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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 8 de abril de 2012

Trajetoria da politica brasileira: breve sintese - Miguel Reale Jr


O discreto charme da moralidade

Miguel Reale Júnior
O Estado de S.Paulo, 07 de abril de 2012

Vive-se uma crise na base congressual. Parlamentares e partidos reclamam da falta de atendimento de reivindicações e se rebelam para demonstrar sua importância: não aprovam a indicação de amigo da presidente da república para agência reguladora.

A artificialidade da base parlamentar, com cerca de 400 deputados, era evidente, pois apenas se instaurara em torno da figura carismática do presidente Lula, o grande eleitor, fazedor de sua sucessora, de governadores, deputados e senadores. Essa artificialidade, verificável a olhos vistos, é fruto de uma constante de nossa vida republicana: a força do poder carismático.
Na República Velha, quando presidentes eram escolhidos unicamente pelos próceres do Partido Republicano, com resultados garantidos pela fraude eleitoral, ter o candidato poder pessoal de sedução era irrelevante. Rui Barbosa, graças à sua inteligência, empolgou por duas vezes a juventude e a classe média: na campanha civilista de 1910 e na disputa com Epitácio Pessoa em 1919. Suas ideias avançadas jamais iriam, logicamente, frutificar nesse sistema político conservador. Na sociedade patriarcal, como poderia ser eleito um homem que pregava, em 1919, aderir à democracia social, propugnando pela felicidade da classe obreira, aplaudindo o socialismo no que trazia de pacificador por aproximar patrões e trabalhadores, reivindicando maior participação política da mulher e ter igualdade de remuneração salarial?
Assim, Rui, já glorificado como a Águia de Haia, comovia e envolvia apenas a incipiente classe média, pela força de sua inteligência e pela modernidade de suas propostas, sem ter o estadista nenhuma nuance de sedução demagógica.
A partir da Revolução de 1930 surgem, então, na vida política os líderes carismáticos. Getúlio Vargas, candidato derrotado à Presidência, traduz a exigência, nascida no movimento tenentista, de se garantir a verdade eleitoral, mas acaba por instaurar uma ditadura. Ao falar às massas recebe legitimação pelo reconhecimento entusiástico dos trabalhadores, criando-se uma ligação pessoal entre o chefe de Estado e o grosso da população, sob o domínio de afeição confiante. Getúlio, o pai dos trabalhadores, é consagrado presidente acima das liberdades democráticas. Deposto em 1945, retorna em 1950 com quase maioria absoluta dos votos. Jânio Quadros é outro líder carismático que, com a vassourinha, promete varrer a sujeira da política brasileira. Collor, o caçador de marajás, denunciador da corrupção do governo Sarney, é um líder carismático que, sem partido, vem a derrotar fragorosamente todos os caciques: Ulysses, Brizola, Aureliano Chaves, Mário Covas.
O voo do chefe carismático pode ser breve ou longo. Os partidos políticos dar-lhe-ão respaldo para poderem usufruir vantajosamente a sua proximidade com o líder, como beneficiários do prestígio do condutor das massas, enquanto houver popularidade. Se esta decresce, começa-se a abandonar o barco. Jânio e Collor tiveram na Presidência passagens meteóricas, deixados à deriva em seus devaneios de poder absoluto.
Na nossa História recente, dois presidentes não tinham o carisma dos demagogos, mas possuíam charme e programa: Juscelino, o peixe vivo, com a proposta de 50 anos em 5; Fernando Henrique, o intelectual político, degolador da inflação, trazia o plano de modernização da economia e programas iniciais de distribuição de renda. Sucede que em geral carisma não se transmite a candidatos correligionários, muito menos charme.
Lula, depois de três derrotas, soube se preparar para ganhar e pôde encarnar a figura do líder carismático que é, com projeto de poder de longa distância. Adaptou-se às necessidades de conter a inflação e teve como carro-chefe o programa Bolsa-Família. Com astúcia, navegou nas águas turvas do mensalão e "macunainamente" usou da "virtude" política da incoerência para se sair bem com uns e outros. No segundo mandato cresceu em popularidade, seja porque a população da classe E, graças ao Bolsa-Família, ascendeu à classe D, seja porque parcelas da classe C assomaram, em vista do boom econômico mundial, a níveis mais elevados de consumo.
O sucesso econômico e o dom natural de sedução de Lula o transformaram num líder cuja força atraiu inimigos e militantes políticos de toda ordem, ansiosos por serem seus seguidores e virem a integrar a mesma base política, com manifesto interesse eleitoral. Lula conseguiu, de forma rara, eleger a sua sucessora, uma novata na refrega eleitoral, mais gerente do que prócer política.
Assim, Dilma herdou a Presidência e a dita base parlamentar composta por políticos ávidos das benesses viabilizadas para os seguidores do chefe carismático. Este o único cimento a amalgamar tantos interesses contrários.
O destino, todavia, fez o líder, espécie de missioneiro, cair doente, com duvidosa participação efetiva no futuro processo político. Neste quadro, sem verbas e cargos para justificar o apoio ao governo, afloram, ainda por cima, na base parlamentar ressentimentos em vista das demissões por corrupção, longe da condescendência anterior, do período lulista, quando se passava a mão na cabeça dos "aloprados".
Neste momento, sem a certeza de Lula ser um protagonista no cenário político, Dilma vê-se no meio de uma crise que poderá acalmar no varejo com a liberação de verbas, como se deu para a aprovação da Lei da Copa. A presidente, no entanto, diz não pretender instalar a adesão ao "toma lá, dá cá". Em suma, Dilma herdou a Presidência, mas não o carisma e, ao contrário de Juscelino e de Fernando Henrique, não tem um programa de governo que empolgue.
Sua única arma disponível é a resistência ao sistema do "dando é que se recebe", que poderá entusiasmar a classe média. Mas surge a dúvida: será suficiente, no Brasil, o discreto charme da moralidade para se conseguir governar?
Advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

Critica da diplomacia brasileira - Andre Araujo

Uma crítica severa da diplomacia brasileira: condena a adesão a ditadores do Sul, acusa de errática a política Sul-Sul de Lula, Amorim e Samuel, o que é uma inversão do que se se lê habitualmente nos meios acadêmicos e jornalísticos, onde essa mesma política é saudada como autônoma e não subserviente.
Curioso, mesmo...
Paulo Roberto de Almeida


André Araujo
Luis Nassif online, sab, 07/04/2012 - 01:10
A VISITA DA PRESIDENTE DILMA AOS EUA - A Presidente Dilma começa na próxima segunda feira uma visita oficial aos EUA, em retribuição da visita do Presidente Obama a Brasilia no inicio de seu Governo.
A agenda da visita não tem temas ou propostas importantes. O Brasil encontra-se numa fase de readequação de sua politica externa aonde não se apresentou ainda como parceiro estratégico da ordem global, tarefa que exige uma elavação da diplomacia brasileira a um novo patamar que realce a importancia do Brasil como potencia emergente.
O Brasil não pode utilizar a diplomacia presidencial como apenas um efeito-movimento, isto é, a Presidente viaja mas não leva e nem traz propostas concretas, com prazo de implementação definido, dispersando e banalizando viagens presidenciais sem trazer  resultados palpáveis desse esforço.
Uma visita do Presidente de um grande Pais não pode ser apenas social. Presume-se que o tempo de um Chefe de Estado de uma potencia é escasso e deve ser utilizado com parcimônia.
A politica externa brasileira precisa criar uma Doutrina de presença estratégica do Pais na ordem global, o que o Brasil pretende dentro do que é viável em cada cenário.
Na viagem aos EUA uma agenda robusta deveria estar pronta para o anuncio entre os dois Presidentes, obviamente preparada anteriormente pela diplomacia. Por exemplo, um acordo de longo prazo sobre o etanol, fonte de energia que interessa aos dois países. Um acordo para pesquisa de novas fontes de energia, de desenvolvimento de carros elétricos, de politica comum no Caribe, região de grande interesse para os dois países.
Um grande plano estratégico para a Africa, algo em que o Brasil poderia tomar a liderança e criar novas iniciativas, momentum, presença, projetos de investimentos para dez ou quinze países, alguns dos quais em conjunto com os EUA, que teriam o maior interesse nessa parceria.
O Brasil querer ser potencia emergente com uma atitude apática, sem iniciativas, fica difícil de entender, especialmente agora que o Pais tem recursos financeiros para esses programas.
Outro campo fundamental é o da defesa, as Forças Armadas brasileiras precisam de no minimo 50 bilhões de dólares de novos equipamentos para coloca-las em linha minimamente próxima ao grupo dos BRICs. Se o Brasil almeja uma cadeira no Conselho de Segurança será fundamental colocar em nivel global suas Forças Armadas, não bastam 36 caças Rafale, isso não é nada para um pais do peso do Brasil, todas as tres Armas precisam de material porque estão em situação completamente fora de padrão para uma potencia emergente de 1ª classe. Uma parceria com os EUA nesse campo seria  logica e reforçaria o peso diplomatico do Brasil.
O Itamaraty se ressente de uma condução errática de uma politica externa reducionista no Governo passado. O Brasil se atrelou a países de governos errantes que se posicionam à margem da ordem global, como Cuba, Venezuela, Equador, Bolivia, Libia, o que constituiu uma bola de ferro amarrada nos pés da diplomacia brasileira, presa a esses condicionamentos retrógrados, perdendo oportunidades de criar maior presença nos países centrais que veem no Brasil um parceiro de seu nivel mas que se apresenta como companheiro de turma dos Estados-mambembes, enfraquecendo o peso relativo do Brasil.
Dos chamados BRICs originais, dois, Russia e China, estão no Conselho de Segurança, o outro, a India está tendo com os países centrais, EUA e UE, uma politica externa de altitude superior a do Brasil e está recebendo em função dessa postura um reconhecimento de potencia de 1ª classe.
A postura do Itamaraty é bipolar até agora, como resultado do rumo confuso da politica Sul-Sul que vem de uma estrategia baseada numa analise da Guerra Fria, construida por Celso Amorim e Pinheiro Guimarães.
Esse conta que não fecha baseia-se em duas linhas contraditórias:
1ª O Brasil quer ser membro permanente no Conselho de Segurança, o que depende em primeiríssimo lugar da aprovação dos EUA e em segundo da Inglaterra, França, Russia e China.
2º   Brasil não se apresenta todavia como parceiro ativo desses cinco países. A diplomacia Sul-Sul volta-se com muito mais intensidade para fazer grandes doações de dinheiro a Cuba, à Venezuela, à Bolivia, a gestos equívocos com a Libia e o Irã, como se desses países o Brasil obtivesse algum aval para suas aspirações de potencia emergente de 1ª classe.
Em resumo, o Brasil está investindo muito em ações de segunda linha, quando o foco deveria ser as ações de primeira linha, como essa viagem aos EUA que não leva nada, não propõe nada, nem aquilo que obviamente interessa ao Brasil.
A população brasileira está por tradição voltada para as parcerias econômicas, culturais, educacionais com os EUA. No mês de março passado, os consulados americanos no Brasil emitiram 142 mil vistos,
um aumento de 62% com relação ao ano passado. Em doze meses deverão ser 1.700.000 de vistos.
Mas se as parcerias de negocios, educação e culturais são ligadas aos EUA, a parceria politica não é.
As relações são frias e parece que assim continuarão. O Brasil teria muito mais a ganhar com uma parceria mais ativa com os EUA mas que não deslancha pelos grilhões esquerdistas amarrados nas colunas do Itamaraty. Parecia que a Era Patriota mudaria o rumo mas parece que não mudou.
A bussula da diplomacia brasileira continua em Havana e Caracas, o Brasil está perdendo uma oportunidade historica de herdar parte do espolio do tio rico que está procurando um herdeiro confiável.

Capitalistas franceses: de partida para o estrangeiro

Curioso amálgama de posições na campanha presidencial francesa de 2012: nem a esquerda, nem a direita gostam dos capitalistas, do capital, dos lucros, da exploração burguesa, da especulação financeira, enfim, essas coisas "de mercado".
Os candidatos se ocupam, portanto, de bater nos capitalistas, e prometem tributá-los ainda mais, impor regras, restrições, e outros requerimentos.
O efeito será a expulsão de alguns deles para o exterior, o que aliás já está acontecendo, como mostra esta matéria da revista Economist.
Paulo Roberto de Almeida

The French election and business

The terror

The 75% tax and other alarming campaign promises

EUROFINS SCIENTIFIC, a bio-analytics firm, is the sort of enterprise that France boasts about. It is fast-growing, international and hungry to buy rivals. So people noticed when in March it decamped to Luxembourg. Observers reckon it was fleeing France’s high taxes. It will soon be joined by Sword Group, a successful software firm, which voted to move to Luxembourg last month.
As France enters the final weeks of its presidential campaign, candidates are competing to promise new measures that would hurt business. François Hollande, the Socialist candidate, and the current favourite to win the second and final round on May 6th, has promised a top marginal income-tax rate of 75% for those earning over €1m ($1.3m). He has declared war on finance. If the Socialists win, he pledges, corporate taxes will rise and stock options will be outlawed.
Other countries welcome global firms. “France seems to want to keep them out,” sighs Denis Kessler, the boss of SCOR, a reinsurer. Jean-Luc Mélenchon, an even leftier candidate than Mr Hollande, has been gaining ground. Communists marched to the Bastille on March 18th to support him.
The right offers little solace. Nicolas Sarkozy, the incumbent, is unpopular partly because of his perceived closeness to fat cats. To distance himself, he has promised a new tax on French multinationals’ foreign sales.
If Mr Hollande wins, he may water down his 75% income-tax rate. But it would be difficult to back away from such a bold, public pledge. And doing business in France is hard enough without such uncertainty. Companies must cope with heavy social charges, intransigent unions and political meddling. The 35-hour work week, introduced in 2000, makes it hard to get things done. Mr Hollande says he will reverse a measure Mr Sarkozy introduced to dilute its impact by exempting overtime pay from income tax and social charges.
The 75% income-tax rate is dottier than a pointilliste painting. When other levies are added, the marginal rate would top 90%. In parts of nearby Switzerland, the top rate is around 20%. French firms are already struggling to hire foreign talent.
More firms may leave. Armand Grumberg, an expert in corporate relocation at Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom, a law firm, says that several big companies and rich families are looking at ways to leave France. At a recent lunch for bosses of the largest listed firms, the main topic was how to get out.
Investment banks and international law firms would probably be the first to go, as they are highly mobile. Already, the two main listed banks, BNP Paribas and Société Générale, are facing queries from investors about Mr Hollande’s plan to separate their retail arms from investment banking. He has also vowed to hike the corporate tax on banks from 33% to nearly 50%.
In January Paris launched a new €120m ($160m) “seed” fund to attract hedge funds. Good luck with that. Last month Britain promised to cut its top tax rate from 50% to 45%. No financial centre comes close to Mr Hollande’s 75% rate (see chart).
Large firms will initially find it hard to skedaddle. Those with the status ofsociété anonyme, the most common, need a unanimous vote from shareholders. But the European Union’s cross-border merger directive offers an indirect route: French firms can merge with a foreign company.
Big groups also have the option of moving away the substance of their operations, meaning decision-making and research and development. Last year, Jean-Pascal Tricoire, the boss of Schneider Electric, an energy-services company, moved with his top managers to run the firm from Hong Kong (where the top tax rate is 15%). For now, the firm’s headquarters and tax domicile remain in France. But for how long?
Pressure to leave could come from foreign shareholders, says Serge Weinberg, the chairman of Sanofi, a drugmaker. “American, German or Middle Eastern shareholders will not tolerate not being able to get the best management because of France’s tax regime,” he says. At the end of 2010, foreign shareholders held 42% of the total value of the firms in the CAC 40, the premier French stock index. That is higher than in many other countries.
It is not clear whether the 75% tax rate would apply to capital gains as well as income. As with most of the election campaign’s anti-business pledges, the detail has been left vague. Mr Sarkozy has offered various definitions of what he means by “big companies”, which would have to pay his promised new tax.
Some businessfolk therefore hope that the most onerous pledges will be quietly ditched once the election is over. But many nonetheless find the campaign alarming. French politicians not only seem to hate business; they also seem to have little idea how it actually works.
The most debilitating effects of all this may be long-term. Brainy youngsters have choices. They can find jobs or set up companies more or less anywhere. The ambitious will risk their savings, borrow money and toil punishing hours to create new businesses that will, in turn, create jobs and new products. But they will not do this for 25% (or less) of the fruits of their labour. Zurich is only an hour away; French politics seem stuck in another century.

sábado, 7 de abril de 2012

Ministros obesos engordam cada vez mais...

Não, não estou falando de gordura adiposa, mas daquela gordura financeira, que enche os bolsos, as contas bancárias -- e sabe-se lá o que mais -- de ministro espertos que, não contentes de já ganharem o limite constitucional -- no trem da alegria que fizeram para eles, equiparando-os aos ministros do Supremo, além de todas as mordomias caseiras, ministeriais, restauracionais, transportais e outras --, ainda encontram maneira de enriquecerem um pouco mais, com esses cargos vergonhosos de conselheiros "copone", como para provar que nada em excesso é excesso, neste governo (e no anterior também).
Existem obesos e obesos, sendo que todos são obesos, mas alguns são mais obesos que outros.
Deve combinar com o grau de moralidade do indigitado...
Com vocês, o puro retrato da moralidade reinante no governo...
Paulo Roberto de Almeida 

Salário de 13 ministros extrapola teto de R$ 26,7 mil

O Estado de S.Paulo, 7/04/2012

Levantamento feito nos 38 ministérios da presidente Dilma Rousseff revela que um terço dos titulares das pastas engorda os rendimentos com a participação em conselhos de estatais

Artifício largamente empregado em governos passados para proporcionar uma remuneração de mercado a integrantes do primeiro escalão da Esplanada dos Ministérios, os conselhos de administração e fiscal de estatais e empresas públicas continuam a ser usados para turbinar os salários de ministros de Estado.
Levantamento feito pelo Estado nos 38 ministérios do governo da presidente Dilma Rousseff aponta que um terço dos ministros integra hoje uma elite do funcionalismo com supersalários que ultrapassam o teto salarial de R$ 26.723,15. São 13 ministros que engordam seus rendimentos com jetons por participação em conselhos de empresas.
O campeão é o ministro da Defesa, Celso Amorim, que acumula seu salário com o pró-labore de R$ 19,4 mil pagos pela participação no Conselho de Administração da Itaipu Binacional. São R$ 46,1 mil mensais brutos de remuneração.
A renda do ministro poderia ainda ser maior, se não houvesse o abate teto, mecanismo que impede Amorim de acumular na integralidade seus vencimentos de ministro da Defesa com a aposentadoria do Itamaraty. Diplomata de carreira, Amorim é aposentado do Ministério das Relações Exteriores desde 2007.
No comando da área econômica do governo, os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Miriam Belchior, estão empatados na segunda posição do ranking dos mais bem pagos da Esplanada, com renda mensal bruta de R$ 41,5 mil.
Ambos são conselheiros da Petrobrás e da BR Distribuidora, com jetons que alcançam quase R$ 15 mil mensais. Miriam Belchior poderia ganhar ainda mais: como titular da pasta do Planejamento, ela é obrigada a fazer parte do Conselho de Administração do BNDES mas, segundo sua assessoria, abriu mão de receber o pró-labore de R$ 6 mil por essa participação.
O ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento, Indústria e Comércio) engorda o salário com jetons de dois conselhos: é presidente do Conselho de Administração do BNDES, onde ganha R$ 6 mil mensais brutos, e integra também o BNDESPar, recebendo R$ 5,3 mil.
Braço direito de Dilma, Pimentel usufrui de R$ 38,1 mil por mês de renda. O vencimento do ministro da Ciência e Tecnologia é inferior ao do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, que acumula o salário de ministro com os jetons de duas empresas: BrasilPrev e BrasilCap, chegando a ganhar R$ 38,7 mil mensais.
Conexões
O pagamento de jetons por estatais ou empresas públicas aumenta a renda de mais oito ministros. A maioria deles participa de conselhos que têm relação com as respectivas pastas. É o caso do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que integra dos conselhos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) e da Finep, elevando sua renda mensal bruta para R$ 32,6 mil.
Para tentar pôr um freio nos supersalários, o governo federal decidiu encaminhar projeto de lei complementar que regulamenta o artigo 37 da Constituição. Esse dispositivo estabelece que nenhum servidor público pode ganhar mais que a remuneração de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ocorre que o artigo não foi regulamentado até hoje, deixando brechas para os megassalários.
"Temos que criar um limite para que os jetons pagos a ministros tenham um teto. Tem muita gente inflando o salário com jetons", defende a senadora Ana Amélia (PP-RS). "Essa acumulação é uma aberração, uma distorção. Afinal, os ministros acabam ganhando além do teto para exercer atividades afins a sua pasta, que são inerentes ao ministério", afirma o líder do PSOL na Câmara, Chico Alencar (RJ).
O líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA), argumenta que "é correta" a participação de ministros em conselhos de empresas que têm programas e projetos vinculados a suas pastas. "Está errado se, no meio do caminho, desvirtuaram a participação de ministros em conselhos para complementar salário", diz.
Regulamentação
Em fevereiro de 2011, logo após assumir uma cadeira no Senado, a hoje ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, apresentou proposta para acabar com os supersalários no Executivo, Legislativo e Judiciário associada ao projeto que pôs fim aos 14.º e 15.º salários dos parlamentares. Mas a tramitação da proposta que regulamenta o somatório das remunerações do funcionalismo até o teto não prosperou e o texto parado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa.
"É preciso saber quais são as verbas que integram o vencimento bruto e as que têm caráter indenizatório", diz o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE), que é relator do projeto na CAE.
O petista detectou erros na proposta elaborada por Gleisi Hoffmann e, daí, a necessidade de o governo enviar um novo projeto sobre o tema. A expectativa é a de que o texto seja encaminhado ao Congresso ainda no primeiro semestre deste ano.


Protecionismo dos ricos: uma acusação indevida

Não tinha lido o discurso da presidente em Nova Delhi.
Nele, a presidente diz que "A desvalorização dessas moedas [dos países ricos] traz enormes vantagens comerciais para os países desenvolvidos e coloca barreiras injustas à competitividade dos produtos oriundos dos demais países, em especial do Brasil".
Curioso. Não tinha ouvido falar de nenhum caso, absolutamente nenhum, de produto brasileiro ser detido por alguma barreira protecionista na Europa e nos EUA. 
Barreiras injustas tenho visto do lado argentino, mas não vi nenhum protesto brasileiro associado a isto.
Problemas de competitividade, temos sim, mas todos eles são provocados internamente, e nenhum veio de fora. Se existe algum, ele é mais suscetível de vir da China do que dos "países ricos".
A seletividade irrealista dos assessores da presidente chega a ser impressionante...
Paulo Roberto de Almeida 



Rejeição ao protecionismo

Editorial Correio Braziliense - 01/04/2012
Indignada com os efeitos da depreciação do dólar e do euro sobre a economia brasileira, e pressionada pela perda de competitividade de segmentos da indústria de transformação, a presidente Dilma Rousseff anuncia sua disposição de reagir.
Ao discursar durante reunião dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), semana passada, na Índia, ela resumiu a interpretação de seu governo das estratégias adotadas pelos Estados Unidos e Europa para saírem da crise financeira em que se meteram desde 2008. "A desvalorização dessas moedas traz enormes vantagens comerciais para os países desenvolvidos e coloca barreiras injustas à competitividade dos produtos oriundos dos demais países, em especial do Brasil", disse ela.
Apesar dessa conclusão, a presidente deixou claro que não pretende responder com igual política. Não vai sair dessa pressão "desvalorizando a moeda e o ganho dos trabalhadores". Soou como um aviso de que medidas de proteção à indústria nacional estão a caminho e que elas virão nos planos tributário, comercial e/ou alfandegário. Não foi à toa que a diplomacia brasileira provocou uma reunião especial da Organização Mundial do Comércio (OMC), na tentativa (frustrada) de obter o consenso em torno da ideia de que a depreciação artificial das moedas fortes já anulou todas as barreiras atualmente aceitas pela entidade como proteção justa às economias que se julgam prejudicadas por atitudes de outros países. O Brasil não obteve a licença antecipada que queria para erguer barreiras, mas o empenho da representação na OMC revelou que o governo está mesmo muito perto de quebrar o discurso que mantinha, nesse e em todos os fóruns internacionais, de rejeição ao protecionismo.
Na prática, o Brasil já não tem como negar razão a seus parceiros comerciais que manifestam preocupação com essa mudança de atitude. A alta de 30 pontos percentuais do IPI sobre carros importados e o recrudescimento da tributação sobre tecidos e vestuários vindos do exterior são exemplos de medidas heterodoxas adotadas no campo tributário. No plano alfandegário, a Receita Federal deflagrou semana passada a Operação Maré Vermelha, destinada a apertar a fiscalização sobre a entrada de vários bens de consumo, numa ação que tende a se transformar em barreira técnica com o envolvimento do Inmetro.
A presidente prometeu mais ação. O que se teme é que, assim como as desonerações para estimular a produção e o mercado interno têm revelado a preferência de sua equipe por medidas pontuais, prevaleçam arcaicos expedientes protecionistas. Em vez de buscar a competitividade por meio de uma política industrial de médio e longo prazo e de um esforço de redução generalizada do custo Brasil, repetiríamos práticas que um dia garantiram longa sobrevida a estruturas de produção que não tiveram atualização tecnológica por falta de investimentos. É esse o drama que vive hoje a economia argentina, vitimada por equívocos desse tipo, a ponto de levar a presidente Cristina Kirchner ao ridículo de tentar barrar até mesmo a importação de livros. Os maus exemplos também ensinam.

Modelo de crescimento se esgotou - Gustavo Loyola

A entrevista toca em pontos relevantes, embora o entrevistado não consiga se explicar sobre as razões completas dos juros altos. Ele nada diz, por exemplo, da cartelização no sistema bancário e dos altos lucros do setor, como outros fatores importantes desses juros serem tão elevados.
Em segundo lugar, dizer que não é favorável a um "Estado fraco" é uma bobagem monumental, tanto em geral -- pois ninguém mede um Estado como fraco ou forte, pois isso depende de vários fatores, e sim se ele é eficiente, ou não -- como no caso brasileiro, onde o Estado é a coisa mais avassaladora -- pelos maus motivos -- que existe na economia brasileira.

A ler, com grão de sal...
Paulo Roberto de Almeida 

'Modelo de crescimento está se esgotando'
LEANDRO MODÉ
O Estado de S.Paulo, 07 Abril 2012

Para ex-presidente do BC, medidas de estímulo à indústria anunciadas nesta semana dão alívio apenas de curto prazo

As pesquisas que avaliam a popularidade da presidente Dilma Rousseff mostram aprovação recorde, em grande medida por causa do desempenho econômico do País: emprego em níveis historicamente elevados, inflação relativamente controlada e consumo em expansão, entre outros fatores. No entanto, o desconforto de alguns analistas com as perspectivas de médio e longo prazos para a economia brasileira vem crescendo.
Entre eles está o ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Loyola, atualmente sócio da Tendências Consultoria Integrada. "Nos últimos anos, colhemos os resultados da estabilização, da abertura da economia, das reformas realizadas e de políticas sociais que elevaram a renda da população mais pobre. Esse modelo parece se esgotar", afirmou, em entrevista exclusiva ao Estado.
Para Loyola, o pacote anunciado pelo governo para fortalecer o setor industrial é composto de medidas de pronto-socorro. Algo que ele, a princípio, não é contrário. O centro da questão, segundo ele, é o ataque a problemas estruturais.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Apesar da conjuntura favorável da economia brasileira, alguns analistas se mostram apreensivos com as perspectivas para médio e longo prazos. Qual a visão do sr.?
Começamos a ver sinais mais evidentes de esgotamento do modelo de crescimento da economia brasileira. Ou pelo menos de crescimento mais acelerado. Nos últimos anos, colhemos os resultados da estabilização, da abertura da economia, das reformas realizadas e de políticas sociais que elevaram a renda da população mais pobre. Esse modelo parece se esgotar, em primeiro lugar, porque o crescimento do crédito como proporção do PIB vem se dando de uma maneira mais lenta. As políticas de transferência de renda também parecem se aproximar do limite. Do lado da oferta da economia, não estamos adotando políticas para aumentar os investimentos como proporção do PIB. Há uma carência grande de investimentos. Também não temos adotado políticas de longo prazo que aumentem a produtividade e a competitividade. Ao contrário. Temos visto políticas públicas que aumentam as incertezas do setor privado. As políticas de comércio exterior, por exemplo. A intervenção do governo na economia vem aumentando, bem como os custos de produção. No momento em que o mercado de trabalho se mostra pressionado, a infraestrutura dá sinais de esgotamento e a indústria aponta custos elevadíssimos e perda de competitividade, fica clara a necessidade de políticas estruturadas e mais horizontais. Em suma, políticas que reduzam o custo Brasil.
As medidas anunciadas pelo governo nesta semana vão nesse caminho?
Há boas e más medidas, mas são paliativas. São medidas de pronto-socorro. Não descarto que, em determinadas circunstâncias, o governo seja obrigado a adotar medidas emergenciais. Mas não acho que essas recém-lançadas atacam o cerne da questão. Uma delas desonera alguns setores da economia, mas não resolve o problema da disfuncionalidade do nosso sistema tributário, por exemplo.
O que o sr. quer dizer com medidas estruturadas e horizontais?
Por exemplo, políticas regulatórias. Precisamos dar maiores garantias institucionais a quem vai investir no País. Me refiro a garantias nas regras do jogo. Em setores nos quais o retorno só vem no longo prazo e, portanto, oferecem mais risco, estamos perdendo o marco regulatório. Ou não existe mais ou se deteriorou. As agências reguladoras foram loteadas entre partidos políticos. A autonomia, em muitos casos, foi violada.
Com medidas de pronto-socorro e sem medidas estruturais, onde vamos desembocar?
As medidas de pronto-socorro podem até provocar um alívio de curto prazo, até porque a maioria delas é direcionada à demanda. Mas as medidas protecionistas, por exemplo, a longo prazo, vão contra o interesse das cadeias produtivas locais - que dependem de insumos importados. Com isso, deixa de haver a competição saudável e se criam restrições à melhora da produtividade. Sem falar no aumento da incerteza para os investidores. As medidas de curto prazo funcionam como uma espécie de anestesia, uma vez que conseguem diminuir as pressões da sociedade em prol de reformas estruturantes.
O crescimento de menos de 3% em 2011 já é resultado do baixo investimento na economia?
A expansão do PIB de 2,7% em 2011 teve muito a ver com o alto crescimento, acima do potencial, de 2010. O governo foi obrigado a aplicar freios à economia entre o fim de 2010 e o início de 2011. Houve também influência do ambiente externo mais carregado, mas não foi por isso que o baixo crescimento se deu. Neste momento, estamos colocando lenha na fogueira para buscar uma expansão mais forte. O risco é chegarmos ao segundo semestre com crescimento novamente acima do potencial e sejamos obrigados a aplicar freios outra vez.
Os 2,7% ainda não refletem os sinais de esgotamento aos quais o sr. se refere?
Esse crescimento foi inferior ao que estimamos como potencial. É claro que é um número difícil de calcular, mas acreditamos que, hoje, esteja entre 3,5% e 4%. Talvez já tenha estado mais perto dos 4,5% há não muito tempo. Se não aumentarmos a taxa de investimento para algo entre 22% e 23% do PIB, é difícil sustentar em prazo mais longo um crescimento de 5%, como o governo almeja.
Aportes para o BNDES, como o anunciado esta semana pelo governo, são suficientes para elevar a taxa de investimento para esse nível a que o sr. se refere?
As perspectivas de crescimento do PIB no curto prazo são positivas, independentemente das medidas recentes do governo. O grande problema que vejo é achar que isso é suficiente para manter um nível de crescimento no longo prazo. Ou seja, tentar suprir deficiências estruturais com esse tipo de ação.
O sr. vê semelhanças entre o quadro que descreve com outros momentos da história econômica brasileira?
Vejo alguma similitude, sim. No fim dos anos 60, tivemos um período de reformas importantes. Depois veio o "milagre econômico". A seguir, esse modelo se esgotou. O crescimento foi mantido por mais algum tempo, com vários expedientes que levaram o Brasil à hiperinflação, ao baixo crescimento e à crise de dívida. Não quero dizer que estamos nesse caminho, mas apenas alertando que, se não adotarmos políticas que aumentem o potencial do crescimento, só restará nos conformarmos com uma taxa de expansão mais baixa. E, caso tentemos ultrapassar esse potencial, só criaremos mais distorções. Há uma ausência de medidas que tenham efeitos mais perenes sobre a oferta. Uma das questões primordiais a resolver é o gasto público. Com isso, se recuperaria a capacidade de o setor público investir naqueles segmentos determinantes. Não sou favorável ao Estado fraco.
A atuação do Banco Central tem sido muito criticada no mercado financeiro. Qual a sua avaliação?
A trajetória recente da política monetária parece não ser compatível com o atingimento do centro da meta de inflação em 2012 e 2013. As nossas projeções e as do mercado indicam que devemos ter uma inflação entre 5% e 5,5% nos próximos meses. O BC continua insistindo em que deve cumprir a meta, mas as expectativas estão muito "desancoradas". Isso tem a ver com a comunicação do BC, que ficou mais truncada e perdeu continuidade. Por exemplo, em uma determinada ata, o BC cita o setor externo turbulento como determinante para uma decisão. Em outro documento, recorre ao argumento do juro de equilíbrio mais baixo. Não acho que o BC perdeu o compromisso com a inflação baixa. Mas a comunicação ficou mais difícil de ser captada. Embora não admita que a inflação fique acima da meta, o BC corre mais riscos. A médio prazo, o que pode ocorrer é o BC perder credibilidade. Isso pode ocorrer até com o regime de metas. Muita gente próxima do governo diz que o regime já é parte do passado. Não é o que diz o BC, mas percebemos certa relativização do regime.
Faz mesmo tanta diferença uma inflação de 4,5% ou 5,5%?
A questão aqui é de "ex ante" e "ex post". A meta funciona como um guia para a sociedade (ou seja, é uma função ex ante). Mas não necessariamente será cravada ex post. Pode haver, por exemplo, um choque de oferta na economia. O nosso regime tem uma banda de tolerância grande para isso. Mas é vital haver ancoragem. Se os agentes não acreditam que o centro da meta será cumprido, não há razão para ter regime de meta. Mas, evidentemente, não se trata de cortar a cabeça do presidente do Banco Central se a inflação não fechar em 4,5%.
Os srs. já esperam novas altas da taxa básica de juros?
A atividade econômica estará, no último trimestre do ano, acima do potencial. Portanto, haverá pressão inflacionária. Nesse cenário, o Banco Central deverá reverter a política monetária, na pior hipótese, no início de 2013. Só assim conseguirá ter efeito sobre a inflação do ano que vem. De outro lado, há a possibilidade de o BC retardar a alta do juro básico e adotar, em seu lugar, novas medidas macroprudenciais.
O governo parece disposto a discutir novamente o spread bancário (diferença entre a taxa de captação e a cobrada dos clientes). Como ex-presidente do BC, como o sr. explica a diferença entre o juro básico e o que chega aos clientes aqui no Brasil?
É muito oportuna a retomada dessa agenda. De fato, o spread bancário é elevado no Brasil. Algumas razões: inadimplência muito alta, sobretudo em determinadas linhas de crédito; os impostos que incidem sobre a intermediação financeira são altos; outra fonte de custo são os compulsórios elevados. Há também questões específicas sobre determinados mercados, que devem ser igualmente atacadas. A agenda do spread bancário não é para resolver da noite para o dia, mas precisa ser negociada entre mercado e governo.


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Uma visao chinesa (otimista) dos Brics - Zhou Zhiwei (FSP)


A crescente influência política dos Brics


Por Zhou Zhiwei, de Pequim
A reunião de cúpula dos Brics, em Nova Déli, foi o evento mais notável da semana passada. Desde a invenção do termo “Bric”, em 2001, passou-se de um conceito puro de investimento a um processo de transformação rumo a um mecanismo de cooperação multilateral, com impacto crescente nos âmbitos político e econômico. O mundo não esperava esse fenômeno, incluindo o inventor desse termo, Jim O´Neil, e mesmo os países Brics. Nos países ocidentais tradicionais, esse novo mecanismo provocou reações de confusão e até de terror.
Desde a invenção do termo “Bric”, foram oito anos até a primeira cúpula dos Brics em 2009. E, nos três anos seguintes, o mecanismo dos Brics se formou e se desenvolveu para se tornar um poder emergente, exercendo grande impacto no antigo sistema internacional. Quais são os fatores que têm promovido o desenvolvimento rápido desse mecanismo?
Em primeiro lugar, a maioria dos países Brics (exceto a Rússia) conta com uma tradição diplomática de cooperação com os países Sul-Sul. Como países emergentes e países maiores em desenvolvimento, as conexões entre esses países Brics fazem parte importante nas suas próprias estratégias envolvendo a cooperação com os países Sul-Sul.
Em segundo lugar, a transformação do padrão internacional acelerou o processo de cooperação interna dos países Brics. A crise financeira de 2008 é um fator importante, que tem contribuído na formação do mecanismo dentro dos Brics. A cooperação tem como objetivo promover a economia dos países Brics e contribui para a formação da nova ordem internacional (multipolarização).
A cooperação e a coordenação entre os Brics nos últimos anos vêm tendo efeitos positivos, tais como a reforma do FMI e do Banco Mundial e a posição unânime sobre a criação da “zona de exclusão aérea” na Líbia.
Esses fatos demonstram que os países Brics compartilham os interesses e as aspirações e podem se unir e se posicionar em bloco em eventos internacionais, refletindo, ao mesmo tempo, o valor diferente de cada membro. Por isso, os cinco membros dos Brics estão com uma atitude cada vez mais positiva com relação ao mecanismo de cooperação.
Na cúpula em Nova Déli, o que se destacou foi o mecanismo de cooperação financeira: expansão dos negócios de liquidação em moeda local e da escala de negócios de empréstimo, construção do banco dos Brics e ampliação de contatos entre as bolsas de valores dos membros, tudo para oferecer mais conveniências à cooperação interna dos Brics. As cooperações financeiras entre os países-membros podem não apenas trazer os avanços econômicos para os membros mas também ajudar a economia global a sair do atual estado sombrio. O banco dos Brics está procurando um novo modelo de desenvolvimento sustentável para o mundo. Comparando com as maiores instituições mundiais _o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial_ o banco dos BRICS, possivelmente, assistirá os países em desenvolvimento na área de construção de infraestrutura, de inovação tecnológica, de higiene e medicina e de eliminação da pobreza, oferecendo investimentos e assistência mais específicos sem pré-requisitos.
Essa tendência reflete, em certo grau, a insatisfação dos Brics com o fato de que os Estados Unidos e a Europa dominam os postos de líderes das duas maiores instituições financeiras do mundo há muito tempo.  Também demostra que esse grupo se possui uma capacidade de ser cada vez mais autossuficientes.
Contudo não se pode negar que o banco dos Brics ainda é uma idéia, cujo movimento estará relacionado não apenas com o problema de financiamento mas também com a seleção do objetivo de assistência e da área de investimento e a cooperação com outras instituições financeiras. Portanto, a construção desse banco demanda mais tempo. Mas esse passo inicial já ilustra a resolução e a força dos Brics na participação dos assuntos globais.
Os Brics ainda não são uma aliança política. Mas, como esses membros são emergentes regionais, a cooperação entre eles se disseminará para áreas de política, segurança e gestão global. A discussão sobre a situação da Oriente Médio e do norte da África na cúpula de Nova Déli refletiu essa tendência. Na futura discussão sobre a gestão global, os países BRICS, possivelmente, formarão uma nova força, diferente dos grupos de países desenvolvidos ou de países em desenvolvimento. Os Brics já começam a mostrar na cúpula de Nova Déli os “músculos” políticos do seu mecanismo.
Zhou Zhiwei é especialista em Brasil do Instituto da América Latina da Academia Chinesa de Ciências Sociais e secretário-geral do Centro de Estudos Brasileiros. Foi pesquisador visitante de relações internacionais na USP e no BRICS Policy Center da PUC-RJ. As suas principais áreas incluem estudo sintético do Brasil, política externa, estratégia internacional do Brasil, relações bilaterais e integração latino-americana