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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

De Hipócrates à hipocrisia: a medicina na era lulista - Gil Castelo Branco

Agradeço a meu colega blogueiro e companheiro das boas causas Orlando Tambosi o ter me chamado a atenção para este artigo do momento:

Gil Castello Branco
Jornal O Globo, 8/10/2013

O mais famoso médico da Grécia antiga, Hipócrates, considerado o pai da Medicina, dizia: “Para os males extremos, só são eficazes os remédios intensos.” A frase é oportuna quando se observa que a Saúde no Brasil encontra-se em colapso. Do Sistema Único de Saúde (SUS) aos planos privados, alguns verdadeiras arapucas.

Apesar da crise, políticos permanecem enaltecendo o SUS, muito embora só utilizem o Sírio (Hospital Sírio Libanês), onde são recebidos à porta pelos professores-doutores de plantão. Enquanto isso, menos da metade dos cidadãos confia nos hospitais aos quais têm direito como simples mortais.

Pesquisa da ONU, divulgada no primeiro trimestre deste ano, com base em dados coletados entre 2007 e 2009, revelou que entre 126 países o Brasil ficou em 108° lugar no que diz respeito à satisfação com a qualidade dos serviços prestados. Apenas 44% dos brasileiros sentem-se satisfeitos com os padrões aqui oferecidos. Em nenhum país da América Latina, à exceção do Haiti (35%), foi identificado índice tão baixo quanto o que os brasileiros revelaram. Nesse campeonato, perdemos, por exemplo, para o Uruguai (77%), Bolívia (59%), Afeganistão (46%) e Camarões (54%), onde a população considera os serviços de saúde melhores do que a percepção que temos sobre os nossos.

Aparentemente, o dinheiro não é o fator que mais contribui para o caos. Conforme dados da OMS de 2011, somando-se todas as principais formas de financiamento (impostos/contribuições sociais, sistemas privados de pré-pagamento e desembolsos diretos dos pacientes), o Brasil gasta anualmente com saúde 8,9% do Produto Interno Bruto (PIB). O percentual é semelhante ao da Espanha (9,4%) e não muito inferior às aplicações da França (11,6%). No entanto, na maioria dos países desenvolvidos a maior parcela do financiamento provém de fontes públicas que respondem, em média, por 70% do gasto global. Em nosso país, o setor público — que atende 150 milhões de pessoas — contribui com apenas 45,7% do total das despesas integrais com Saúde.
Nesse cenário, será que nos últimos anos a Saúde tem sido considerada como prioridade entre as políticas públicas? O programa Mais Médicos irá salvar a saúde da pátria? Infelizmente, ambas as respostas são negativas.

Ainda que os recursos globais do Ministério da Saúde tenham aumentado nos últimos anos, as despesas realizadas mantiveram praticamente a mesma relação com o PIB. Em 2002, o total pago representou 1,87%, percentual que subiu para 1,88% em 2012. Em suma, de FHC a Dilma, com ou sem CPMF, trocamos seis por meia dúzia.

Quanto aos investimentos em Saúde (construção de hospitais, UPAs, aquisições de equipamentos etc.), nos últimos 12 anos foram autorizados nos orçamentos da União R$ 67 bilhões, mas apenas R$ 27,5 bilhões (41%) foram pagos. A título de comparação, o Ministério da Defesa investiu no mesmo período R$ 56,2 bilhões, literalmente o dobro das aplicações da Pasta da Saúde. Estamos comprando blindados, aviões de caça e construindo submarinos nucleares para enfrentar imagináveis inimigos externos enquanto, por aqui, mais de um milhão de brasileiros protestam por serviços públicos de melhor qualidade.

Em 2013, a situação é semelhante. A dotação prevista para os investimentos do Ministério da Saúde é de R$ 10 bilhões. Até setembro apenas R$ 2,9 bilhões foram pagos, incluindo os restos a pagar. O valor investido coloca o Ministério da Saúde em 5° lugar comparativamente aos outros ministérios.

Na verdade, há muito por fazer. Para começar, é difícil imaginar um país saudável em que quase a metade dos domicílios não tem rede de esgotos. Por opção, vamos gastar R$ 7,1 bilhões nos estádios de futebol padrão Fifa, enquanto em dez anos aplicamos somente R$ 4,2 bilhões em saneamento. O Mais Médicos — mesmo sem o Revalida e com certificados distribuídos a esmo — vai gerar o primeiro atendimento em cidades até então desprovidas, o que é bom. Mas por trás das “boas intenções” está a reeleição de Dilma, o fortalecimento da candidatura de Padilha ao governo de São Paulo, além do financiamento da ditadura cubana.


Dessa forma, o programa passa ao largo de questões cruciais como a necessidade de mais investimentos públicos, melhor gestão, atualização das tabelas de ressarcimento do SUS, aumento das vagas nos cursos de Medicina, nas UTIs e nas residências médicas, entre outros problemas a serem enfrentados. Tal como dizia Hipócrates, urgem remédios intensos. A reconstrução da saúde no Brasil exige mais ações e menos hipocrisia.

domingo, 8 de setembro de 2013

Mais Medicos e as taticas escravocratas dos companheiros - Percival Puggina


INIMIGOS MÉDICOS
Percival Puggina
Zero Hora, 8/09/2013


Quando viu o povo na rua, cobrando atenção à Saúde Pública, Dilma adotou prática tão antiga quanto namorar no portão. Escolheu um inimigo e o apontou à sociedade: os médicos brasileiros. A partir daí, jogou contra eles os raios e trovões que conseguiu recolher em seu repertório.

          A saúde pública tem problemas. Falta atendimento, dinheiro, leitos. São longas as filas. Espera-se meses por um exame e anos por uma cirurgia. De quem é a culpa? Segundo a presidente, a culpa é dos médicos. Sua Excelência cuidou de passar à sociedade a impressão de que eles preferem viver nos grandes centros não porque ali estejam os melhores hospitais, laboratórios e equipamentos, mas porque ali estão os melhores restaurantes, clubes e cinemas. Foi para a tevê tecer ironias com o fato de que os primeiros a fazerem opções no "Programa Mais Médicos" preferiram localidades litorâneas. A compreensão dessa mensagem pelos sem discernimento (estamos falando de dezenas de milhões) fica assim: os doutores gostam, mesmo, é de praia.

          Através dessas paquidérmicas sutilezas, o governo tenta convencer a sociedade de que os médicos não vão para as pequenas comunidades porque se lixam para as carências com que ele, governo, se preocupa. Opa! Preocupa-se agora, preocupa-se depois das vaias, preocupa-se depois das passeatas. E esquece que, pelos mesmos motivos, milhões de outros profissionais também preferem trabalhar em centros urbanos mais dinâmicos. Identificado o inimigo, a presidente partiu para o ataque. Criou um 2º ciclo de formação médica, obrigatório, a serviço do SUS, com duração de dois anos, a ser prestado onde houver necessidade. Fez com que os médicos perdessem a exclusividade de diversas atribuições relativas a diagnósticos e prescrição de tratamentos. Jogou na lixeira a insistente e lúcida recomendação no sentido de que seja criada na área médica uma carreira de Estado, semelhante à que existe para as carreiras jurídicas. Explico isso melhor: espontaneamente, nenhum juiz ou promotor vai solicitar lotação em Paranguatiba do Morro Alto. No entanto, como etapa de uma carreira atraente e segundo regras bem definidas, sim. É desse modo que se resolvem as coisas numa sociedade de homens livres.

          Nada revela melhor a vocação totalitária do partido que nos governa do que este episódio. É uma vocação que dispensa palavras, que atropela leis e se expressa nas grandes afeições. Cubanas, por exemplo. A vinda dos médicos arrematados em Castro & Castro Cia. Ltda. permite compor um catálogo de transgressões aos princípios da liberdade individual, da dignidade da pessoa humana, da justiça, da equidade, da proporcionalidade, do valor do trabalho. Repugna toda consciência bem formada a ideia de que um país possa alugar seus cidadãos a outro, enviá-los aos magotes como cachos de banana, beneficiar-se financeiramente dessa operação em proporções escandalosas e ainda fazer reféns as respectivas famílias por garantia da plena execução do mandado. E há quem afirme que toda oposição a uma monstruosidade dessas é "preconceito ideológico"! Pois eu digo diferente: acolher como louvável semelhante anomalia política é coisa que só se explica por desvio do juízo moral.

          Dilma e os seus gostariam de dispor dos brasileiros como coisas suas, assim como os Castro dispõem dos cubanos. Sendo impossível, buscam-nos lá, do mesmo modo como, antigamente, eram trazidos escravos das feitorias portuguesas no litoral africano.

Zero Hora, 8 de setembro de 2013

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Cronicas da Servidao (In)Voluntaria: desta vez em portunhol...

Mais Médicos

Cubanos não podem deixar alojamento, diz estrangeiro

Segundo relatos ouvidos por VEJA, Márcia Cobas, vice-ministra da Saúde de Cuba, ordenou que os médicos fiquem no alojamento estudando o conteúdo programático e a língua portuguesa

Laryssa Borges, de Brasília
Veja.com, 26/08/2012
Médicos estrangeiros começam treinamento para trabalhar no Brasil. o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, abriu hoje, em Brasília, o primeiro curso de avaliação dos profissionais que já chegaram ao país
Médicos estrangeiros começam treinamento para trabalhar no Brasil. o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, abriu hoje, em Brasília, o primeiro curso de avaliação dos profissionais que já chegaram ao país (Evaristo Sa/AFP)
Apenas dois dias depois de desembarcarem no Brasil para o Programa Mais Médicos, os médicos estrangeiros tiveram evidências de que os profissionais cubanos não vão desfrutar da mesma liberdade que os demais inscritos no projeto do governo federal. No que foi classificado como o momento mais tenso desde o desembarque dos cubanos em Brasília, a vice-ministra da Saúde de Cuba, Márcia Cobas, deu ordens expressas para que os médicos não deixem os locais onde estão hospedados para fazer qualquer tipo de atividade de lazer.
O médicos estão hospedados em áreas militares de Brasília, com acesso restrito. Os homens estão no Alojamento da Guarda Presidencial, e as mulheres, no Batalhão da Cavalaria Montada. No domingo, alguns estrangeiros se aventuraram a passear pelos principais pontos turísticos de Brasília, como a Esplanada dos Ministérios e o Teatro Nacional. Os profissionais arcaram com despesas de táxi e lanche para conhecer a cidade. Convidados, os cubanos não puderam ir ao passeio. Oficialmente, o Ministério da Saúde diz que não há restrições de deslocamento para nenhum profissional.
Segundo o relato de médicos, a vice-ministra cubana deu ordens ríspidas para que os profissionais passassem dia e noite estudando o conteúdo programático apresentado pelo governo brasileiro e, em especial, a língua portuguesa. “A ministra deles ordenou ‘vão estudar esta noite, vão estudar português’”, disse ao site de VEJA o médico venezuelano Ankangel Ruiz Medina, formado em Medicina do Trabalho pela Universidad de Oriente.
No alojamento, a segregação entre os médicos é evidente. “Os cubanos têm restrições para falar. Conosco mesmo eles não falam muito”, completou Medina. A cubana Maira Perez Sierra, formada em Medicina Geral Integral, negou qualquer problema nos primeiros dias de estadia no Brasil. “Nos receberam com muito boas condições, com muita qualidade, numeraram nossas camas, nossos nomes estavam afixados. Nos trataram muito bem. Tinham internet e telefone à disposição. Não nos sentimos aglomerados”, relatou.
Aulas — No primeiro dia oficial de aulas dos médicos estrangeiros e brasileiros com diploma do exterior, houve apenas discursos do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e uma espécie de ‘ode’ feita pela vice-ministra cubana sobre a qualidade da medicina na ilha dos Castro. Nesta tarde, a ideia é que pelo menos parte dos profissionais comece a estudar noções de “formação do povo brasileiro”, enquanto os demais médicos cuidarão de questões administrativas e burocráticas, como abertura de contas bancárias e documentação para os profissionais. A aula foi acompanhada por olheiros de associações médicas, que tentam na justiça derrubar a validade do Programa Mais Médicos.
Nesta segunda-feira, o representante do Ministério da Educação para o Programa Mais Médicos, Vinícius Ximenes, proporcionou um dos momentos de maior “alívio” aos cubanos. Apesar de serem avaliados por três semanas em programas do governo, os médicos não terão de comprovar proficiência em português após o curso. De acordo com Ximenes, haverá uma avaliação “contínua”, “formativa” e “global”, mas não uma “prova de proficiência”.
Após a aula inaugural, médicos cercaram representantes do governo para tirar dúvidas sobre as regiões para as quais podem ser alocados. As perguntas giraram em torno de dúvidas sobre o tamanho e a diversidade de São Paulo, do Pará e do Paraná, que tipo de pessoas moravam nesses estados e como eram as condições de vida nessas regiões.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Fantasias medicinais de um governo perdido - revistas Veja (editorial e materia), Carta Capital

Sem chance de dar certo
Editorial Veja, 17/07/2013

Uma reportagem desta edição de VEJA examina como o governo está reagindo aos gigantescos e inéditos desafios propostos pelas manifestações de rua e à inflexão para pior dos cenários interno e externo na economia. Tomamos como ponto de partida a medida provisória mandada ao Congresso que muda o regime acadêmico e de trabalho dos médicos no Brasil, obrigando-os a doar ao SUS dois anos de sua vida profissional. Se faltava um exemplo perfeito da descoordenação e do caos no Planalto, a MP dos Médicos cuidou de suprir essa lacuna. Foi a gota d’água. A decisão é autoritária, inaplicável na prática e, acima de tudo, inconstitucional. A reportagem de VEJA mostra que, mesmo se fosse viável dentro da ordem jurídica vigente, de nada adiantaria obrigar os médicos a trabalhar em rincões desassistidos do Brasil. Continuariam faltando equipamentos, remédios, ambulâncias e enfermeiros — e em nada melhoraria a vida dos brasileiros que hoje sofrem por falta de acesso à medicina de qualidade.

Com toda a certeza, a submissão dos médicos aos desígnios do governo será, em breve, lembrada apenas como mais uma das muitas falsas soluções simples para problemas complexos emanadas do laboratório de trapalhadas do Palácio do Planalto. As propostas oficiais somem na mesma velocidade com que aparecem. Lembra-se do plebiscito para consultar o povo sobre a reforma política que acabaria com todos os males da nação? Está morto e enterrado. Lembra-se da ideia de trazer 6000 médicos cubanos para suprir a carência de mão de obra especializada na saúde no interior do Brasil? Esqueça. Alguém no governo acordou para o fato de que, se a ditadura cubana tem poder de exportar gente como mercadoria, esse tipo de comércio humano é inaceitável para os padrões humanitários brasileiros.


É inescapável a conclusão de que o Planalto está imerso em um momento de “realismo fantástico’’, aquela corrente da literatura em voga em meados do século passado que, ao contrário do gênero de terror em que o sobrenatural assusta, espera que o leitor ache a coisa mais natural do mundo que pessoas mortas passeiem pelas ruas das cidades e que bois possam voar. Essa tem sido a tônica das decisões tomadas pelo governo. Fala-se da distribuição de dezenas de bilhões de reais, como se dinheiro nascesse em árvore. Decide-se o destino de médicos que ainda nem entraram na faculdade. Convoca-se um plebiscito em um dia para descobrir no seguinte que isso é uma tolice. O economista Joseph Schumpeter (1883-1950) deu a esse padrão de comportamento o nome de “racionalidade subjetiva”, circunstância em que as pessoas — em vez de adaptar o pensamento e a ação às novas realidades — tentam encaixotar a realidade na sua moldura mental. Isso não tem chance de dar certo.

O remédio errado
Natalia Cuminale
Revista Veja17/07/2013

Por que o programa federal Mais Médicos, que obriga os alunos de medicina a trabalhar dois anos no SUS, já nasce como arbitrariedade e não tem como dar certo

A medida provisória que amplia, a partir de 2015, de seis para oito anos a duração do curso de medicina e obriga os estudantes a trabalhar durante esse período extra no SUS é o remédio errado para um antigo problema da saúde no Brasil: a má distribuição geográfica dos médicos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza, no mínimo, um médico para cada 1000 habitantes. Em média, temos o dobro disso. Os números gerais, no entanto, escondem a disparidade no modo como os médicos estão alocados pelo país. Da iniquidade, emergem dois Brasis. Quem vive nas capitais tem acesso ao dobro da atenção dispensada a quem mora fora dos grandes centros. Além disso, 72% dos médicos estão nas regiões Sul e Sudeste. É bobagem imaginar que esse desequilíbrio possa ser resolvido com o despacho de alunos de medicina para os rincões desamparados, como pretende fazer a presidente Dilma com o programa Mais Médicos. “Sem melhoria das condições estruturais básicas, o médico enviado a esses locais não será capaz de mudar a realidade da população”, diz Roberto Luiz d’Avila, presidente do Conselho Federal de Medicina. Continuariam a faltar remédios, seringas, enfermeiros, leitos com lençóis limpos e, em muitos casos, até água potável. Não há solução mágica. Nas palavras de Milton de Arruda Martins, professor de clínica médica da USP, “não há saúde sem médico, mas também não há saúde apenas com médicos”. Nas próximas páginas, VEJA lista cinco motivos que comprovam a ineficácia da MP dos médicos, fadada ao fracasso.

1 - É INCONSTITUCIONAL
Todas as Constituições democráticas do mundo estabelecem uma série de direitos individuais capazes de preservar a liberdade dos cidadãos nas mais diversas esferas. Só existe vida digna se o cidadão tem liberdade de ir e vir, de pensar e se expressar, de professar a religião que quiser, entre outros tantos direitos básicos. No Brasil, a Constituição garante expressamente que também é livre “o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão”. Não se pode obrigar alguém a trabalhar onde não quer. “O governo diz que os dois anos de trabalho no SUS são uma complementação da formação médica, mas na verdade são uma obrigação de prestação de serviço, claramente inconstitucional”, diz o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. “O único serviço obrigatório permitido no país é o militar.” Segundo o jurista, como dificulta a obtenção do diploma sem oferecer complementação didática ou pedagógica, a medida restringe o exercício profissional dos médicos, o que também afronta a liberdade profissional e, portanto, a Constituição. Além disso, o fato de a proposta ter sido feita via medida provisória é uma aberração. "Medidas provisórias são para questões urgentes, e essa MP somente valerá para estudantes que entrarem na universidade em 2015", afirma Reale Júnior.

2 - É AUTORITÁRIA
O caminho natural para alterar regras que influenciam o cotidiano da população é o Poder Legislativo. “O governo preferiu agir sozinho com essa espécie de chantagem contra os estudantes em vez de pedir a participação do Congresso, o que é uma atitude claramente autoritária”, diz Carlos Ari Sundfeld, professor da Fundação Getulio Vargas. A arbitrariedade de Dilma decorre de incompetência e má gestão. “O problema de falta de médicos no interior do Brasil é de mercado de trabalho, e não de regulamentação profissional”, diz Marcelo Figueiredo, diretor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. “Como o governo tentou — mas não conseguiu — atrair médicos para esses lugares com medidas políticas, achou que o jeito de suprir sua incompetência era obrigando os estudantes a trabalhar no SUS.”

3 - REFORÇA A DESIGUALDADE
A MP dos Médicos aguçará ainda mais as diferenças entre os sistemas público e privado de saúde. Aos mais pobres caberá como única opção o atendimento feito por profissionais ainda em formação. Além do serviço compulsório de estudantes no SUS, o programa Mais Médicos isenta os médicos formados no exterior da obrigatoriedade da revalidação do diploma. Não será preciso também comprovar os conhecimentos na língua portuguesa com teste de proficiência. A única exigência é que eles participem de um curso com duração de três semanas em uma universidade conveniada ao programa. Nesse período, os professores brasileiros determinam se o profissional está apto para exercer a medicina e receber uma bolsa de 10000 reais por mês. “O Brasil está dando autorização para que médicos exerçam a profissão sem saber se eles têm competência ou não. Está-se criando a medicina dos pobres”, diz Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira.

Como diminuir a desigualdade? O grande problema do país é o baixo financiamento federal para a saúde pública, concordam nove especialistas ouvidos por VEJA. No Brasil, a participação do governo no gasto nacional em saúde é de 47%, enquanto na Inglaterra chega a 83%. “A falta de médicos é apenas uma parte da equação”, diz Paulo Hoff, diretor clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês. Na França, Inglaterra e Suécia, que possuem um sistema público semelhante ao brasileiro, o investimento per capita na saúde é seis vezes o daqui. “Nosso gasto hoje é comparável ao desses países na década de 60”, diz Adib Jatene, ex-ministro da Saúde. Sem recursos federais adequados, muitas prefeituras não têm condições de bancar o atendimento médico e a manutenção da infraestrutura.

4 - É INCOERENTE
Em defesa do serviço médico compulsório, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, saiu-se com a história de que a medida melhoraria o serviço de saúde para o povo e humanizaria a profissão. “Esse é um argumento de quem. claramente, não conhece a universidade”, diz Milton de Arruda Martins, professor da USP. “Quem cursa medicina nos moldes atuais (seis anos) já pratica o internato hospitalar com pacientes do SUS no 5o e 6o anos.” A residência médica, que confere o título de especialista ao médico, tem duração de dois a cinco anos e também é feita, na imensa maioria dos casos, na rede pública.

Com o novo programa, o governo espera a entrada de 20 500 médicos na chamada “atenção básica” em 2021. Em nota, o Ministério da Saúde garante que esses alunos serão supervisionados por professores. Outra falácia. “Há um sucateamento da educação médica no país. Alguns cursos de medicina não têm nem hospital apropriado para o ensino, com um preceptor e um ambiente apto a receber estudantes”, diz Mário Scheffer, do departamento de medicina preventiva da USP e coordenador do estudo “Demografia médica no Brasil”. A MP dos Médicos propõe ainda a criação de 11 447 vagas de graduação em medicina, tanto em escolas já existentes como em novos cursos em regiões mais desassistidas. “A interiorização de escolas de medicina não resolve a fixação do médico. Elas funcionam como repúblicas de estudantes. A maioria deles vem dos grandes centros para fugir da concorrência e depois retorna ao seu local de origem”, explica Scheffer.

5 - NÃO ESTIMULA A PRÁTICA DA MEDICINA
Exemplos bem-sucedidos na França e no Canadá mostram que os médicos se fixam em regiões mais recônditas por três motivos: bom salário, plano de carreira adequado e possibilidade de especialização e aperfeiçoamento. A solução no Brasil, portanto, seria a criação de uma carreira federal nos moldes do que já existe no Judiciário e no Exército. Terá os melhores salários, as maiores gratificações ou a ascensão mais rápida quem optar — e não for obrigado — por trabalhar na áreas inóspitas. O Canadá adotou com sucesso essa estratégia. Graças aos incentivos governamentais, entre 2007 e 2011, o número de generalistas aumentou 14%. Hoje, metade dos médicos canadenses dedica-se aos cuidados básicos da saúde. É em casos como esse que o governo de Dilma deveria se inspirar — e não inventar remédios que podem matar o doente. (com reportagem de Bela Megale, Kalleo Coura, Robson Bonin e André Eler)

Quando falta tudo
O Maranhão é o estado brasileiro com o menor número de médicos do país. A proporção é de 0,71 profissional para cada 1000 habitantes. O Hospital Municipal de Imperatriz, conhecido como Socorrão, a 630 quilômetros de São Luís, é o retrato dessa precariedade. É para lá que vão os doentes mais graves de pelo menos 100 municípios do Pará, do Tocantins e do Maranhão. Com 400 leitos, o Socorrão é o único da região com UTI e, ainda assim, tem apenas trinta vagas. Na tentativa de aliviar a demanda, a prefeitura aluga cinquenta leitos da rede particular. Isso ajuda, mas pouco. Os pacientes se amontoam no hall de entrada do hospital. Na falta de médicos e enfermeiros, os doentes são ajudados pelos acompanhantes. Na enfermaria, as camas estão enferrujadas. “Fazemos o que está ao nosso alcance, mas às vezes acontece de o paciente morrer na fila de espera”, diz o prefeito Sebastião Madeira (PSDB). “Além da sobrecarga do sistema, recebemos mensalmente apenas 6,5 milhões de reais do governo federal, mas gastamos no mínimo o dobro com a rede de saúde do município." A 500 quilômetros dali, em Matões do Norte, o hospital da cidade está pronto desde 2011 (foto menor). Apesar de já ter camas e colchões novos, não recebe nenhum paciente. O hospital faz parte do programa Saúde É Vida, da governadora Roseana Sarney (PMDB). O motivo: hospitais como o de Matões foram construídos para ser instituições municipais, mas faltou combinar isso com os prefeitos.

O problema não é a escassez de médico
O Distrito Federal é a unidade da federação com o maior número de médicos (4,09) por 1000 habitantes. Os serviços, no entanto, são precários. Médica de clínica geral, Lilian Suzany Pereira, de 42 anos, trabalha há dezesseis em emergências de hospitais. Ela assume o plantão na lotada emergência do Hospital Regional da Asa Norte, região central de Brasília, às 19 horas, e só para às 7 da manhã. “Acho um insulto o governo sugerir mais humanização à classe médica”, esbraveja ela. Com todos os seus médicos, seus dezesseis hospitais e seus 5,1 bilhões de reais de orçamento anual, a rede pública do Distrito Federal carecia na semana passada de Buscopan, medicamento para cólicas e dores abdominais, e fio cirúrgico para cesariana. Onde existia, era porque havia sido comprado pelos próprios médicos. O problema, descobre-se, não estava no médico, estava na gestão - ou melhor, na falta dela.

É longa a espera
O Rio Grande do Sul está entre os cinco estados com mais médicos. São 2,37 doutores para cada 1000 habitantes. A proximidade com a capital, Porto Alegre (8.73 médicos por 1000 habitantes), não é sinônimo de saúde de qualidade. A apenas 12 quilômetros dali, o posto de saúde 24 horas de Eldorado do Sul sofre as precariedades dos hospitais dos rincões mais desassistidos. Com apenas oito leitos de emergência para a população de 35000 habitantes, os casos mais graves são encaminhados para hospitais próximos. O problema está na demora da transferência, que pode chegara uma semana. Em um episódio recente testemunhado pela clínica geral Carla Pfeifer, um paciente com hemorragia digestiva teve de aguardar três dias para ir para a capital.

O governo na emergência
Rodrigo Rangel, Otávio Cabral e Adriano Ceolin 
Revista Veja, 17/07/2013

Depois da Constituinte e do plebiscito, Dilma quer resolver o problema da saúde obrigando estudantes de medicina a trabalhar dois anos para o governo – mais uma proposta autoritária produzida pelo “pensamento mágico” e destinada ao fracasso.

A sabedoria política imorredoura informa que “quem monta no lombo do tigre acaba dentro da barriga do bicho”. Colocado de outra forma: “O governante que acha que pode controlar os fatos acaba controlado por eles”. As duas lições acima se aplicam com perfeição ao atual momento de Dilma Rousseff e seu governo. Desde que os brasileiros saíram às centenas de milhares às ruas nas grandes cidades, a presidente e seus oráculos estão dando demonstração atrás de demonstração de que não entenderam o recado das ruas. Estão imaginando que podem montar o tigre. Iludem-se com a fantasia de que podem controlar os fatos. As pesquisas já apontavam uma queda significativa da popularidade da presidente quando eclodiram as primeiras manifestações de rua que deixaram o governo em estado de animação suspensa. Era preciso reagir, dar uma resposta firme, mostrar que havia comando — e, principalmente, um comando sintonizado com a opinião pública. O governo optou pelo ilusionismo. Primeiro, anunciou que convocaria uma Assembleia Constituinte para realizar uma reforma política. A ideia, de tão autoritária e inconstitucional, não resistiu 24 horas. A fracassada Constituinte transmutou-se em uma proposta de plebiscito, que, por ser igualmente autoritária e inconstitucional, também teve vida curta.

Na semana passada, o Palácio do Planalto anunciou outra medida na mesma direção. Para atender às demandas dos manifestantes na área da saúde e suprir a falta de profissionais, o governo quer obrigar os futuros estudantes de medicina a trabalhar dois anos nos hospitais públicos. O aluno terá direito apenas a uma bolsa de estudos e, se não cumprir o chamado “período de treinamento”, não receberá o diploma de médico. Apresentada por meio de medida provisória, a decisão precisa ser aprovada pelo Congresso. Porém, tem tudo para ficar pelo meio do caminho. Por quê? Pela mesma razão das anteriores: é autoritária, inconstitucional, inaplicável. É a notória falsa solução simples para um problema complexo. Mas, como dizia Cesare Cantù, o grande historiador universal do século XIX, se a ideia for apenas jogar uma “frase feita à massa ignara e esperar que ela a rumine pelos tempos afora”, os oráculos do Planalto terão feito a sua parte. A do público é não se deixar enganar.

Batizado de Mais Médicos, o programa é mais uma criação do laboratório de ideias atrapalhadas montado no Palácio do Planalto e que funciona à base de pesquisas de opinião. Os resultados das pesquisas chegam, os sábios se reúnem e maquinam uma ideia capaz de passar a impressão de que Dilma resolverá tudo. É um universo paralelo. Em vez de preparar medidas estruturantes capazes de solucionar os problemas, ainda que elas levem mais tempo para dar resultado, recorre-se ao improviso e à marquetagem. O povo está nas ruas reclamando dos problemas na saúde? Basta anunciar que se vão importar médicos e criar um serviço civil obrigatório para os futuros doutores. Isso funciona? Não, né. Mas ilude a plateia por um tempo, pelo menos até que os sábios inventem o próximo ato de ilusionismo.

Entidades de classe, o Conselho Federal de Medicina à frente, compararam a medida do governo às decisões de regimes totalitários e reclamaram por não ter sido consultadas. O mais doloroso para os brasileiros é o fato de que, se a solução oficial é falsa, o problema é verdadeiro. Faltam médicos, enfermeiros, auxiliares. Falta gestão e sobra corrupção. Em uma região privilegiada como o Distrito Federal, por exemplo, cujo orçamento da saúde chega a 5,2 bilhões de reais e que tem o maior número de médicos por habitante do país, somente a incompetência justifica o que se vê: pacientes espalhados em corredores de hospitais imundos e falta de materiais básicos, como macas, medidores de pressão e fios de sutura para cirurgias, só para citar três exemplos. O Distrito Federal, a propósito, é governado por um médico, o petista Agnelo Queiroz.

Na tentativa de ressuscitar o governo, combalido pelas manifestações de rua. Dilma vem recorrendo a um grupo de emergência. Dele fazem parte o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, e duas figuras íntimas do poder, mas estranhas ao governo: o marqueteiro João Santana e o ex-ministro da Censura do governo Lula. Franklin Martins. Responsável pela propaganda eleitoral do PT e da então candidata Dilma Rousseff. João Santana é tratado como o quadragésimo ministro, dada a influência que seu trabalho exerce no Planalto. Suas pesquisas serviram de base ao pronunciamento de Dilma no fim de semana mais agudo da crise e continuam pautando as decisões presidenciais. Na questão dos médicos, por exemplo, um auxiliar da presidente chegou a avisar que ela seria torpedeada pelas associações de classe, o que poderia ser eleitoralmente perigoso, considerando o poder de influência da categoria. Prevaleceu o argumento de João Santana, segundo o qual valia a pena enfrentar os médicos, uma vez que o ganho eleitoral do governo compensaria o desgaste provocado pela medida. A presidente decidiu com os olhos voltados para 2014.

Desde o início das manifestações, Dilma Rousseff vem tentando reduzir ao mínimo os danos. De candidata imbatível, hoje os próprios correligionários põem em dúvida seu potencial. A presidente sabe que só vai recuperar a popularidade e chegar a outubro de 2014 com chance real de ser reeleita se der respostas concretas à crise. Franklin Martins foi escalado pelo ex-presidente Lula, a quem Dilma acorre sempre em situações de emergência. A parceria, quase compulsória, entre o ex-ministro e João Santana obrigou os dois a vencer uma rusga recente, ocorrida na Venezuela, onde ambos foram contratados para trabalhar na campanha presidencial que pôs Nicolás Maduro no lugar de Hugo Chávez. Por divergências de opinião, Franklin se desentendeu com Santana, arrumou as malas e voltou para o Brasil. O chamado de Lula fez com que os dois reatassem. Como ambos trabalham para o projeto petista de poder, eles não descuidam da imagem de Lula. Por isso, as mesmas pesquisas que sondam a aprovação da presidente também avaliam a popularidade do ex.

A ideia de incluir na pauta do governo a convocação da Assembleia Constituinte foi de Martins. A trapalhada, no entanto, funcionou como desinformação, especialidade do ex-ministro. Durante quase duas semanas de crise, Dilma e seu plebiscito pautaram as discussões. No futuro, a presidente pode argumentar que tentou resolver as coisas, mas foi impedida pelo Congresso Nacional. As duas ideias atarantadas — ambas saídas dos manuais do PT — também serviram para aproximar a presidente de uma parte da militância que andava se sentindo desprestigiada. Uma pesquisa mostrou que, apesar dos absurdos, mais da metade dos entrevistados aprovou as iniciativas do governo depois dos protestos. Iniciativas, ressalte-se, que na prática não resultaram em nada.


Pesquisas, pesquisas, pesquisas... É disso que se trata. Após as manifestações, a popularidade de Dilma caiu de 57% para 30%. Não é o que os petistas gostariam, mas também não é o fim do mundo, segundo eles. O grupo de estrategistas da presidente avalia que ela chegará ao fim do ano com pelo menos 40% de índice de aprovação, o que garantiria sua presença no segundo turno. “Há uma relação entre popularidade e quantidade de votos. Com 40%, ela teria cerca de 40 milhões de votos no primeiro turno e sairia na frente na disputa do segundo turno”, diz o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília. Dentro do PT, a oposição à presidente tem crescido na mesma medida do movimento dos companheiros que trabalham 2 pela volta de Lula. Com a base governista dividida, parte das ações anunciadas por Dilma em resposta aos protestos já foi rechaçada pelo Congresso. Até as centrais sindicais, que nos oito anos de governo Lula se recolheram ao anonimato, tentaram, mesmo que de modo pífio, voltar às ruas. Se Dilma quiser mesmo ressuscitar seu governo, é hora de agir. Só encenação não dá mais.

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Apostas de alto risco
Revista Carta Capital, 13/07/2013

Atrair um médico estrangeiro ao Brasil sem validar seu diploma não é importá-lo, é contrabandeá-lo. Também é arriscado sequestrar estudantes de medicina e colocá-los em locais sem nenhuma estrutura ou sem o treinamento adequado
Ajudar quem precisa é a razão da profissão médica. O salário conta, mas não é tudo. Desconsiderando a situação de emergência, na qual vale tudo para salvar uma vida, nenhum médico em sã consciência trabalharia a rotina em um local sem condições de exercer uma boa medicina.
Não se opera sem centro cirúrgico, não se medica sem remédios, não se faz curativo sem gaze e esparadrapo. Infelizmente, os poucos lugares no Brasil onde há tudo isso e nunca falta estrutura ou materiais são as instituições privadas. A regra nos postos de atendimento público é funcionar como um inferno à brasileira: um dia acaba a lenha, em outro falta o diabo e, no terceiro, esquecem-se de acender o fogo.
A cada ano, formam-se mais de 16 mil médicos. Cerca de 390 mil estudantes tentam entrar em uma faculdade de medicina para ocupar uma dessas vagas. Nos últimos dez anos, abriram-se 77 novas escolas no Brasil, é mais que uma por bimestre. Em 2009, havia 185. Nos Estados Unidos, são 141. Dessas, apenas 27 foram criadas nos últimos dez anos. Se as coisas continuarem assim, em vez de importar médicos precisaremos exportá-los. Isso em menos de uma década.
Não faltam médicos no Brasil, o problema é a concentração deles nos grandes centros. Em qualquer lugar do mundo, essa concentração é ocasionada por dois fatores: infraestrutura e salário. Em geral, o médico tem dois ou mais empregos, um para o sustento e outro para continuar o aprendizado. Se o governo quer médicos em lugares remotos, deveria montar um bom hospital-escola na região, a exemplo do que faz a Marinha do Brasil, que possui um hospital de ponta flutuando em rios da Floresta Amazônica.
A partir de 2015 será mais fácil trabalhar como médico no Brasil se você fizer medicina na Venezuela, por exemplo, e depois vir para cá. Hoje, existem mais de 600 médicos formados por lá e ávidos pela ação do governo a seu favor. Sem contar os brasileiros formados em universidades cubanas.
Na minha juventude, espelhava-me em Che Guevara. Com exceção do charuto, ele era um médico impecável, honesto e dedicado a seu propósito. Conviveu com as diferenças de acesso à saúde e percebeu que a América Latina estava à mercê de corruptos. Assim, formou-se revolucionário. Se o governo realmente quer trazer alguns Ches, precisa considerar que eles podem se voltar contra o próprio governo se esse continuar se desviando dó compromisso: de criar uma nação mais justa.
Melhor seria se o governo criasse um plano de carreira para o médico no trabalho público. É preciso pagar um salário digno e dar condições duradouras para que possam exercer a profissão, em qualquer região do País. Em vez disso, o governo inventou de sequestrar estudantes de medicina, colocá-los em locais sem estrutura e sem treinamento adequado. Promete que haverá médicos pós-graduados para supervisioná-los e mantê-los lá por dois anos. Mas o custo de manter uma equipe tão especializada de supervisão pode tornar inviável o ensino médico. Ou faltarão recursos para a assistência dos pacientes.
Todo médico pode trabalhar em quase qualquer lugar do mundo, mas a validação do diploma é fundamental. Nesse processo, também é avaliado o conhecimento médico sobre às peculiaridades do país onde quer atuar. Trabalhei como médico em outras nações e tive de validar meu diploma. Também trabalhei com médicos cubanos em Angola. Após o convênio entre os países minguar, os cubanos que ficaram definitivamente por lá passaram a trabalhar em clínicas particulares e em bons hospitais.

Trazer um profissional da saúde que não tem fluência em nossa língua e não conhece o modus operandi da medicina brasileira pode ocasionar sérios problemas. Atrair um médico estrangeiro ao Brasil sem validar seu diploma não é importá-lo, é contrabandeá-lo. Existe uma pergunta fundamental ainda não respondida pelas autoridades: se o governo trouxer um médico sem validação de currículo para o Brasil e este com um erro durante o trabalho, de quem será a culpa? Do próprio médico ou do governo que o trouxe para cá, sem a cautela de avaliá-lo?

domingo, 14 de julho de 2013

Os centauros da medicina companheira: meio medico, meio escravo - Fernando Reinach

Quando saiu a medida provisória criando o programa "Mais médicos", deveria ter sido criada uma página a respeito pelo Ministério da Saúde, mas não parece haver nada. Talvez tudo não passe de uma ficção, um programa construído apenas para inserir no sistema de atendimento médico do Brasil os companheiros dos companheiros que tinha ido fazer um curso de "medicina" na Escuela Latinoamericana de Salud, de Cuba, e também para acomodar algumas centenas de médicos cubanos, exportados pelo regime a preço de custo (cubano), mas que depois reverte em dólares para o regime comunista.
A opinião do cientista Fernando Reinach é bem mais severa.
Ao final, a carta de um médico à PR, de Porto Alegre, terra governada pelos companheiros.
Paulo Roberto de Almeida

FERNANDO REINACH
O Estado de S.Paulo, 13 de julho de 2013

Incapaz de convencer jovens médicos a trabalhar no SUS, o governo federal resolveu criar um novo profissional, o meio médico meio escravo. Esse profissional, inspirado nos mitológicos centauros e na famosa meia muçarela meia calabresa, virá em duas versões, nacional e importado. É a pizza que vai ser servida no SUS.

Durante anos dei aula para os calouros da Faculdade de Medicina da USP. Eram jovens que haviam escolhido uma profissão em que a derrota é certa. Ninguém consegue escapar da morte. Ingenuamente arrogantes e prepotentes, algo compreensível em quem sempre foi o melhor aluno, sobreviveu dois anos de cursinho, e se classificou entre os 300 melhores no vestibular mais competitivo, acreditavam que se tornando médicos curariam doenças letais, mitigariam o sofrimento, descobririam novos remédios e, lutando contra o único inimigo realmente invencível, ajudariam a humanidade. Durante os dois primeiros anos de curso, a maior dificuldade era mantê-los longe do hospital. Bastava surgir a oportunidade de participar em alguma atividade que envolvesse pacientes e a frequência nas minhas aulas de bioquímica minguava. Isso não era um problema, aqueles alunos aprendiam sozinhos.
Mas nos anos seguintes a realidade desabava sobre a cabeça dos alunos. O primeiro cadáver dissecado, cenas de sofrimento, a primeira morte observada de perto, a primeira parada cardíaca que não consegui reverter, um erro que só não foi fatal porque um supervisor estava atento. A primeira noite no pronto-socorro, uma lâmpada quebrada dentro da vagina de uma paciente. Na década de 80 ano, um aluno se suicidava todo ano. Hoje existe na Medicina da USP um serviço dedicado exclusivamente a ajudar os alunos a enfrentar a impotência e o convívio com o sofrimento e a morte.
Mas a realização do sonho também aparece, sofrimentos são amenizados, situações desesperadoras são revertidas. Aos poucos, os alunos percebem que a medicina moderna é poderosa, mas complexa. Com conhecimento teórico, muita prática e um trabalho coordenado de toda a equipe, o sonho pode se tornar realidade.
A arrogância do calouro que acreditava que se bastava, que o sucesso dependia somente de sua dedicação e esforço, desaparece. Ele aprende que o bom médico, sem recursos diagnósticos e equipamentos, sem leitos hospitalares, sem remédios, sem enfermeiros, sem fisioterapeutas, sem nutricionistas e sem um processo de gestão sofisticado e ágil, vai praticar uma medicina medíocre.
Doenças que poderiam ser curadas pioram, doenças controláveis progridem rapidamente e mortes que poderiam ser evitadas ocorrem frequentemente. Aprendem que o médico é somente uma peça importante do sistema de saúde. Esse aprendizado não é teórico, os alunos trabalham no caos semiorganizado do Hospital das Clínicas, fazem estágios em outros hospitais públicos e em centros de saúde. Ao terminar o curso, eles sabem que praticar a medicina sem suporte é tão difícil quanto jogar tênis sem raquete.
Para os recém-formados, a frustração mais difícil de tolerar é não praticar a medicina que aprenderam por falta de infraestrutura. Muitos, incapazes de suportar a impotência diante de pacientes que voltam piores por falta de remédio, frustrados diante de pacientes que não podem ser tratados por falta de resultados de diagnósticos, ou desesperados com a visão de filas infinitas, abandonam a prática médica. Outros, apesar de despreparados para tarefas administrativas, se tornam gestores na esperança de melhorar a infraestrutura pública. Vários preferem trabalhar em hospitais de elite, onde a infraestrutura é quase perfeita. Alguns desenvolvem uma casca mais grossa e aceitam fazer o que é possível, tolerando a frustração. E é claro que há os que se aproveitam da bagunça para fingir que trabalham e receber o salário no final do mês.
Não é de se espantar que nos últimos anos os serviços públicos não tenham conseguido atrair médicos para trabalhar nos postos de saúde e hospitais onde as condições de trabalho são piores. Os salários foram aumentados, mas a maioria dos médicos recusa um emprego fixo de R$ 10 mil em um local sem infraestrutura. O experimento não foi levado adiante, mas seria interessante saber o salário necessário para convencer os melhores alunos de nossas melhores universidades a venderem seus sonhos.
Melhorar as condições de trabalho é a solução óbvia. Mas isso exige que o governo assuma a culpa e deixe de empurrar o problema com a barriga. Mais fácil é culpar os jovens médicos, pouco patrióticos, que só pensam em dinheiro e se recusam a trabalhar em um sistema público de saúde bem organizado, eficiente, sem filas e tão bem avaliado pela população.
Diálogo no Planalto: “A solução é forçar os médicos a trabalhar onde queremos. Mas como é possível forçar alguém que possui um CRM e portanto o direito de praticar sua profissão em qualquer lugar do País? Fácil, basta criar um CRM provisório, que só permite ao recém-formado clinicar no local designado. Cumprida a missão, liberamos o CRM definitivo. Mas isso não é uma forma de coerção? Não se preocupe, o trabalho cívico fará parte formal do treinamento, basta aumentar o curso em dois anos. Boa ideia, quem escreve a medida provisória?”
No dia seguinte: “Um aluno com um CRM provisório é um médico de verdade? Pode tratar pacientes sem supervisão? Claro que sim, senão como ele vai trabalhar no local designado? Mas então ele não é um aluno, é um médico escravizado. Não, escravidão é inconstitucional, ele tem de ser também aluno, vai lá, escreve a MP, depois resolvemos esse detalhe. Sim, chefe, mas que tal incluirmos os médicos importados na MP? Basta dar a eles uma licença provisória para praticar a medicina no País, uma espécie de CRM provisório atrelado ao local de trabalho. Brilhante, vai, escreve a MP que o Diário Oficial fecha daqui a duas horas.”

No terceiro dia eles descansaram. Haviam criado o meio médico, meio escravo. A pizza que esperam servir aos manifestantes. Se tudo der certo, agora vamos protestar na frente das Faculdades de Medicina e do CRM, os verdadeiros culpados pela crise na saúde pública.
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CARTA À PRESIDENTE DILMA
02/07/2013
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Milton Pires

Excelentíssima Sra. Presidente da República Dilma Rousseff

Permita-me a apresentação: na minha opinião eu sou um médico; na sua um "trabalhador da saúde". Na minha opinião,medicina é cuidar de pessoas doentes; na sua é fazer "transformação social". Eu penso em salvar vidas; a senhora em ganhar votos. Como podemos ver, a senhora e  eu, não temos muito em comum à primeira vista mas existem na minha vida alguns fatos que a senhora desconhece.

Assim como a senhora,eu já fui marxista – e dos fanáticos! Brigava com colegas da faculdade no final dos 80 e início dos anos 90 para ver seu projeto de poder realizado. Caminhei ao lado daquele seu amigo que gosta de uma cachacinha e costuma ser fotografado com livros de cabeça para baixo..Conversei pessoalmente com o "poeta do sêmen derramado" que agora governa o Rio Grande do Sul..

Não tinha ideia correta daquilo que havia acontecido no Brasil entre 1964 e 1985. Imaginava, como a senhora quer fazer parecer até hoje, que tudo estava indo bem até que militares malvados que não tinham nada para fazer decidiram, com ajuda dos americanos, derrubar o governo brasileiro.

Eu só me dei conta, presidente, de quem Lula, a senhora e seu Partido-religião representavam quando comecei a trabalhar com a gente de vocês aqui em Porto Alegre a partir de 98. Duvido que eu estivesse mal-preparado, sabe? Eu já tinha feito 6 anos de faculdade, um ano de residência em Pediatria, um de Medicina Interna e dois de Cardiologia. Gostaria que a senhora visse em que lugar seus "cumpanheros" aqui dos pampas me colocaram para trabalhar...Imagino a senhora doente naquelas condições de segurança, higiene, espaço e administração que a ralé do PT do Rio Grande do Sul nos ofereceu.

A senhora tem ideia de como deve se sentir um médico ao ter seu estágio probatório avaliado por técnicos de enfermagem? A senhora sabe o que é receber, depois de tudo que se estudou na vida, ordens de enfermeiras, presidente? Em nome de que? Em nome de um delírio chamado "democratização da gestão"? Em nome de um absurdo chamado "controle social"??

A senhora tem alguma noção de quantas pessoas eu vi morrerem depois que esse seu partido de assassinos e mensaleiros terminaram com o resto da rede hospitalar brasileira "aparelhando" a gestão dela com uma legião de analfabetos, recalcados, alcoólatras e incompetentes que por oferecer uma parte de seu salário ao PT passaram a dar ordens a homens e mulheres com capacidade de salvar vidas ???

Mas por favor, não fique ofendida comigo presidente, de certa forma essa carta é um agradecimento, sabe? Formado há quase 20 anos, eu nunca havia visto os médicos brasileiros tão unidos quanto agora. É mais um mérito seu e desse seu partido a promover a maior humilhação que os médicos de um país sofreram até hoje! A senhora não tem vergonha de apelar para uma ditadura bananeira, para um país que mata, tortura, prende e vigia seus próprios cidadãos para fornecer médicos para o SEU povo? A senhora é brasileira, ou não, presidente Dilma??

Se não tem vergonha da medicina do seu país, tenha pelo menos do seu povo! A senhora nasceu aqui e a primeira pessoa que lhe viu foi provavelmente um médico do Brasil. Provavelmente vai ser algum colega, intensivista como eu sou hoje, quem vai estar ao seu lado no último momento e mesmo assim a senhora quer chamar médicos cubanos para enganar nossa gente pobre e doente a ponto de garantir sua reeleição? 

Quem lhe deu esse conselho, presidente Dilma? Identifique por favor, um por um, os médicos que lhe cercam e sugeriram semelhante ideia! A senhora e eu já conhecemos alguns, né?  Vamos apresentar os demais ao Conselho Federal de Medicina, ou não?

Presidente Dilma, até bandidos e prostitutas se ofendem quando tem seu território e ganha pão ameaçados. Nós somos médicos, nós salvamos vidas e não vamos permitir que uma profissão cuja origem se perde no tempo seja levada ao fundo do poço por um partido como o da senhora com o argumento de que estamos sendo corporativistas e o Brasil está sem médicos.

Deus lhe proteja na batalha que vai enfrentar conosco, presidente. Se a senhora for ferida vai precisar ser atendida por um médico – e eu duvido muito que ele fale português..

Porto Alegre, 2 de julho de 2013

Milton Simon Pires é Médico - CREMERS 20958.