segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A arte de escrever para si mesmo - Paulo Roberto de Almeida


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de julho de 2012.

No decorrer da maior parte da minha vida, talvez quatro quintos de uma existência dedicada à constante leitura de livros, à reflexão solitária e à redação regular de textos de diversos tipos, o que mais fiz, de fato, foi escrever para mim mesmo. 
Salvo no período mais recente, quando tenho aceito (talvez muito facilmente, e em excesso) compromissos de colaborar com revistas ou livros coletivos, a maior parte de meu tempo livre, durante os últimos quarenta anos, tem sido ocupada pela redação de textos que só tinham um único destinatário: eu mesmo. 
Não por outra razão, minha lista de originais é três vezes mais volumosa do que a correspondente aos trabalhos publicados. Na verdade, minha lista de originais cobre apenas uma parte modesta de meus escritos, aquela de trabalhos efetivamente terminados, com um ponto final, assinados, datados e localizados, e finalmente numerados na ordem sequencial de seu término, não importando quando e onde iniciados.
Os trabalhos apenas esquematizados, iniciados, mas não concluídos, comporiam uma lista ainda mais longa, se por acaso tal lista existisse. Eles estão dispersos, perdidos numa infinidade de pastas, guardadas por sua vez em outras pastas, sem muita ordem ou método, quase sem títulos evocativos, a não ser os de alguma inspiração momentânea. Em todo caso, essas centenas, talvez mais de um ou dois milhares, de working filescompõem uma formidável armada – ou exército, como se queira – de reserva, aguardando retomada oportuna em algum tempo livre (que, sabemos todos, nunca virá). Só sei dizer que esses working files, escritos unicamente para mim, nunca entraram na pasta “PRAworks”, organizada em listas anuais (como para a lista de Publicados). Eles ficam simplesmente dispersos, por vezes sob títulos enigmáticos, em pastas dotadas de rótulos anódinos, o que dificulta sobremaneira sua recuperação ulterior para finalização. Muitos estão até esquecidos, coitadinhos, relegados a um limbo do qual até a intenção ou propósito iniciais também há muito se perderam. Esta é mais uma prova, além da quantidade enorme de inéditos, de que eu realmente escrevo para mim mesmo. 
Mas mesmo naqueles escritos “encomendados”, eu jamais aceitei qualquer sugestão de linhas “condutoras”, estilo discursivo ou orientação argumentativa, tanto porque sou eu mesmo quem decido como e com quais objetivos desenvolverei minha linha de raciocínio. Nisso sou absolutamente libertário, inclusive já o era mesmo nos textos oficiais, nos quais sempre escapei do diplomatês insosso no qual se deleitam tantos colegas de carreira. 
Estas são, finalmente, as características da arte de escrever para si mesmo: livre inspiração, total controle do estilo e do método de abordagem, independência de pensamento e plena autonomia argumentativa, decisão solitária sobre como e onde divulgar ( o que não é o mesmo que publicar, já que isto depende de algum editor de revistas ou livros).
Em todo caso, com uma dezena e meia de livros publicados em autoria solitária, meia dúzia de títulos editados por mim e várias dezenas de capítulos em livros coletivos, não posso dizer que eu esteja carente de editores. Recebi, é verdade, convites de editores para compor, ou seja, escrever eu mesmo, tal ou qual livro, mas declaro imediatamente que, a despeito de ter considerado certas sugestões, nunca levei adiante qualquer uma dessas demandas; tampouco ofereci projetos de livros a editores: faço apenas o que me dá vontade. Recém aceitei fazer um “sob encomenda”, sobre a integração regional, mas apenas porque eu teria total controle sobre o que e como escrever. 
Repito, e finalizo: eu escrevo para mim mesmo, leitores são apenas um detalhe do processo (com perdão dos próprios). Como não vivo do que escrevo – pelo menos ainda não – não preciso agradar qualquer público quanto à forma ou o conteúdo daquilo que produzo, em total autonomia. Se, ao cabo de alguns laboriosos exercícios de escrita, chego ao que considero a forma final de algum trabalho, e aprovei o que eu mesmo escrevi, coloco um ponto final, acrescento o local e a data (eventualmente consignando algumas etapas precedentes), registro, finalmente, na lista numérica dos originais e me dou por satisfeito. Quanto ao julgamento dos eventuais (e poucos) leitores, creio que eles devem dispor de tanta liberdade de avaliação quanto a que eu tive na concepção e redação desses meus textos. 
Ponto final, a mais um! Vale!
Brasília, 15 de julho de 2012.

domingo, 25 de novembro de 2018

Minha critica 'a tese das "assimetrias estruturais" e ao Focem do Mercosul - Paulo Roberto de Almeida

O trabalho abaixo, retirado e revisto por mim a partir de um ensaio bem mais volumoso, de 2013, sobre os processos de integração, constitui uma análise de uma das maiores estupidezes  – foram muitas, entre elas o tal de Sul Global – perpetradas pelos companheiros CONTRA o processo de integração do Mercosul, consistindo na criação de um Fundo (alimentado a 70% pelo Brasil, pelo menos enquanto existiu dinheiro) que visava corrigir supostas "assimetrias estruturais" no bloco do Cone Sul.
Não só não corrigiu essas assimetrias como conseguiu desviar o Mercosul de seus objetivos básicos: o livre comércio e a integração à economia mundial.
Aceito contestações às minhas "teses", embora eu não tenha teses, apenas argumentos racionais. Quem tem "teses absurdas" são os companheiros aloprados, que conseguiram não apenas destruir a economia brasileira, como atrasar o Mercosul. 
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de novembro de 2018

As assimetrias estruturais e seu papel no processo de integração

Paulo Roberto de Almeida

Existe uma crença, não necessariamente destituída de fundamentos materiais – mas que são construídos de forma a parecerem impedimentos graves – e que é partilhada por economistas e decisores políticos, segundo a qual um fenômeno absolutamente corriqueiro na trajetória humana sobre a terra, as assim chamadas “assimetrias”, é apresentado como constituindo um obstáculo absoluto ou relativo à construção de um espaço econômico integrado, com base em acordos formais. Essa crença, que alguns pretendem transformar em tese, afirma que diferenças muito grandes entre os parceiros de um determinado bloco provocariam uma distribuição desigual dos benefícios da integração, necessitando, portanto, assim como outras externalidades negativas ou fatores de desequilíbrio de capacidades, a correção dessas diferenças, ditas assimetrias, por políticas dos governos, de maneira a propiciar um desenvolvimento harmônico e equilibrado entre esses parceiros.
Os fundamentos da “tese” parecem reais: existem diferenças efetivas entre os países, e elas podem ser de enorme monta, como as que separam, por exemplo, o gigante americano do norte, os EUA, dos seus vizinhos do Caribe e da América Central, ou ainda, a Alemanha do pequeno Luxemburgo ou da Dinamarca, tanto em termos de tamanho físico de território e população, como em virtude da magnitude do PIB ou recursos financeiros, tecnológicos e militares. Essas são, por assim dizer, diferenças visíveis, ou dadas por indicadores primários, mas que não levam em conta, por exemplo, o fato de que o PIB per capita do Luxemburgo é, aproximadamente, o dobro do da Alemanha, ou de que outros indicadores de natureza qualitativa possam indicar “assimetrias” ainda maiores em favor do pequeno grão-ducado.
Existem, grosso modo, três tipos de assimetrias que costumam caracterizar os países membros de um mesmo processo de integração: (a) as físicas, ou estruturais, de fato, ou seja, visíveis e expressas em dados objetivos (território, população, recursos, PIB, forças armadas, etc.); (b) as conjunturais, ou seja, derivadas de ritmos e ciclos econômicos ou vinculadas à agenda interna ou externa de atuação dos governos respectivos (crescimento, dívida, déficits, situação cambial e de balanço de pagamentos, desemprego, etc.); (c) as políticas, ou governamentais, quais sejam, as orientações de políticas macroeconômicas, microeconômicas e setoriais, que podem influenciar decisivamente o processo de integração (estruturas fiscais, políticas monetária e cambial, políticas comercial e industrial, mercado de capitais e instituições de financiamento, dinâmica da inovação tecnológica, etc.). Essas assimetrias, que podem afetar negativamente um processo de integração, são, a rigor, características próprias a todos os países, em quaisquer situações possíveis de relacionamento entre eles, sobretudo no plano comercial, o mais visível, corriqueiro e frequente vínculo entre economias e sociedades em todo o globo. 
Para sermos mais claros: o mundo todo é “assimétrico”, uma vez que não existem dois países que tenham as mesmas dotações, capacidades e políticas econômicas, e tanto a história quanto a política sancionaram essa realidade, ao fracionarem a comunidade global em quase 200 Estados soberanos e algumas dezenas de organizações intergovernamentais que tratam, precisamente, das diferenças e dos vínculos entre essas nações independentes. O mundo sempre foi assimétrico, sempre será assimétrico, e é em função dessas assimetrias que existiram e existem guerras – atualmente, felizmente, mais raras – e que se fazem os mais diferentes vínculos entre esses países, a começar pelo mais poderoso dentre eles: o comércio. Para quem acha que as assimetrias podem ser um impedimento à integração – que sempre é integração de mercados – pode-se simplesmente responder que se os países fossem homogêneos, ou similarmente dotados, não haveria comércio entre eles. 
O comércio internacional só existe – e é justamente mais intenso – porque existem assimetrias, porque os países são desigualmente dotados e porque apresentam as mais diferentes assimetrias entre si: estruturais, conjunturais, políticas, sociais, culturais e, sobretudo, em termos de capital humano. São as assimetrias que fundamentam as chamadas vantagens comparativas relativas, que, antes de serem, simplesmente, uma construção teórica de David Ricardo, estão na base do comércio exterior dos países; estes, pelo ato de comerciar, estão confrontando suas vantagens comparativas, ou seja, colocando em relevo suas assimetrias de todos os tipos. Assim, antes de serem vistas pelo seu lado negativo, as assimetrias devem ser consideradas um elemento positivo do relacionamento entre povos, nações, sociedades, economias.
Ocorre, com as assimetrias econômicas, supostas ou reais, existentes entre os países ou entre blocos, o mesmo fenômeno que é registrado a propósito dos mercados: eles seriam perfeitos se não fossem as suas falhas, também supostas ou reais. Dessa constatação decorre a proposta demiúrgica segundo a qual “falhas de mercado”, assim como “assimetrias”, precisam ser corrigidas pela mão visível dos governos, uma vez que a mão invisível dos mercados, ou a ação livre destes últimos não seriam capazes, por si sós, de corrigir essas falhas e desequilíbrios. Nascem assim as propostas de regulação estatal e de convergência de capacidades produtivas, como se elas fossem o remédio indispensável ao que é percebido como distorção do terreno de jogo pelo grande diferencial entre os atores e suas respectivas dotações de fatores. 
O assunto é obviamente bem mais complexo do que o permitido para exposição e debate no quadro de um simples ensaio, mas talvez alguns exemplos práticos possam ajudar. Eles constituem estudos de caso, cujo exame caberia aprofundar num trabalho comparativo entre processos de integração e entre modelos de desenvolvimento. Vejamos os casos da Irlanda, da África e do Mercosul.
No momento de sua incorporação à então Comunidade Econômica Europeia, ao mesmo tempo em que o Reino Unido e a Dinamarca, em 1972, a Irlanda estava, junto com os “periféricos” da Europa meridional e mediterrânea, entre as economias mais atrasadas do continente. Sua renda per capita era inferior à metade da média da comunidade, o que a habilitava a fundos compensatórios comunitários, atribuídos pela Comissão de Bruxelas, o que de fato ocorreu, num primeiro momento. As lideranças irlandesas decidiram que não poderiam reproduzir as mesmas políticas e práticas da maior parte dos países membros, baseadas numa forte tributação individual e corporativa, em ativismo estatal de cunho social-democrático, adotando, então, políticas de redução fiscal, abertura econômica, liberalização comercial, atração de investimentos estrangeiros e forte ênfase na qualificação do capital humano. Em menos de duas décadas de crescimento rápido, a Irlanda alinhou-se entre os países mais ricos da Europa, passando a exportar manufaturas de alto valor agregado, com base em suas políticas liberais e na baixa carga fiscal sobre lucros e salários. Em poucas palavras: a Irlanda reduziu supostas assimetrias em relação às economias mais ricas do continente, numa dinâmica de crescimento essencialmente caracterizada pela atuação livre e desimpedida das forças de mercado; o que houve de regulação estatal, via zonas francas e isenções fiscais, dedicou-se, justamente a explorar a abertura dos mercados europeus mediante vantagens comparativas criadas deliberadamente. 
A África ao sul do Saara, por sua vez, apresenta alguns dos países mais pobres do planeta, todos numa situação que poderia ser chamada de assimetria absoluta com respeito aos demais parceiros mais avançados do próprio continente e os de outras regiões. Durante décadas esses países foram beneficiados por transferências maciças de recursos, em nome da redução da pobreza e das assimetrias estruturais. Qualquer observador isento pode facilmente concluir que a situação socioeconômica da África não melhorou sensivelmente ao longo dessas décadas de “ajuda ao desenvolvimento”. O que os africanos menos tiveram, na verdade, foram políticas de inserção nos mercados mundiais com base em suas vantagens comparativas; eram e são justamente essas “assimetrias”, baseadas numa abundância de recursos naturais e de mão-de-obra tão barata quanto a de outros países em desenvolvimento (mas, possivelmente, não tão bem treinada quanto a chinesa), que poderiam e deverão sustentar a inserção dos países africanos na economia mundial. O comércio livre e desimpedido, o acesso aos mercados desenvolvidos, a atração de investimentos diretos constituem, precisamente, as condições para que as “assimetrias” africanas possam ser corrigidas no futuro.
O Mercosul, finalmente, cujos princípios de funcionamento compreendiam, originalmente, a plena reciprocidade de direitos e obrigações, assistiu, a partir de 2003, a uma mudança significativa nas suas principais orientações, com a diminuição da ênfase na abertura econômica e na liberalização comercial, e um aprofundamento – não explicitamente previsto no tratado constitutivo – do conteúdo político e social do processo de integração. Ademais da criação de um parlamento (sem funções efetivas, já que não dispondo de poderes decisórios) e de um instituto social (uma burocracia que provavelmente será incapaz de criar empregos na economia real), foi iniciado um programa, o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, expressamente dedicado à redução de supostas assimetrias existentes entre os países, tendo o Brasil assumido a responsabilidade pela maior parte dos desembolsos previstos no orçamento do Focem, que na verdade representa algo em torno de 1% do PIB do bloco, tão somente.
Examinando-se os dados estruturais, conjunturais e políticos do Mercosul, é fácil de constatar que o Brasil representa, de fato, o maior parceiro do bloco, com quase 70% do seu território, população, PIB e comércio exterior; mas os indicadores individuais são, por sua vez, bem mais negativos para o Brasil do que para os demais parceiros, com a possível exceção do Paraguai até uma data recente; em todo caso, o sócio de tamanho médio, a Argentina, e o menor deles, o Uruguai, exibem indicadores socioeconômicos mais favoráveis em quase todas as vertentes contempladas nas estatísticas do Mercosul. Mas não são essas diferenças de escala que representam obstáculos absolutos ao avanço da integração. 
Antes que o Mercosul fosse criado, as diferenças já existiam, mas o bloco do Cone Sul não deixava de apresentar a maior densidade de comércio recíproco de todo o continente, com base obviamente nas vantagens comparativas naturais e adquiridas dos países. Independentemente, portanto, do tamanho de cada parceiro, os fluxos de comércio simplesmente denotavam a importância das forças de mercado para a aproximação e a interdependência de suas economias. Quando o Mercosul foi criado, a liberalização ampliada passou a confrontar empresas que antes trabalhavam em mercados reduzidos, e empresas dotadas de economia de escala, dada a magnitude do mercado interno brasileiro; se isso é certo, é também verdade que os outros três parceiros passaram a dispor de um mercado ampliado, o do Brasil, aberto a seus produtores nacionais.
Os outros três sócios do Mercosul consideraram, no entanto, e o governo brasileiro aceitou essa condição, que por ser o país o mais avançado industrialmente, e também o maior em volume absoluto e relativo – maior massa territorial, maiores mercados em vista da população, maior volume de comércio interno e externo ao Mercosul, capacitação tecnológica etc. –, o Brasil deveria conceder maiores vantagens aos demais, sem exigir reciprocidade; tampouco se procedeu a um exame isento sobre a natureza precisa das verdadeiras assimetrias que poderiam dificultar o sucesso do processo de integração. Pode-se até imaginar que o Brasil, em vista de sua boa dotação em fatores primários, possa, efetivamente, fazer o maior esforço para concretizar a integração, mas esta é uma suposição política, não uma conclusão derivada dos dados da realidade. 
De todos os membros, os indicadores sociais do Brasil só conseguem ser melhores mas não em todos – que os do Paraguai, sendo que no plano de suas assimetrias internas – desigualdades sociais e desequilíbrios regionais –, o Brasil é certamente o campeão. Mas o fato é que o Mercosul, sob a liderança de populistas na Argentina e sobretudo no Brasil – governo Lula –, foi levado a mimetizar formas de cooperação baseados em outras experiências integracionistas, no caso a europeia, como se ele devesse, sem dispor dos mesmos instrumentos institucionais de compensação de desequilíbrios, dar início a um programa completo de correção de supostas “assimetrias estruturais”, à custa da transferência de recursos de alguns países (ou de um, no caso o Brasil) aos demais. 
Consultando-se o orçamento do Focem, bem como sua carteira de projetos, pode-se constatar que não existe hipótese de os parcos investimentos e aplicações a fundo perdido do Focem contribuírem para reduzir as supostas assimetrias do bloco, tanto pela sua dimensão modesta, quanto pela deficiente qualidade técnica dos projetos selecionados por burocratas governamentais dos quatro países. Mais importante, porém, do que a magnitude relativa dos aportes financeiros do Focem, é o equívoco fundamental da política adotada de “correção” das supostas assimetrias. 
As chamadas “assimetrias estruturais” decorrem de fatores muito poderosos, que atuam em nível de mercado, não sendo necessariamente corrigidas por iniciativas governamentais que atuam na superfície dos problemas. A experiência histórica indica que problemas econômicos estruturais são mais facilmente corrigidos quando se atua em sentido coincidente com os mercados, do que tentando corrigir supostas “falhas de mercado” que expressam competitividades derivadas de especializações adquiridas ao longo do tempo, muito difíceis de serem alteradas por pequenos programas de financiamentos governamentais. Com efeito, não há muito a fazer com respeito às diferenças estruturais entre os países: nem a enorme dimensão do Brasil, por um lado, ou as modestas configurações do Uruguai, de outro lado, constituem, em si, vantagens absolutas ou desvantagens relativas numa relação de integração que atua com base em seus desempenhos relativos no campo da produtividade e da competividade, sempre proporcionais à dotação de fatores de cada parceiro. 
Bem mais relevantes do que os dados brutos da realidade material de cada parceiro do bloco, são as condições conjunturais de cada um deles, que são, por sua vez, influenciadas fortemente pelas políticas mobilizadas em cada caso para qualificar sua participação correspondente no processo de integração. As assimetrias mais importantes que explicam o relativo fracasso do Mercosul em completar os objetivos estabelecidos no Tratado de Assunção se referem, na verdade, às diferenças entre as políticas econômicas nacionais, em geral contraditórias com os, e contrárias aos requerimentos originais do processo de integração, quando não objetivamente opostas às finalidades pretendidas (supostamente um mercado comum, ou pelo menos uma união aduaneira acabada). Os países incidem em políticas equivocadas se pensam eliminar supostas assimetrias atuando com base no ativismo estatal para contemplar modestos investimentos em infraestrutura material, quando são os efeitos negativos de suas políticas econômicas os mais importantes fatores da baixa performance do bloco no plano de sua integração efetiva. 
Os fatores que, na verdade, dividem os países do Mercosul e que representam obstáculos ou dificuldades à consecução dos objetivos integracionistas desse bloco não são exatamente as “assimetrias estruturais” normalmente apontadas, que são as diferenças absolutas entre os países membros. Elas são constituídas, primordialmente, pelas diferenças entre as políticas econômicas, em diversos setores, como por exemplo: políticas cambiais descoordenadas, com regimes de livre flutuação de um lado, rigidez de outro, ou manipulações governamentais em qualquer sentido; proteção comercial indevida, mecanismos defensivos e salvaguardas arbitrárias, quando não ilegais, no comércio entre os países do bloco; subsídios, isenções de impostos setoriais, financiamentos generosos, compras governamentais discriminatórias e regimes fiscais especiais, em benefício de produtores nacionais; adoção de normas exclusivas, sistemas de proteção ao consumidor divergentes, regras de competição não transparentes ou ausência de legislação apropriada em matéria de concorrência; sistema tributário pouco propenso à harmonização legal e uma infinidade de outras medidas setoriais ou nacionais que não permitem a coordenação com e entre os sócios. Estas são as verdadeiras assimetrias que se interpõem ao bom desempenho e à evolução positiva da integração.
A tentativa de superar supostas assimetrias, derivadas de causas estruturais, com base em políticas que tentam corrigir outras supostas falhas de mercado, está fadada ao fracasso, e não contribuirá, de fato, para o aprofundamento do processo de integração. Este só será estimulado se e quando as assimetrias de políticas econômicas forem superadas, em favor de políticas naturalmente tendentes a perseguir os objetivos originais do esquema constitutivo, quais sejam, as medidas favoráveis à abertura econômica não discriminatória e à liberalização recíproca no plano dos intercâmbios comerciais de bens, serviços e outras facilidades no contexto de um ambiente de negócios saudável e dotado de regras estáveis. Muito frequentemente, a volatilidade das políticas macroeconômicas e setoriais tem sido o principal fator de retraimento do processo de integração; o protecionismo e o nacionalismo exacerbado são dois outros elementos que, para todos os efeitos práticos, também o sabotam.
Não existe, na teoria e na história do comércio internacional, doutrinas que enfatizem a necessidade de eliminação forçada das especializações competitivas baseadas em dotações naturais ou adquiridas; tampouco a prática dos intercâmbios reais entre os países exigem que todos eles se encontrem no mesmo patamar de desenvolvimento para que as trocas se estabeleçam entre eles. Ao contrário, as vantagens ricardianas sempre funcionaram magnificamente bem, em quaisquer latitudes e longitudes, e constituem fonte de ganhos líquidos para todas as partes. 
Verdades simples como esta podem servir para avaliar os programas de “correção” de assimetrias, cujos efeitos podem ser mais danosos do que benéficos. Reconversão produtiva, que vai de par com qualquer processo de integração significa adaptação aos novos requerimentos dos mercados ampliados, não equalização de condições. De resto, todos os fatores produtivos estão, teoricamente, unificados num mesmo mercado, o que deve representar um elemento positivo em termos de economias de escala e ampliação da base competitiva. Em resumo, não são os fatores próprios ao perfil dos países que dificultam a integração, e sim as assimetrias de políticas econômicas.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2013,  revisto em 2018.

Projeto de trabalho: memorias de dois exílios - Paulo Roberto de Almeida

Em preparação:

Minhas memórias de dois exílios: uma saída voluntária, durante sete anos sob o regime militar; um ostracismo involuntário, durante catorze anos, durante o lulopetismo, uma longa travessia do deserto.

Agradecimentos, sem qualquer ironia, aos militares, que me "sugeriram" sair do país em 1970 – era a época do "Ame-o ou deixe-o", se alguém se lembra –, e me "ofereceram" a possibilidade de estudos de qualidade na Europa, e aos companheiros (e seus serviçais na diplomacia), que me mantiveram desobrigado de trabalhos no serviço exterior, induzindo-me a buscar refúgio na biblioteca do Itamaraty, o que constituiu, certamente, uma nova oportunidade de estudos, escritos e livre expressão, notadamente através do meu quilombo de resistência intelectual, o blog Diplomatizzando.

Memórias são sempre enviesadas, em favor de quem as escreve, mas no meu caso, não tenho muito do que me vangloriar, uma vez que foram longas travessias do deserto, a primeira voluntária, a segunda, totalmente involuntária, e pelo dobro do tempo.
Acredito que sempre se aprende em todas as ocasiões, até mesmo no limbo.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de novembro de 2018.

Política externa bolsonarista: opiniões de um possível conselheiro diplomático

Assistindo ao GloboNews Painel deste sábado 24, recolhi as seguintes opiniões do especialista em relações internacionais Filipe Martins, possível conselheiro diplomático do próximo governo: 


"O Itamaraty atua mais como um escritório da ONU no Brasil do que como um escritório do Brasil na ONU."

"A UE é pilotada por um projeto globalista."

"Não há nada na política externa brasileira, desde os anos 1960, que seja especificamente brasileiro. O que existe é um terceiro-mundismo, que pode ser a política externa de qualquer país."

"Se outros países estão reagindo às novas posições ideológicas anunciadas pela futura diplomacia – mudança da embaixada para Jerusalém, etc. – então eles também estão sendo guiados por posições ideológicas."

"A última vez em que os Estados Unidos foram ultrapassados como primeiro parceiro comercial do Brasil foi pela Alemanha nazista."


Existem outras opiniões, mas estas foram algumas que consegui captar com certa clareza.
O tom geral foi que, sim, a política externa vai mudar, distanciando-se do multilateralismo e caminhando em direção do "interesse nacional". 
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 25/11/2018

Olavo de Carvalho sobre o novo chanceler

Seleciono de uma entrevista de Olavo de Carvalho ao Estadão deste sábado, 24/11/2018:

O embaixador Ernesto Fraga Araújo vai falar grosso com a China como o senhor defende?

É claro. Tem que ser uma paridade como qualquer negociação. Tem que ver o que é do nosso interesse, o que é do interesse deles e tem que ter uma troca equitativa. Também não tem que esperar que a China nos apadrinhe, seja nossa mãe.

Quando começou sua relação com o embaixador Ernesto Fraga Araújo?

Não faz muito tempo, um ano, um ano e pouco. Ele esteve aqui em casa com um amigo meu e comecei a ler os artigos dele. Fiquei impressionadíssimo. Ele é capaz de fazer análises que a nossa mídia inteira não é capaz de fazer. Estão achando ruim com ele, por que não vão discutir com ele? Porque não têm capacidade. Você acha que esse pessoal de mídia... pega os colunistas do Estadão. Tem algum capacitado para discutir com Ernesto Araújo ou comigo? Estão brincando, porra. Um bando de moleque. Coitadinhos.”

sábado, 24 de novembro de 2018

Brasil e EUA: voando juntos? - Paulo Sotero (OESP)

Brasil e EUA voando juntos?
As relações entre os dois países podem decolar, mas existe turbulência no ar

Paulo Sotero, jornalista 
O Estado de S. Paulo, 23 Novembro 2018 

Com Donald Trump na Casa Branca e Jair Bolsonaro no Planalto, a convergência ideológica e de estilo político dos dois líderes populistas deve elevar o diálogo entre o Brasil e os Estados Unidos a seu patamar mais promissor em um quarto de século. Algo semelhante ocorreu entre 1995 e 2000, quando Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso coincidiram no poder. Mas o namoro não prosperou. 
A disposição de tentar novamente é forte nas duas capitais. Declarações de simpatia trocadas por Bolsonaro e Trump, a orientação liberal da equipe do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, a nomeação para o Itamaraty do embaixador Ernesto Araújo, admirador declarado do líder americano, a visita de um dos filhos do presidente eleito a Washington e a escala que o conselheiro de segurança da Casa Branca, John Bolton, fará no Rio na próxima semana, a caminho da reunião de cúpula do G-20, para se reunir com Bolsonaro atestam uma forte vontade de aproximação. Tornar o desejo realidade dependerá, no entanto, da capacidade dos dois governos de remover obstáculos e identificar iniciativas que produzam resultados. 
Com o Partido Democrata determinado a usar sua recém-conquistada maioria na Câmara de Representantes para solapar o poder de Trump, o diálogo bilateral pode ser prejudicado pela marcação cerrada esperada no Capitólio a decisões de Brasília sobre política ambiental e climática que possam ser percebidas como de alinhamento às preferências do presidente americano. No lado brasileiro, a expectativa da Casa Branca de que País escolha um lado na confrontação comercial e geopolítica entre EUA e China, que tem sido vantajosa para os exportadores brasileiros, não encontra respaldo. E sofre forte oposição do agronegócio, uma das bases de sustentação de Bolsonaro, que resiste também a que o País siga Trump e mude sua embaixada em Israel para Jerusalém, pondo em risco bilhões de dólares em exportações de carnes para países islâmicos. Tampouco há entusiasmo na sociedade brasileira por maior protagonismo diplomático na crise da Venezuela, desejado pela Casa Branca. 
Somam-se a esses obstáculos as dúvidas em Washington sobre a capacidade política da equipe de Guedes de avançar em sua bem-vinda agenda de liberalização econômica. A presença no Ministério de generais da reserva identificados como nacionalistas e o endosso de parte importante do empresariado que apoiou Bolsonaro a políticas protecionistas que sempre os beneficiaram alimentam dúvidas na administração americana sobre o apego do presidente eleito, um liberal de recente conversão, ao projeto aberturista de seu futuro superministro da Economia. 
É certo que uma aproximação efetiva com os EUA ajudaria a atrair investimentos e tecnologias necessários para aumentar o crescimento e a produtividade da economia, criar empregos e convencer a sociedade e o Congresso sobre os méritos das impopulares reformas estruturais, como a da Previdência. A ironia por trás da preocupação de Washington com o sucesso de Guedes é que a administração Trump abandonou o discurso liberal do Partido Republicano sobre a globalização, vista agora como ameaça, e o substituiu pela defesa, familiar a ouvidos brasileiros, do protecionismo. 
Num rumo promissor, há sobre a mesa a proposta de parceria entre a Embraer e a Boeing. As negociações entre as duas empresas foram realizadas ao longo do último ano e meio com o assentimento do governo brasileiro. O negócio conta com a simpatia do presidente eleito e com o crucial apoio da Força Aérea Brasileira (FAB), berço da Embraer. 
“É a primeira vez que uma negociação desse porte é realizada por duas empresas privadas de um setor estratégico para a economia e a projeção internacional de ambos os países”, disse um executivo envolvido nos entendimentos. Sua efetivação introduziria na relação bilateral um elemento de novo, de engajamento de longo prazo, até agora ausente. O negócio, praticamente pronto para ser finalizado, está descrito no site voandojuntas.com, que as duas empresas puseram no ar em meados do ano. Será esse o ato inaugural da política externa de Bolsonaro? 
Diplomacia presidencial certamente faz diferença quando a convergência de ideias no topo é lastreada por interesses comuns. Social-democratas de temperamentos e estilos políticos compatíveis, Clinton e FHC construíram um diálogo institucional nos anos 1990 que produziu frutos. Um deles, o acordo sobre o uso por empresas americanas da base de lançamento de satélites de Alcântara, acabou vetado no governo de Lula da Silva. Por sensato e lógico, porém, permaneceu na pauta brasileira com os EUA. Em 2016 voltou a ser tema do diálogo bilateral e se depender de Brasília ganhará novo impulso. O futuro ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, tenente-coronel da reserva, ex-piloto da FAB e o primeiro astronauta brasileiro, treinado na Nasa, já manifestou seu apoio à retomada do projeto de Alcântara. “Não fere a soberania nacional de jeito nenhum”, afirmou ele, respondendo ao argumento que levou ao arquivamento do acordo negociado por FHC com Clinton. 
O Acordo Mútuo de Assistência Legal (MLAT, na sigla em inglês), proposto por Washington, é outro exemplo de diplomacia presidencial consequente da era FHC-Clinton. O MLAT facilitou as investigações sobre o roubo de cerca R$ 2 bilhões da Previdência Social perpetrado ao longo de anos 80 e início dos 90 por uma quadrilha instalada no INSS. Parte do dinheiro foi localizada em contas nos EUA e restituída ao País. O uso frequente do canal de contato direto entre promotores públicos federais dos dois países, propiciado pelo acordo, contribuiu para a construção de uma relação de confiança que se mostrou útil, anos depois, nas investigações das ramificações internacionais do grande assalto à Petrobrás, conduzidas sob a liderança do ex-juiz e próximo ministro da Justiça, Sergio Moro. 

*JORNALISTA, PAULO SOTERO É DIRETOR DO BRAZIL INSTITUTE DO WOODROW WILSON INTERNATIONAL CENTER DO SCHOLARS, EM WASHINGTON

A burguesia, enquanto classe, em julgamento - Percival Puggina

Suponho que deva ter sido um desses marxistas desempregados, contratado como professor das novas disciplinas obrigatórias do ciclo médio, sociologia e filosofia, que induziu jovens adolescentes da classe média (portanto da pequena, da média e da alta burguesia) do Colégio Rosário de Porto Alegre (religioso, pois não?), a julgar a burguesia enquanto classe, mas o veredito já estava obtido previamente: ela era inevitavelmente culpada de todos os crimes de que era acusada, e portanto merecia ser condenada nos tribunais da história.
Os bolcheviques bem que tentaram eliminar a burguesia enquanto classe. Chegaram perto disso, não a total eliminação física, pois muitos se disfarçaram de "proletários", ou de "fieis servidores do partido". Mas, eliminaram a burguesia enquanto categoria política, e a "nova burguesia", mas totalmente improdutiva, foi constituída precisamente pelos apparatchiks do partido, uma "nova classe", como a classificou Milovan Djilas.
Acho que o professor que organizou esse "julgamento" com veredito pré-arranjado deveria ler um pouco de história econômica, os livros de Deirdre McCloskey, por exemplo: Bourgeois Virtues, Bourgeois Dignity e Bourgeois Equality.



De nada.
Paulo Roberto de Almeida

A BURGUESIA EM JULGAMENTO



 A burguesia, essa imprecisa classe social, foi levada a júri simulado no Colégio Rosário, em Porto Alegre. A exótica atividade pedagógica ocorreu no mês de outubro. Divulgada com destaque no site do educandário, causou alvoroço entre muitos pais.
Com efeito, era uma notícia incomum. Tratava de um julgamento concluído, mas noticiava apenas o conjunto das acusações formuladas por sete turmas da segunda série do ensino médio. O que foi dito pela ré, por seus advogados, bem como os eventuais argumentos que a poderiam livrar do patíbulo não mereceu uma linha sequer no conteúdo veiculado pela escola. 
Penso que juris simulados podem ser excelente instrumento pedagógico para estimular a participação de adolescentes e promover debates frutuosos. No entanto, é preciso prudência na escolha do réu, que deve ser impessoal, por exemplo - o sistema de governo, um vício, um projeto de lei. Eventos dessa natureza, com adolescentes, preenchem aquele requisito do pluralismo que deve caracterizar a apresentação de temas controversos.
O que não tem o menor cabimento é submeter a júri simulado uma classe social inteira. Isso nos remete aos períodos mais terríveis das revoluções comunistas do século XX! Estas, ao deixarem de lado o juízo sobre a responsabilidade individual dos réus, julgando-os segundo os grupos sociais a que pertenciam, regrediram na história. Impulsionadas pela luta de classes, escalaram a burguesia para a condição de ré mais comum, sempre considerada hostil. Levá-la à completa extinção foi tarefa que deu muito trabalho aos bolcheviques da Tcheka, o terrível “Comitê extraordinário pan-russo de combate à contrarrevolução e sabotagem”.
Uma breve resenha das acusações que as várias turmas do Colégio Rosário fizeram à burguesia nacional inclui este cardápio de atrocidades: exploração de mão-de-obra e recursos naturais, obsessão pelo lucro em detrimento da dignidade humana, estímulo à competividade e à ganância, degradação da saúde mental das sociedades, individualismo e consumismo, apropriação privada dos meios de produção, criação de um ciclo vicioso de desigualdade, falta de compaixão, desumanização da população e desrespeito aos direitos; venda da força de trabalho pessoal, ruptura do princípio da autodeterminação. Vilã miserável essa tal burguesia, não é mesmo?
Quem lança tais acusações, em absoluta consonância com Karl Marx e seu Manifesto, deve presumir que o comunismo seja um depositário das mais nobres virtudes e não um grotesco genocida. Aliás, genocida com 100 milhões de vítimas, e fracassado que não consegue apresentar, em mais de quatro dezenas de experiências históricas, uma única democracia, uma economia que fique de pé após o consumo dos bens usurpados, e um estadista que possa ser nominado sem constrangimento.

* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Oliveira Lima: um historiador das Américas: IPRI, 28/11, 10hs


Oliveira Lima: um historiador das Américas 
Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo 
(Recife: CEPE, 2017, 175 p.; ISBN: 978-85-7858-561-7). 

Debate sobre o papel do diplomata-historiador na política externa brasileira e na historiografia nacional, com os dois autores, no Anexo II do Itamaraty.

1. História diplomática. 2. Relações internacionais. 3. Política externa. 4. História do Brasil. 5. Cultura brasileira. 6. Itamaraty. 7. Manuel de Oliveira Lima. 8. Américas 9. Brasil. 10. América Latina.

Índice

  
Apresentação: O maior historiador diplomático brasileiro
       Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo

1. O Barão do Rio Branco e Oliveira Lima: vidas paralelas itinerários divergentes
       Paulo Roberto de Almeida

2. Oliveira Lima, intérprete das Américas
       André Heráclio do Rêgo

3. O império americano em ascensão, visto por Oliveira Lima
       Paulo Roberto de Almeida   

Apêndice: O Brasil e os Estados Unidos antes e depois de Joaquim Nabuco
       Paulo Roberto de Almeida   

Notas aos capítulos
Sobre os autores 

Apresentação
O maior historiador diplomático brasileiro

Paulo Roberto de Almeida
André Heráclio do Rêgo

O Itamaraty, nos anos finais do século XIX e iniciais do XX, congregava três personalidades cuja atuação se espraiava desde as lides diplomáticas até a área cultural.
A primeira delas, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, era, ademais do negociador e do chanceler que marcou época, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Brasileira de Letras. O segundo, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, além de haver sido o paladino do pan-americanismo e nosso primeiro embaixador em Washington, já na idade madura, após uma juventude em que deixou sua marca na História do Brasil, ao dedicar-se à causa abolicionista, era também historiador e memorialista, considerado por Gilberto Freyre como um dos maiores estilistas da língua portuguesa.
Essas duas primeiras personalidades foram consagradas ainda em vida. Nabuco, desde a campanha abolicionista; Rio Branco, desde as questões de limites. Multidões acorreram aos respectivos enterros, o de Joaquim Nabuco no Recife, em 1910, o de Rio Branco no Rio de Janeiro, ao início de 1912, ocasião na qual inclusive o carnaval teve que ser adiado.
A terceira personalidade não teve consagração em vida, e ainda hoje não alcançou completamente nem a póstuma. Trata-se de Manuel de Oliveira Lima. Pernambucano como Nabuco, Oliveira Lima era bem mais jovem do que os outros dois. Além da diferença generacional, também não compartilhava com eles a formação nos cursos jurídicos de Olinda e de São Paulo. Ao contrário, graduou-se em Lisboa, no curso superior de Letras, tendo uma formação ‘profissional’ nas áreas de História e Literatura. Terá sido, pois, na sua época, o único grande historiador brasileiro que não foi autodidata. Também ao contrário de Nabuco e Rio Branco, foi republicano na juventude e na idade madura flertou com a monarquia.
Entrou no Itamaraty no princípio da última década do século XIX, numa época em que a situação política de Rio Branco e Nabuco não era das melhores. Paralelamente à carreira diplomática, logo se iniciou na escrita da História, tendo publicado ainda nesta década dois livros, que possibilitaram sua entrada na Academia Brasileira de Letras entre os 40 primeiros integrantes, ou seja, como membro fundador, glória que, se não pode ser comparada à de Nabuco, que além de fundador foi o idealizador da instituição, ao lado de Machado de Assis, foi bem superior à de Rio Branco, que teve de esperar a abertura de uma vaga para entrar no grêmio.
Oliveira Lima poderia ter sido um êmulo do barão do Rio Branco, nosso grande chanceler e modelo da diplomacia até hoje, se tivesse mais ‘diplomático’. Sua caracterização como ‘diplomata dissidente’ é adequada; em alguns casos terá sido também um “rebelde com causa”, que foi a de sua luta pelo desenvolvimento social, político e econômico e do Brasil, para ele espelhando, mas apenas parcialmente, os magníficos progressos da nação americana, em cuja capital ele trabalhou como jovem diplomata, mas já totalmente consciente das grandes diferenças que separavam o mundo anglo-saxão do errático universo ibero-americano que ele soube analisar tão bem numa fase já madura de sua vida.
Não sendo muito diplomático e não aceitando ficar à sombra do poderoso barão, voltou-se cada vez mais para os estudos históricos, contando para tanto com a ajuda do próprio chefe desafeto, que lhe propiciava longos períodos de inatividade diplomática. Graças a esses longos períodos em disponibilidade e às longas licenças que tirava – o que certamente não agradava à chefia superior, que paradoxalmente o punia com longos períodos em disponibilidade, teve tempo para pesquisar e escrever, erguendo uma obra historiográfica mais sistemática e consistente que as de Rio Branco e Nabuco. Nela, foi muitas vezes pioneiro e precursor: da história da vida privada, por exemplo, ao indicar a utilização de romances como fonte historiográfica; da utilização das obras de viajantes estrangeiros sobre o Brasil. Sua obra antecipou, de certa forma, os escritos de Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro e José Honório Rodrigues, entre outros. Se passarmos para o campo da patriotada, poderíamos dizer até que ele foi precursor de Norbert Elias e de Lucien Febvre, respectivamente nos conceitos de processo civilizatório e de instrumentos mentais, e até mesmo de Georges Duby, no que se refere à caracterização tripartite da sociedade. Além disso, Oliveira Lima foi pioneiro em estudos comparatistas, e era o historiador brasileiro que mais sabia da história de Portugal, dispondo para tanto de uma capacidade de síntese sem igual.
Ele, como Nabuco e Rio Branco, foi único e incontornável, mas a História lhe foi ingrata, algumas vezes por culpa sua, por ser corajosamente sincero, ao ponto de ser incômodo. Após um começo brilhante, sua vida profissional e intelectual passou a se caracterizar por um ressaibo amargo de incompletude e de frustração, no que se poderia considerar uma trajetória interrompida. Ao contrário de Rio Branco e de Nabuco, ao seu enterro não compareceram multidões, apenas a esposa, que compartilhava com ele o ‘exílio’ em Washington, e mais uns poucos.
Aos 150 anos de seu nascimento, no Recife, em dezembro de 1867, vale examinar alguns dos seus muitos escritos com o objetivo de constatar que ele foi, efetivamente um dos grandes, senão o maior dos historiadores diplomáticos brasileiros, pesquisador incansável dos arquivos, leitor das crônicas dos contemporâneos, colecionador de manuscritos, de livros e de obras de arte, leitor da literatura de cada época, dos jornais do momento e dos grandes historiadores do passado. Sua obra completa excede as possibilidades de um único estudioso e, talvez por isso, temos de nos contentar com uma Obra Seleta, e com vários outros trabalhos, reeditados de forma dispersa e errática, ao sabor do interesse de editores, de admiradores e de alguns poucos acadêmicos devotados ao estudo de uma imensa série de livros, resenhas, notas e artigos de revista e de jornais, que pode facilmente encher mais de uma estante de livros.
Sua biblioteca, depositada na Universidade Católica de Washington, oferece um testemunho de seu voraz interesse por toda a história das civilizações ocidentais desde os descobrimentos, com um grande foco no hemisfério americano, daí o título desta coletânea por dois estudiosos e admiradores de sua obra, que é especialmente relevante no plano pessoal, não apenas pela mesma condição profissional, a de diplomatas de carreira, mas igualmente pelo que ela oferece como interpretação significativa, e ainda válida, a despeito da passagem de um século, sobre o desenvolvimento comparado dos povos das Américas. Oliveira Lima não foi apenas historiador, mas também sociólogo, cientista político, fino psicólogo dos personagens estudados – como D. João VI, por exemplo – e também uma espécie de antropólogo cultural, como tal inspirador de uma outra rica obra construída pelo conterrâneo Gilberto Freyre, que com ele conviveu em sua fase iniciante e já na fase madura e derradeira do grande historiador pernambucano.
Os trabalhos aqui coletados não podem representar a justa homenagem que lhe é devida no 150o aniversário de seu nascimento, mas eles representam, ainda assim, um testemunho de apreço, nos planos sociológico e historiográfico, pelo valor intelectual da produção ímpar do historiador e diplomata Oliveira Lima. Não temos nenhuma dúvida de que nos próximos 150 anos essa obra continuará a ser lida e a servir de inspiração a novos historiadores e sociólogos das civilizações do hemisfério americano.



Francisco Seixas da Costa: autobiografia

O maior, o melhor, o mais interessante, mais inteligente, arguto, educado, o maior intelectual, leitor voraz, diplomata português que conheci.
A diplomacia brasileira é boa?
Pois isso devemos à excelente diplomacia portuguesa, que nos fez como somos.
Paulo Roberto de Almeida

Se a vida são dois dias, aproveitemos as noites

Nasci, ao que me disseram, já o dia tinha entrado há muito pela noite. Sempre me perguntei se isso não terá marcado o meu destino. Sou um assumido militante da noite, embora só raramente tenha sido um notívago. Ou melhor, fui sempre um notívago sereno.

O imperativo “apaga a luz!” persegue-me desde a infância. Dou por mim, lá por Vila Real, a tentar ler Júlio Verne e coboiadas importadas do Brasil, graças a um candeeiro escondido sob os lençóis. Em férias, em Viana do Castelo, com a luz já apagada por imposição paterna, recorria à luminosidade declinante de uma Nossa Senhora fosforescente para observar, sob os lençóis, páginas inacabadas dos Tintin. Foi também pelas noites que, no final da adolescência, ouvia a Radio London e a Radio Caroline, as rádios-pirata que me traziam a música anglo-saxónica e, mais tarde, também as rádios épicas da liberdade que, para os “amigos, companheiros e camaradas” de quem me ia sentindo próximo, por cá tardava em chegar.

Quando, em meados dos anos 60, fui estudar para o Porto, foram as noites, da Candeia à Japonesinha, das conversas no lar da Torrinha ou no quarto a meias na Miguel Bombarda, além de um mundo de aventuras sem fim, e que afinal apenas vingavam o meu jejum adolescente vilarrealense, que viriam a arruinar, de vez, o percurso académico do engenheiro que então julgava poder vir a ser. O teatro, o atletismo, até o incipiente jornalismo, compunham a sofreguidão do usufruto de um quotidiano que me desviava daquilo que me estava destinado. As noites no Rádio Clube, com o Alfredo Alvela, que acabavam em madrugadas no Ginjal ou no Transmontano, fizeram o resto. Vistas as coisas em perspetiva, ainda bem!

Lisboa, para onde depois me mudei, mudou-me um pouco, mas não no essencial. Na escola onde Adriano Moreira preponderava, descobri um percurso académico que me agradava. Afinal, “tirar o curso”, desiderato à época essencial, talvez fosse possível. A vida, porém, levou-me por muitos e inesperados caminhos de interesses. Passei a encontrar-me com outras noites, da Granfina ao Montecarlo e ao Bolero. As olheiras com que entrava nas aulas, bem como, mais tarde, na Caixa Geral de Depósitos, onde entretanto me empregara porque sobressaltos académicos a isso haviam obrigado, eram produto do contraste dos horários, agora imperativos, com esse tempo lúdico que eu teimava em não deixar escapar. Havia já então por ali bastantes livros, muitos em francês, lidos avidamente por madrugadas, no meu quarto nos Olivais, com a chama vermelha de Cabo Ruivo a ver-se ao longe. Chama vermelha essa que, noutro registo, adubado por lutas académicas e aventuras cívicas mais ou menos óbvias para a minha geração, me pôs na pista de amanhãs que acabaram finalmente por cantar, também numa noite, claro, de um certo dia 25. E aí, sim! Fardado de abril, com farto bigode e cabelo a desafiar as NEP’s, foram então muitas mais as noites de sonhos acordados, tentando apressar o futuro, já com família, num tempo excitante e, esse sim!, bem novo.

Um dia, por um acaso da vida, as minhas noites (e, vá lá!, também os dias), mudaram de latitude. Recordo, da janela da minha casa, em Oslo, rodeado de livros, com uma Aquavit a aquecer-me as leituras, com música em fundo, ver a neve cair no escuro, com Holmenkollen no horizonte. Vivi muito bem as famosas longas noites nórdicas e, dentro delas, tive conversas com amigos que me ficaram para a vida. A diplomacia, nesse entretanto, acabaria por ser a minha via profissional definitiva, que aliás nunca me passara pela cabeça seguir, à qual me habituei com forte dificuldade interior (confesso agora), mas que, com o tempo, passou a fazer parte de mim. Olhando para trás, não trocaria essa “estranha forma de (boa) vida” por nada! 

Outros dias, e outras grandes noites, surgiriam, logo depois, na Luanda que o futuro me destinou. O “recolher obrigatório” criava por ali uma espécie de noites compulsivas, que vingávamos com muita festa, muitos copos, muita risada, como que a compensar a nervoseira de um quotidiano da guerra que se vivia no país, de insegurança nas ruas, de um sabe-se lá o que será o amanhã. Tínhamos a idade para isso, os amigos à mão, a genica para as noitadas imensas. Esses anos, que poderiam ter sido chatíssimos, acabaram por ser dos melhores das nossas vidas. Até no trabalho, muito interessante e intenso.

Regressado a Lisboa, surgiu-me pela frente a grande aventura europeia do país. Eu era então um “soberanista” ferrenho, desconfiado da bondade do projeto bruxelense, como impenitente esquerdista que então me orgulhava de ser. Nos anos que se seguiram, a profissão levou-me bastante pelo mundo, da África à Ásia, do Pacífico à América. Grandes noites de conversa, de viagens transatlânticas, de jet-lag sucessivos! Talvez tenha sido, em parte, esse contraste com gentes muito diversas que tenha ajudado a convencer-me da “bondade” do projeto europeu de integração. E a amortecer, de caminho, algum radicalismo do passado. Nunca o saberei! 

Quando, em 1990, na rotação a que a profissão obriga, aterrei na nossa embaixada em Londres, no tempo do estertor de Thatcher, alguma coisa mudara já dentro de mim. Mergulhei noites inteiras na leitura, na conversa, nos teatros e na música da mais viva capital europeia. Foi um dos postos mais trabalhosos da minha vida, mas um dos mais interessantes.

Por um inesperado acaso, Lisboa voltaria a surgir-me no destino, quatro anos mais tarde. E por ali mergulhei, de novo, nas coisas europeias, que estavam então “na berra” da nossa política externa. Foi esse também o tempo áureo das noitadas na tertúlia do Procópio, tutelada pelo Nuno Brederode, das jantaradas num Bairro Alto que andava na moda mas que já começava a não caber nessas costuras - ah! e para que não restem dúvidas, nunca fiz parte das “tropas” do Frágil e da movida que chegou ao Lux! Sempre fui de outra Lisboa, de outras “equipas”, sem veleidades de modernidade vanguardista. E sempre me dei bem assim!

Um dia, quase de surpresa, mas com alguma lógica de percurso, acabei por tomar posse de um lugar governativo onde, ironicamente, iria, por mais de meia década, tutelar - ele há cada uma! - a integração europeia do país. A vingança, diplomática, afinal serve-se fria. Pertencer a um governo tem graça, desde que a ele nos não habituemos. Nunca me arrependi da opção que fiz. As mordomias, os carros, os jantares, as vénias de alguns - tudo isso passou por mim sem (julgo eu!) me afetar excessivamente. Trabalhei então imenso, cansei-me muito, dormi muito pouco (lá estão as noites!), viajei talvez demasiado, mas, caramba!, também me diverti à brava! Olhar o mundo desse lado não nos deixa iguais embora, no meu caso, me tenha deixado (sei que muitos não acreditam, mas que se há-de fazer?) sem a menor vontade de praticar um “remake”. 

Com o cabelo muito mais branco, regressei um dia, de forma planeada e sem o menor “stress”, à profissão que já tinha por minha e por destino. Na vida que aí vinha, estava Nova Iorque, a fantástica cidade que, trinta anos antes, eu visitara nas minhas primeiras férias como funcionário bancário. Quase ainda a desempacotar as minhas coisas, vi as Torres Gémeas caírem ali ao lado, mudando muito mais do que uma cidade. Foi um tempo intenso, interessante, de imensa aprendizagem, com dias cheios e, infelizmente, escasso usufruto das noites.

Tempos depois, novo rumo de vida: Viena. Não sou muito dado a dourados palacianos, prefiro o jazz à valsa, gosto mais da Broadway do que do Musikverein. Mas o que tem de ser tem muita força e lá tive eu de encher-me de noitadas no meu terraço sobre o Graben. Muitas jantaradas de Wienerschnitzel e Sachertorte, regadas a Riesling. Viena, por esse tempo, acabaria por se transformar numa espécie de placa giratória: dali descolei, incessantemente, para as misteriosas fronteiras da nova Rússia, para os Balcãs e vários outros destinos, para “fact-finding missions” ou para palestrar sobre temas etéreos, quase sempre em áreas instáveis e turbulentas. Foram, contudo, tarefas muito interessantes. E as noites, nesses mundos muito eslavos, foram muitas e longas, com gente muito diversa, fora do paradigma tradicional ocidental. Aprendi imenso! E diverti-me, claro! Foi um tempo de muitas libações, ilustradas por alguns belos vodkas, conversas pouco óbvias num tempo polémico em que o fim da “détente” já se prenunciava.

A graça da vida diplomática é a sua incerteza. Para quem, como eu, acabou por ter 21 ministros dos Negócios Estrangeiros na sua carreira, viver em sete cidades estrangeiras, em diversos continentes, não pode assustar. O Brasil, uma das mais complexas - se bem que, aparentemente, simples - relações bilaterais de Portugal, saiu-me depois em rifa. Em boa hora! Aprendi, desde logo, que devia ser “obrigatório” para qualquer diplomata português ter um contacto com a realidade brasileira, para pôr fim a alguns mitos, diluir preconceitos e ajudar-nos a situar melhor no mundo. Quatro anos de Brasil, visitando 23 dos seus 27 Estados, fez-me perceber muitas coisas. A vida correu-me bem por lá, mas eu fiz bastante por isso. 

Quando, quatro anos depois, aterrei em Paris, senti-me quase em casa. No final dos anos 60, eu chegara àquela cidade, saído à boleia de Lisboa, como um peregrino que chega a Meca. Depois, viciei-me e passei muitas mais vezes por lá. Regressar como embaixador seria, contudo, muito diferente, muito mais do que eu pensava. Claro que havia os restaurantes e as livrarias, mas as horas foram sempre muito contadas, nos anos em que, até à minha reforma, por ali fiquei. Trabalhei muito, assisti a tempos muito diversos, nem sempre bons, em especial para a imagem de Portugal no mundo. E, como em todo o lado, alimentei-me por ali da serenidades das noites, onde conversei imenso, li muito e, em especial, pensei. 

Em 2013, tal como estava planeado desde há muito, regressei, definitivamente, a Portugal. Era a reforma? “Sort of”, como dizem os anglo-saxónicos. Não parei, desde então, um segundo. Houve empresas que quiseram passar a ouvir a minha opinião sobre as áreas internacionais dos seus negócios, universidades que me contrataram para dar aulas ou me convidaram para as aconselhar, jornais que me ofereceram colunas para eu escrever o que pensava. Fora dessa dimensão mais “séria”, que muito me agrada, divirto-me com o usufruto outros prazeres, como os livros, a escrita, a gastronomia e as viagens. Leio, leio muito, escrevo um blogue pela noite dentro, frequento tertúlias muito diversas. E, pelos dias, mas essencialmente pelas noites, estou com os amigos, com a família. Às vezes, perco alguns deles, dos bons, o que me deixa nostálgico, confesso. Mas tento olhar em frente, aproveitar, ao máximo, este país renovado, magnífico, sereno, que gargalha para as aves agoirentas, para os profissionais da inveja e do mal-dizer, figuras que apetece irritar - e eu faço-o, com algum gosto. Uma terra que agora anda bastante mais feliz do que, ainda há pouco, parecia condenada a ser. Carpe diem! 

(Publicado no JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, em 7 de novembro de 2018)

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

“Percursos Diplomáticos” com o emb. Sérgio Duarte: IRBr, 23/11, 15hs

“Percursos Diplomáticos” com o embaixador Sérgio de Queiroz Duarte
O Instituto Rio Branco (IRBr), a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) têm o prazer de convidar para uma nova apresentação na série “Percursos Diplomáticos”, com o embaixador Sérgio de Queiroz Duarte, no dia 23 de novembro, às 15h, no Auditório Araújo Castro, do IRBr.

O embaixador Duarte ocupou importantes cargos na diplomacia brasileira e no sistema da ONU, em especial nos temas das tecnologias sensíveis, do desarmamento e da não-proliferação nuclear.

Juca Paranhos, Barao do Rio Branco - Emb. Luis Claudio Villafane - 23/11, 10hs

IPRI: palestra-debate “Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco”


O Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) tem o prazer de convidar para mais um evento da série “Diálogos Internacionais do IPRI” com a palestra-debate “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco”, em torno da obra recentemente publicada do embaixador Luís Claudio Villafañe G. Santos. 
O evento será realizado em 23 de novembro, às 10h, no Auditório Paulo Nogueira Batista, Anexo II do Ministério das Relações Exteriores.

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...