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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Eleicoes 2014: o que os liberais podem esperar delas? Talvez pouco... - Paulo Roberto de Almeida

Nota preliminar, importante: Não me classifico como liberal, ou como qualquer outra coisa. Acho que todo rótulo, toda definição sintética, todo e qualquer tipo de classificação conceitual, sobretudo em matérias políticas ou econômica, são necessariamente redutores, quando não simplistas.
Certamente que, tendo vindo do marxismo estatizante, e evoluido com base na simples racionalidade instrumental, nas leituras e nas experiências de vida -- sobretudo depois de ter conhecido TODOS, sublinho todos, os capitalismos realmente existentes, avançados ou atrasados, e todos os socialismos, reais, surreais e esquizofrênicos -- hoje eu sou muito mais liberal em matéria econômica do que era em minha juventude, quando aderia (pelas leituras universitárias, obviamente) às soluções simplistas do socialismo igualitário e estatizante, e reconheço que os mercados livres podem fazer muito mais pela prosperidade dos povos e nações do que os regimes fortemente centralizados.
Mesmo aceitando que algumas soluções podem ter de ser inevitavelmente estatais -- provavelmente em matéria de educação e saúde, mas ainda aqui combinadas a soluções de mercado -- acredito que o Estado deva funcionar o mais possível em condições de competição market-like, ou seja, com abertura e transparência, custo-benefício, preços e retornos aferíveis.
Tendo feito esta longa introdução ao texto abaixo, vou postá-lo, alertando que preparei, preventivamente à pergunta efetuada pelos Estudantes pela Liberdade, como um guia pessoal de conduta, e um esclarecimento preventivo quanto ao próximo pleito.
Ou seja, não espero, e não esperem, muito dele.
As eleições NÃO vão dar o que o Brasil precisa, que seria uma reforma completa de seus fundamentos econômicos, administrativos, educacionais, culturais.
Mas, elas podem pelo menos nos ajudar a AFASTAR o que não serve, e eu digo imediatamente, o que NÃO nos serve: uma máfia totalitária, corrupta e mentirosa, instalada no poder, explorando a ingenuidade dos pobres e a conivência dos espertos e dos muito ricos.
Se ela permitir pelo menos isso, já será um ganho...
Paulo Roberto de Almeida


O que os liberais podem esperar das eleições de 2014?

Paulo Roberto de Almeida


Numa visão preliminar em torno das propostas apresentadas até aqui pelas três principais candidaturas (ou seja, as viáveis), a resposta mais realista seria esta: nada, ou muito pouco. Com efeito, todos os candidatos prometem aprofundar, manter, reforçar os existentes, e iniciar novos programas com benefícios sociais para todos e cada um. Todos prometem combater a inflação – uma preocupação que voltou a assombrar os brasileiros nos últimos três anos, pelo menos – e dizem querer garantir investimentos e empregos, sempre com a mão visível (já bastante pesada) do Estado como o principal indutor dessas políticas. Em outros termos, nada que possa entusiasmar os partidários de menos Estado e mais mercados, como devem ser os liberais, não é mesmo?
Vistos de perto, porém, os programas e as propostas desses candidatos possuem matizes entre si, sobretudo em suas declarações e entrevistas sobre temas específicos da agenda econômica. Com exceção da candidata governista, que promete manter as mesmas políticas de benefícios sociais – o que deixa supor que as mesmas ferramentas usadas até aqui continuarão a ser mobilizadas num eventual segundo mandato, talvez com as mesmas consequências, de menos crescimento e mais inflação – a candidata “sustentável” e o candidato socialdemocrata podem corrigir os equívocos mais nefastos dos atuais proponentes da “nova matriz econômica” (o que seria isso?), cujo efeito mais importante, na verdade, foi mais intervencionismo governamental, com cada vez menor eficácia. A razão principal parece residir num erro de diagnóstico dos keynesianos de botequim encarregados dessa política: eles acreditam que o principal problema da economia brasileira seja a insuficiência da demanda – e lá vão eles com nova expansão do crédito ao consumidor, que deve provocar mais inflação – quando os conselheiros econômicos da oposição acreditam que ele esteja na insuficiência da oferta, ou seja, a falta de investimentos (o que, aliás, é notório para quem quer que olhe os números).
A última novidade criada pela candidata governista foi prometer criar um novo tipo de crédito, para bicicletas, com o quê todos sairão felizes com a “bike” comprada em “dez vezes sem juros”. Os gênios governamentais se esquecem de que foram eles mesmos que criaram o problema, ao aumentar as tarifas de importação sobre as bicicletas chinesas que estavam sendo vendidas no mercado brasileiro, a preços bem mais em conta do que as equivalentes nacionais (mas isso vale para tudo, pois todos sabem que, em função da voracidade do ogro fiscal, o “custo Brasil” se torna cada vez mais pesado para todos os produtores brasileiros). Ou seja, o governo tornou as “bikes” nacionais e estrangeiras mais caras pelo seu protecionismo comercial desenfreado e agora quer endividar ainda mais os pobres consumidores brasileiros com oferta de mais crédito para comprar produtos que poderiam ser mais baratos, seja sem impostos de importação tão elevados, seja mantendo a esquizofrenia econômica do “custo Brasil”.
Liberais verdadeiros prometeriam abertura comercial, não é mesmo? Mas os dois candidatos de oposição prometem apenas “rever o Mercosul” e negociar tratados comerciais com os principais parceiros do Brasil. O que isso quer dizer? Pouco, ou quase nada. A liberalização comercial e a abertura aos investimentos do início dos anos 1990 fez mais para a competitividade e a melhoria da oferta interna de bens industriais do que todas as políticas comerciais e industriais de décadas passadas, mas elas foram breves e, sobretudo, se esgotaram com o “soberanismo econômico” dos governos lulo-petistas, que na verdade conseguiram reprimarizar as exportações brasileiras e reduzir o peso da indústria na composição do PIB. Liberais verdadeiros fariam políticas setoriais válidas para todos, não os remendos e puxadinhos que caracterizaram as improvisações econômicas dos companheiros no poder. Esse keynesianismo rústico só nos conduziu a impasses e a uma situação deplorável, quando comparada aos países que crescem.
A candidata “sustentável” surpreendeu a todos prometendo um “independência” para o Banco Central, o que foi julgado uma heresia perigosa pela candidata governista, que com toda a má-fé de que são capazes marqueteiros desonestos alertou que isso iria tirar comida dos pratos dos brasileiros. Não considerando a mentira deslavada, o que isso teria a ver com uma orientação liberal na economia? Também muito pouco, a menos que a candidata também prometesse que juros e câmbio iriam ser determinados essencialmente pelas forças de mercado, mais do que por considerações de governo. Ou seja, um banco central independente – mas comprometido com resultados que devem ser fixados por um Conselho Monetário também independente, com prestação regular de contas ao Congresso – pode, eventualmente, atuar mais energicamente no combate à inflação, e na defesa do poder de compra da moeda, como é o seu dever, do que um que ache que crescimento e emprego são objetivos das autoridades monetárias, e não do próprio governo, com políticas fiscais e setoriais adequadas.
O candidato socialdemocrata, por sua vez, já anunciou quem seria o seu ministro da Fazenda, o mesmo que estabilizou o real em 1999, que reequilibrou as contas externas em 2000, e que preparou as condições para a retomada do crescimento logo após, perspectiva perturbada porém pela crise argentina, pelos problemas energéticos, logo em seguida, e pela própria campanha eleitoral de 2002, quando as ameaças de “mudar tudo” levaram o dólar e a inflação para as alturas e deram um tombo enorme nos títulos da dívida externa brasileira. Trata-se de uma boa escolha, mas o candidato a ministro das finanças é realista, e sabe que não poderá fazer um “choque liberal” na economia, pois as condições não estão dadas para que o Brasil se torne, rapidamente, um “país normal” no cenário internacional. Sim, um país que vive à base de “dez vezes sem juros”, no qual o governo arrecada 38% do PIB, gasta 41% e investe menos de 2% não pode ser considerado um país normal.
Não existem, assim, condições objetivas para uma transição liberal no Brasil atual, embora se deva reconhecer que os dois candidatos oposicionistas prometem ser infinitamente mais “liberais” do que os keynesianos de botequim que hoje presidem aos rumos da economia brasileira (com os resultados à vista de todos). Uma coisa é certa: liberais terão bem mais espaços em governos conduzidos por um ou outro oposicionista do que a continuidade da gestão incompetente atual (aliás, com um ministro demitido).
A única coisa segura no cenário político atual no Brasil é que continuaremos com políticas econômicas intervencionistas, algumas mais distributivas do que outras, mais produtivistas, mas existem poucas chances de que uma agenda liberal venha a guiar os próximos dirigentes, capaz de aproximar o Brasil dos países maior sucesso no contexto internacional. Para que o Brasil tenha políticas econômicas liberais seria preciso que tivéssemos empresários verdadeiramente adeptos da competição de mercado (e não drogados nos subsídios e na proteção do Estado) e que estadistas com visão de futuro propusessem programas partidários comprometidos com uma nova fase de abertura aos investimentos e de liberalização comercial, para que os “espíritos animais” dos empresários pudessem empurrar o Brasil para um processo de crescimento sustentado, com distribuição social feita essencialmente mediante mecanismos do próprio mercado, em lugar das irracionalidades estatais da atualidade. 
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 28 de setembro de 2014

Eleicoes 2014: metodo que acertou 100% nas eleicoes dos EUA mostra vitoria de Aecio


Método que acertou 100% nas eleições dos EUA mostra vitória de Aécio

Consultoria analisou um possível segundo turno entre Dilma e Aécio usando como base a última pesquisa Ibope e mostrou que o candidato tucano venceria a atual presidente
Por Felipe MorenoRodrigo Tolotti Umpieres  
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SÃO PAULO - A consultoria Macrométrica realizou um estudo baseado na última pesquisa Ibope e mostrou que com a eleição indo para o segundo turno o candidato do PSDB, Aécio Neves deve ganhar da atual presidente Dilma Rousseff (PT). Segundo a consultoria, a vitória ocorreria por uma vantagem de 2 a 3,6 pontos percentuais, apertada, portanto.
A Macrométrica é uma consultoria que mantém públicos os seus métodos de análise. Para esta pesquisa em especial, ela utilizou o esquema de Nate Silver, editor-chefe do site “FiveThirtyEight”. Na eleição presidencial americana de 2012, Silver acertou o vencedor em todos os 50 Estados.
No último Ibope, apresentado pelo Jornal Nacional na semana passada, Dilma apareceu com 38% das intenções de voto no 1º turno e Aécio contava 23%. Já no 2º turno, a presidente teria 42% e o senador 36%, com 22% dos entrevistados não optando por nenhum dos dois. Segundo o estudo, este último valor deve fazer a diferença, com os eleitores migrando para um dos candidatos - o que deve fortalecer, principalmente, o candidato oposicionista, que por enquanto apresenta um movimento ascendente.

Estudo feito pela consultoria Macrométrica mostrou que Aécio venceria Dilma em um segundo turno (George Gianni/ PSDB)
Estudo feito pela consultoria Macrométrica mostrou que Aécio venceria Dilma em um segundo turno (George Gianni/ PSDB)
A Macrométrica diz que dos 17 pontos percentuais de eleitores que devem migrar para um dos candidatos na disputa de segundo turno, 23,5%, ou 4 pontos percentuais, irão para Dilma e 76,5%, ou 13 pontos percentuais, vão para Aécio. A rejeição à continuidade do governo petista, deve falar mais alto neste caso. 
“O resultado é a vitória de Aécio com 49,8% dos votos, contra 46,2% para Dilma e 4% de VNC (votantes não comprometidos). Como os VNC nunca são considerados na apuração do resultado final, a vitória de Aécio seria com 51,8% contra 48,2% de Dilma, ou seja, por diferença de 3,6 pontos percentuais”, afirma o estudo.
Eleição deve ser definida somente no segundo turnoEm termos de exposição, a candidata do PT possui muito mais tempo de rádio e televisão que o do PSDB, mas especialistas apontam que esta questão vale cada vez menos em uma eleição de um mundo cada vez mais conectado à internet. O plano de Aécio para as eleições é focar no sudeste, onde a rejeição a Dilma é alta e o PSDB é historicamente forte. 
Pode haver, porém, uma migração significativa de votos de Eduardo Campos para Dilma, dada a força do PT no nordeste, reduto do candidato do PSB. Em termos de apoios, a coligação petista é muito mais forte que a do PSDB, mas Aécio atribuiu isso ao fisiologismo dos partidos em um dos piores momentos de sua campanha, ao afirmar que eles deveriam sugar mais um pouco e depois ir para o seu lado.
Além disso, Dilma e o PT possuem a maior central sindical, mas pela primeira vez uma delas, a Força Sindical, apoia um candidato do PSDB. Além disso, a popularidade de Dilma é muito menor de que a de seu antecessor, que não conseguiu escapar de disputar segundo turnos em 2002 e 2006.

Politica economica e sujeiras eleitorais: Chafurdando nas profundezas - Monica Baumgarten de Bolle

Chafurdando nas Profundezas

Monica Baumgarten de Bolle
(Artigo publicado no O Globo a Mais de 02/10/2014)
Versão original ou interpretação magistral? Confesso que, geralmente, prefiro o original, seja do que for. Prefiro, por exemplo, a política econômica original que estabilizou o País, aquela introduzida pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, à versão diluída de Lula e à interpretação deturpada, desafinada de Dilma. Na música, porém, o oposto ocorre. Gosto mais da interpretação de “Samba e Amor” de Caetano Veloso, do que da versão original gravada pelo compositor Chico Buarque, o mesmo Chico que nos assusta com suas preferências políticas. Achei espetacular o soul rasgado da cantora britânica Adele na voz acrobática da diva Aretha Franklin. “Rolling in the deep” não tem tradução exata para o português. Em inglês, “to roll in the deep” é sentir dor arrebatadora, dor de rejeição, dor de traição. O Brasil está “rolling in the deep”, chafurda nas profundezas da obstinação irracional de seus dirigentes.
Os dados são implacáveis, aniquilam qualquer versão, original ou não, com oscilações impossíveis entre graves e agudos. Diz o FMI: entre 2006 e 2013, a posição externa brasileira passou de um superávit de 1,3% do PIB, para um déficit de 3,6% do PIB. O tamanho do rombo é limítrofe – um pouquinho mais e o País estará na zona de perigo, aquela em que qualquer soluço nos mercados internacionais pode se traduzir numa saída de recursos com efeitos nefastos sobre a moeda e as reservas brasileiras. Com seus US$ 81 bilhões de déficit externo, o Brasil está atrás somente dos EUA e da Inglaterra. A diferença é que os EUA têm o dólar e Aretha Franklin, e a Inglaterra, a libra e Adele.
Do lado fiscal, agosto registrou o pior resultado para o mês dos últimos dezoito anos, impulsionado por gastos que aumentaram quase 30% no período. Está certo que a Presidente Dilma não gosta de austeridade, já atacou a austeridade, fez pregações na Europa contra a austeridade. Mas, não precisava ir tão longe, deixando as contas públicas em frangalhos para o próximo governante – ou para ela própria. Diz o Ministro da Fazenda que o ajuste fiscal ficará para o próximo governo. Como ele certamente não haverá de integrar o próximo governo, parece estar cantando com Aretha e Adele: “farei com que você pense em mim nas profundezas de seu desespero” (“And I’m gonna make your head burn/Think of me in the depths of your despair”). Não há dúvida de que nos lembraremos dele, e de seu par no Tesouro, o inabalável Arno Augustin, sobretudo se o Brasil vier a ser rebaixado pelas agências de classificação de risco no ano que vem.
A campanha presidencial rola nas profundezas insondáveis de seus últimos dias antes do embaralhado primeiro turno. A Presidente-candidata, escorada nas acrobacias que seus marketeiros fazem com a verdade, se prepara para subir a rampa do planalto em janeiro de 2015. “Vejam como sairei com cada pedaço seu, não subestime o que sou capaz de fazer” (“See how I leave with every piece of you/ Don’t underestimate the things that I will do”).
Pobre Brasil.

OCDE: Renda mundial e desigualdades entre paises cresceram desde 1820

Desigualdade entre países avançou no mundo entre 1820 e 2010, diz OCDE

O Globo, 2/10/2014

A desigualdade de renda cresceu no mundo entre 1820 e 2010, mostra um estudo inédito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esse movimento foi causado principalmente por um salto na desigualdade entre os países, mais do que dentro dos países. O relatório “Como era a vida” reúne pela primeira vez indicadores entre os anos de 1820 e 2010, percorrendo quase dois séculos de estatísticas que ajudam a explicar a qualidade de vida da população, como desigualdade de renda, Produto Interno Bruto (PIB) per capita, educação, expectativa de vida e altura da população, instituições políticas, qualidade ambiental e desigualdade de gêneros, entre outros aspectos.
O índice de Gini (que mede a desigualdade, entre zero e 100) que compara os países entre si aponta um aumento expressivo entre 1820 e 2010, passando de 16 para 54. Se for considerada a desigualdade entre os países, o índice oscila ao longo das décadas, mas chega a 2010 ao mesmo nível de 45 que estava em 1820.
“O aumento na desigualdade de renda vivido entre 1820 e os anos 2000 foi fortemente causado pelo crescimento na desigualdade entre os países mais do que na desigualdade entre [?] os países”, aponta o documento. [Nota PRA: quem traduziu deve ter se enganado: deve ser dentro dos países esta última parte, mas o primeiro processo vem sendo revertido a partir da terceira onda de globalização.)
O comportamento da desigualdade de renda variou entre os [PRA: só pode ser DENTRO DOS] países ao longo das décadas. No Reino Unido, o índice de Gini estava em 59 nos anos 1820 e recuou para 40 nos anos 2000. Nos Estados Unidos, a taxa, que era de 57 em 1820, foi a 44 na primeira década do século XXI. Já no Brasil o índice de Gini avançou de 47 nos anos 1820 para 61 nos anos 2000.
Se consideramos as últimas três décadas, no entanto, houve um aumento da desigualdade dentro dos países. O índice de Gini mundial que considera a desigualdade intrapaíses passou de 36 na década de 80 para 39 na década de 90 e 45 na década de 2000. Essa tendência também pode ser observada nos indicadores das regiões. Na Europa Ocidental, o Gini subiu de 36 nos anos 80 para 38 nos anos 90 e 40 nos anos 2000. Nos países desenvolvidos do chamado Novo Mundo — Estados Unidos, Austrália e Canadá —, essas taxas foram de 37, 39 e 44, respectivamente. A região da América Latina e Caribe apresentou índice de Gini de 52, 52 e 54, respectivamente.
Segundo a OCDE, esse aumento recente da desigualdade dentro dos países está ligado ao processo de globalização, que ao mesmo tempo leva a um declínio na desigualdade entre os países. Esse segundo movimento, no entanto, ocorre em ritmo bem mais lento: o índice de Gini entre os países se manteve em 56 nas décadas de 70, 80 e 90, e caiu para 54 na década de 2000.
PIB per capita cresceu mais de dez vezes em dois séculos
Quando se olha o Produto Interno Bruto (PIB) per capita mundial na passagem entre os séculos XIX e XXI, é possível afirmar que houve uma alta de mais de dez vezes entre 1820 e 2010, passando de US$ 605 para US$ 7.890. Os números consideram dólares americanos em paridade do poder de compra dos anos 90.
O relatório da OCDE aponta que não houve nenhum país ou região com recuo na renda real neste período, embora haja alguns casos de redução temporária, como na China no século XIX, o Leste Europeu depois do fim do comunismo e algumas partes da África nos anos 80 e 90.
Ainda há fortes diferenças entre as regiões e os países. O PIB per capita da Europa Ocidental subiu de US$ 1.226 na década de 1820 para US$ 20.841 na década de 2000. Na América Latina, o aumento foi de US$ 595 para US$ 7.109, considerando a mesma base de comparação.
No Brasil, o PIB per capita saltou de US$ 683 para US$ 6.879, mas houve um recuo do PIB per capita entre 1890 e 1900 — década pouco depois da proclamação da república e com a Revolta da Armada e a Guerra de Canudos.
Um destaque no relatório é o caso da Argentina, que tinha PIB per capita de US$ 998 nos anos 1820, maior do que a da Suécia (US$ 888). Depois de um crescimento contínuo até os anos 80 (com exceção da década de 1910), a Argentina viu seu PIB per capita oscilar, até chegar a US$ 10.256 nos anos 2000. Nesse período, o PIB per capita sueco correspondia a 2,5 vezes ao argentino.
O documento destaca ainda o crescimento mais rápido da economia dos países de renda mais baixa, em especial da Ásia, desde os anos 70 — movimento diferente do que ocorria até então.

Brasil, um pais literalmente sufocado por 5 MILHOES (sim, milhoes) denormas desde 1988

A culpa não é só da Constituição-cidadã, ainda que ela seja um monumento à esquizofrenia econômica, como eu já designei em um trabalho feito nos seus 25 anos (e 83 emendas).
Os brasileiros parecem acreditar que as leis mudam a realidade.
E os burocratas corporativos são os nossos mandarins fascistas.
Paulo Roberto de Almeida 

Quase 5 milhões de normas foram editadas no país, desde a Constituição de 88

Em 26 anos da promulgação da Constituição Federal, também foram publicadas 320.343 normas tributárias, uma média de 46 a cada dia útil
Às vésperas de completar 26 anos, no próximo dia 5 de outubro, da Constituição Federal de 1988, o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação – IBPT detectou que foram editadas 4.960.610 normas para reger a vida do cidadão brasileiro, entre emendas constitucionais, leis delegadas, complementares e ordinárias, medidas provisórias, decretos e normas complementares e outros. Ou seja, foram publicadas em média, 522 normas a cada dia do período ou 782 normas por dia útil.
Do total dos normas editadas, 6,46%, ou 320.343 delas são tributárias, sendo 30.322 de âmbito federal; 96.664 estadual e 193.357 municipal. O estudo completo pode ser acessado no site do IBPT.
Para o presidente do Conselho Superior e coordenador de estudos do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral “a enorme quantidade e a complexidade da legislação brasileira confundem o cidadão e também as empresas, que têm dificuldades em compreender e atender às exigências legais, além do que o custo empresarial tem impacto direto na formação do preço das mercadorias e serviços”.
Empresas sofrem para cumprir as leis
A complexidade legislativa do país também causa grande impacto às empresas brasileiras, que devem seguir em média 3.639 normas, ou 40.865 artigos, 95.216 parágrafos, 304.446 incisos e 40.048 alíneas. Para acompanhar as constantes mudanças na lei, o empresário brasileiro precisa arcar com um custo médio de R$ 50 bilhões por ano para manter equipe especializada, sistemas e equipamentos.
O coordenador do Estudo, Gilberto Luiz do Amaral, elucida a situação com o seguinte exemplo: “Se esse volume de leis fosse impresso em papel formato A4 e letra tipo Arial 12, corresponderia a 5,8 quilômetros de normas”.
Principais legislações editadas em um ano
Entre as principais legislações editadas no período de 1º de outubro de 2013 a 30 de setembro de 2014, destacam-se a Lei Complementar n° 147/2014, que ampliou os benefícios do Simples Nacional a 140 atividades profissionais a partir de janeiro de 2015;
A publicação da Lei n°12.973/2014, conversão da Medida Provisória 627/2013, que disciplina o cálculo do Imposto de Renda devido pelas pessoas jurídicas;
A Medida Provisória nº 649, que amplia para 31 de dezembro de 2014 a vigência do prazo para que os estabelecimentos informem nas notas e cupons fiscais a carga tributária incidente sobre mercadorias e serviços ao consumidor. Esta MP tem validade até o dia 03 de outubro de 2014.
Edição da Lei n° 13.025/14 – que criou o número telefônico destinado a atender denúncias de casos de violência contra a mulher;
e a Lei n° 13.005, que aprova o Plano Nacional de Educação – PNE.
Devido a sua expertise em acompanhar e analisar as questões tributárias nacionais, há 22 anos, o IBPT tem contribuído, por meios do fornecimento de dados, para a elaboração de textos legais no segmento tributário. Um exemplo efetivo dessas contribuições foi com relação a Lei Complementar 147/2014, referente à universalização do Simples Nacional.
Fonte: site IBPT

Eleicoes 2014: o chanceler oficioso defende a diplomacia companheira -MAG

Nem vou me dar ao trabalho de refutar os argumentos daquele que já foi chamado de chanceler para a América do Sul, e a quem o próprio detentor do copyright do Nunca Antes designou como sendo o responsável pela "diplomacia partidária" -- dixit, num raro momento de distração terminológica -- mas apenas destacar uma frase dessa peroração defensiva.

Esta última frase me parece que pode, e deve, ser invertida:
 "A defesa intransigente do interesse nacional se sobrepõe a idiossincrasias ideológicas."

Ela resume (ou confessa), justamente, o que o governo do PT não fez nos últimos 12 anos em termos de política externa brasileira: colocar o interesse nacional acima das idiossincrasias ideológicas.  
Basta isto.
Mas como eu não sou de censurar ninguém, ao contrário dos companheiros, que só leem e publicam eles mesmos para si mesmos, reproduzo aqui a íntegra do artigo-panfleto, também para fins de registro destes tempos do Nunca Antes.
Paulo Roberto de Almeida 

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/188548-dilma-nas-nacoes-unidas-fatos-e-versoes.shtml
Opinião

Dilma nas Nações Unidas: fatos e versões

No afã de reverter o curso da política brasileira nos últimos 12 anos, analistas atacaram pronunciamento em NY
MARCO AURÉLIO GARCIA ESPECIAL PARA A FOLHA
A proximidade das eleições ensejou, mais uma vez, a associação entre desinformação e má fé por parte de alguns analistas da cena internacional, em especial da política externa brasileira.
No afã de reverter o curso que a política brasileira assumiu nos últimos 12 anos, nossos analistas atacaram os pronunciamentos da Presidenta Dilma Rousseff em Nova York como sendo (1) tentativa de transformar a tribuna da Nações Unidas em palanque eleitoral, (2) recusa de chancelar a proposta de desmatamento zero no Brasil e (3) atitude indulgente vis-à-vis os bárbaros crimes do Estado Islâmico.
Vejamos cada uma dessas afirmações.
A Presidenta, em primeiro lugar, tem claro que a política externa não é apenas um instrumento de projeção do Brasil no mundo, mas um elemento consubstancial de nosso projeto nacional de desenvolvimento.
Os temas "internos" por ela abordados em seu discurso são, assim, questões globais e da maior relevância: o enfrentamento local dos efeitos da crise econômica internacional, o combate à fome e às desigualdades; a defesa e a extensão dos direitos humanos. Todos os Presidentes vinculam aspectos internos e externos ("eleitoreiros", segundo nossos críticos) em seus discursos na Assembleia Geral, na medida em que buscam construir uma apreciação da situação internacional a partir de sua percepção nacional.
Se alguém duvida disso, basta ler o discurso do Presidente Obama na ONU.
Em segundo lugar, a recusa pelo governo brasileiro da proposta de desmatamento zero apresentada por três países e algumas ONGs se explica pelo conflito que tem com a legislação brasileira.
Ela prevê o manejo florestal como mecanismo importante de nossa política ambiental. Os proponentes não aceitaram a tese do "desmatamento ilegal zero". Apenas 28 dos 130 participantes da Cúpula do Clima da ONU se somaram à proposta de desmatamento zero.
O Brasil, apesar de possuir a maior reserva florestal do planeta, não foi convidado a participar da elaboração do texto. As críticas à soberana postura brasileira omitem os grandes resultados obtidos na luta contra o desmatamento (redução de 79% nos últimos 10 anos) e a liderança internacional que o Brasil tem desde que, na COP-15, em Copenhague, apresentou unilateralmente a proposta de redução das emissões de gás de efeito estufa entre 36% e 39% projetadas até 2020.
Finalmente, está a questão da posição brasileira em relação ao terrorismo do EI.
Só a profunda má fé pode atribuir ao discurso da Presidenta da República qualquer indulgência em relação a essa seita, menos ainda a disposição de dissuadir os terroristas pelo "diálogo".
A posição brasileira deixa clara a necessidade de que o uso da força só possa ser exercido quando legitimado por uma decisão do Conselho de Segurança, o que não ocorreu. É o caso da Síria, que, diferentemente do Iraque, não solicitou qualquer intervenção armada.
Tentativas de resolver questões semelhantes à margem do Direito Internacional, além de ilegais, têm sido desastrosas.
Será necessário chamar a atenção para a catastrófica invasão do Iraque, sem autorização do Conselho, e que está na origem do Estado Islâmico? Será necessário mencionar a desestabilização da Líbia e suas implicações no alastramento do terrorismo no Sahel? Será preciso chamar a atenção para o custo que teve, em passado mais remoto, o apoio ao Iraque de Saddam Hussein e aos talebans no Afeganistão?
O Brasil quer o diálogo da (e na) comunidade internacional para enfrentar esses graves problemas. O uso preferencial, unilateral e indiscriminado das armas ou de sanções econômicas tem se revelado inócuo, produzindo resultados opostos àqueles pretendidos. O terrorismo ganha mais força e visibilidade.
A política externa brasileira, que sempre pôs a defesa da soberania nacional e do Direito Internacional no centro de suas preocupações, não pode deixar-se arrastar em aventuras, como aquelas que acabam por reduzir nossa presença no mundo ao alinhamento automático --e muitas vezes desastroso-- com as grandes potências.
A defesa intransigente do interesse nacional se sobrepõe a idiossincrasias ideológicas.
MARCO AURÉLIO GARCIA é assessor-chefe da Assessoria Especial da Presidenta da República, função que ocupou no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010)

Eleicoes 2014: a politica externa do continuismo diplomatico-academico- Sebastiao Velasco

Em artigo publicado no Correio do Brasil, o panfleto possivelmente mais mentiroso criado (e financiado) pelo Stalin Sem Gulag -- ainda bem, do contrário eu não estaria aqui -- um acadêmico típico do típico gramscismo dominante nesses ambientes que anteriormente eram críticos, mas que deixaram de sê-lo há mais ou menos dez anos,, vem, tipicamente, defender o continuismo na política externa e nas opções diplomáticas do lulo-petismo.
A pretexto de examinar as propostas dos dois principais candidatos oposicionistas -- que ele tenta caracterizar, desonestamente, como aliados do império e subservientes aos "ricos" -- ele faz uma defesa indisfarçável das más opções adotadas nesses anos do Nunca Antes.
Parece que ele não sabe muito bem distinguir uma união aduaneira de uma zona de livre comércio, no caso do Mercosul -- já que acha que a simples eliminação de tarifas, que ele reduz a acordos com os "ricos", retira o significado do Mercosul, esquecendo que este pretenderia ser um mercado comum -- e se compraz em reproduzir beatamente a fórmula, que ele acha "feliz", de um ex-chanceler, que chamou a sua própria política externa, sem se envergonhar por fazer elogio em causa própria, de "ativa e altiva". 
Parece que esse pessoal quer ter o monopólio de todas as virtudes, acusando, de forma totalmente desonesta, os demais de submissão ao império.
Ah, sim, ele esqueceu completamente o apoio ideológico -- e eu até diria sectário e criminoso -- dos companheiros travestidos de diplomatas a algumas das piores ditaduras, na região e alhures, além daquele antiamericanismo infantil e anacrônico, que eles confundem com oposição ao hegemonismo imperial.
Enfim, nada que seja propriamente surpreendente: nossa academia continua a chafurdar no entulho autoritário dos neobolcheviques.
Paulo Roberto de Almeida 

Política externa: O que está em jogo nesta eleição

Correio do Brasil, 2/10/2014 13:42
Por Sebastião Velasco - de São Paulo

Política externa: O que está em jogo nesta eleição
Política externa: O que está em jogo nesta eleição
As cartas estão na mesa. Mais do que em 2010, mais do que em 2006 e provavelmente bem mais do que em qualquer outra depois do longo recesso do pós 1964, as diferenças programáticas no tema dapolítica externa estão muito claras na campanha presidencial deste ano.
A posição da candidatura oficial não reserva surpresas: com as adaptações necessárias para ajustar-se aos dados sempre cambiantes da conjuntura internacional, com esta ou aquela correção de rumo, o programa de Dilma não se distingue  essencialmente daquele que vem pautando, desde o início, as ações de seu governo.  O qual, por sua vez, segue pelo caminho aberto oito anos antes pela política de Lula, “ativa e altiva” na fórmula feliz do Ministro Celso Amorim.
O que há de novo é o espaço dedicado ao tema da política externa nos pronunciamentos oficiais da oposição, e os pontos de vistas expostos nesses documentos. Deixando de lado artigos de circunstância e entrevistas, são dois os documentos mais importantes: o Programa da coligação “Unidos pelo Brasil” (Marina-Beto Albuquerque), e uma longa entrevista publicada pela revista Política Externa, a que responderam os dois candidatos de oposição (na época, Aécio e Eduardo Campos).
Chama atenção a grande semelhança entre o programa das duas candidaturas. Elas coincidem em sua retórica — ao se apresentarem como restauradoras da autonomia do Itamaraty, supostamente sacrificada aos interesses e aos preconceitos ideológicos do partido dominante. Convergem na defesa da  adesão brasileira aos grandes acordos comerciais ora em negociação sob patrocínio dos Estados Unidos com países latino-americanos e asiáticos (a Parceria Comercial Trans-pacífica), com a União Européia (o Acordo Transatlântico de Comércio e Investimento), e com ambos: o Acordo sobre Comércio em Serviços. Fazem coro na crítica ao estado presente do Mercosul, e na proposta de flexibilização de suas regras para dar margem de liberdade maior ao Brasil na condução de sua política de comércio exterior. Estão afinadas também na defesa de uma aproximação maior com os Estados Unidos e de uma postura abertamente crítica face a (alguns) governos apontados como responsáveis por violações de direitos humanos.
No plano mais geral, ambos os programas contemplam a transformação do sistema internacional, no sentido de uma distribuição mais equilibrada de poder, e advogam para a diplomacia brasileira o exercício de um papel construtivo no redesenho de seus mecanismos de governança. Apesar dessas e outras similitudes, há algumas diferenças entre as duas propostas, como veremos logo a seguir.
Mas seguir é preciso? Não seria melhor indicar logo essas diferenças, de resto adjetivas, e deixar aos eleitores – a essa altura bem instruídos  –  o encargo de escolher entre os programas, de acordo com suas preferências e seu juízo?
Seria assim se os programas políticos fossem translúcidos. Mas não são. Usualmente, eles ocultam, tanto quanto revelam  — e quando prestamos atenção a esse jogo de claro escuro vemos que eles informam mais do que os seus autores imaginavam.
Tome-se, por exemplo, o caso da integração regional e a adesão aos acordos comerciais promovidos pelos Estados Unidos. Embora avaliem muito criticamente o Mercosul, ambas as candidaturas falam em reformulá-lo, sob liderança brasileira, para lhe dar maior flexibilidade e, no final das contas, revigorá-lo. Ora, do ponto de vista estritamente comercial, é evidente que a celebração, com economias desenvolvidas, de acordos com cláusula de eliminação de tarifas retira a razão de ser do Mercosul. O leitor está autorizado, portanto, a depreciar os protestos de compromisso com a integração regional. Fazendo eco a anos de propaganda negativa da grande imprensa, a opção preferencial dos dois programas é pelos ricos.
Mas os acordos em questão não se restringem a remover barreiras tarifárias, nem é este o seu maior objetivo. Do contrário, não haveria muito o quê negociar entre a Europa e os Estados Unidos, pois suas tarifas já são muito reduzidas. O que esses acordos pretendem é harmonizar regras para uma gama enorme de temas tradicionalmente objeto de regulamentação pelos Estados Nacionais: serviços, investimento estrangeiro, propriedade intelectual, compras governamentais, para citar apenas alguns.
Ao fazer isso, esses acordos não inovam. No final do século passado, vários desses temas passaram a ser disciplinados por regras estabelecidas em negociação multilateral, que desde então vêm sendo aplicadas pela OMC. O meio natural para reformá-las seria também a negociação multilateral no âmbito desta organização. É a inexistência de consenso sobre o que mudar, e sobre própria direção da mudança que leva os Estados Unidos e seus aliados a optarem pelo caminho da negociação secreta entre “iguais”.
É desnecessário insistir no que significa essa escolha do ponto de vista do sistema multilateral de comércio. O argumento para aderir a esses acordos deixa isso muito claro: “não podemos correr o risco de ficar de fora, e sermos obrigados a nos sujeitar depois a normas decididas por outrem”. O suposto é claro: os outros definirão novas regras, independentemente de nossa vontade  –  e, no caso, o coletivo indicado pelo pronome vai muito além de nós, brasileiros. Se a regra de ouro do regime em vigor é a mudança por consenso (ou, em última instância, pelo voto da maioria), o que prevalece nos referidos acordos é a lógica excludente da oligarquia: os pares decidem; aos demais resta a opção entre aceitar o que foi decidido, ou ficar à margem.
Agora, o que há de tão especial nessas “novas regras”? Seus defensores usam termos sedutores quando se referem a elas. Seriam mais “ambiciosas”, ou mais “avançadas” – quem vai insistir em manter regras “modestas” e “atrasadas”? Mas há um ardil nessa linguagem: esses adjetivos não se aplicam com propriedade às regras, mas aos interesses sociais que as promovem e são por elas beneficiados. Em detrimento de outros interesses, naturalmente, mas sobre isso é melhor não dizer nada.
Os dois programas apresentam tais mudanças como respostas aos imperativos da economia industrial, que se organizaria hoje em cadeias produtivas globais. Nesse contexto, as normas precisariam ser harmonizadas, sob pena de entravar a atividade das firmas.  Quando se abre a caixa preta (o que acontece por vezes, quando o segredo que cerca a negociação desses acordos é quebrado por um bisbilhoteiro mal intencionado qualquer), a desconfiança nos assalta. As regras propostas conferem amplas prerrogativas às corporações multinacionais e limitam severamente os graus de liberdade dos poderes públicos. E quando vemos que países participam das negociações desses acordos, e quem fica fora deles –  nenhum dos BRICS, para início de conversa  — concluímos com facilidade: o que se pretende é a integração subordinada nessas ditas cadeias  –  que funcionariam efetivamente como tais, liames aprisionando os anseios de desenvolvimento econômico e social de nosso país.
Até aqui, os dois programas vão de mãos dadas. Mas em alguns momentos eles se separam (não muito, é verdade). Os documentos da chapa encabeçada por Marina são bem mais incisivos na condenação a governos acusados de violar direitos humanos  – por coincidência, todos eles na lista negra dos Estados Unidos  –, mas não dizem uma palavra sobre as crises humanitárias provocadas pelas intervenções militares da superpotência e seus aliados, ou sobre as violações crônicas que prevalecem em muitos de seus Estados clientes.
E há a denúncia do princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, que sempre orientou o Brasil nas negociações sobre o clima. Essa noção serviria de escudo para os novos grandes poluidores globais, e o governo a estaria usando para fugir às nossas obrigações como membros solidários da humanidade, ameaçada pelo desastre que ronda o nosso planeta. Imbuído desse espírito generoso, no capítulo dedicado à matéria, o programa de Marina estabelece metas “ambiciosas” para o Brasil em futuro próximo e distante: redução das emissões de CO2 per capital em 70% até 2050. O fato de os Estados Unidos responderem, sozinhos, por cerca de 17 % das emissões globais de carbono, enquanto a contribuição do Brasil não passa de 1,5%, não conta. Somos todos responsáveis, e temos de contribuir igualmente na resolução do problema.
Chegamos, enfim, ao tema da multipolaridade. Como se sabe, o conceito é central na política exterior do Brasil desde o início do governo Lula. Àquela época, o mantra nos estudos em Relações Internacionais era a unipolaridade. No mundo do pós Guerra-Fria haveria apenas uma única hiperpotência, um único pólo. E daí a falar em Império global era um passo  –  que muitos deram celeremente, durante os preparativos da invasão do Iraque, e pouco depois. Como se sabe também, o Brasil se opôs a essa operação militar, pela voz de seu presidente Lula — para grande escândalo dos comentaristas que integram o que poderíamos denominar de “Partido Americano do Brasil”.
Outros tempos, outras palavras. Agora, a fórmula “um mundo multipolar” entrou na moda. Mas entre o significado dela no discurso oficial e no léxico da oposição há uma diferença flagrante. Para o primeiro, ao promover a integração sul-americana o Brasil contribui para a constituição de um pólo a mais no sistema internacional; para o segundo, o sistema tende a assistir à afirmação de outros pólos de poder, mas o Brasil deve continuar gravitando na órbita do mesmo astro de sempre.
Sebastião Velasco,  é professor da Unicamp, especialista em Ciência Política, com ênfase em Economia Política e Relações Internacionais e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).

Dez novas regras da vida diplomatica - Paulo Roberto de Almeida

E já que estamos falando da carreira diplomática, reproduzo aqui, em versão muito reduzida, o que talvez seja meu texto mais amplamente reproduzido, aqui e ali, nesses mais de dez anos depois que foi elaborado pela primeira vez.
Sempre me pediram para ampliá-lo, o que eu nunca fiz por absoluta falta de tempo.
Sua repostagem aqui, ainda que numa forma muito sintética em relação ao original, deve servir de lembrete para essa ampliação requisitada.
Paulo Roberto de Almeida 

QUINTA-FEIRA, 22 DE DEZEMBRO DE 2005


62) Dez regras modernas de diplomacia


Dez Regras Modernas de Diplomacia
Paulo Roberto de Almeida

Este ensaio breve sobre as novas regras da diplomacia, me foi inspirado pela leitura de um livro de um diplomata português do século XIX: Frederico Francisco de la Figanière: Quatro regras de diplomacia (Lisboa: Livraria Ferreira, 1881, 239 p.). Ao lê-lo, passei a redigir imediatamente algumas regras mais adaptadas ao século XXI. O trabalho foi escrito originalmente entre Chicago (em 22 de julho de 2001) e depois novamente em viagem de São Paulo a Miami e daí a Washington (em 12 de agosto de 2001). Foi publicado originalmente na série “Cousas Diplomáticas” (nº 1), da revista eletrônica Espaço Acadêmico, e espero poder ampliá-lo assim que me for dada oportunidade.

Reflexões rápidas para futuro desenvolvimento...

1. Servir a pátria, mais do que aos governos, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais serve; ter absolutamente claros quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se encontra.
O diplomata é um agente do Estado e, ainda que ele deva obediência ao governo ao qual serve, deve ter absoluta consciência de que a nação tem interesses mais permanentes e mais fundamentais do que, por vezes, orientações momentâneas de uma determinada administração, que pode estar guiada — mesmo se em política externa isto seja mais raro — por considerações “partidárias” de reduzido escopo nacional. Em resumo, não seja subserviente ao poder político, que, como tudo mais, é passageiro, mas procure inserir uma determinada ação particular no contexto mais geral dos interesses nacionais.

2. Ter domínio total de cada assunto, dedicar-se com afinco ao estudo dos assuntos de que esteja encarregado, aprofundar os temas em pesquisas paralelas.
Esta é uma regra absoluta, que deve ser auto-assumida, obviamente. Numa secretaria de estado ou num posto no exterior, o normal é a divisão do trabalho, o que implica não apenas que você terá o controle dos temas que lhe forem atribuídos, mas que redigirá igualmente as instruções para posições negociais sobre as quais seu conhecimento é normalmente maior do que o do próprio ministro de estado ou o chefe do posto. Mergulhe, pois, nos dossiês, veja antigos maços sobre o assunto (a poeira dos arquivos é extremamente benéfica ao seu desempenho funcional), percorra as estantes da biblioteca para livros históricos e gerais sobre a questão, formule perguntas a quem já se ocupou do tema em conferências negociadoras anteriores, mantenha correspondência particular com seu contraparte no posto (ou na secretaria de estado), enfim, prepare-se como se fosse ser sabatinado no mesmo dia.

3. Adotar uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situá-lo no contexto próprio, manter independência de julgamento em relação às idéias recebidas e às “verdades reveladas”.
Em diplomacia, raramente uma questão surge do nada, de maneira inopinada. Um tema negocial vem geralmente sendo “amadurecido” há algum tempo, antes de ser inserido formalmente na agenda bilateral ou multilateral. Estude, portanto, todos os antecedentes do assunto em pauta, coloque-o no contexto de sua emergência gradual e no das circunstâncias que presidiram à sua incorporação ao processo negocial, mas tente dar uma perspectiva nova ao tema em questão. Não hesite em contestar os fundamentos da antiga posição negociadora ou duvidar de velhos conceitos e julgamentos (as idées reçues), se você dispuser de novos elementos analíticos para tanto.

4. Empregar as armas da crítica ao considerar posições que devam ser adotadas por sua delegação; praticar um ceticismo sadio sobre prós e contras de determinadas posições; analisar as posições “adversárias”, procurando colocá-las igualmente no contexto de quem as defende.
Ao receber instruções, leia-as com o olho crítico de quem já se dedicou ao estudo da questão e procure colocá-las no contexto negocial efetivo, geralmente mais complexo e matizado do que a definição de posições in abstracto, feita em ambiente destacado do foro processual, sem interação com os demais participantes do jogo diplomático. Considerar os argumentos da parte adversa também contribui para avaliar os fundamentos de sua própria posição, ajudando a revisar conceitos e afinar seu próprio discurso. Uma saudável atitude cética — isto é, sem negativismos inconseqüentes — ajuda na melhoria constante da posição negociadora de sua chancelaria.

5. Dar preferência à substância sobre a forma, ao conteúdo sobre a roupagem, aos interesses econômicos concretos sobre disposições jurídico-abstratas.
Os puristas do direito e os partidários da “razão jurídica” hão de me perdoar a deformação “economicista”, mas os tratados internacionais devem muito pouco aos sacrossantos princípios do direito internacional, e muito mais a considerações econômicas concretas, por vezes de reduzido conteúdo “humanitário”, mas dotadas, ao contrário, de um impacto direto sobre os ganhos imediatos de quem as formula. Como regra geral, não importa quão tortuosa (e torturada) sua linguagem, um acordo internacional representa exatamente — às vezes de forma ambígua — aquilo que as partes lograram inserir em defesa de suas posições e interesses concretos. Portanto, não lamente o estilo “catedral gótica” de um acordo específico, mas assegure-se de que ele contém elementos que contemplem os interesses do país.

6. Afastar ideologias ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país.
A política externa tende geralmente a elevar-se acima dos partidos políticos, bem como a rejeitar considerações ideológicas, mas sempre somos afetados por nossas próprias atitudes mentais e algumas “afinidades eletivas” que podem revelar-se numa opção preferencial por um determinado tipo de discurso, “mais engajado”, em lugar de outro, supostamente mais “neutro”. Poucos acreditam no “caráter de classe” da diplomacia, mas eventualmente militantes “classistas” gostariam de ajudar na “inflexão” política ou social de determinadas posições assumidas pelo país internacionalmente, sobretudo quando os temas da agenda envolvem definição de regras que afetam agentes econômicos e expectativas de ganhos relativos para determinados setores de atividade. Deve-se buscar o equilíbrio de posições e uma definição ampla, verdadeiramente nacional, do que seja interesse público relevante.

7. Antecipar ações e reações em um processo negociador, prever caminhos de conciliação e soluções de compromisso, nunca tentar derrotar completamente ou humilhar a parte adversa.
O soldado e o diplomata, como ensinava Raymond Aron, são os dois agentes principais da política externa de um Estado — embora atualmente outras forças sociais, como as ONGs e os homens de negócio, disputem espaço nos mecanismos decisórios burocráticos — mas, à diferença do primeiro, o segundo não está interessado em ocupar território inimigo ou destruir sua capacidade de resistência. Ainda que, em determinadas situações negociais, o interesse relevante do país possa ditar alguma instrução do tipo “vá ao plenário com todas as suas armas (argumentativas) e não faça prisioneiros”, o confronto nunca é o melhor método para lograr vitória num processo negociador complexo. A situação ideal é aquela na qual você “convence” as outras partes negociadoras de que aquela solução favorecida por seu governo é a que melhor contempla os interesses de todos os participantes e na qual as partes saem efetivamente convencidas de que fizeram o melhor negócio, ou pelo menos deram a solução possível ao problema da agenda.

8. Ser eficiente na representação, ser conciso e preciso na informação, ser objetivo na negociação.
Considere-se um agente público que participa de um processo decisório relevante e convença-se de que suas ações terão um impacto decisivo para sua geração e até para a história do país: isto já é um bom começo para dar dignidade à função de representação que você exerce em nome de todos os seus concidadãos. Redija com clareza seus relatórios e seja preciso nas instruções, ainda que dando uma certa latitude ao agente negocial direto; não tente fazer literatura ao redigir um anódino memorandum, ainda que um mot d’esprit aqui e ali sempre ajuda a diminuir a secura burocrática dos expedientes oficiais. Via de regra, estes devem ter um resumo inicial sintetizando o problema e antecipando a solução proposta, um corpo analítico desenvolvendo a questão e expondo os fundamentos da posição que se pretende adotar, e uma finalização contendo os objetivos negociais ou processuais desejados. No foro negociador, não tente esconder seus objetivos sob uma linguagem empolada, mas seja claro e preciso ao expor os dados do problema e ao propor uma solução de compromisso em benefício de todas as partes.

9. Valorize a carreira diplomática sem ser carreirista, seja membro da corporação sem ser corporativista, não torne absolutas as regras hierárquicas, que não podem obstaculizar a defesa de posições bem fundamentadas.
Geralmente se entra na carreira diplomática ostentando certo temor reverencial pelos mais graduados, normalmente tidos como mais “sábios” e mais preparados do que o iniciante. Mas, se você se preparou adequada e intensamente para o exercício de uma profissão que corresponde a seus anseios intelectuais e responde a seu desejo de servir ao país mais do que aos pares, não se deixe intimidar pelas regras da hierarquia e da disciplina, mais próprias do quartel do que de uma chancelaria. Numa reunião de formulação de posições, exponha com firmeza suas opiniões, se elas refletem efetivamente um conhecimento fundamentado do problema em pauta, mesmo se uma “autoridade superior” ostenta uma opinião diversa da sua. Trabalhe com afinco e dedicação, mas não seja carreirista ou corporativista, pois o moderno serviço público não deve aproximar-se dos antigos estamentos de mandarins ou das guildas medievais, com reservas de “espaço burocrático” mais definidas em função de um sistema de “castas” do que do próprio interesse público. A competência no exercício das funções atribuídas deve ser o critério essencial do desempenho no serviço público, não o ativismo em grupos restritos de interesse puramente umbilical.

10. Não faça da diplomacia o foco exclusivo de suas atividades intelectuais e profissionais, pratique alguma outra atividade enriquecedora do espírito ou do físico, não coloque a carreira absolutamente à frente de sua família e dos amigos.
A performance profissional é importante, mas ela não pode ocupar todo o espaço mental do servidor, à exclusão de outras atividades igualmente valorizadas socialmente, seja no esporte, seja no terreno da cultura ou da arte. Uma dedicação acadêmica é a que aparentemente mais se coaduna com a profissão diplomática, mas quiçá isso represente uma deformação pessoal do autor destas linhas. Em todo caso, dedique-se potencialmente a alguma ocupação paralela, ou volte sua mente para um hobby absorvente, de maneira a não ser apenas um “burocrata alienado”, voltado exclusivamente para as lides diplomáticas. Sim, e por mais importante que seja a carreira diplomática para você, não a coloque na frente da família ou de outras pessoas próximas. Muitos se “sentem” sinceramente diplomatas, outros apenas “estão” diplomatas, mas, como no caso de qualquer outra profissão, a diplomacia não pode ser o centro exclusivo de sua vida: os seres humanos, em especial as pessoas da família, são mais importantes do que qualquer profissão ou carreira.


4 COMENTÁRIOS:

Anônimo disse...
Dr Paulo, como mae de uma candidata ao Itamaraty, tenho feito pesquisas sobre livros e metodologias prioritarias de estudo. Seus sites sobre o assunto tem nos ajudado muito na dificil tarefa de selecionar material adequado.Gostaria de parabeniza-lo especialmente pelas 10 regras diplomaticas. Foi reconfortador encontrar um ser humano de calibre, com valores humanos e ético.
Anônimo disse...
Sábios conselhos! Só que talvez eu fizesse do item 10 o primeiro mandamento desse decálogo... Abraço!
Luciane Mirella disse...
Nesse momento estou decidindo enveredar-me definitivamente na luta por uma vaga no instituto Rio Branco e o que mais pesa na decisão é a escolha a fazer entre a vida profissional e pessoal. A vida de diplomata é assim tão instável?
Walace Ferreira - 25 anos disse...
Excepcionais as reflexões acima. Brilhante a colocação final. Complementaria dizendo que sem a família ou o prazer de levantar a cada dia e amar a vida, nenhuma profissão pode fazer sentido ao ser humano. Sobretudo quando se trata de diplomacia, onde mais que ser portador da razão e do conhecimento, esses elementos constituem-se na base para um excelente trabalho. Só um profundo conhecedor da paixão, frutificada e amadurecida no dia-a-dia com as relações sociais, pode servir com afinco e humanidade a sua nação.

Walace Ferreira.