Sempre leio as cronicas desta jornalista, que me chegam infalivelmente toda sexta-feira.
Nunca postei nenhuma delas, pois sua área, a crítica de costumes, alguns deploráveis, como os da política, por exemplo, não faz parte, digamos assim, de meus interesses essenciais.
Eu tomo os costumes humanos, em especial os brasileiros, pelo que eles são, costumes, vários péssimos (como a corrupção, no nosso caso) que estão sempre necessitando aperfeiçoamentos civilizatórios para que eles se tornem melhores do que eles são, atualmente.
Mas este costume, o de matar mulheres não requer aperfeiçoamento, e sim extirpação, urgente.
Por isso, posto aqui esta crônicamuito triste de Marli Gonçalves.
Paulo Roberto de Almeida
A TERRÍVEL PELEJA DA MULHER CONTRA O CABRA DIABO QUE MACHUCA E MATA. POR MARLI GONÇALVES
Sente o cheiro empesteante de sangue no ar? Consegue ouvir os gritos de socorro, o barulho dos tapas? Ouve as ameaças, os insultos, os palavrões, as acusações, os xingamentos? Ouve o choramingo da criança pedindo, desesperada, Pare! Pare! - e as portas batendo, o som abafado dos tiros? Consegue reconhecer esse outro som oco, o estocar da faca cortando, entrando, furando, esbugalhando? Não tampe mais os ouvidos, não feche mais os olhos. Nesses poucos segundos uma mulher poderá ser assassinada. Nos últimos anos, estima-se que ocorreram, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia
Consegue notar a barbárie? Pode perceber a selvageria da questão que ainda estamos tendo de tratar em tempos ditos tão modernos, tão resolvidos? As mortes de mulheres, as muitas assassinadas por seus ex-companheiros, namorados ou diabos que cruzam seus caminhos, a violência contra a mulher está de novo desmedida, descontrolada, cruel e isso ainda sendo tratado como assunto de segunda ordem. Basta. Todo dia sabemos de um caso mais cruel e escabroso que outro.
Vamos falar desse assunto, senhores e senhoras, brasileiros e brasileiras, meu povo, minha pova? Dona presidenta, valenta, para que está servindo ser uma mulher no poder, se a senhora só faz, diz e se preocupa com masculinices? Como conseguiremos expor esse problema tanto quanto os gays estão conseguindo visibilidade agora? (Pior é que quanto mais viram "mulheres" os homens gays, nessa inversão de papéis, essa mesma violência já os atinge)
Se preciso for, podemos usar várias linguagens, tirar a roupa, botar alguma roupa simbólica, ir às ruas, pintar o sete. Aliás, lendo sobre o assunto, descobri que teve um cabra que compôs um "repente" e que ficou até oficial, cantado em ato da Lei Maria da Penha. (http://youtu.be/8G9Ddgw8HaQ). Pena que tantos atos oficiais para chamar a atenção para o problema não virem atos objetivos contra o problema, por exemplo, como proteger a mulher que denuncia. Por aí, vagando, já que agora viraram fantasmas, está cheio de mulheres que denunciaram, pediram socorro, uma, duas, três vezes. Encaro até tentar criar uma literatura de cordel, embora é capaz de algum coroné querer censurar e proibir, porque seria violento demais o meu relato; já tive minha peleja particular, sou sobrevivente.
Mulheres mortas a facadas, facões, serrotes, marteladas, tiros, porradas, cacetadas, encarceradas, estupradas, decapitadas, torturadas, emparedadas, encurraladas, até postas para cachorro comer, conforme diz a lenda no caso Eliza Samudio, o corpo que sumiu no ar. Empurradas de janelas, mantidas em cativeiro, ameaçadas de perder seus filhos, sua honra, suas famílias, aleijadas, queimadas, desfiguradas.
Eles? Estavam nervosos, corneados, bêbados, drogados, paranoicos, perderam a cabeça, ouviram vozes que mandavam - cada canalha tem uma desculpa e uma versão dos fatos, até porque em geral são eles que ficam vivos para contar a história para atentos policiais homens que irão registrar a ocorrência, "investigar com rigor"". Digo isso, porque temos tido também muitos exemplos recentes de celerados que, depois de fazer o "serviço", se matam também - enfim, já vão tarde. Esse tipo costuma levar para o inferno não só a mulher, como os filhos e às vezes, os parentes que estiverem próximos.
Tenho até azia ao ler no noticiário relatos como "...mas ele era tão calmo, homem bom, trabalhador, quem diria..." Não seja cúmplice. Não tente justificar. Violência não se justifica. Repita cem vezes. Violência não se justifica.
Feminicídio ou femicídio - esse é o nome da violência fatal contra a mulher. Pouco importa se homicídio, feminicídio, melhor chamar de extermínio de mulheres por machistas psicopatas e descontrolados. Essa é uma questão de gênero, de saúde pública, de segurança pública, de cidadania.
Os fatos são esses. Anote. Vamos fazer algo contra a violência contra a mulher. Veja se a Lei Maria da Penha está sendo levada a sério, cumprida. Se quando a mulher vai denunciar é bem atendida. Se continuam funcionando ou, melhor: como não funcionam as nossas à época tão festejadas Delegacias da Mulher - vamos lá ver se estão preparadas, equipadas, com equipes treinadas. A resposta será Não. E não. E não.
Saiba mais sobre a crueldade, dessa cruel realidade e suas estatísticas: 52% das mulheres vítimas têm entre 20 e 39 anos: 31%, idade entre 20 a 29 anos, e 23% tinham entre 30 e 39 anos. 62% do total, mulheres negras ou pardas. 61% das mulheres assassinadas em 2012 eram solteiras, 13%, casadas. Só em 2012 foram 393 mortes por mês, 13 por dia, mais de 1 morte a cada duas horas.
Aproximadamente 40% de todos os homicídios de mulheres no mundo são cometidos por um parceiro íntimo. No Brasil, de 2001 a 2011 calcula-se que foram mais de 50 mil assassinatos, ou seja, aproximadamente 5 mil mortes por ano. Um terço ocorreu no local onde moravam.
50% dos feminicídios tiveram o uso de armas de fogo; 34% foram com algum instrumento perfurante, cortante ou contundente. Enforcamento ou sufocação foi registrado em 6% das mortes. Maus tratos - incluindo agressão por força corporal, física, violência sexual, negligência, abandono e maus tratos (abuso sexual, crueldade mental e tortura) - foram registrados em 3% dos casos de uma pesquisa que abrangeu uma década de estudos.
E atenção! Cuidado com sábados e domingos, mulheres: 36% dos assassinatos ocorreram aos finais de semana, 19% deles naqueles domingos que parecem tão modorrentos.
E que ninguém culpe o Faustão, o Fantástico, ou a Rede Globo por isso. Nem o Fernando Henrique, o FHC.
São Paulo. 2015. Dia da Mulher, vamos aproveitar que estão falando da gente, para tentar nos salvar.
Marli Gonçalves é jornalista -- - Quando precisou de ajuda teve pouco apoio. E vejam que já lutava contra isso o que talvez tenha sido a salvação, ontem, hoje e amanhã. É muito difícil falar sobre isso. Dói onde ficaram cicatrizes. E ainda ter de ver, sentir e ouvir quão desconsideradas podemos ser, nós, mulheres, as que não optaram pela vida fácil e submissão.
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Addendum, para um caso concreto, da coluna do jornalista Carlos Brickmann, em 27/02/2015:
Memória...
Em 2006, Julyenne Cristine, ex-mulher do deputado Arthur Lira, recebeu a visita do ex-marido. Segundo queixa que apresentou à Polícia, o deputado já entrou dando-lhe socos e chutes. A babá de seus filhos, Elane Melo da Silva, depôs dizendo que ouviu tudo e telefonou para a mãe de Julyenne. A mãe foi ao apartamento e, segundo disse, encontrou o parlamentar sentado em cima da esposa, espancando-a. Júlio César Santos Lins, irmão de Julyenne, conseguiu segurar o ex-cunhado e levou a irmã e a mãe à Delegacia, onde prestaram queixa. O exame de corpo de delito, no Instituto Médico Legal, mostrou oito lesões em Julyenne.
...de tempos passados
Mas o tempo passa, o tempo voa. Justo nesse ano, quando o caso deve ser julgado, Arthur Lira espera assumir a presidência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Se o tempo é relativo, como mostrou Einstein, por que os fatos não o seriam? Todo mundo esqueceu a versão anterior dos acontecimentos. Todos, da esposa agredida à mãe dela, do irmão que apartou a briga à babá que chamou gente na hora da briga, ninguém mais lembra da agressão. Dizem agora, aliás, que agressão nunca houve.
E Arthur Lira pode ganhar sua comissão.