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sábado, 28 de março de 2015

Desigualdades distributivas na America Latina em perspectiva historica - seminario Intal-BID

Desigualdade na América Latina: lições da história
 [Para carregar todos os documentos do evento, veja o link de origem: http://events.iadb.org/calendar/eventDetail.aspx?lang=es&id=4722]


Buenos Aires, dezembro de 2014, Intal-BID


Quais são os ensinamentos que uma visão de longo prazo sobre a desigualdade na América Latina nos oferece? [1] Sem dúvida muitos, e vários deles de grande utilidade para pensar os desafios do presente. Estas são algumas das conclusões decorrentes da leitura das apresentações realizadas no seminário “A inequidade na América Latina a longo prazo”, organizado pelo BID, pelo Banco Mundial e pela Cepal no auditório do Instituto para a Integração da América Latina e do Caribe (BID-Intal) em Buenos Aires, de 3 a 5 de dezembro de 2014. Entre outras contribuições, a perspectiva temporal nos permite observar o peso que variáveis como a educação, a política tributária, a propriedade da terra, a configuração das elites, as diferentes estratégias econômicas e os fatores demográficos e naturais tiveram sobre a equidade, ao mesmo tempo que nos permite discernir o que aconteceu com as desigualdades de classe, gênero e étnicas ao longo da história. Neste artigo, baseado nas principais descobertas de um grupo de trabalhos apresentados no seminário, em primeiro lugar se fará referência à controvérsia central sobre a história da desigualdade da região e às mais recentes contribuições apresentadas a esse respeito. A seguir, será analisada em perspectiva temporal a evolução das desigualdades de gênero e étnicas. E, por último, se abordará um exemplo de trajetória de longo prazo da desigualdade, finalizando o artigo com algumas reflexões sobre o uso da história para ajudar a pensar os desafios do presente.
Se há consenso sobre o aumento registrado nas desigualdades de renda nas últimas décadas do século 20 na região, à medida que olhamos mais para o passado, as posturas divergem. De todo modo, a perspectiva mais aceita entre os historiadores é a que remete as inequidades à época da Colônia. Em termos gerais e com nuances entre os diversos autores, essa perspectiva se baseia no caráter extrativo da economia colonial, nas restrições ao desenvolvimento econômico que as coroas espanhola e portuguesa impuseram às suas colônias, na estrutura da propriedade da terra e na poderosa configuração de elites locais que depois se cristalizou nas repúblicas nascentes em forma de instituições, estrutura de classes e coalizões de poder que perpetuaram e reforçaram as desigualdades anteriores. A apresentação de Luis Bértola no seminário aprofundou-se nessa linha argumentativa. Ele defendeu a necessidade de observar a desigualdade passada não só com relação à renda, mas também em uma perspectiva ampla, incluindo a estrutura social da colônia, em particular, a existência de escravos e de outras formas de subordinação e servidão, restrições à cidadania e ao acesso à terra, entre outras dimensões. E, embora estes elementos pudessem não se refletir na renda, sem dúvida constituíam formas de desigualdade profundas. Por outro lado, assinalou que o problema da região a partir do século 19 foi principalmente a volatilidade econômica, já que os avanços e os retrocessos do desenvolvimento representaram profundas flutuações em termos de desigualdade. Além disso, destacou a necessidade de revisar a relação entre crescimento e desigualdade, afirmando que, pelo que parece, para crescer a região teve que gerar desigualdade, mas que, por sua vez, essa desigualdade foi uma base frágil para conseguir um crescimento sustentável. Passando para os casos nacionais, a título de exemplo, a apresentação de Jorge Gelman e Daniel Santilli sobre Buenos Aires da colônia até o fim do século 19 seguiu em termos gerais essa perspectiva de desigualdade com raízes históricas.
Uma perspectiva diferente foi sustentada por Jeffrey Williamson na sua apresentação (Gráfico 1). A partir da construção de uma série de dados de longa duração (os primeiros datam do século 15) ele afirma que nos primeiros anos da conquista a produção de excedente era muito baixa para produzir desigualdades expressivas. Esta aumenta só a partir do século 17, mas até fins do século 19 se mantém abaixo da inequidade registrada nesse momento na Europa e nos Estados Unidos. Depois da Primeira Guerra Mundial é que a região começará a elevar seus níveis de inequidade, ao mesmo tempo que a Europa começará a diminui-los. A pergunta é o que aconteceu depois de 1910 que levou a esse aumento da desigualdade na região que persiste até hoje. A apresentação de María Gómez León, a partir de uma visão metodológica nova sobre a estrutura de classes do Brasil de 1839 a 1950, pode se inscrever nesta linha argumentativa. Seu trabalho identifica períodos da história brasileira caracterizados por um crescimento da classe média junto com um declínio nos níveis de desigualdade, particularmente no final do século 19 e início do 20. Assim, a imagem tradicional de um Brasil caracterizado por uma estrutura social polarizada é questionada.

A desigualdade latino-americana é uma persistência histórica?

Gráfico 1

A apresentação de Pablo Astorga sobre a desigualdade funcional na América Latina entre 1900 e 2011 também leva à revisão de certas ideias sobre o passado. O autor constrói uma série de dados novos sobre salários reais comparável a longo prazo para seis países da América Latina[2] e faz cálculos próprios do coeficiente de Gini entre grupos ocupacionais. A partir deles, afirma que não se verifica um padrão comum de evolução da desigualdade na região a partir do século 19; na verdade, registram-se diferenças expressivas nos padrões nacionais no final da primeira industrialização e durante meados do século 20. Pelo contrário, assevera que sim parece haver um dado comum na tendência a uma desigualdade crescente a partir de 1960, que teve seu auge no final do século passado. Em linhas gerais, o quadro apresentado não pareceria ser coerente com a hipótese de uma desigualdade alta e relativamente constante no século 20, dado que se observam diferenças significativas não só entre países, mas também em cada um deles ao longo do tempo. Um dado interessante para os desafios do presente é que o autor não encontra em nenhum país uma fase de concomitância de um aumento sustentável da participação do salário acompanhado de uma redução na dispersão salarial. Em outras palavras, quando a participação do trabalho na distribuição da riqueza sobe também teria aumentado a desigualdade entre os diversos trabalhadores. Sua contrapartida lógica, particularmente no final do século 20, é a sincronia entre um aumento no salário real médio e um aumento da dispersão. Como corolário, conclui que o que parece estar faltando na história econômica dos seis países analisados são episódios impulsionados por dinâmicas de mercado de um aumento do salário médio articulado com uma redução da dispersão salarial. Trata-se de um tema de grande importância, já que esta apresentação estabelece uma relação da distribuição primária, entre capital e trabalho, com a secundária, entre indivíduos e domicílios. E, com efeito, a redução da desigualdade de renda exige uma melhora tanto de uma quanto da outra, e essa sincronia também não se percebe no presente.

A apresentação de Leticia Arroyo Abad junto com Peter Lindert também expõe conclusões novas. Os autores realizaram o que chamaram de o primeiro estudo multipaís sobre como os governos latino-americanos utilizaram os impostos e o gasto público para atuar sobre a distribuição da renda. Para isso, construíram uma série histórica para seis países latino-americanos,[3] em combinação com estudos recentes sobre os padrões de redistribuição fiscal do século 21. Da apresentação se deduzem, entre outros, os seguintes ensinamentos. Em primeiro lugar, eles sustentam que o gasto social se acelerou no pós-guerra. Depois, mostram que na América Latina a redistribuição ocorre basicamente dos jovens para os idosos, principalmente por meio do sistema de pensões. Em terceiro lugar, eles afirmam que desde a Independência a região investiu pouco em educação e infraestrutura. Em quarto lugar, assinalam que, em termos gerais, a progressividade foi escassa na região. Em quinto, demonstram que o investimento humano em capital implicou maiores – embora mais dilatados - benefícios do que as políticas de transferência de renda; e, por último, afirmam que o gasto social na região, além de volátil, foi pró-cíclico.

Desigualdades de gênero e raça em perspectiva histórica

A evolução ao longo do tempo das desigualdades de gênero e étnica ou racial, como foi chamada em várias apresentações, foi outro dos temas do seminário. Silvana Maubrigades apresentou uma análise realizada junto com María Magdalena Camou sobre a distribuição da renda e da participação feminina no mercado de trabalho na América Latina desde o início do século 20 (Gráfico 2). O trabalho afirma que a desigualdade de gênero em matéria de renda se expressa basicamente de duas formas: por meio de uma entrada mais restrita e tardia das mulheres no mercado de trabalho e por meio da existência de uma brecha salarial em comparação com os homens. A análise conclui que existe uma “path dependence” (às vezes traduzida como “dependência histórica”) importante em nível nacional no tocante à evolução do mercado de trabalho, porque os países com maiores níveis de educação e de participação feminina no mercado de trabalho (como a Argentina e o Uruguai) são também os de menor desigualdade de gênero na matéria. Concluem, em termos gerais, que o nível de desenvolvimento de um país é previsor do nível de participação feminina no mercado de trabalho. No entanto, o estudo mostra que a formação não tem resultados lineares em termos da redução da desigualdade, visto que nem sempre se correlaciona com um aumento da participação feminina no mercado de trabalho nem com uma redução da brecha salarial. Esta conclusão é também importante para o presente: diversos trabalhos mostram que nem todas as desigualdades diminuem de forma articulada e, em particular, que a nossa região foi mais equitativa na distribuição de bens educativos do que na distribuição da renda e que essas disparidades continuam no presente.

Gráfico 2


Nesse mesmo sentido, mas relativos a grupos étnicos, encontram-se as conclusões apresentadas por Enriqueta Camps junto com Stanley Engerman. Esta apresentação visou analisar o impacto da raça e da desigualdade na formação de capital humano nos séculos 19 e 20 na América Latina. Destaca-se que durante o século 20 a educação tornou-se de massa na América Latina, pelo menos nos níveis fundamental e médio, ao mesmo tempo que a desigualdade educativa se reduziu, incorporando as mulheres e pessoas de todas as raças. No entanto, também se destaca que o impacto da queda do coeficiente de Gini educacional não foi notado sobre o Gini de renda até a década de 1990.
Uma abordagem sobre este tema no caso do Brasil foi realizada pela apresentação de Justin Bucciferro. O autor parte da constatação de que durante a última década se evidenciou uma importante redução da desigualdade racial no Brasil com relação aos níveis de emprego e renda, do alfabetismo e da educação. A partir daí, ele se pergunta se o declínio faz parte de uma tendência de longo prazo ou se responde a fatores estritamente conjunturais. O trabalho contém evidências sobre a desigualdade racial no Brasil desde 1827 até hoje, concentrando-se na análise da expectativa de vida, nos níveis de analfabetismo, na quantidade de anos de escolaridade e nas rendas médias mensais, desagregados por grupos (negros, pardos, brancos, asiáticos e indígenas). A evidência o leva a concluir que, em termos gerais, houve uma redução da desigualdade no Brasil ao longo do tempo, e que esta tendência é anterior às últimas décadas (Quadro 1). No entanto, ele acrescenta que o progresso para uma maior igualdade entre os grupos étnicos foi errático e teve resultados diversos segundo o grupo analisado.

Quadro 1

Estas pesquisas mostram, entre outros elementos, além da persistência de desigualdades de gênero e entre os grupos étnicos, que os avanços não são lineares no tempo nem em todas as dimensões. Talvez seja útil trazer como referência um aprendizado dos estudos sobre estigmatização que apontam o caráter pertinaz e multiforme dos estigmas: quando parecem terem sido eliminados em uma dimensão, concentram-se, reaparecem ou se expressam em outras. Sem dúvida com as desigualdades de gênero e de raça acontece algo similar: os avanços em certas áreas nos obrigam a ficar mais atentos para detectar as persistências ou ainda o reforço de inequidades em outras. O aumento da participação feminina no mercado de trabalho, por exemplo, não necessariamente implica uma redução das brechas de renda ou, mais ainda, estaria acarretando uma maior sobrecarga do tempo de trabalho doméstico e extradoméstico das mulheres. Portanto, neste caso, se ganha em uma dimensão da desigualdade, mas se perde em outra.

Desigualdade a longo prazo: um caso de padrão cíclico

Um resultado interessante é a observação de um padrão cíclico na desigualdade de renda a longo prazo no caso do Chile (Gráfico 3). Javier Rodríguez Weber analisou na sua apresentação a relação entre crescimento econômico e desigualdade levando em conta a incidência tanto dos fatores institucionais quanto das forças de mercado em três períodos da história desse país de 1850 em adiante. Entre suas descobertas, mostra que nem sempre o crescimento implicou desigualdade, mas que o fundamental é o tipo de crescimento, mostrando que a curva de Kuznets (a hipótese de que toda fase de crescimento provoca um aumento inicial da desigualdade) não é de jeito nenhum uma lei válida para todos os países nem para todos os estilos de desenvolvimento. Centrado depois no período 1938-1973, no qual houve uma grande queda na desigualdade, encontra o peso positivo da regulamentação estatal da economia visível na promoção da industrialização e em uma forte política de recomposição do salário mínimo real. Por último, estuda o período 1973-2009, assinalando que até 1989 (fim da ditadura de Pinochet) se produz um expressivo aumento da desigualdade, devido a uma forte redistribuição a favor das elites, produzida a partir de uma queda dramática do salário real e da abertura do que o autor denomina novos terrenos para a extração de lucros, referindo-se basicamente à privatização da educação e da segurança social.

Gráfico 3

Encerramento

Este artigo se propôs a apresentar alguns dos aprendizados decorrentes de uma perspectiva de longo prazo sobre a desigualdade na região. Em primeiro lugar, os trabalhos sugerem que as controvérsias sobre a desigualdade não estão sanadas. Parece que se encaminha para uma maior diversificação de perspectivas ou, possivelmente, para uma suspensão da possibilidade de uma visão única para todos os países e períodos, em virtude dos novos estudos sobre os diversos casos nacionais, da maior luz sobre períodos que haviam ficado até agora sob certa penumbra e, sem dúvida, das novas variáveis e indicadores que sejam levados em conta para captar a desigualdade, principalmente se for adoptada uma perspectiva multidimensional da mesma.
No entanto, hoje já se conta com uma grande quantidade de dados, construção de séries históricas e indicadores diversos que constituem uma fonte de informação e conhecimentos de grande utilidade para enfrentar os desafios do presente. Sabe-se bastante mais sobre o que teve peso tanto nas fases de redução quanto de aumento da desigualdade de renda, em especial entre indivíduos e pessoas. Temos certezas com relação ao fato de que as políticas e as instituições contam e que é impossível explicar a persistência da desigualdade sem colocar no centro da análise a dinâmica dos grupos sociais, em particular das elites. A história dos países também questiona certas ideias: nem todo crescimento gera desigualdade, já que isso depende do estilo de desenvolvimento, e tampouco a desigualdade melhora necessariamente em todas as dimensões de forma articulada e inexoravelmente. Além disso, incorporam-se outras perspectivas sobre a distribuição, por exemplo, a que observa as transferências produzidas entre gerações, uma dimensão pouco presente nos estudos dos nossos países. Em suma, tenta-se responder à interrogação inicial sobre as contribuições da perspectiva de longo prazo com algumas reflexões sobre os muitos ensinamentos que a perspectiva de longo prazo pode nos deixar; e também convidar os leitores a encontrar suas próprias respostas nestas e nas demais apresentações do seminário. 

[1] Este texto foi escrito pelo consultor Gabriel Kessler.
[2] Trata-se da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Venezuela.
[3] Trata-se da Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Peru e Uruguai.
 




Gráfico 1. Estimativa da tendência à desigualdade na América Latina, 1491-1929


Obs.: Gráfico traduzido. Fonte: Apresentação de Jeffrey Williamson.




Gráfico 2: Inequidade global e a brecha de gênero

Obs.: Gráfico traduzido. Fonte: Apresentação de Silvana Maubrigades.





Quadro 1: Expectativa de vida ao nascer (anos) por raça, 1950-2008

  1950 1960 1980 1991 2008
BRANCA 47,5 54,7 66,1 70,8 73,1
NÃO BRANCA 40,1 44,7 59,4 64,0 67,0
DIFERENÇIA 7,4 10,0 6,7 6,8 6,1




Gráfico 3. A "melhor estimativa" de desigualdade na distribuição de renda no Chile. 1850-2009. Coeficiente de Gini.

Obs.: Gráfico traduzido. Fonte: Apresentação de Rodríguez Weber.




sexta-feira, 20 de março de 2015

Desigualdades na América Latina: licoes da Historia - Seminario no Intal-BID

Um resumo muito interessante, inclusive com gráficos esclarecedores, sobre um problema persistente, que revela todo o fracasso das elites (ou seria um sucesso?) na permanência das iniquidades distributivas, ou seja, a (não) distribuição de renda.
Vale a pena ler o resumo todo e acessar as contribuições individuais.
Paulo Roberto de Almeida 
Desigualdade na América Latina: lições da história
Gabriel Kessler
BID-INTAL, 20/03/2015
Quais são os ensinamentos que uma visão de longo prazo sobre a desigualdade na América Latina nos oferece? [1] Sem dúvida muitos, e vários deles de grande utilidade para pensar os desafios do presente. Estas são algumas das conclusões decorrentes da leitura das apresentações realizadas no seminário “A inequidade na América Latina a longo prazo”, organizado pelo BID, pelo Banco Mundial e pela Cepal no auditório do Instituto para a Integração da América Latina e do Caribe (BID-Intal) em Buenos Aires, de 3 a 5 de dezembro de 2014. Entre outras contribuições, a perspectiva temporal nos permite observar o peso que variáveis como a educação, a política tributária, a propriedade da terra, a configuração das elites, as diferentes estratégias econômicas e os fatores demográficos e naturais tiveram sobre a equidade, ao mesmo tempo que nos permite discernir o que aconteceu com as desigualdades de classe, gênero e étnicas ao longo da história. Neste artigo, baseado nas principais descobertas de um grupo de trabalhos apresentados no seminário, em primeiro lugar se fará referência à controvérsia central sobre a história da desigualdade da região e às mais recentes contribuições apresentadas a esse respeito. A seguir, será analisada em perspectiva temporal a evolução das desigualdades de gênero e étnicas. E, por último, se abordará um exemplo de trajetória de longo prazo da desigualdade, finalizando o artigo com algumas reflexões sobre o uso da história para ajudar a pensar os desafios do presente.
 Ler o artigo em sua integralidade, neste link.







sexta-feira, 3 de outubro de 2014

OCDE: Renda mundial e desigualdades entre paises cresceram desde 1820

Desigualdade entre países avançou no mundo entre 1820 e 2010, diz OCDE

O Globo, 2/10/2014

A desigualdade de renda cresceu no mundo entre 1820 e 2010, mostra um estudo inédito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Esse movimento foi causado principalmente por um salto na desigualdade entre os países, mais do que dentro dos países. O relatório “Como era a vida” reúne pela primeira vez indicadores entre os anos de 1820 e 2010, percorrendo quase dois séculos de estatísticas que ajudam a explicar a qualidade de vida da população, como desigualdade de renda, Produto Interno Bruto (PIB) per capita, educação, expectativa de vida e altura da população, instituições políticas, qualidade ambiental e desigualdade de gêneros, entre outros aspectos.
O índice de Gini (que mede a desigualdade, entre zero e 100) que compara os países entre si aponta um aumento expressivo entre 1820 e 2010, passando de 16 para 54. Se for considerada a desigualdade entre os países, o índice oscila ao longo das décadas, mas chega a 2010 ao mesmo nível de 45 que estava em 1820.
“O aumento na desigualdade de renda vivido entre 1820 e os anos 2000 foi fortemente causado pelo crescimento na desigualdade entre os países mais do que na desigualdade entre [?] os países”, aponta o documento. [Nota PRA: quem traduziu deve ter se enganado: deve ser dentro dos países esta última parte, mas o primeiro processo vem sendo revertido a partir da terceira onda de globalização.)
O comportamento da desigualdade de renda variou entre os [PRA: só pode ser DENTRO DOS] países ao longo das décadas. No Reino Unido, o índice de Gini estava em 59 nos anos 1820 e recuou para 40 nos anos 2000. Nos Estados Unidos, a taxa, que era de 57 em 1820, foi a 44 na primeira década do século XXI. Já no Brasil o índice de Gini avançou de 47 nos anos 1820 para 61 nos anos 2000.
Se consideramos as últimas três décadas, no entanto, houve um aumento da desigualdade dentro dos países. O índice de Gini mundial que considera a desigualdade intrapaíses passou de 36 na década de 80 para 39 na década de 90 e 45 na década de 2000. Essa tendência também pode ser observada nos indicadores das regiões. Na Europa Ocidental, o Gini subiu de 36 nos anos 80 para 38 nos anos 90 e 40 nos anos 2000. Nos países desenvolvidos do chamado Novo Mundo — Estados Unidos, Austrália e Canadá —, essas taxas foram de 37, 39 e 44, respectivamente. A região da América Latina e Caribe apresentou índice de Gini de 52, 52 e 54, respectivamente.
Segundo a OCDE, esse aumento recente da desigualdade dentro dos países está ligado ao processo de globalização, que ao mesmo tempo leva a um declínio na desigualdade entre os países. Esse segundo movimento, no entanto, ocorre em ritmo bem mais lento: o índice de Gini entre os países se manteve em 56 nas décadas de 70, 80 e 90, e caiu para 54 na década de 2000.
PIB per capita cresceu mais de dez vezes em dois séculos
Quando se olha o Produto Interno Bruto (PIB) per capita mundial na passagem entre os séculos XIX e XXI, é possível afirmar que houve uma alta de mais de dez vezes entre 1820 e 2010, passando de US$ 605 para US$ 7.890. Os números consideram dólares americanos em paridade do poder de compra dos anos 90.
O relatório da OCDE aponta que não houve nenhum país ou região com recuo na renda real neste período, embora haja alguns casos de redução temporária, como na China no século XIX, o Leste Europeu depois do fim do comunismo e algumas partes da África nos anos 80 e 90.
Ainda há fortes diferenças entre as regiões e os países. O PIB per capita da Europa Ocidental subiu de US$ 1.226 na década de 1820 para US$ 20.841 na década de 2000. Na América Latina, o aumento foi de US$ 595 para US$ 7.109, considerando a mesma base de comparação.
No Brasil, o PIB per capita saltou de US$ 683 para US$ 6.879, mas houve um recuo do PIB per capita entre 1890 e 1900 — década pouco depois da proclamação da república e com a Revolta da Armada e a Guerra de Canudos.
Um destaque no relatório é o caso da Argentina, que tinha PIB per capita de US$ 998 nos anos 1820, maior do que a da Suécia (US$ 888). Depois de um crescimento contínuo até os anos 80 (com exceção da década de 1910), a Argentina viu seu PIB per capita oscilar, até chegar a US$ 10.256 nos anos 2000. Nesse período, o PIB per capita sueco correspondia a 2,5 vezes ao argentino.
O documento destaca ainda o crescimento mais rápido da economia dos países de renda mais baixa, em especial da Ásia, desde os anos 70 — movimento diferente do que ocorria até então.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Um pouco mais de "despikettyzacao" das mentalidades: Stephen Kanitz entrevista Roberto Carlos

Mais pelo lado da ironia, mas não menos correto.
Os "distributivistas" estão excitadissimos com o francês socialista, e se suas políticas forem implementadas, o mundo vai tornar-se um lugar mais pobre, pois teremos menos milionários e megabilionários, e menos dinheiro para ser investido, poupado, distribuído voluntariamente para fins beneficientes.
Essa gente adora o Estado, e por isso o mundo é um lugar tão pobre.
Reparem bem: os países que menos taxam os ricos são os mais ricos e mais igualitários.
Os que pretendem taxar os "capitalistas" acabam tornando seus países mais pobres.
Paulo Roberto de Almeida

Neste link: http://blog.kanitz.com.br/piketty-roberto-carlos/

Piketty Entrevista Roberto Carlos

 
 
       
Nós é que tornamos Roberto Carlos rico. Não foi ele que “ficou” rico, como alega Piketty.


   




Piketty acha que os 40 milhões de reais ganhos e poupados por Roberto Carlos ao longo de sua vida são injustos. “São uma ameaça à democracia e meritocracia, página 1 de “O Capital”, por Thomas Piketty.
Por outro lado, Roberto Carlos acha que ele merece esta sua poupança porque veio da compra de 40 milhões de discos feita por brasileiros que adoram as suas músicas. 
Nós é que tornamos Roberto Carlos rico. Não foi ele que “ficou” rico, como alega Piketty. 
E pior, Roberto não gastou tudo que ganhou em mulheres, sexo e rock and roll. Ele sequer gastou este dinheiro, que continua poupado. 
Piketty quer tirar este dinheiro de Roberto Carlos, picadinho ano a ano entre 5% a 10%. Usando da violência do Estado e do poder “democrático” dos 99% que votaram leis que destroem literalmente os 1%. 
Lembre-se caro leitor que, ato contínuo, os 98% vão votar para acabar com os novos 1%. E os 97% farão o mesmo! Assim por diante, se Piketty for continuamente sendo entrevistado. 
Thomas Piketty: Roberto Carlos, eu gostaria de saber se você doaria 5% a 10% de seu patrimônio todo ano voluntariamente para o Estado gastar, via economistas como eu, em políticas públicas de nossa escolha e não sua, nas nossas ideias keynesianas para erradicar a pobreza neste país. 
Roberto Carlos: Honestamente, não. 
Thomas Piketty: Não, por quê? 
Roberto Carlos: Mostre-me estes pobres que vocês vão ajudar. Quero conhecê-los primeiro. Talvez sabendo dos problemas deles eu doe diretamente, sem intermediários. Talvez possa ajudá-los de forma mais eficiente, o que me custaria menos e me daria muito mais prazer, reconhecimento, e talvez agradecimento. 
Thomas Piketty: Isto dá para fazer porque o governo é um caixa único. Seu dinheiro entra no bolo. Você não pode determinar aonde ele irá, se irá para os programas que tenham mais mérito, como aqueles escolhidos pelo Prêmio Bem Eficiente do meu algoz Stephen Kanitz. Apesar de ter dito na primeira página de meu livro que esta renda não deveria estar concentrada, ela pode sim ser concentrada na mão do Estado, que eu e meus colegas economistas pretendemos continuar controlando. 
Roberto Carlos: E se eu recusar a pagar estes 5% a 10% de imposto sobre o patrimônio todo ano? 
Piketty: Você irá preso, por crime fiscal. 
Roberto Carlos: Eu prezo a minha liberdade, e se eu fugir da prisão? 
Piketty: Você corre o risco de ser morto pelos guardas do presídio que têm instrução de impedir fugas e rebeliões. 
Roberto Carlos: Então você pretende tirar este dinheiro de mim usando a violência? 
Piketty: Exatamente, esta é a única prerrogativa de um Estado, o uso da violência.
Agora vejam como eu entrevistaria Roberto Carlos para conseguir a mesma coisa. Mas eu nunca fui entrevistado pela Veja, Estadão e outros que entrevistaram jornalistas e economistas, para disseminar estas ideias. 
Stephen Kanitz: Roberto Carlos, eu sei que você já fez 40 milhões de brasileiros felizes com sua música. Fico feliz com isto, ao contrário de Piketty e os marxistas. 
Fico triste que foram tão poucos os músicos que seguiram seus passos, criando músicas de amor, religião e esperança. 
Fico feliz também que você poupou este dinheiro, ao contrário de tantos outros artistas brasileiros, como alguns que gastaram sua fortuna consumindo drogas caríssimas. 
Você é 10. 
Roberto Carlos, eu só queria que no final da sua vida você tornasse mais feliz uma parcela da população que você nunca alcançou, e que não foram tocados pela sua música. 
Roberto Carlos: Quem eu nunca alcancei com minha música? Que eu saiba minha música foi e é tocada nos quatro cantos do país. 
Stephen Kanitz: Os surdos do Brasil. Eles fazem parte dos 10% das pessoas que precisam da nossa ajuda. 
Como os cegos, os tetraplégicos, os doentes mentais, os órfãos, os portadores de Huntington, as meninas abusadas sexualmente pelos seus pais. 
Como você sabe, o governo brasileiro se interessa pelos sem terra, homens fortes e parrudos que têm mais condições de se virar sozinhos que tetraplégicos e cegos. 
Nossos jornalistas já entrevistaram João Stedile dezenas de vezes, mas não conhecem o nome de uma entidade sequer que cuida dos surdos. 
Roberto Carlos: Caramba é mesmo, nunca li nada disso nos jornais sobre as “políticas públicas” privadas que cuidam desta gente. 
E quanto você quer tirar de mim? Acabo de ser entrevistado pelo economista Thomas Piketty e parece que vocês querem tudo. 
Stephen Kanitz: Quanto você quiser. Você decide. 
Por isto quero te levar a algumas das melhores e mais eficientes entidades que fazem o bem, e que eu pesquisei por 10 anos e escolhia todo ano no Prêmio Bem Eficiente. 
Roberto Carlos: Prêmio Bem Eficiente? Nunca li sobre o assunto. Elas são sérias? 
Stephen Kanitz: O prêmio existiu por 10 anos, e nenhum jornalista jamais presenciou as lindas cerimônias, nem os jornalistas que eu conhecia da Revista Exame e da Veja. 
Posso garantir que estas 50 premiadas por ano eram sérias, muito mais do que o governo. 
Eu me dediquei por 10 anos a identificar as entidades que os ricos podiam doar sem susto. Piketty, ao contrário, dedicou seus últimos 10 anos a pesquisar os ricos que ele pretende matar se não pagarem o imposto patrimonial pelo uso da violência do Estado. 
Roberto Carlos: Mas você ainda não disse exatamente quanto você quer tirar de mim. 
Stephen Kanitz: Sem o uso da violência, outras pessoas como eu trabalhando desde 1919 nos Estados Unidos conseguiram que os ricos como Warren Buffet e Bill Gates doassem 99% da sua poupança. 
Ao contrário de Thomas Piketty que quer 5% a 10% ao ano, absolutamente inviável, que provavelmente será de 2% como na lei do neoliberal Fernando Henrique Cardoso. 
Isto levará 50 anos para conseguir a mesma coisa. 
E eu não pretendo usar a violência sobre você Roberto Carlos, mas simplesmente informação. Você vai descobrir pelo site filantropia.org, que eu também criei e nunca foi noticiado, que doar é um raro prazer. Muito maior que pagar impostos e nunca saber como foram gastos pela nova classe social, os kleptocratas. 
Pelo uso da informação que nossos intelectuais e jornalistas negaram a vocês ricos. Tanto é que o Prêmio Bem Eficiente morreu por falta de aprovação intelectual. 
E pretendo criar um clima que valoriza os 1% que nos encantam com suas músicas, ideias, produtos inovadores, e que poupam 90% do que ganham. Ao invés de considerar você, Roberto Carlos, um parasita social, como faz o economista Thomas Piketty nas 900 páginas do seu livro e a maioria dos intelectuais do Brasil nas suas 90.000 páginas de teses e críticas sociais. 
Algo para se pensar.

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Frase da semana: Winston Churchill sobre igualdade e desigualdade, no capitalismo e no socialismo

Parece que a desigualdade sob o capitalismo é um problema, o que eu não creio.
Dizem que é apenas inveja dos "menos iguais", ou desejosos de ascender na escala da riqueza.
Em todo caso, vale esta frase do famoso político inglês do século XX.

A desvantagem do capitalismo é a desigual distribuição das riquezas; a vantagem do socialismo é a igual distribuição das misérias
Winston Churchill

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Mais um pouco de Pikettysmo, mas serio e bem feito - Carlos Goes (Mercado Popular)

O Piketty é pop

Entenda o livro de economia mais badalado do século, seus acertos e seus erros.
"Capital in the Twenty-First Century", de Thomas Piketty. (Harvard University Press, 2014, 685 páginas)
“Capital in the Twenty-First Century”, de Thomas Piketty. (Harvard University Press, 2014, 685 páginas)
É estranho pensar que um livro de teoria econômica de 700 páginas está entre os dez livros mais vendidos da Amazon. Capital no Século XXI, o novo livro do francês Thomas Piketty, colocou os centros intelectuais dos Estados Unidos de pernas para o ar. Ao capitalizar sobre um tema central da política americana no momento – o aumento da desigualdade econômica – o livro foi alçado para o topo das listas de mais vendidos. Essa excêntrica popularidade tornou Piketty um rockstar da noite para o dia e faz do seu Capital o livro mais importante de economia do século – ao menos até agora.

As contribuições e a tese de Piketty

Não acredite em quem diz que Piketty (ou seu livro) não é sério. O catálogo empírico que relata tendências de (des)igualdade social nos últimos 300 anos é uma contribuição importantíssima para a história econômica. O autor organizou dados dos fiscos nacionais de diversos países para estimar qual porcentagem da renda nacional (ou seja, de tudo aquilo que é produzido por uma sociedade durante um ano) é retida pelos diversos estratos sócio-econômicos.
De fato, o Capital é muito mais um compêndio estatístico e um relato de história econômica que um livro de teoria. Sua parte teórica é, contudo, intrigante.
Para lançar as bases de sua teoria, Piketty analisa como a renda nacional é divida entre dois insumos essenciais ao processo produtivo: capital e trabalho (chamados em economês de “fatores de produção”). Essa divisão entre capital e trabalho não é, como pode soar, algo tipicamente marxista. É uma tradição que se estende desde os economistas clássicos como Smith e Ricardo e, com tons e perspectivas diferentes, passa por Marx, Mises, Friedman e Keynes. É também algo comum em qualquer curso de graduação em economia (para os curiosos, veraqui).
É importante entender que a remuneração, tanto do capital quanto do trabalho, está ligada à produtividade de cada um desses “fatores”. Quanto maior a produtividade de um trabalhador (ou seja, quanto mais ele produz e quão maior a qualidade de seu produto ou serviço por cada hora de trabalho), maior tende a ser seu salário. Igualmente, quanto maior for o valor do produto (ou serviço) que cada unidade de capital (uma máquina, um computador, um prédio) produz, maior vai ser a remuneração de quem é o dono daquele capital.
Sobre essa base, que é consenso na economia, Piketty constrói uma tese polêmica. O argumento, de forma bem simplificada, é: como os rendimentos [r] do capital (imóveis, ações, máquinas, títulos de dívida, conta de poupança no banco, etc.) tendem a ser maiores do que o crescimento da produtividade dos trabalhadores [g], os donos dos bens de capital vão ver sua riqueza aumentar mais rapidamente que o resto da população. (Na verdade, g inclui o crescimento populacional e o crescimento da produtividade, mas o crescimento populacional futuro vai se aproximar a zero, tornando essa variável menos relevante).
E como a renda do capital é muito mais concentrada do que a renda do trabalho, se r > g, a consequência seria um aumento da desigualdade de renda. Outra consequência dessa premissa (r > g) seria que a quantidade total de riqueza acumulada (nas mãos de poucos) aumentaria. Com essa dupla desigualdade (de renda e de riqueza), a mobilidade social seria restringida, uma vez que a renda presente passaria a ser menos relevante frente à riqueza herdada.
O autor relata que uma classe não-meritocrática de herdeiros que não trabalharam por suas fortunas era comum no século XIX. Piketty vai além, ao afirmar que esse movimento de concentração (impulsionada pelo suposição de que r > g) é uma tendência inerente à economia capitalista. Ela teria sido revertida no século XX por situações extraordinárias (guerras mundiais, crescimento populacional alto e “impostos confiscatórios”, nas palavras do autor), mas voltará a ser uma realidade no século XXI.

O principal problema da tese de Piketty

Existe um problema muito grande na tese de Piketty. Ele (quase) desafia uma das relações mais constantes na economia: a lei dos retornos marginais decrescentes. Essa relação não é muito difícil de ser compreendida.
A lógica é simples: do mesmo modo que aquele bem mais escasso em relação a outros bens tende a ter um preço mais alto no mercado, quanto mais escasso o fator de produção (capital ou trabalho), maior tende a ser a sua produtividade (e, por consequência, sua remuneração).
Pense da seguinte maneira.
Você tem uma empresa de jardinagem e corta gramados por aí. Você tem dois funcionários e uma máquina de cortar grama. Os funcionários trabalham de oito da manhã até seis da tarde, revezando-se em turnos de uma hora. Eles recebem uma comissão por cada casa que tem sua grama cortada. Nesse cenário, a máquina vai ser utilizada por 10 horas sem parar e cada trabalhador vai ter 5 horas de produtividade.
O que acontece se você comprar uma outra máquina de cortar grama (um unidade extra de capital)? Seus trabalhadores vão continuar trabalhando de oito às seis. Mas agora eles não precisam se revezar na máquina. Vão tirar suas necessárias duas horas de almoço e trabalhar de oito ao meio dia e de duas às seis.
Nesse novo cenário (com o aumento de capital), a produtividade média dos trabalhadores aumenta de 5 para 8 horas por dia. Você vai poder atender mais casas, aumentar a comissão de seus funcionários e ainda assim ganhar mais dinheiro.
Mas se antes a máquina funcionava dez horas sem parar, agora cada uma delas fica ociosa durante duas horas. A produtividade média por cada máquina caiu de 10 para 8 horas por dia. Embora você e seus funcionários ganhem mais dinheiro no total, o seu retorno pelo investimento feito em cada máquina (a “remuneração do capital”) vai ser menor.
Se a quantidade de capital acumulado aumentar, como Piketty prevê, a produtividade dos trabalhadores (g) deve aumentar e os retornos ao capital (r) devem diminuir. Com o estoque de capital aumentando, em algum momento [r] vai ser igual a [g]. E se a quantidade de capital crescer demais, a relação se inverte de tal modo que r < g! Parece difícil justificar as previsões de baixo crescimento da produtividade dos trabalhadores em um mundo com uma disponibilidade de capital tão grande quanto Piketty argumenta que o século XXI terá – em especial em um mundo em que o crescimento populacional, como o autor ressalta, deve estagnar.
O francês reconhece, em bom economês, que “é natural esperar que a produtividade marginal do capital diminua à medida que o estoque de capital aumenta” (p. 215). Mas acha que o ritmo dessa diminuição vai ser bem lenta. Se os capitalistas tiverem muita facilidade em substituir trabalhadores por bens de capital (como Piketty acha que eles têm), o aumento da quantidade de capital vai ser mais rápido que a diminuição da sua rentabilidade, o que implicaria que uma parcela maior da renda nacional ficaria com os proprietários e uma parcela menor com os trabalhadores.
Na lógica de Piketty, segue-se o ciclo: mais capital, mais renda para os mais ricos, mais desigualdade, menos mobilidade social. QED (dito latino para “como foi demonstrado”). Mas…ele demonstrou isso mesmo?
Qual o problema nessa lógica? Apesar de trazer um compêndio estatístico muito amplo, as evidências que ele apresenta em apoio à sua tese são bem escassas. Elas não passam de uma correlação aparente. Tão importante quanto isso, uma boa parte dos economistas que estuda essa velocidade de substituição entende que ela era até hoje superestimada, e não subestimada como afirma Piketty. (Para quem gosta de economês, o jargão para se referir a essa relação é “elasticidade de substituição entre o capital e o trabalho”.)
Quando se testa uma teoria, ela precisa passar por um duplo teste da razão. O primeiro testa a coerência interna de uma teoria – e nesse teste a tese central de Piketty passa, pois o francês trabalha sobre um quadro de análise já bem familiar à economia. O segundo é o de consistência externa, isto é, provar que as premissas teóricas são de fato verdadeiras – e nesse teste o novo popstar da economia não chega a passar.

Problemas adicionais da análise de Piketty

Uma das análises recorrentes no Capital é o argumento de que um aumento na desigualdade tende a criar uma aristocracia que vive de rendas e não de seu próprio trabalho – ou seja, que é rica por ter herdado uma fortuna e não por ter construído sua própria fortuna. A lógica faz algum sentido. Quanto maior parte da renda nacional fica com o donos do capital e quanto maior o estoque de riqueza acumulado, mais difícil é alguém se alçar à condição de rico e a riqueza herdada passa a ter mais relevância. Assim era o mundo no século XIX. E, traçando um paralelo com o século XIX, Piketty conclui que o atual aumento da desigualdade necessariamente levará a uma falta de mobilidade social.
Mas isso é sempre verdade? Ainda que o 1% mais rico de 2014 tenha uma parcela maior da renda do que o 1% de 1980, isso não significa que as pessoas que eram o 1% mais rico em 1980 (ou seus descendentes) continuem a ser os mais ricos em 2014.
Na verdade, existe uma volatilidade grande quanto a quem faz parte de cada uma das camadas de renda na sociedade. Os economistas Mark Rank e Thomas Hirschl, após acompanharem dados de renda das mesmas pessoas durante 40 anos, chegaram a uma impressionante conclusão: 73% dos americanos passaram ao menos um ano dentre os 20% mais ricos; 56% dentre os 10% mais ricos; 39% dentre os 5% mais ricos; e 12% entre o 1% mais rico. As pessoas experimentam tanto riqueza quanto pobreza no curso suas vidas, o que indica não uma elite estática, mas uma significativa mudança quanto a quem ocupa o vértice (e a base) da pirâmide de renda em momentos distintos.
Outro método de verificar essa mesma volatilidade é olhando a lista dos mais ricos do mundo publicada pela revista Forbes. O banco Credit Suisse analisou essa persistência e verificou que, à medida que o tempo passa, a maioria dos ricaços é substituída por novos ricaços (veja o gráfico abaixo), o que enfraquece a tese de Piketty de uma aristocracia estática controlando a sociedade do topo. A desigualdade pode estar aumentando, mas não necessariamente a mobilidade social está acabando.
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Um segundo ponto que Piketty acaba ignorando é que, segundo seus próprios dados, quase a totalidade do aumento do capital a partir dos anos 1980 decorre do aumento do valor total das habitações. Como o autor reconhece, esse processo ocorreu simultaneamente ao surgimento do que ele chama de “classe média patrimonial” (p. 186). Se no século XIX a classe média (os 40% do meio da distribuição de renda) quase não tinha riqueza alguma, atualmente ela detém quase um terço do capital nacional nos países desenvolvidos.
À medida que as cidades cresceram e as pessoas enriqueceram, o valor total dos imóveis subiu muito, já que é impossível criar novas habitações nas rígidas cidades europeias. Sendo parisiense, Piketty deveria saber disso muito bem.
Se excluirmos a habitação do capital total, praticamente não houve mudança alguma (como você pode ver no gráfico abaixo, feito com os dados de Piketty) no estoque total de capital. Fazendo essa distinção, ao invés do infactível imposto global sobre a riqueza que Piketty propõe, talvez faça mais sentido buscar políticas que facilitem a construção de novos imóveis,desregulamentando os códigos urbanos e facilitando a verticalização – como argumenta Tyler Cowen.
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O julgamento fundamental: pobreza ou desigualdade?

Essa discussão deságua em um ponto fundamental. O que é mais importante: combater a pobreza ou a desigualdade? O Nobel de economia Robert Solow levanta essa bola em suabrilhante resenha sobre o livro de Piketty:
Você preferiria viver em uma sociedade em que o salário real está aumentando rapidamente mas a parcela do trabalho [na renda nacional] está diminuindo … ou uma em que o salário real é estagnado … e a parcela do trabalho não se altera? A primeira é certamente preferível em termos estritamente econômicos: você come seu salário, não sua parcela na renda nacional. Mas pode ser que haja vantagens sociais e políticas decorrentes da segunda opção.
Por que o livro de Piketty fez tanto sucesso? Uma resposta possível é que, hoje, os EUA vêem um aumento na desigualdade que não se observava há muito tempo – e isso cria conflitos sociais. Outra resposta – que para mim parece mais razoável – é entender que a renda mediana e os níveis de pobreza nos EUA pararam de melhorar. Na década de 1990, enquanto a renda aumentava e a pobreza diminuía, não havia percepção de conflito social – a despeito do aumento da desigualdade.
Nos países desenvolvidos, os seis anos de baixo crescimento econômico deixaram sequelas que levam a conflitos sociais – pois o aumento dos salários estagnou. O foco talvez deva se dar mais no “g” do que no “r” de Piketty. O crescimento econômico é inclusivo desde que os pobres estejam vendo suas vidas melhorarem. Afinal, os pobres comem mais e vivem melhor quando sua renda aumenta, e não quando uma estatística nas tabelas dos economistas muda.
A despeito do tom apocalíptico de muitos dos entusiastas do livro de Piketty, numa perspectiva global as coisas estão melhorando significativamente: esteja você interessando na pobreza ou na desigualdade. A pobreza cai ininterruptamente desde a década de 1980 (veja gráficos abaixo) e temos tudo para testemunhar o virtual fim da pobreza absoluta no mundo no decurso de nossas vidas.
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Por causa do forte crescimento na Índia e na China, mais de um bilhão de pessoas foram alçadas ao mercado de consumo e, acredite, a realidade é que a desigualdade mundial está caindo. Taxas altas de poupança e acumulação de capital levaram a um maior crescimento econômico e à inclusão social através da eliminação da pobreza. E, ao contrário de alguns conceitos obscuros de macroeconomistas, a pobreza não é uma estatística nas tabelas de burocratas. Ela ainda mata gente de fome todos os dias.
Apesar das críticas acima, o livro de Piketty é uma grande obra e merece ser lido por todo estudante de economia. Mas ele só conta um lado do problema. Ele confirma que maior poupança e menor consumo presente leva à maior acumulação de riqueza futura. Mas tem uminsight posterior: para que os pobres se beneficiem mais dessa acumulação, eles também precisam poupar – caso contrário os efeitos distributivos do crescimento econômico não vão ser equitativos. Sua maior lição é que precisamos dar acesso aos trabalhadores à renda do capital. E eu adiciono: devemos fazê-lo sem sacrificar o crescimento e a redução da pobreza.
A maior lição não-explícita que há no livro de Piketty é: precisamos aburguesar o proletariado.
texto publicado inicialmente no Mercado Popular.