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sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Depois das guerras da Ucrania e Hamas-Israel, Venezuela-Guiana é o novo desafio da diplomacia brasileira

 Depois da agressão de Putin à Ucrânia, do Hamas contra Israel, Maduro cria novo foco de tensão, e possível guerra, com a diplomacia brasileira tendo de se manifestar OBRIGATORIAMENTE a respeito de um território que já foi brasileiro em parte.

Conflito na América do Sul: Nova crise na mesa de Lula: Venezuela ameaça anexar a Guiana
Veja.com, 02 de novembro de 2023
Lula está diante de uma nova e grave crise diplomática: Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, deslocou tropas para a fronteira com a Guiana e ameaça anexar dois terços do território desse país depois do domingo 3 de dezembro, quando pretende legitimar em referendo a criação de um "Estado da Guiana Esequiba".
O governo da Guiana pediu na segunda-feira (30/10) a intervenção imediata da Corte Internacional de Justiça, conhecida como Corte de Haia, organismo das Nações Unidas com jurisdição sobre conflitos entre Estados.O primeiro-ministro de Guiana, Mark Anthony Phillips, esteve em Washington nesta quarta-feira (1/2) e obteve garantia de apoio do governo Joe Biden. Em seguida foi à sede da Organização dos Estados Americanos onde apresentou evidências de que a Venezuela está concentrando tropas e construindo um aeroporto militar na fronteira.
Phillips ouviu do embaixador brasileiro na OEA, Benoni Belli, uma oferta de mediação lastreada na experiência secular do Itamaraty de solucionar conflitos pela via diplomática.A disputa territorial Venezuela-Guiana começou há 134 anos.
Até agora, a Guiana venceu o caso em praticamente todas as instâncias internacionais de arbitragem.O declínio político e econômico do regime ditatorial venezuelano levou Maduro a adotar uma postura de confronto aberto inspirado no "modelo" da Rússia de Vladimir Putin na tentativa de anexação da Ucrânia, por enquanto sem êxito.Maduro marcou para 3 de dezembro um "referendo consultivo" que, na prática, levará a Venezuela a abandonar formalmente o processo de arbitragem em curso na Corte de Haia, abrindo caminho para ações unilaterais, eventualmente com invasão militar.
Entre as questões previstas no "referendo" estão a afirmação da soberania da Venezuela sobre a maior parte da bacia do rio Essequibo, ou seja, sobre quase dois terços do território da Guiana estabelecido em 1899 e, desde então, reconhecido em acordos.A consulta de Maduro prevê, ainda, aprovação da criação do "Estado da Guayana Esequiba", em território do país vizinho, com imediata emissão de carteiras de identidade venezuelana à população local.Por trás da manobra está a ambição do regime da Venezuela na apropriação da maior parte de um território onde foram descobertas grandes reservas de petróleo.
Os dados mais recentes indicam disponibilidade comercial reconhecida de nove bilhões de barris de petróleo, equivalente a 60% da reserva brasileira no pré-sal.Foi no Natal de 2019 que os 782 mil habitantes da Guiana receberam a confirmação de um grande prêmio da loteria geológica: o petróleo começou a jorrar no campo de Liza-I, a 120 quilômetros da costa, em frente à capital Georgetown.Mudou a sorte do país mais pobre da América do Sul, vizinho do em 1.605 quilômetros de fronteira com Roraima. O petróleo produzido renovou a perspectiva de futuro de uma sociedade construída por migrantes indianos e africanos nas colonizações holandesa e britânica até 1966.
A ditadura venezuelana, provavelmente, não deve ir além das ameaças. Faltam-lhe apoio doméstico e externo e, sobretudo, dinheiro para uma aventura do gênero em área de interesse primordial dos Estados Unidos, a exploração das reservas de petróleo da Guiana.
O estrago, no entanto, já está feito: Maduro conseguiu aumentar a instabilidade política na América do Sul. América do Sul.

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Governo e oposição da Venezuela criticam líder da OEA por postura sobre Guiana
Zero Hora - Últimas Notícias
02 de novembro de 2023

O governo e a oposição da Venezuela, normalmente com posições antagônicas em tudo, concordaram, nesta quinta-feira (2), em condenar a postura do secretário-geral da OEA, Luis Almagro, sobre a centenária disputa com a Guiana pelo território de Essequibo, zona rica em petróleo.

Almagro, um crítico ferrenho do governo do presidente Nicolás Maduro e aliado natural da oposição, advertiu na quarta-feira a Venezuela por "provocar" a Guiana com uma "linguagem preocupante" e a convocação de um referendo sobre a disputa.

"As expressões deste nefasto personagem, uma desgraça para a história latino-americana e caribenha, correspondem a uma linha vergonhosa de provocação que tenta desestabilizar a região", informou um comunicado do Ministério das Relações Exteriores.

"O ódio do senhor Almagro pela Venezuela leva-o novamente a colocar-se à margem da legalidade internacional."

A Venezuela convocou para 3 de dezembro este referendo consultivo, não vinculativo, que propõe a criação de um estado (província) nessa região e a nacionalização de seus habitantes.

"O regime (da Venezuela) deve respeitar os princípios de paz e evitar qualquer confusão e mensagem lesiva", disse Almagro, que alertou sobre "provocações" e sobre os movimentos de tropas na fronteira.

"Seu silêncio sobre as concessões em território em disputa e inclusive em águas que são da Venezuela e não estão em discussão é grave. Seja pelo menos imparcial", declarou Gerardo Blyde, membro da delegação da oposição em negociações com o governo de Maduro mediadas pela Noruega.

"O Essequibo é um assunto de Estado que envolve todos os venezuelanos, além de quem exerça o poder", disse Blyde.

- "Campanha contra o referendo" -

Biagio Pilieri, outro porta-voz da coalizão oposicionista Plataforma Unitária Democrática (PUD), disse durante uma entrevista coletiva na quarta-feira que os partidos agrupados neste bloco defendem que "o Essequibo é território venezuelano".

"Disso não pode haver dúvida, não a houve, nem a há, nem a haverá jamais", destacou Pilieri, que apontou que a PUD fixará posição sobre se a consulta "ajuda ou não" a causa venezuelana pelo Essequibo.

"A Venezuela tem um ponto de unidade em torno da defesa do território e do Essequibo, que não se deve confundir a defesa dos venezuelanos ao Essequibo com um apoio político a ninguém", disse aos jornalistas o consultor político Luis Vicente León, diretor da Datanálise.

No entanto, seguindo essa tradição antagonista, Maduro acusou a oposição venezuelana de liderar uma campanha contra o referendo consultivo organizado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano.

"Começaram uma campanha contra o referendo consultivo, denuncio a campanha da ultradireita da Plataforma Unitária que viola os acordos de Barbados e que ofende o povo da Venezuela e que faz o trabalho da Exxon Mobil", afirmou Maduro na segunda-feira mostrando um suposto panfleto.

* AFP

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

O legado da Constituição de Cádiz na Constituinte de 1823 - Paulo Roberto de Almeida

 


O legado da Constituição de Cádiz na Constituinte de 1823 

 

Paulo Roberto de Almeida, sociólogo, diplomata e professor.

Notas para exposição oral no quadro do seminário comemorativo dos 200 anos da Assembleia Constituinte de 1823: Assembleia Constituinte de 1823: Antecedentes e Consequências; Mesa 4: “O ideário Jurídico da Constituinte de 1823”; Câmara dos Deputados, dia 9/11/2023, 9:00hs.

 

Existem, por certo, inúmeros afluentes doutrinais e conceituais que vão conjugar-se, entre o final do século 18 e o início do 19, na formação do grande rio jurídico que desemboca nos trabalhos da brevíssimo primeira Constituinte brasileira, a que começou os debates sobre a Carta inaugural do Império do Brasil, em meados de 1823, e que terminou brutalmente cerceada na “noite de agonia” no final desse mesmo ano, sem poder concluir seu mandato pela vontade arbitrária do primeiro imperador. Esses afluentes intelectuais, no campo doutrinal, podem ser brevemente listados, num itinerário de aprofundamento do constitucionalismo escrito – à diferença do direito costumeiro da tradição anglo-saxã – até as Cartas que foram sendo elaboradas sucessivamente no hemisfério americano e mesmo em alguns reinos europeus, como referido cronologicamente a seguir: desde a Declaração da independência das trezes colônias americanas, passando pela Constituição da Filadélfia, de 1787, pela Revolução francesa de julho de 1789 e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de agosto do mesmo ano, mas sobretudo pelo grande monumento do constitucionalismo liberal representado pela Constituição de Cádiz  de 1812, e sua influência direta na Revolução do Porto de 1820, nos trabalhos das Cortes de Lisboa de 1821-22 e nos trabalhos incipientes do nosso primeiro exercício soberanos de elaboração constitucional, experimentos esses intermediados pelas elaborações doutrinas de um Benjamin Constant, todos esses afluentes vão enriquecer e desembocar no caudaloso rio do ideário Jurídico da Constituinte de 1823, como já refletido em ensaios e estudos de diversos especialistas em história constitucional, brasileira, hemisférica e continental europeia. 

No plano conceitual, por outro lado, sobressaem, no enriquecimento do debate político em torno da construção progressiva des regimes de monarquia constitucional na Europa e na América portuguesa, os aportes extremamente ricos do jornalista Hipólito da Costa em torno de todos esses processos revolucionários e de construção jurídica que partem do imenso tsunami constitucional registrado na França da Convenção, do Diretório, do Consulado e do Império napoleônico, até a Restauração, escritos de circunstância e análises mais detidas, publicadas nas páginas do Correio Braziliense, e que incidem, justamente sobre as revoluções constitucionais ibéricas e mesmo em Nápoles, com destaque para a Constituição de Cádiz de 1812, não particularmente apreciada por Hipólito – por sua extrema restrição aos poderes do monarca –, mas que estará inteiramente refletida no triênio liberal espanhol de 1820-23, que viu a Fênix de Cádiz renascer espetacularmente, até servir de inspiração ao Sinédrio português que protagonizou a Revolução do Porto de 1820, viu-se adotada temporariamente em Portugal e no Brasil (em 1821), para ser depois suplantada pelas Cartas Magnas de 1822, em Portugal, e a de 1824 no Brasil, outorgada pelo imperador a partir de um texto de comissão, mas que ainda assim guarda muitas conexões com o texto de Cádiz. 

Uma conferência conceitual e comparações textuais entre o tronco exacerbadamente parlamentarista da Carta original de Cádiz e o projeto de Antonio Carlos na Constituinte de 1823, assim como com vários dispositivos constitucionais da Carta outorgada em 1824, revelam essa aproximação e esse legado de Cádiz, embora obscurecido pelas diferenças de itinerários políticos e por um contraste mais significativo, que é o do poder moderador, o sustentáculo oportunista de certa preeminência do monarca sobre as tendências nitidamente parlamentaristas – ao estilo inglês de 1688, “o rei reina, mas não governa” – de quase todos os exercícios de elaboração constitucional aqui referidos. Cabe, com efeito, registrar, que o texto de Cádiz chegou a ser temporariamente adotado como base constitucional provisória por ocasião das Cortes de Lisboa, em 1821, e pela própria regência de D. Pedro no Brasil, inspirando as bases para a constituição da monarquia portuguesa, as primeiras eleições gerais no Brasil, o trabalho dos brasileiros nas Cortes Portuguesas e aqueles que se seguiram em 1823 na Assembleia Constituinte do Rio de Janeiro, em 1823, com diversos reflexos sobre a própria Constituição outorgada em 1824.

Um esquema interpretativo sobre esse legado gaditano pode ser conferido, no plano jurídico-doutrinal, com a ajuda de uma dissertação de mestrado em Direito, defendida em 2013 na Universidade do Rio Grande do Sul, nomeadamente a de Wagner Silveira Feloniuk – A Constituição de Cádiz e sua influência no Brasil –, que mereceria ser editada e publicada em formato de livro, talvez por iniciativa de uma das duas casas do Congresso brasileiro. No plano político-constitucional, a referência incontornável e obrigatória são os muitos textos analíticos, que permeiam os registros puramente factuais e documentais, do Correio Braziliense, de Hipólito da Costa, cujos exemplos mais eloquentes foram reunidos por Sergio Goes de Paula, a partir da transcrição seletiva desses verdadeiros ensaios de direito constitucional que foram elaborados pelo grande pioneiro do jornalismo brasileiro independente, relativos aos anos cruciais de 1820 a 1822, culminando pela própria proposta de Constituição para o reino do Brasil que ele elaborou quase ao término de sua grande aventura de pensador do Brasil como Estado nação. 

 

Referências bibliográficas: 

Costa, Hipólito José da (2002-2003)Correio Braziliense, ou, Armazém Literário. reedição fac-similar; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Correio Braziliense; coordenação de Alberto Dines e Isabel Lustosa (disponível Biblioteca Mindlin-USP: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm-ext/1303).

Feloniuk, Wagner Silveira (2013). A Constituição de Cádiz e sua influência no Brasil. Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito; orientador: Professor Doutor Cezar Saldanha Souza Júnior (disponível: https://bdtd.ibict.br/vufind/Record/URGS_0a056903b81ce0108c93cfe5b717fd54).

Goes de Paula, Sergio (org., introdução) (2001). Hipólito José da Costa. São Paulo: Editora 34; coleção Formadores do Brasil. 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4488, 8 outubro 2023, 3 p. 

 

Participantes da mesa 4, “O ideário Jurídico da Constituinte de 1823”:

José Bonifácio de Andrada - Subprocurador-Geral do Ministério Federal-MPF e Vice-Presidente do Conselho do MPF.

Paulo Roberto de Almeida - Diplomata e escritor 

Gilmar Mendes - Ministro do Supremo Tribunal Federal

Presidente da mesa: Dep. Arlindo Chinaglia

 

200 Anos da primeira Assembleia Constituinte - seminário na CD, 7-9 novembro 2023

 

 

 

 

 

Seminário comemorativo dos 200 anos da Assembleia Constituinte de 1823


Antecedentes e Consequências 


Câmara dos Deputados e Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 

Brasília, 7 a 9 de novembro de 2023

 

 

MINUTA DA PROGRAMAÇÃO

1º dia – de novembro (terça-feira)

11

Sessão Solene – Plenário Ulysses Guimarães

• Obliteração do selo comemorativo
• Lançamento da medalha
• Lançamento dos livros 

Abertura e visita à exposição no Corredor Tereza de Benguela  

18h30

Palestra de abertura do seminário – Salão Negro

• Arno Wehling – Professor, acadêmico, advogado e historiador brasileiro
• Malcom Forest  Músico, ator, compositor, cantor, diretor de cinema e tradutor

19h30

Apresentação da Orquestra Sinfônica da Aeronáutica

21h

Coquetel de Congraçamento 

 

2º dia – de novembro (quarta-feira) - Auditório Nereu Ramos

9h às 11h30

Mesa 1 – O Movimento Constitucional em Portugal e no Brasil 

 

Rafael Nogueira – Jornalista, autor de diversos livros de divulgação sobre temas históricos e presidente da Fundação Catarinense de Cultura (FCC)

Jorge Caldeira - Historiador, editor, autor de livros de grande sucesso sobre a História do Brasil

Rui de Figueiredo Marcos – Professor da Universidade de Coimbra

José Theodoro Mascarenhas Menck – Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados

Presidência da mesa: Dep. Lafayette de Andrada 

12h às 14h

ALMOÇO 

14h às 16h30

Mesa 2 – Os desafios da Assembleia Constituinte de 1823

 

Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves – Professora universitária e historiadora brasileira

Alexandre Mansur Barata Professor titular do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora e colaborador do Programa de Pós-Graduação em História

Cecília de Salles Oliveira - Pesquisadora e historiadora do Departamento de História da Universidade de São Paulo

José Oliveira Anunciação - Taquígrafo, supervisor de pronunciamentos aposentado da Câmara dos Deputados e ex-Diretor do Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação de 2001 a 2011.

Presidência da mesaDep. Patrus Ananias 

16h30 às 17h

INTERVALO PARA CAFÉ 

17h às 19

Mesa 3 – O legado da Constituinte de 1823

 

Fábio Siebeneichler de Andrade – Professor do programa de pós-graduação da PUC/RS.

Marcelo Casseb Continentino – Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de Pernambuco (FCAP-UPE). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado), da Universidade Federal Rural do Semiárido UFERSA

Pablo Antônio Iglesias Magalhães - Professor associado à Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB). 

Presidente da mesa: Dep. Soraya Santos 

 

3º dia  9 de novembro (quinta-feira) - Auditório Nereu Ramos

9h às 11h30

Mesa 4 –O ideário Jurídico da Constituinte de 1823

 

Joaquim Levi – Procurador da Fazenda 

José Bonifácio de Andrada – Subprocurador-Geral do Ministério Público Federal (MPF) e Vice-Presidente do Conselho do MPF. 

Paulo Roberto de Almeida – Diplomata e escritor

Gilmar Mendes – Ministro do Supremo Tribunal Federal 

Presidente da mesa: Dep. Arlindo Chinaglia

12h às 14h

ALMOÇO

14h às 16h30

Mesa 5 – Os atores e os personagens da Assembleia Constituinte de 1823

 

Cecília Cordeiro – Possui Bacharelado e Licenciatura em História pela Universidade de Brasília, Mestrado e Doutorado em História

André Heráclio do Rêgo – Diplomata e historiador, autor de livros sobre família e coronelismo, representEntãoação dos sertões e sobre o historiador Manuel de Oliveira Lima. 

Miriam Dolnikoff - professora de história da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Cebrap. Especialista no período imperial brasileiro.

Bernardo Felipe Estellita Lins Consultor legislativo da Câmara dos Deputados.

Presidente da mesa: Dep. Luiz Philippe de Orleans e Bragança

16h30 às 17h

INTERVALO PARA CAFÉ 

17h às 18h30

Mesa 6 -  A Dissolução da Constituinte 

 

Júlio Cezar Vellozo – Historiador do Direito, mestre e doutor pela USP. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e dos cursos de graduação e pós-graduação da FADISP

Christian Lynch – bacharel em direito pela UNIRIO, mestre em direito pela PUC-RJ e doutor em ciência política pelo IESP-UERJ.

João Paulo Pimenta – Professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo desde 2004. 

Antônio José Barbosa - Consultor Legislativo aposentado do Senado Federal e professor do Departamento de História da Universidade de Brasília desde 1987

Presidente da mesaDep. Orlando Silva 

19h 

ENCERRAMENTO

 

 

 

Grande estratégia e idiossincrasias corporativas: uma reflexão a partir da experiência de George Kennan (2012) - Paulo Roberto de Almeida

 Grande estratégia e idiossincrasias corporativas:

uma reflexão a partir da experiência de George Kennan

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 2409: 14 de julho de 2012

 

 

Lendo a biografia de John Lewis Gaddis, sobre o grande diplomata e historiador americano, que dominou a segunda metade do século XX, George F. Kennan: An American Life (New York: The Penguin Press, 2011), deparo-me com um trecho, relativo ao ano de 1943, quando Kennan era encarregado de negócios na legação dos Estados Unidos em Lisboa; negociações eram conduzidas na capital portuguesa para assegurar o uso, por forças americanas, dos Açores, como plataforma absolutamente indispensável para conduzir as operações europeias da Segunda Guerra Mundial em sua vertente norte-atlântica:

“[George Kennan] began to develop... a new sense of responsibility within the duties assigned to him: at several points over the next few years Kennan took risks that jeopardized his own Foreign Service career because he thought that the national interest demanded that he do so. Obliged to operate for the first time at the level of grand strategy, he found the rules oh his profession falling short. He chose, successfully but dangerously, to violate them.” [Loc 3387 of 18204 Kindle edition, Ó Amazon].

Gaddis informa ainda, na sequência dessa passagem, as circunstâncias em que Kennan decidiu assumir vários riscos em sua carreira, violando deliberadamente várias regras do jogo, tal como definidas por instituições excessivamente burocráticas ou muito conservadoras, tanto o Departamento de Estado quanto o comando das Forças Armadas, como se pode depreender desta transcrição adicional:

“During the Azores base negotiations [com o próprio Primeiro-Ministro português Antonio de Oliveira Salazar], Kennan violated at least four rules, any one of which could have him sacked from the Foreign Service. He exceeded his instructions in a conversation with a foreign head of government. He refused to carry out a presidential order. He lied, to another government, about the position of his own. And he went over the heads of his superiors in the State Department – as well as the secretary of war and the Joint Chiefs of Staff – to make direct appeal to the White House.” (Loc 3436 of 18204 Kindle edition, Ó Amazon).

 

Estas passagens chamaram-me obviamente a atenção, ou “struck a cord on me”, como diria o próprio Gaddis, provavelmente o maior historiador vivo da Guerra Fria e o único biógrafo autorizado de George Kennan. Explico por que, já que isso tem a ver com a mesma sensação de barreiras burocráticas e conservadoras, em assuntos que demandariam uma visão mais larga dos processos diplomáticos, que eu já enfrentei na carreira. Não querendo me comparar a George Kennan, possivelmente o maior especialista diplomático americano em assuntos russos que jamais existiu nos anais daquele serviço diplomático, mas eu também adquiri, ainda antes de ingressar no serviço diplomático, uma percepção histórica e estrutural de muitos dos temas que compõem, burocraticamente, a agenda diplomática corrente. 

Tendo começado a estudar os assuntos brasileiros desde muito cedo – compulsando uma bibliografia de nível universitário, ou de pesquisa especializada, ainda quando estava em meio aos estudos do ciclo médio – desenvolvi provavelmente de maneira muito precoce um cuidado com a análise do contexto, dos precedentes históricos, e dos impactos estruturais ou implicações políticas de cada um dos problemas com que me deparava em minhas leituras ou pela leitura dos jornais de maior qualidade em suas edições dominicais (invariavelmente o velho jornal conservador O Estado de São Paulo, ainda quando discordasse profundamente de seus editoriais, que julgava representativos das opiniões da “classe dominante”). Foram anos, em meados da década de 1960, em que eu lia os grandes mestres da teoria social brasileira, entre eles os representantes da “escola paulista de Sociologia” – que pouco depois se tornaria minha alma mater, ao ter ingressado no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – e através dos quais eu filtrava minhas reações aos editoriais “reacionários” do Estadão, combinando todas essas leituras para refletir sobre os caminhos do desenvolvimento econômico e político brasileiro, no quadro das crises contínuas que agitavam o período que se tinha iniciado com o golpe de 1964, e que eu imaginava combater pela via do socialismo e de um governo comprometido com a “ditadura do proletariado”. 

Independentemente dessas ilusões e descaminhos ideológicos – que foram sendo corrigidos tão pronto eu deixei o país, no final de 1970, para conhecer o triste cenário do socialismo real do leste europeu e as nuances dos capitalismos realmente existentes na Europa, durante quase sete anos – eu adquiri, a partir desses hábitos juvenis de leitura, um sentido de abrangência analítica e de inserção contextual que me acompanharia pelo resto da vida, sobretudo no domínio profissional, quando ingressei na carreira diplomática, poucos meses depois de voltar da Europa em 1977. Mas o que isso quer dizer, no quadro desta seleção de trechos da biografia de Kennan por Lewis Gaddis? Explico-me agora mais detalhadamente. 

Ingressei no Itamaraty ainda na era militar, quando ainda pensava em derrubar o regime, embora não mais pela via das armas e sim pela via da pressão democrática. Tampouco pretendia converter o Brasil em uma nova Cuba ou uma nova China, como talvez fosse a intenção em meados dos anos 1960; mas o modelo ainda seria algo bem próximo do socialismo democrático europeu, que eu julgava bem mais propenso a empreender a correção das tremendas injustiças sociais em vigor no Brasil, desde sempre, do que, alternativamente, a visão mais pró-mercado que não tenho hesitação em defender atualmente. Nessa época, eu ainda era obrigado a escrever artigos com algum nom de plume, já que minhas “convicções radicais” provavelmente chocariam meus colegas e superiores diplomáticos – que eu considerava todos alinhados ao regime – e chamariam a atenção dos órgãos de segurança, especialmente ativos naquela conjuntura, quando a repressão física tinha amainado, mas o controle de inteligência continuava atento a todas as manobras da oposição ao governo militar.

Tendo iniciado minha carreira no Itamaraty por uma divisão secundária, a do Leste Europeu (então todo ele dominado pela União Soviética), pude distinguir-me rapidamente em alguns trabalhos analíticos, inclusive porque, ademais dos boletins da Radio Free Europe e da Radio Liberty – ambas financiadas pela CIA, obviamente – que líamos na DE-II, eu possuía um conhecimento interno, se ouso dizer, sobre o funcionamento desses regimes autoritários, já que tinha militado na esquerda marxista durante tempo suficiente para aprender – e apreender – todos os trejeitos vocabulares e as muitas peculiaridades políticas do mundo comunista. Recordo-me, em todo caso, de uma informação que preparei sobre o quadro político no leste europeu, em especial sobre a situação da Polônia, no imediato seguimento, em 1978, da surpreendente eleição do cardeal Karol Wojtila como o novo papa, de nome João Paulo II. Ao que parece, minha análise abrangente das implicações dessa escolha para todo o leste europeu e para o poder comunista foi devidamente apreciada pelos meus superiores, para ascender ao conhecimento do Gabinete do ministro, o que constitui, no Itamaraty, uma marca de distinção a dividir os assuntos que permanecem na “senzala”—como sempre foram depreciativamente chamados os serviços setoriais das divisões, no Anexo – e os que ascendem ao conhecimento da Casa Grande, como se designavam, respeitosamente, os dois gabinetes do Palácio. 

Não exatamente por esse episódio específico, mas talvez mais pelo meu jeito histórico-intelectual de interpretar cada iniciativa ou resposta do serviço diplomático brasileiro, em função de um contexto mais vasto, no tratamento dos assuntos da agenda corrente, fui sendo considerado um diplomata especial, ou diferente, talvez bizarro, em todo caso colocado num clube à parte, não necessariamente melhor, dessa tribo de elite dos servidores do Estado. De um lado, nunca tive que mendigar postos ou posições no curso da carreira, já que em geral recebia convites para servir em tal posto ou tal unidade da Secretaria de Estado; de outro lado, jamais me dediquei a “pescar” votos de colegas ou implorar apoio de chefes para ser promovido na escala funcional, o que ofenderia meus princípios pessoais, ou minha maneira de ser, mas que pode ter irritado muita gente da corporação. 

Tampouco pedia permissão para escrever à minha maneira – e não naquele burocratês diplomático que tanto desprezo – ou sequer me desculpava por pensar de forma muito diferente da maior parte dos colegas ou mesmo dos superiores, e mais de uma vez ousei contestar opiniões de chefes em reuniões de coordenação, quando os fundamentos de minha posição me pareciam suficientemente sólidos para levantar o dedo e exclamar – algumas vezes na estupefação dos colegas e alguns superiores – uma frase do tipo: “Não é bem assim [Fulano]!” Acho que isso talvez não tenha ajudado no curso ulterior, ou superior, da carreira. Já ao ingressar na carreira, revoltei-me contra a exigência, que sempre julguei absurda – e anticonstitucional, em todo caso violadora dos direitos individuais, que invariavelmente coloco acima dos interesses do Estado –, de ter de pedir permissão às autoridades pertinentes para contrair matrimônio com minha esposa: um abuso e uma indignidade, a que meu espírito anarquista jamais consentiu por princípio. Numa etapa intermediária, cansado do ritual de ter de pedir permissão para publicar que fosse uma simples resenha de livro sobre temas da diplomacia, deixei de submeter textos à apreciação superior, e passei a publicar o que julgava apropriado e conveniente (ainda que exercendo algum grau de autocensura no que era cabível dizer de público sobre tão augusta Casa e tão distinguido Serviço Exterior). 

De fato, se ouso julgar, agora, as características do serviço em prol do qual exerci meus talentos nas últimas três décadas e meia, eu diria que o Itamaraty tem uma cultura muito especial, em todo caso diferente das demais corporações a serviço do Estado. Confessadamente, eu nunca fui muito adepto das manias e trejeitos dos meus colegas diplomatas: trata-se de uma carreira ultra competitiva, com altas doses de autocontenção, marcada por dogmas de disciplina e hierarquia que nunca se encaixaram bem ao meu natural libertário, exigindo ainda certo enquadramento nos rituais internos para que essa competição seja bem sucedida no plano individual, ou seja, para que ela se reflita na progressão funcional, na atribuição de postos e outras distinções. Visivelmente, eu nunca pretendi me enquadrar no estilo de rigor. Sempre mantive meus hábitos de trabalho, em parte isolado, estudando e escrevendo, de outra parte falando com sinceridade aquilo que me parecia negativo do ponto de vista da pura racionalidade instrumental dos objetivos diplomáticos. Ainda que tal tipo de atitude possa suscitar admiração em certas áreas, acredito que essas não são as qualidades requeridas para se triunfar numa Casa que faz da obediência estrita aos superiores a pedra de toque para a inserção no inner circle dos premiados oficiais.

Tomando como base o que acima vai descrito, não tenho qualquer restrição mental em confessar que, em diversas ocasiões, dissenti das opiniões oficiais da Casa – ou seja, aprovadas em alguma instância superior – no tratamento de temas específicos ou na condução de algumas negociações para as quais eu me julgava especialmente preparado, em função, justamente, dos estudos que eu conduzia paralelamente à carreira, para aprofundar-me nos assuntos que me eram atribuídos. Uma atitude desse tipo não é fácil de ser assumida, quando se trata, não das preliminares para a formulação de uma posição negociadora, mas de instruções formais, consubstanciadas em telegrama da série, com base na qual a resposta invariável do diplomata obediente deve ser: “Cumpri instruções”, e o chefe do posto passa a relatar como ele se ateve fielmente às ordens emanadas da Santa Casa.

Pessoalmente, já passei por esse tipo de situação, envolvendo uma negociação internacional de um tratado multilateral. Tendo me ocupado do tema durante meses e meses, eu literalmente dominava o assunto, técnica e diplomaticamente, e as instruções formuladas em Brasília, de nítido corte tradicional, eram claramente inadequadas. Os argumentos que poderiam ser mobilizados em favor de teses diferentes ou alternativas, por mais racionais ou “probatórios” que sejam (com base numa análise histórica, nos dados da economia, numa visão de longo prazo), nem sempre são convincentes ou suficientes para “dobrar” o burocrata na outra ponta do processo ou até fazer com que a instituição como um todo se mova em outra direção. Esse tipo de situação pode ser terrível, pois aparentemente (ou concretamente) o diplomata em causa pode estar se colocando contra as instruções da sua instituição.

Não tive medo de fazê-lo, naquele momento preciso, assim como em outras circunstâncias posteriores. De certa forma, esse tipo de atitude me prejudicou, pois fiquei com fama de rebelde, de dissidente, de arrogante, de pretencioso “sabe-tudo” e outros qualificativos mais, que nem são do meu conhecimento. Se insisto em certas teses é, contudo, com base num estudo profundo das problemáticas das quais me é dado ocupar. Sou por excelência um estudioso compulsivo, e não costumo me dobrar a nenhum argumento de autoridade, e sim à autoridade do argumento. Numa casa “feudal”, como é o Itamaraty, isso é quase um crime de lesa-majestade.

Mas o assunto supera as atitudes individuais de um diplomata, para adentrar no terreno mais complicado das questões macro-políticas, ou se quisermos, no eterno debate sobre como interpretar o chamado “interesse nacional”, um conceito altamente difuso para permitir qualquer tipo de argumento não fundamentado ou especioso. Não vou tratar das bases epistemológicas do que, exatamente, constituiria o interesse nacional nos limites desta reflexão, mas vou tratar da questão no contexto da própria formação e educação dos diplomatas. Acredito, com base numa avaliação puramente subjetiva, que poucos diplomatas têm uma cultura econômica verdadeira, ou seja, o instrumental analítico de cunho histórico e econômico que poderia levá-los a analisar uma questão qualquer de política externa do ponto de vista daquilo que os economistas chamam de custo-oportunidade do capital, ou seja, a eficiência paretiana dos meios e fins, que não se restringe ao melhor emprego dos recursos, ou a um cálculo sobre o retorno dos investimentos, mas envolve todos os “fatores de produção” de um determinado assunto diplomático. Tudo, ou quase tudo, na diplomacia, é feito de forma muito politizada e, por vezes, de forma irracional, já que levando em conta circunstâncias imediatas e as preferências políticas de quem manda, não necessariamente os interesses de mais longo prazo da nação.

Teríamos inúmeros exemplos de decisões claramente absurdas, no contexto mais vasto das tradições diplomáticas brasileiras, tomadas em certo período, e que no entanto foram tomadas, ao arrepio de qualquer racionalidade administrativa ou mesmo política; eximo-me, por razões diversas, mas claramente compreensivas, de discorrer sobre elas neste momento. O fato é que, em momentos como esses, o ator em questão tem várias escolhas, todas elas difíceis: submeter-se passivamente a instruções que ele pode julgar prejudiciais ao país ou ao serviço, no contexto dos interesses de mais longo prazo; negar cumprimento e argumentar alternativamente ao que julga contrário a suas convicções ou avaliação do tema em apreço; afastar-se do processo, com prejuízo pessoal ou fricção funcional. 

Minhas próprias atitudes sempre foram pautadas em função de minha trajetória habitual de estudos e de busca de coerência lógica no processo decisório, esforçando-me por manter minha indispensável integridade intelectual, em face de eventuais adversidades momentâneas, que sempre julgo devam ser afrontadas com serenidade e com a dignidade funcional que devem guiar o comportamento de membros de uma corporação como esta à qual pertenço. Em tempos difíceis de submissão a vocações autoritárias essas atitudes cobram um preço por vezes difícil em termos pessoais, mas a coerência e a honestidade na defesa de certos princípios, que reputamos mais elevados do que a acomodação servil, e a consciência de se estar defendendo causas mais altas do que as escolhas sectárias do momento constituem os prêmios mais gratificantes que se possa ter num itinerário de vida. 

Vale persistir, como aliás demonstrou o próprio George Kennan, ao abandonar a carreira diplomática, para ingressar numa categoria à parte da história intelectual de seu país, como um grande pensador das relações internacionais dos Estados Unidos. Sem aspirar a tanto, e sem renunciar a uma carreira que me trouxe tantos benefícios intelectuais e pessoais, vou persistir na defesa da coerência com o livre pensamento mesmo nos tempos sombrios e tristes de um outro regime autoritário.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 2409: 14 de julho de 2012.

Postado no blog Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2012/07/uma-reflexao-baseada-em-george-kennan.html).

Postado novamente no Diplomatizzando em 4/01/2016 (link: http://www.diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/01/george-kennan-era-um-contrarianista.html).

 

Reflexões ao Léu: A Grande Estratégia do Brasil (2011) - Paulo Roberto de Almeida

 Reflexões ao Léu: A Grande Estratégia do Brasil

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 9 de março de 2011

 

O Brasil possui uma estratégia, grande ou pequena? Talvez, embora nem sempre se perceba. Os militares talvez tenham pensado em alguma, e ela sempre envolve grandes meios, para defender as grandes causas: a soberania, a integridade territorial, a preservação da paz e da segurança no território nacional e no seu entorno imediato. Enfim, todas aquelas coisas que motivam os militares. Os diplomatas, também, talvez tenham escrito algo em torno disso, e ela sempre envolve o desenvolvimento nacional num ambiente de paz e cooperação com os vizinhos e parceiros da sociedade internacional, no pleno respeito dos compromissos internacionais e da defesa dos princípios e valores constitucionais, que por acaso se coadunam com a Carta da ONU. Mas eles também acham que está na hora de “democratizar” o sistema internacional, que ainda preserva traços do imediato pós-Segunda Guerra, ampliando o Conselho de Segurança da ONU, reformando as principais organizações econômicas multilaterais e ampliando as possibilidades de participação dos países em desenvolvimento nas instâncias decisórias mundiais; enfim, todo aquele discurso que vocês conhecem bem.

Tudo isso é sabido, e repassado a cada vez, nas conferências nacionais de estudos estratégicos, em grandes encontros diplomáticos, nos discursos protocolares dos líderes nacionais. Até parece que possuímos de fato uma grande estratégia, embora nem sempre isso seja percebido por todos os atores que dela participam, consciente ou inconscientemente. Aparentemente, ela seria feita dos seguintes elementos: manutenção de um ambiente de paz e cooperação no continente sul-americano e seu ambiente adjacente, num quadro de desenvolvimento econômico e social com oportunidades equivalentes para todos os vizinhos, visando a construção de um grande espaço econômico integrado, de coordenação e cooperação política, num ambiente democrático, engajado coletivamente na defesa dos direitos humanos e na promoção da prosperidade conjunta dos povos que ocupam esse espaço.

Muito bem, mas esses são objetivos genéricos, até meritórios e desejáveis, que precisam ser implementados de alguma forma, ou seja, promovidos por meio de iniciativas e medidas ativas, o que envolve inclusive a remoção dos obstáculos que se opõem à consecução desses grandes objetivos. É aqui que entra, de verdade, a grande estratégia, quando se tem de adequar os meios aos objetivos, não simplesmente na definição de metas genéricas. A estratégia é que permite se dizer como, e sob quais condições, o povo do país e suas lideranças vão mobilizar os recursos disponíveis, as ferramentas adequadas e os fatores contingentes – dos quais, os mais importantes são os agentes humanos – por meio dos quais será possível alcançar os grandes objetivos e afastar as ameaças que se lhes antepõem. Uma verdadeira estratégia diz o que deve ser feito, na parte ativa, e também, de maneira não simplesmente reativa, como devemos agir para que forças contrárias não dificultem o atingimento das metas nacionais.

 

Nesse sentido, se o grande objetivo brasileiro – que integra nesta concepção sua “grande estratégia” – é a consolidação de um espaço econômico democrático e de cooperação econômica no continente, devemos reconhecer que avançamos muito pouco nos últimos anos. A despeito da retórica governamental, não se pode dizer, atualmente, que a integração e a democracia progrediram tremendamente na última década. Ao contrário, olhando objetivamente, esses dois componentes até recuaram em várias partes, e não se sabe bem o que o Brasil fez para promovê-los ativamente. O presidente anterior foi visto abraçado com vários ditadores ou candidatos a tal, esqueceu-se de defender a liberdade de expressão, os valores democráticos e os direitos humanos onde eles foram, e continuam sendo, mais ameaçados, quando não vêm sendo extirpados ou já desapareceram por completo. A integração que realmente conta, a econômica e comercial, cedeu espaço a uma ilusória integração política e social que até pode ter rendido muitas viagens de burocratas e políticos, mas não parece ter ampliado mercados e consolidado a abertura econômica recíproca.

 

Desse ponto de vista, o Brasil parece ter falhado em sua grande estratégia, se é verdade que ele realmente possui uma. Se não possui, está na hora de pensar em elaborar a sua. Passada a retórica grandiloquente – contraprodutiva, aliás – da liderança e da união exclusiva e excludente, contra supostas ameaças imperiais, pode-se passar a trabalhar realisticamente na implementação da grande estratégia delineada sumariamente linhas acima. A julgar pelos primeiros passos, parece que começamos a retificar equívocos do passado recente e a enveredar por um caminho mais adequado e mais conforme a nossas velhas tradições diplomáticas.

 

Brasília, 9 de março de 2011; já divulgado no blog Diplomatizzando(http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/03/reflexoes-ao-leu-6-grande-estrategia-do.html).

 

NA GUERRA DA PROPAGANDA NÃO TEM SAÍDA PARA ISRAEL - Augusto de Franco

NA GUERRA DA PROPAGANDA NÃO TEM SAÍDA PARA ISRAEL

Augusto de Franco

1 - Israel está perdendo a guerra da propaganda, uma vez que, ocupando o mesmo território, não há como distinguir os combatentes do Hamas, que são para todos os efeitos civis, dos civis palestinos não combatentes. 

2 - Todo o ataque de Israel será divulgado como ataque contra civis: não há instalações militares identificáveis em Gaza, os jihadistas não usam uniformes, seus bunkers são prédios civis, em geral escondidos em hospitais, escolas, mesquitas e, inclusive, sedes de organizações humanitárias internacionais.

3 - E ainda há os túneis que, como os próprios líderes do Hamas declaram, não foram feitos para proteger a população civil não-combatente de Gaza e sim para esconder os combatentes terroristas, guardar suas armas e os recursos roubados da ajuda humanitária internacional (água potável, combustível, alimentos e medicamentos).

4 - Mesmo com todo apoio das grandes nações democráticas, Israel não pode aguentar semanas ou meses desse tipo de exposição midiática, que apresenta Israel ao mundo como genocida. O show da vítima, repetido diariamente, com a contabilidade macabra das crianças mortas, das gestantes e dos doentes, dos idosos e das pessoas com necessidades especiais cruelmente assassinados, será devastador. 

5 - E não há contabilidade séria dos mortos e feridos anunciados pela propaganda do Hamas. A cada dia se acrescentam automaticamente mais mil civis mortos, dos quais 70% são de criancinhas indefesas. Militantes anti-imperialismo americano e anti-colonialismo europeu, alocados em organizações humanitárias e nas burocracias da ONU, lavam essas informações fraudulentas do Hamas, autorizando a imprensa mundial a repetir os números. Não há nome, sobrenome, fotos individuais dos mortos, não há nada - mas isso não importa.

6 - Ou seja, não tem saída. Não há como virar essa narrativa que vai se tornando hegemônica. Mesmo que os bombardeios israelense sejam paralisados, a divulgação do genocídio cometido por Israel e pelos judeus, não vai parar nas próximas décadas.

7 - Os chefes militares israelenses e a extrema-direita nacionalista no governo Bibi podem não gostar disso, mas deverão ser obrigados a engolir a realidade. Claro que, passada a fase mais crítica do conflito, o atual governo de Israel deve ser deposto pelas forças democráticas da própria sociedade israelense, sua política de ocupação da Cisjordânia deve ser radicalmente modificada e deve ser anunciado um plano para a criação do embrião de um Estado democrático de direito na Palestina.