” (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/06/atraso-made-in-brazil-editorial-o.html), muito mal recebida pelo então chanceler Celso Amorim, como disse pessoalmente a mim, pouco tempo depois.
Continuo achando que a atual postura equivocada adotada pelo governo de Lula 3, em relação à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, deriva desse “pecado original” cometido em 2006.
Transformei essas minhas ideias num livro em formato digital publicado em 2022:
A grande ilusão do Brics e o universo paralelo da diplomacia brasileira,  Apresentação no blog Diplomatizzando (11/06/2022; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/06/meu-proximo-kindle-sobre-miragem-dos.html); disponível na Amazon.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19/06/2023