O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador revolta política. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador revolta política. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Por uma fronda empresarial - Paulo F. P. Machado; P.R. Almeida (OESP)

Início do conteúdo

O artigo mais recente, em colaboração:
2543. “Por uma Fronda Empresarial Brasileira”, Hartford, 8 Dezembro 2013, 2 p. Artigo em colaboração com o acadêmico Paulo Fernando Pinheiro Machado, animador do blog No Bico da Chaleira (http://nobicodachaleira.wordpress.com). Publicado no jornal O Estado de S. Paulo (18/12/2013; link: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,por-uma-fronda--empresarial-brasileira-,1109902,0.htm). Relação de Publicados n. 1117.

Por uma fronda empresarial brasileira

O Estado de S.Paulo, 18 de dezembro de 2013 | 2h 08

PAULO FERNANDO PINHEIRO MACHADO e PAULO ROBERTO DE ALMEIDA
As grandes transformações, para melhor, na vida política e econômica dos países que lograram alcançar altos patamares de prosperidade material e de bem-estar social sempre resultaram de revoltas das elites contra uma situação de opressão por parte de soberanos despóticos, que exageraram na extração da riqueza criada pelas classes produtoras: agricultores, industriais e simples trabalhadores. Assim foi a revolta dos barões ingleses da qual resultou a Magna Carta, limitando a criação de tributos sobre os súditos, o que foi confirmado pela Revolução Gloriosa de 1688; assim foi, também, com a revolução dos colonos da Nova Inglaterra contra os novos impostos criados pelo rei inglês. Episódios semelhantes ocorreram em diversas fases da vida política da França, como quando as elites, ou o "Terceiro Estado", resolveram enfrentar o rei numa "fronda aristocrática", por pretender ele arrancar parte da riqueza e do patrimônio de nobres e altos funcionários para financiar suas guerras; em situações mais agudas, o próprio povo tomou a frente dos levantes.
Todas essas revoltas convergiram para o estabelecimento de sistemas políticos responsáveis, criando aquilo que em inglês se chama accountability, a responsabilização dos dirigentes no tocante aos recursos provenientes da comunidade. O poder do Estado é limitado pela representação popular, havendo prestação de contas das receitas obtidas a partir das riquezas criadas pelas classes produtoras. Esse foi o caminho seguido - por meio de reformas pacíficas ou, eventualmente, em processos revolucionários, com algumas cabeças rolando junto - por todos aqueles países que, finalmente, se tornaram prósperos, com sistemas políticos estáveis e responsáveis perante a cidadania.
O que podemos dizer da situação das classes produtoras no Brasil atual? A vida de um empresário no País, hoje em dia, é uma verdadeira câmara de horrores. Primeiro, ele tem de arcar com o que possivelmente seja a carga tributária mais alta do mundo. Somados todos os tributos que recaem sobre a pessoa jurídica, a carga é, em média, de 68% sobre o rendimento, ante, por exemplo, 52% na Suécia, modelo de Estado de bem-estar. Esses números não refletem toda a realidade. No Brasil, ao contrário da Suécia, o empresário - como a população, de modo geral - tem ainda de comprar no mercado todos os serviços que o Estado, por incompetência, não consegue prover-lhe, como segurança, saúde, educação e transporte. Se essa cobrança duplicada for levada em conta, a carga tributária no Brasil atinge níveis criminais.
Além disso, o empresário opera num ambiente regulatório francamente hostil. Apenas com a burocracia fiscal o empresário brasileiro gasta 2.600 horas por ano, ante 175 horas nos países da OCDE e 380 na média da América Latina. Isso equivale a aproximadamente três meses e meio, 24 horas por dia. Ou seja, é impossível para o empresário lidar sozinho com isso, obrigando-o a ter contadores e advogados em tempo integral somente para lidar com o Fisco. Tente-se vislumbrar, então, o custo para cada um deles ao lidar com a burocracia estatal como um todo: na prática, incomensurável.
Como se tudo isso não bastasse, o empresário brasileiro encontra-se alijado das cadeias internacionais de comercialização, com acesso restrito à tecnologia e ao capital humano, que são as chaves para a inovação. A decadência do ensino no Brasil está levando a um sucateamento do setor privado, que só poderá ser revertido com investimento em educação e abertura ao exterior. Exatamente o oposto do caminho seguido pelo atual governo. País fechado é país condenado ao atraso absoluto e relativo nos circuitos cada vez mais integrados da produção global.
Todos os empresários, mesmo os que circunstancialmente se beneficiam de favores, subsídios ou proteção dados pelo Estado, sabem que o Brasil está gradualmente condenado à perda de competitividade internacional. O País já foi levado a uma situação de isolamento das cadeias produtivas mundiais e está sendo arrastado para longe do grupo de economias mais dinâmicas do mundo, com políticas macroeconômicas e setoriais que o levam de volta ao passado, em lugar de apontar para o futuro. Como nos exemplos históricos precedentes, perspectivas de melhoria só se concretizarão quando as classes produtoras se unirem no objetivo comum de conter a voracidade do Estado e de lutar por um regime político e um sistema de organização econômica que beneficiem realmente as classes produtoras, as únicas que criam as riquezas que vêm sendo dilapidadas pelo ogro famélico em que se converteu o Estado brasileiro.
Está na hora de o Brasil também ter a sua revolta dos "barões", uma fronda empresarial que corrija os aspectos mais deletérios do atual modelo de desenvolvimento e crie um ambiente saudável para o crescimento econômico e a prosperidade de todos os cidadãos. Ninguém mais aceita ser um súdito espoliado por um Estado perdulário. Como sabem os próprios empresários, são eles mesmos que financiam o Estado e o atual sistema político, seja pela via direta dos impostos, seja pela via indireta, nem sempre transparente, das contribuições partidárias.
Que tal começar restringindo essa via àqueles comprometidos com a melhoria do ambiente de negócios? Que tal denegar aos estatizantes os recursos que eles buscam pela pressão pouco discreta ou até pela ameaça? Parafraseando um velho enunciado, os empresários não têm nada a perder, a não ser seus grilhões.
RESPECTIVAMENTE, SOCIÓLOGO, DIPLOMATA, AUTOR DO BLOG 'NO BICO DA CHALEIRA' (NOBICODACHALEIRA.WORDPRESS.COM); E PROFESSOR, DIPLOMATA, AUTOR DE VÁRIOS LIVROS DE DIPLOMACIA ECONÔMICA E DE RELAÇÕES ECONÔMICAS INTERNACIONAIS (WWW.PRALMEIDA.ORG)

===========

Comentário de um leitor do jornal: 

CONTRA UM ESTADO INCOMPETENTE
Cumprimento o jornal pela publicação do artigo dos senhores Paulo Pinheiro Machado e Paulo de Almeida, "Por uma fronda empresarial brasileira" (18/12, A2). O País precisa acordar de seu torpor cívico e é ao escol da Nação que caberia a nobilíssima tarefa de insurgir-se contra a situação insustentável da incompetência governamental e de seus desvios éticos, torpes e populistas. Ao escol, certamente pertencem os políticos, os acadêmicos e outros estamentos sociais como os profissionais de inúmeros outros segmentos. Se os nobres articulistas não se referiram a esses grupos, mas apenas aos membros das "classes produtoras", para lutarem pela mudança de rumos, é porque, consciente ou inconscientemente, consideram perdidos para a causa tais ponderáveis segmentos da sociedade. Se isso for verdade, o País não tem mais conserto. Espero estar errado em minha observação que em nada diminui minha concordância com o teor e oportunidade do artigo.
Mário Rubens Costa xxxxxxx@terra.com.br
São Paulo
Fórum dos Leitores, O Estado de S.Paulo


domingo, 30 de junho de 2013

Medicos de qualidade, hospitais abaixo da qualidade - Juliana Mynssen da Fonseca Cardoso

Juliana Mynssen da Fonseca Cardoso
O Globo, 30/06/2013

Há alguns meses eu fiz um plantão em que chorei. Não contei à ninguém (é nada fácil compartilhar isso numa mídia social). Eu, cirurgiã-geral, "do trauma", médica "chatinha", preceptora "bruxa", que carrego no carro o manual da equipe militar cirúrgica americana que atendia no Afeganistão, chorei.

Na frente da sala da sutura tinha um paciente idoso internado. Numa cadeira. Com o soro pendurado na parede num prego similiar aos que prendemos plantas (diga-se: samambaias). Ao seu lado, seu filho. Bem vestido. Com fala pausada, calmo e educado. Como eu. Como você. Como nós.

Perguntava pela possibilidade de internação do seu pai numa maca, que estava há mais de um dia na cadeira. Ia desmaiar. Esperou, esperou, e toda vez que abria a portinha da sutura ele estava lá. Esperando. Como eu. Como você. Como nós.

Teve um momento que ele desmoronou. Se ajoelhou no chão, começou a chorar, olhou para mim e disse "não é para mim, é para o meu pai, uma maca". Como eu faria. Como você. Como nós.

Pensei "meudeusdocéu, com todos que passam aqui, justo eu... Nãoooo..... Porque se chorar eu choro, se falar do seu pai eu choro, se me der um desafio vou brigar com 5 até tirá-lo daqui".

E saí, chorei, voltei, briguei e o coloquei numa maca retirada da ala feminina.

Já levei meu pai para fazer exame no meu HU. O endoscopista quando soube que era meu pai, disse "por que não me falou, levava no privado, Juliana!" Não precisamos, acredito nas pessoas que trabalham comigo. Que me ensinaram e ainda ensinam. Confio. Meu irmão precisou e o levei lá.

Todos os nossos médicos são de hospitais públicos que conhecemos, e, se não os usamos mais, é porque as instituições públicas carecem. Carecem e padecem de leitos, aparelhos, materiais e medicamentos.

Uma vez fiz um risco cirúrgico e colhi sangue no meu hospital universitário. No consultório de um professor ele me pergunta: "e você confia?".

"Se confio para os meus pacientes tenho que confiar para mim."

Eu pratico a medicina. Ela pisa em mim alguns dias, me machuca, tira o sono, dá rugas, lágrimas, mas eu ainda acredito na medicina. Me faz melhor. Aprendo, cresço, me torna humana. Se tenho dívidas, pago-as assim. Faço porque acredito.

Nesses últimos dias de protestos nas ruas e nas mídias brigamos por um país melhor. Menos corrupto. Transparente. Menos populista. Com mais qualidade. Com mais macas. Com hospitais melhores, mais equipamentos e que não faltem medicamentos. Um SUS melhor.

Briguei pelo filho do paciente ajoelhado. Por todos os meus pacientes. Por mim. Por você. Por nós. O SUS é nosso.

Não tenho palavras para descrever o que penso da "Presidenta" Dilma. (Uma figura que se proclama "a presidenta" já não merece minha atenção).

Mas hoje, por mim, por você, pelo meu paciente na cadeira, eu a ouvi.

A ouvi dizendo que escutou "o povo democrático brasileiro". Que escutou que queremos educação, saúde e segurança de qualidades. "Qualidade"... Ela disse.

E disse que importará médicos para melhorar a saúde do Brasil....

Para melhorar a qualidade....?

Sra "presidenta", eu sou uma médica de qualidade. Meus pais são médicos de qualidade. Meus professores são médicos de qualidade. Meus amigos de faculdade. Meus colegas de plantão. O médico brasileiro é de qualidade.

Os seus hospitais é que não são. O seu SUS é que não tem qualidade. O seu governo é que não tem qualidade.

O dia em que a Sra "presidenta" abrir uma ficha numa UPA, for internada num Hospital Estadual, pegar um remédio na fila do SUS e falar que isso é de qualidade, aí conversaremos.

Não cuspa na minha cara, não pise no meu diploma. Não me culpe da sua incompetência.

Somos quase 400mil, não nos ofenda. Estou amanhã de plantão, abra uma ficha, eu te atendo. Não demora, não.

Não faltam médicos, mas não garanto que tenha onde sentar. Afinal, a cadeira é prioridade dos internados.

Hoje, eu chorei de novo.


Juliana Mynssen da Fonseca Cardoso é cirurgiã geral no Hospital Estadual Azevedo Lima, no Rio de Janeiro.