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Ações da esquerda armada endureceram regime militar, diz professor
Historiador lembra que PC do B foi fundado contra Goulart em 1962, dois anos antes de sua queda, e acha que redemocratização resultou da luta pacífica dos civis
José Nêumanne04 de abril de 2019 | 19h47
Hugo Studart, autor do livroBorboletas e Lobisomens,revelou que, ao contrário do que se propalou, a esquerda armada não reagiu ao endurecimento do regime militar, mas o contrário. Segundo ele, “o Partido Comunista do Brasil, o PC do B, foi fundado em 1962, em pleno governo democrático de João Goulart, com um programa-manifesto que denunciava o governo burguês de Jango e pregava a luta armada contra ele”. Na edição desta semana da sérieNêumanne Entrevista, ele lembrou que “o PC do B enviou seus primeiro militantes para treinamento na Academia Militar de Pequim em fevereiro de 1964, ainda no governou de Goulart, com o objetivo de pegar em armas contra a democracia. Observando o outrora com os olhos de agora, dá para concluir que as organizações da luta armada foram vetores importantes para o endurecimento do regime e a instauração da ditadura militar. E que foi a luta pacífica sob a égide do MDB de Ulysses Guimarães e do Partido Comunista Brasileiro, o velho Partidão, a principal responsável pela redemocratização”. Nas suas contas, na luta militantes de esquerda mataram de 140 a 150 militares, civis e companheiros “justiçados” e os militares, cerca de 350 guerrilheiros de esquerda.
O historiador Hugo Studart tem protagonizado um fenômeno curioso diante da atual conjuntura política brasileira, tomada pelo radicalismo ideológico entre extrema direita e extrema esquerda, em que os dois lados tentam distorcer o passado e recontá-lo segundo as conveniências do presente: o equilíbrio na busca pela verdade histórica. Seu livro mais recente,Borboletas e Lobisomens – Vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia(Francisco Alves Editora), lançado em outubro passado em São Paulo, é um exemplo desse equilíbrio. Por conta dos segredos incômodos que revelou sobre o modo como o Exército exterminou os guerrilheiros, tem provocado reação da direita mais extremada. Paradoxalmente, vêm da extrema esquerda as reações mais violentas – manifestos, atos públicos de repúdio e até piquetes contra os lançamentos – por causa de segredos que os comunistas vinham tentando manter ocultos. A obra, um calhamaço fundamentado em mais de 15 mil páginas de documentos secretos da ditadura e em quase 150 depoimentos orais de sobreviventes, de guerrilheiros, em apenas três meses chegou à terceira edição. Seu livro anterior,A Lei da Selva, no qual revela as estratégias militares na guerrilha do Araguaia, é recordista como referência no livro oficial do governo brasileiro sobre mortos e desaparecidos no regime militar,Direito à Memória e à Verdade, com 53 citações em verbetes, e é apresentado como obra referência pelas bibliotecas de 22 universidades estrangeiras, como Harvard, Yale e Princeton, nos Estados Unidos, e Cambridge, na Inglaterra. Jornalista investigativo ao longo de quase 30 anos, Studart atuou como repórter, editor, colunista e diretor nos principais veículos do País, comoO Estado de S. Paulo,Folha de S.Paulo,VejaeIstoÉ. Também recebeu prêmios como o Esso e o Abril de Jornalismo e Wladimir Herzog de Direitos Humanos. Em determinado momento, foi migrando de jornalista para professor e historiador. Detentor do título de doutor em História pela Universidade de Brasília, atuou como professor de instituições como Faculdade Cásper Líbero, em São Paulo, Universidade Católica de Brasília, Ibmec e, atualmente, é professor convidado da UnB, onde ministra o curso de História da Ditadura e da Luta Armada no Brasil. É, ainda, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e da Academia de Letras de Brasília.
Nêumanne entrevista Hugo Studart
Nêumanne – O que o levou a deixar o jornalismo profissional para se dedicar à carreira acadêmica?
Hugo –Parte de nossa vida é traçada pelas escolhas puramente humanas, aquela máxima “aqui se planta, aqui se colhe”. Outra parte, acredito, faz parte do Destino. Tempos atrás eu trabalhava como diretor de uma grande empresa de conteúdo digital. Então a bolha da internet estourou e voltei desempregado para Brasília. Um antigo professor da universidade me deu emprego de professor numa faculdade privada. Descobri que a sala de aula é uma paixão profunda, glutona. Então fui terminar meu mestrado e fazer o doutorado como requisitos. Optei pela História, e não pela comunicação, que seria o caminho natural. Foi nesse momento que também descobri a paixão pela História, algo de infância, mas que havia sido adormecido pelo jornalismo. Por mais de dez anos busquei conciliar jornalismo com sala de aula. Houve um momento em que optei por entrar por inteiro na História e na vida de professor. Acredito que seja o Destino traçando meu rumo.
N – Qual é a diferença fundamental que encontrou entre testemunhar e relatar acontecimentos e entrevistar personagens e pesquisar documentos e buscar testemunhos vivos para resgatar momentos mais obscuros no tempo?
H –Costumo instigar meus alunos a buscar um diálogo entre jornalismo e História fazendo uso de uma expressão do filósofo Walter Benjamin: o jornalismo é a História do agora, da mesma forma que a História é o jornalismo sobre o outrora. Só se consegue fazer jornalismo interpretativo se houver o entendimento do passado, ou seja, quanto mais amplo e profundo o conhecimento histórico, melhores são a compreensão do presente e a prospecção do futuro. Além disso, a metodologia e a pesquisa do jornalismo são muito mais dinâmicas, eficientes e consolidadas que as da História. Para se ter ideia, o jornalismo reconhece a validade das entrevistas orais desde o início do século 19, enquanto na História ainda é forte a resistência aos testemunhos e grande o fetiche por documentos, documentos esses quase sempre forjados e conjurados, jamais precisos. Enfim, a pesquisa histórica ainda tem muito a aprender com a apuração jornalística, da mesma forma que o jornalismo precisa da História para compreender o presente e analisar as perspectivas futuras.
N – O que despertou seu interesse na história trágica da guerrilha rural do PC do B na região do Araguaia, em plena guerra suja travada pelos grupos armados de esquerda contra as Forças Armadas do Estado brasileiro, naquela conturbada segunda metade do século 20? E o que têm que ver borboletas e lobisomens com isso tudo?
H –Eu estava apurando, como jornalista, a morte da guerrilheira urbana Iara Iavelberg, que era amante do capitão guerrilheiro Carlos Lamarca, quando cheguei a um coronel que resguardava em casa um acervo fantástico de documentos do Araguaia. Foi então que comecei a pesquisar sobre o tema, ainda em 1998. Mais tarde, ao entrar para o mestrado em História pela Universidade de Brasília (UnB), optei pelo tema, tendo como corte pesquisar como os militares conseguiram derrotar a guerrilha rural. A dissertação virou livro,A Lei da Selva, que foi muito premiado na época e acabou sendo adotado como livro-referência por 22 universidades estrangeiras, como Harvard, Yale e Princeton, nos Estados Unidos, e Cambridge, na Inglaterra. No caso do livroBorboletas e Lobisomens – Vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia, ele é produto da minha tese de doutorado, também pela UnB. A ideia era tecer um díptico, como duas tábuas independentes que formam um quadro só.A Lei da Selvatrata da guerrilha sob o ponto de vista dos militares. Já emBorboletas e Lobisomensos guerrilheiros são os protagonistas da mesma história.
N – Como o senhor conseguiu pistas para abordar um assunto polêmico e guardado sob sete capas, por um lado, e oculto por trás de uma cortina de mistificação ideológica, por outro?
H –É um fato curioso que, terminada a guerrilha, nem os militares revelaram como venceram, nem o PC do B contou como perdeu. O partido só começou sua abertura a partir de 1996, ainda assim de forma lenta, segura e gradual, revelando seus arquivos somente para historiadores ideologicamente confiáveis (para eles, é claro). Paradoxalmente, as principais revelações estão vindo de militares. Desde a virada do ano 2000, uma dúzia de militares já abriu seus acervos privados para pesquisadores e jornalistas, como é o caso do coronel Lício Maciel. Ou ainda escreveram seus próprios livros, como no caso do coronel Djalma Madruga. Da minha parte, consegui que o então ministro da Defesa Nélson Jobim permitisse o acesso aos arquivos secretos do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações) e do Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica). Mas os melhores documentos ainda são os revelados pelos acervos privados de militares. Acabei conseguindo reunir um acervo entre 15 mil e 20 mil páginas de documentos secretos, que fundamentaram minhas pesquisas.
5 – Quais foram os maiores obstáculos que encontrou para conseguir as informações de que precisava para pintar o retrato exaustivo e completo que terminou por conseguir fazer?
H –Outro paradoxo é que, apesar de existirem milhares de páginas de documentos disponíveis, a quase totalidade deles tem pouca serventia. Há um mito muito grande em torno desses tais documentos secretos da ditadura. Não há grandes revelações nesses papéis, mas fragmentos dispersos, como cacos de cerâmica da arqueologia que necessitam de uma boa interpretação para deles se extrair alguma informação interessante. Enfim, esses documentos apontam pistas e indícios de fragmentos de História. Esse foi o maior obstáculo, a imprecisão documental sobre fatos realmente relevantes, apesar de o acervo disponível ser enorme. Contornei os obstáculos com a experiência de repórter investigativo, recorrendo a depoimentos orais de militares, de guerrilheiros sobreviventes e de moradores da região. Só assim foi possível tecer uma boa trama histórica.
N – O que aproveitou de sua experiência de repórter no trabalho de campo de sua pesquisa e que vícios da imprensa o atrapalharam no mesmo mister?
H –Sem dúvida, foi a experiência das entrevistas orais que mais me ajudou, as técnicas e a experiência na abordagem e na persuasão das fontes. Não é fácil convencer um militar, há 40 anos em obsequioso silêncio, a revelar em detalhes como torturou e matou um guerrilheiro. E consegui inúmeros relatos na primeira pessoa do singular, usando como metodologia revelar o nome daqueles que eram oficiais, mas preservando sigilo dos subalternos que apenas cumpriam ordens. Um caso bem difícil, presente emBorboletas e Lobisomens, foi o relato de um militar sobre como executou a guerrilheira Áurea Elisa Valadão. Havia bem uns dez anos que mantínhamos contatos periódicos, mas ele não me havia contado nada. Eu estava atrás dos chamados mortos-vivos, os guerrilheiros que fizeram delação premiada e trocaram de identidade. Sabia que havia uma mulher, mas não quem. Um dia, saindo da aula na universidade, apareci de surpresa na casa desse militar. Ele me recebeu no portão. Fui logo dizendo: “Hoje você vai cantar”. Essa expressão era usada pelo pessoal da repressão que interrogava prisioneiros, significa falar, contar o que sabe. “Tem uns dez anos que almoçamos na churrascaria Pampa, tomamos muito uísque e até agora você não me contou nada. Fulano já cantou, sicrano já cantou, só falta você”. Ele baixou a cabeça e me mandou entrar. Tomamos umas quatro ou cinco doses de uísque falando banalidades. Mais de uma hora depois, ele me chamou para um quarto reservado e perguntou: “O que você quer saber?”. Comecei a perguntar e ele a responder. Foi o depoimento mais revelador e surpreendente de todos. Só um repórter investigativo teria conseguido estabelecer a empatia necessária. Se eu tivesse chegado com gravador e questionário, como ensinam as técnicas rígidas da história oral, teria sido rechaçado.
N – Concluído seu livro de 858 páginas, um portento, quais são as suas conclusões pessoais a respeito da contribuição dos grupos armados da esquerda para o recrudescimento da repressão do regime autoritário ou a reconstrução da democracia, tal como foi empreendida depois de esmagado militarmente o movimento?
H –Se me permite uma retificação, a tese de doutorado é que tem esse absurdo de páginas. O livro tem apenas 660 páginas, bem mais leve, pois extraí muita citação teórica e diálogo acadêmico com pena dos leitores. Sobre a pergunta em si, lembro que o marco inicial da luta armada é o atentado ao Aeroporto de Guararapes, no Recife, em julho de 1966, que pretendia matar o então ministro da Guerra, Arthur da Costa e Silva, mas acabou matando dois inocentes e ferindo 14 pessoas. Foi um desastre sob o ponto de vista político e histórico. O presidente Castelo Branco era um democrata moderado, tão moderado que hoje seria do DEM. Ainda era um regime civil-militar, com viés autoritário, mas que poderia verter para a democracia liberal plena. Mas aquele atentado provocou a ascensão da linha dura militar ao poder. Ato contínuo, começaram a proliferar novas organizações da luta armada, como a ALN (Ação Libertadora Nacional), de Carlos Marighella, e a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), do capitão Carlos Lamarca, com atentados terroristas. Os generais foram reagindo com o endurecimento, até a instauração do regime autocrático, a ditadura pura e simples, a partir do AI-5 (Ato Institucional n.º 5). A esquerda alega hoje que pegou em armas como reação à ditadura, tese essa inicialmente apresentada pelo historiador Jacob Gorender. Contudo outros historiadores, como Daniel Aarão Reis e Luís Mir, apresentam a tese de que o projeto da luta armada é anterior e quase nada tem que ver com o movimento de 1964. Ou seja, que os guerrilheiros não eram reacionários, mas, sim, protagonista daquele tempo, reacionários eram os militares. Alinho-me a essa tese, tanto que o Partido Comunista do Brasil, o PC do B, foi fundado em 1962, em pleno governo democrático de João Goulart, com um programa-manifesto que denunciava o governo burguês de Jango e pregava a luta armada contra ele. Lembro que o PC do B enviou seus primeiro militantes para treinamento na Academia Militar de Pequim em fevereiro de 1964, ainda no governou de Goulart, com o objetivo de pegar em armas contra a democracia. Observando o outrora com os olhos de agora, dá para concluir que as organizações da luta armadas foram vetores importantes para o endurecimento do regime e a instauração da ditadura militar. E que foi a luta pacífica sob a égide do MDB de Ulysses Guimarães e do Partido Comunista Brasileiro, o velho Partidão, a principal responsável pela redemocratização.
N – Até que ponto, a seu ver, a experiência amarga do campo de batalha inóspito levou as Forças Armadas, em geral, e o Exército Brasileiro, em particular, a adotarem a sábia, sensata e prudente atitude de garantia da ordem no Estado de Direito, papel fundamental, segundo o testemunho do mais lúcido sobrevivente desse entrevero, o jornalista e político Fernando Gabeira, em sua colaboração nos meios de comunicação?
H –É pacífico que as Forças Armadas, vitoriosas no campo de batalha, perderam a guerra da História para aquilo que os militares chamam hoje de guerra cultural, ou guerra de narrativas. Aliás, eles foram e ainda estão sendo massacrados pelas esquerdas nos campos da cultura, educação, comunicação e diretos humanos. Os militares estavam desde 1985 aquietados nos quartéis, em silêncio obsequioso, batendo continência aos civis, inclusive a comunistas como Aldo Rebello, do PC do B, que foi ministro da Defesa. Até que apareceu o fenômeno Bolsonaro e eles retornaram à ribalta. Mas, conforme suas palavras, Nêumanne, eles permanecem adotando a sábia, sensata e prudente atitude de garantia da ordem no Estado de Direito. É público que, no meio do caminho, se cogitou de três golpes de Estado, sendo um deles um golpe jurídico. O primeiro foi quando a então presidente Dilma propôs ao general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, a decretação do estado de defesa para impedir a votação do impeachment. Depois o mesmo Villas Bôas impediu que o Supremo libertasse Lula, o que provocaria uma convulsão social com desfecho imprevisível. Por fim, por ocasião do atentado ao candidato Jair Bolsonaro, ele segurou o ímpeto das tropas de virar a mesa. Por isso Villas Bôas é tão festejado como um fiador da democracia. Mas ele não é voz isolada, ao contrário, representa a opinião hegemônica das Forças Armadas nessa opção sábia, sensata e prudente de se perfilar pela garantia da ordem no Estado de Direito, como bem observou Gabeira.
N – Como o senhor observa e interpreta a tentativa nostálgica, que os historiadores chamam de “retrotopia”, de reescrever a experiência dramática daqueles anos, enfrentando a historiografia reconhecida, tida pelos novos ocupantes do poder na República como crônica fictícia dos derrotados, sob a égide de Jair Bolsonaro, negando o golpe de Estado e a natureza ditatorial do regime militar?
H –É de George Orwell a máxima: “Quem controla o passado controla o futuro, quem controla o presente controla o passado”. Bolsonaro dá mostras explícitas de profunda preocupação pela reconquista dos corações e mentes dos brasileiros por meio da hegemonia na cultura, na educação e na comunicação, aquele projeto de Gramsci ao qual o presidente tanto se refere com ojeriza. Avalio, contudo, que não seja uma boa estratégias essa opção pela negação, muito menos pela reinterpretação histórica, como essa do chanceler Ernesto Araújo de dizer que o nazismo seria de esquerda. Se Bolsonaro quiser “controlar o passado”, conforme a expressão de Orwell, o melhor caminho me parece ser encarar uma nova Comissão da Verdade, contabilizando as vítimas dos dois lados da luta. É quase certo que acabe chegando a uma conta próxima a 140 ou 150 vítimas na esquerda, ante 350 vítimas entre militares. Se quiser mesmo ganhar a guerra de narrativas e a hegemonia cultural, o presidente vai precisar implementar projetos consistentes na educação, na cultura e na comunicação.
N – O senhor se surpreendeu com a reação indignada dos que se sentiram traídos por seu trabalho imparcial, e, a partir de sua experiência nesse campo, o senhor está disposto a relatar a nossos leitores quais poderão vir a ser, a seu ver, as consequências da guerra ideológica que pode vir a ser travada nos câmpus universitários e no ambiente da educação em geral, no Brasil, neste momento em que a saída do estágio de indigência total dos níveis de ensino é comprometida pela resistência da esquerda e da direita, incapazes de abrir mão de seus mitos para o cumprimento do papel basilar do Estado e dos educadores em sua missão de lecionar e preparar as gerações do futuro para lhe darem acesso a uma sociedade civilizada?
H –De fato, houve uma forte reação negativa da parte do PC do B contra meu trabalho, tanto que eles já divulgaram 23 manifestos, mais de quatro horas de gravação e fizeram quatro atos públicos de repúdio, incluindo um piquete contra o lançamento do livro no Rio de Janeiro. A razão? Ora, ousei revelar alguns fatos incômodos à narrativa do partido, como a existência dos mortos-vivos, aqueles que fizeram delação premiada e trocaram de identidade, ou a existência de uma guerrilheira infiltrada que foi responsável por pelo menos cinco mortes, mas hoje ocupa posição de relevo na hierarquia do Grupo Tortura Nunca Mais. Por outro lado, revelei detalhes de 22 execuções de prisioneiros pelos militares. Busquei ser equilibrado, jamais neutro. É justamente isso que está faltando nas universidades brasileiras, equilíbrio e sensatez intelectual, sobretudo a convivência pacífica com a diversidade de ideias. Mas isso não deve acontecer tão cedo. As universidades tendem a virar uma espécie debunkerda resistência da esquerda a este governo, talvez até do próximo. Desde os anos 80, a universidade brasileira vive a era do pensamento único. A bibliografia hegemônica e, por vezes, absoluta em alguns campos do pensamento oscila entre autores marxistas e estruturalistas. Foram praticamente banidos os pensadores da liberdade e da democracia. Nem me refiro aos conversadores ou aos de direita, mas aos liberais. De uns tempos para cá, muitos estudantes universitários observam que há uma dissonância entre a realidade do mundo e o que apregoam os livros e os professores. Mas não têm contraponto bibliográfico, não têm outras referências que os auxiliem a formar outro ponto de vista. Então acabam caindo no niilismo. O mesmo fenômeno ocorre no ensino básico. Foram banidos dos currículos escolares todos os clássicos da literatura, sobretudo os autores e obras que tratam dos conceitos de povo brasileiro e de Nação brasileira, como Monteiro Lobato, Machado de Assis, Érico Veríssimo e, no caso das universidades, Gilberto Freyre e até Darcy Ribeiro. Simplesmente foram banidos. Não adianta enviar memorando às escolas mandando cantar o Hino Nacional. Precisa é lembrar que, como ensinou Lobato, “um país se faz com homens e livros”. Se Bolsonaro e seus generais quiserem de fato vencer a tal guerra cultural, precisam enviar Machado e Veríssimo às escolas. O resto é consequência. E não adianta esperar resultados imediatos, são árvores que vão demorar umas três décadas para dar frutos.
Incrível como a gente pode permanecer distraído durante anos e anos. Preciso, antes de mais nada, apresentar minhas humildes desculpas aos três perguntadores, de oito anos atrás, mas o fato é que eu nunca fui avisado das questões apresentadas e, assim, nunca pude responder a eles. Mil perdões: Alex Neves, Bruno e Senna Madureira. Nem sei se aceitariam, agora, respostas tardias às questões apresentadas, já que pelo menos dois já podem ter abandonado este espaço de Mundorama, por outras terras e "profissões", que não aquelas temporárias de estudantes de RI. Quanto ao terceiro, Senna Madureira, permanece no cenário e fiel leitor de meus anárquicos escritos. Minhas desculpas especiais a ele, mas peço a compreensão: como estou sempre escrevendo, e publicando, os textos vão se acumulando, e outros vão se apresentando, com alguns ficando para trás e invariavelmente submergindo na enxurrada de novos escritos e novas publicações. Essa é a maldição dos "drogados na escrita", como eu sou, para deleite de alguns e desprazer de outros, como podem ser os frustrados leitores que enviaram suas perguntas para o site de Mundorama, esperando receber prontas respostas que nunca chegaram. Pois vão chegar agora, pois, depois de postar novamente o meu artigo (na verdade, feito inicialmente em inglês um ano antes, ou seja, em 2010), publicado em português em Mundorama em 2011. Essa repostagem vai me permitir inclusive verificar se as ideias principais do meu artigo ainda mantêm a sua validade, ou se já soçobraram no dilúvio de novos desenvolvimentos nas relações internacionais, com novos líderes na China, na Europa, nas Américas, sobretudo nos EUA, onde um despreparado, ignorante e... (bem, deixa para lá...) presidente, está empenhado em destruir tudo aquilo que o seu país fez em favor de uma ordem econômica internacional desde Bretton Woods. Vou postar abaixo exatamente o que retirei de Mundorama, e ao final vou me dedicar a responder às perguntas de meus três leitores, aos quais apresento novamente minhas desculpas. O link para a publicação é este aqui: http://www.mundorama.net/?p=7197. Paulo Roberto de Almeida Brasília, 5 de março de 2019
A Guerra Fria Econômica: um cenário de transição?, por Paulo Roberto de Almeida
A Guerra Fria geopolítica está encerrada definitivamente, ao que parece. A despeito de tensões políticas “normais” e fricções comerciais entre as grandes potências, não existem mais concepções totalmente opostas sobre como organizar o mundo, economicamente ou politicamente. Ninguém mais está dizendo algo semelhante a “nós vamos enterrar vocês”, como ocorreu no passado com um líder soviético. Daniel Bell, recentemente falecido, já tinha antecipado, desde meados dos anos 1950, o “fim das ideologias”, julgamento de certa medida confirmado por Francis Fukuyama. Mas, no que depender de gente como Eric Hobsbawm, e de inocentes úteis desse tipo, as ideologias ainda têm um brilhante futuro pela frente…
O que estamos assistindo agora, na verdade, é uma Guerra Fria econômica, ou algo próximo disso. De fato, não parece haver nada capaz de provocar uma confrontação em grande escala entre as maiores potências. O que temos, na presente conjuntura, são fricções comerciais e desalinhamentos monetários, num cenário de ajustes pós-crise. Existem disputas políticas sobre como as políticas econômicas nacionais devem levar em consideração seus impactos sobre a situação econômica de outros países. Como Mark Twain poderia ter argumentado, os rumores sobre uma guerra cambial global são grandemente exagerados. É certo que ainda não superamos totalmente a presente crise financeira; mas ela é apenas uma, dentre muitas outras, que afetam mercados dinâmicos de forma recorrente desde o começo do capitalismo. Profetas da crise final do capitalismo e outros utopistas do gênero vão novamente se sentir frustrados dentro de alguns meses (sem reconhecer o fato, claro).
Existem muitas concepções errôneas sobre as origens e o desenvolvimento da crise atual, várias delas propagadas pelos mesmos utopistas conhecidos. Não é exatamente verdade que esta crise tenha sido provocada pela desregulação dos mercados financeiros, ainda que a regulação flexível, ou mal implementada, possa ter facilitado a expansão de várias bolhas nos mercados. O maior responsável pela bolha que provocou o desastre, porém, foram as baixas taxas de juros definidas pelos bancos centrais, a começar pelo Federal Reserve, durante um período muito longo. Da mesma maneira, mas talvez por meios e instrumentos um pouco diferentes, que os velhos Lords of Finance dos anos 1920 criaram as condições que levaram à crise de 1929 e à depressão dos anos 1930, pela sua ação ou inação, a presente crise é o resultado de políticas inadequadas dos novos Lords of Finance (ver o livro de Liaquat Ahamed, Lords of Finance: the Bankers who Broke the World; New York: Penguin, 2009.)
Tampouco é verdade que a crise atual, ou as crises – já que são várias, interconectadas – são suficientemente severas para justificar o programa, que muitos recomendam, de um novo Bretton Woods, ou seja, um redesenho completo das relações econômicas mundiais, com a restruturação das organizações existentes. Menções a uma nova arquitetura financeira internacional, ou mesmo de redistribuição do poder econômico mundial, estão em contradição com as realidades mais prosaicas dos nossos dias. Comentaristas superficiais gostam de recorrer a grandes analogias históricas – que em geral são falsas – para falar dos eventos correntes, mas o fato é que não estamos vivenciando nenhum grande ajuste posterior a alguma crise de proporções monumentais, como gostariam alguns. Vivemos, é certo, uma transição, mas não uma revolução, qualquer que seja o sentido que possamos dar a esses conceitos. Vejamos os precedentes.
Não estamos em face de um reordenamento radical e completo da ordem mundial, após algum evento cataclísmico, afetando todos e cada um dos grandes atores da cena internacional, ou mesmo regional. Não estamos em Vesfália, em 1648; não estamos em Viena em 1815; tampouco estamos em Paris ou Versalhes, em 1919, sequer em Bretton Woods em 1944, e muito menos em São Francisco, em 1945. Definitivamente, não estamos em nenhum momento de refundação fundamental da ordem política e econômica internacional. Simplesmente estamos, atualmente, no meio de algo semelhante aos anos 1930, tentando administrar uma grande crise por meio de respostas nacionais, cada uma delas adaptada a circunstâncias específicas de cada país, e desvinculada dos maiores desastres afetando os demais e cada um dos países envolvidos no processo.
Para ser mais preciso, estamos em algum ponto entre 1931 e 1933, ainda no meio de uma recessão, mas não numa depressão. O nível de desemprego não é tão alto quanto em 1933, e está provavelmente alinhado com os padrões dos nossos dias. Os fluxos comerciais e financeiros não foram tão desestruturados quanto nos anos 1930, ainda que a liberalização econômica tenha regredido: apenas revertemos a uma versão light do protecionismo comercial dos velhos tempos, mas sem cotas ou restrições quantitativas ao velho estilo.
Esta nova Guerra Fria Econômica emerge a partir de mudanças estruturais na economia mundial, já em curso desde os anos 1980, quando a China começou a flexionar os seus músculos novamente. Ao mesmo tempo, os países em desenvolvimento deixaram de implementar projetos nacionais, introvertidos, de desenvolvimento nacional e abriram-se aos investimentos estrangeiros. Desde então, o a economia mundial foi transformada irreversivelmente, embora gradualmente.
Mas nem tudo, obviamente, mudou. As principais instituições de tomada de decisões ainda continuam a ser o que sempre foram, com a mesma distribuição dos direitos de voto. O FMI e o Banco Mundial estão no meio de seus labores para definir uma nova repartição de votos, tendo já operado algumas acomodações. Os votos coletivos da China, da Índia e do Brasil é 20% menor do que os da Bélgica, dos Países Baixos e da Itália, a despeito do fato que o PIB conjunto do primeiros países é quatro vezes maior do que aquele de seus contrapartes europeus; eles têm uma população 29 vezes maior. Estas são algumas das razões para uma nova Guerra Fria econômica.
Como administrar estas novas realidades no terreno econômico, dispondo das mesmas alavancas políticas e das mesmas velhas estruturas de tomada de decisão como nos processos do passado? Esta é uma questão complicada, sem uma resposta clara ao dilema. Administrar a economia mundial é uma pretensão que mesmo o velho G7 nunca conseguiu alcançar nos seus tempos gloriosos. Os países desenvolvidos controlavam então uma grande proporção do PIB mundial e dos fluxos comerciais e financeiros. Mas eles nunca foram capazes de coordenar suas políticas macroeconômicas entre eles mesmos; menos ainda se poderia esperar que eles estabelecessem regras e metas para o resto do mundo.
Atualmente, com uma penosa queda nas economias avançadas, parece difícil visualizar o que poderia ser feito para restaurar o crescimento a partir de níveis próximos da estagnação em várias economias europeias. Além dos problemas cíclicos afetando as grandes economias (com as exceções da China, da Índia e de alguns outros países), existem vários desafios globais à frente, entre eles o da pobreza nos países menos avançados, e grandes decisões a serem tomadas em relação a questões ambientais, a violações dos direitos humanos em países não democráticos, e vários outros temas relevantes.
Uma estratégia singular poderia ser a definição de apenas uma grande meta global para a comunidade mundial: teria de ser a promoção do desenvolvimento global, não exatamente através da assistência (ou a tradicional Ajuda Oficial ao Desenvolvimento), mas prioritariamente através de uma real liberalização comercial, especialmente no setor agrícola, a única possibilidade efetiva para que os países menos avançados possam ser integrados à economia mundial. Os Estados Unidos e a União Europeia possuem, evidentemente, a maior responsabilidade nesse terreno.
É altamente improvável que propostas consensuais relativas ao desenvolvimento global possam emergir de um fórum tão amplo quanto o G20 financeiro, muito heterogêneo para ser capaz de alcançar posições comuns. Talvez fosse mais indicado lograr uma evolução informal do atual G8 para um novo G13, interrompendo o ciclo do atual G20 (o que talvez já seja difícil de se obter). Isso representaria agregar aos atuais membros do G8 outras cinco grandes economias, nomeadamente Brasil, China, Índia, África do Sul, e ou Indonésia ou México. A experiência demonstra que pequenos grupos informais estão mais próximos de se entenderam sobre ações concretas do que grandes órgãos institucionalizados que acabam dominados pela lerdeza burocrática e desentendimentos políticos.
Novas Perspectivas?
O que deve ser feito? O maior problema nessa modalidade organizacional de se ter um G20 diminuído seria o de como adquirir a legitimidade implícita ao ato de falar para toda a comunidade mundial partindo de um fórum de apenas 13 países. Para resolver essa limitação se necessitaria de um grau de confiança política entre os líderes desses 13 países, definindo um terreno de entendimentos recíprocos entre eles que teria de ser compatível com a função de representação mais ampla que eles pretenderiam assumir em nome de toda a comunidade de nações.
Encontrar terrenos comuns é uma tarefa dura de ser alcançada no estado atual das relações internacionais, caracterizada, como já se sublinhou, por uma guerra fria econômica típica das fases de transição. Parece ser bastante difícil de se lograr uma coordenação perfeita das agendas dos grandes países avançados e das economias emergentes e, mais ainda, entre eles todos e os demais membros das organizações internacionais que eles pretenderiam “substituir”. O mundo não é, simplesmente, tão globalizado como se requereria para alcançar esse tipo de interação. Disparidades de interesses, diferenças entre níveis de desenvolvimento, desequilíbrios entre os países, vários fatores se combinam para tornar praticamente impossível um exercício de coordenação desse tipo.
Uma proposta mais modesta poderia ser se obter uma interação mais frequente – uma vez ao ano – entre os líderes desse novo G13. Sherpas especialmente designados, encontrando-se duas vezes ao ano, poderiam ser mobiliados para discutir questões comerciais, assuntos ambientais, a proteção dos direitos humanos em países apresentando conflitos, missões de peace-keeping das Nações Unidas e outros temas do gênero, dotados de mandatos específicos de seus líderes políticos. Mas não se deve esperar pela ONU para organizar esse tipo de agenda. Já é difícil implementar qualquer coisa através da ONU, um órgão muito burocrático e passavelmente caótico. Melhor realizar a coordenação de agendas através das três mais importantes agências para a globalização contemporânea: o FMI, o Banco Mundial e a OMC.
A tarefa principal dos “novos sherpas” seria a de assegurar a coordenação econômica internacional em torno dos temas mais relevantes para a comunidade global. Uma sugestão possível seria tentar estabelecer um “global new deal”, um novo pacto mundial, intercambiando uma proteção extensiva aos investimentos e à riqueza proprietária (patentes e coisas do gênero), assim como outras condições apropriadas para o desenvolvimento da atividade produtiva no plano microeconômico, do lado dos países em desenvolvimento (ou recebedores de IDE), contra práticas de licenciamento extensivo e investimentos efetivos e liberalização comercial da parte dos países ricos e dos investidores privados. Esse tipo de pacto, ao ampliar os direitos proprietários para os ricos, poderia resultar no fortalecimento dos fluxos de investimentos financeiros e de comércio para os pobres, dando um grande impulso à globalização.
A assistência tradicional ao desenvolvimento, por ineficiente, deveria ser substituída, essencialmente, por um novo foco nas melhorias educacionais graduais, ou seja, um extenso programa para a qualificação de recursos humanos. A assistência, enquanto tal, deveria ser as limitada à implementação de um programa consistente de erradicação da maior parte das doenças infecciosas nos países africanos e em vários outras nações em desenvolvimento. A maior razão para a persistência da pobreza nesses países não é exatamente a falta de recursos, mas a ausência de governança e sua não-integração à economia mundial através de vínculos comerciais.
Considerando que questões de governança democrática e de proteção dos direitos humanos podem ser um desafio para países como a China, ou mesmo, talvez, para a Rússia, o alvo principal da agenda de um novo G13 poderia ser a adoção de altos padrões de governança pública na acepção técnica desta expressão. Na atual fase de guerra fria econômica pode ser precoce a tentativa de se fazer da governança democrática e do respeito pelos direitos humanos o critério decisivo para a cooperação bilateral ou multilateral. Mas estes devem ser os fins últimos de qualquer tipo governança global. Em última instância, a agenda de Fukuyama permanece atual e absolutamente necessária. Remeto, a propósito, ao meu artigo: “O Fim da História, de Fukuyama, vinte anos depois: o que ficou?” (Meridiano 47, n. 114, janeiro 2010, p. 8-17; link: http://meridiano47.files.wordpress.com/2010/05/v11n1a03.pdf). Esse programa não tem nada a ver com o fim da história, e sim com o fim dos regimes autoritários e fechados economicamente. Se existe algum determinismo na História, este parece ser o único aceitável.
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); diplomata de carreira do serviço exterior brasileiro desde 1977; professor de Economia Política Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasilia – Uniceub; autor de diversos livros de história diplomática e de relações internacionais (www.pralmeida.org – pralmeida@mac.com).
Gostaria de um esclarecimento do professor Paulo Roberto, se possível.
O senhor é partidário da tese do fim das ideologias?
Abraços.
A minha e a sua adesão ao programa de Fukuyama mostra muito sobre nós ocidentais, e nossa obliteração do ego…
Nobre Prof. Paulo
Sem intenção de mudar o foco do seu artigo, e já mudando, gostaria de saber qual o seu fundamento de rotular o Prof. Eric Hobsbawm de “inocente útil”, apenas porque postula as ideologias como eternas ??
Claro está que conhecendo seu talento como eu conheço, atrevo-me a pedir um artigo de sua pena sobre o assunto.
As Ideologias ainda são necessárias “para viver” ?
Senna Madureira
Minhas respostas aos perguntadores: 1) Alex Neves: PRA: Não, não sou partidário da tese sobre o fim das ideologias, formulado em primeiro lugar pelo ex-trotsquista Daniel Bell, em meados dos anos 1950, inclusive porque aderir a uma tal "tese" – se ela merece essa classificação – seria negar o mundo como ele é, com comunidades inteiras, ou pensadores individuais, criando continuamente religiões e crenças políticas. Ideologias sempre vão existir, sobretudo uma que afirma que se pode fazer alguma coisa, qualquer coisa (política externa, por exemplo, ou comércio exterior) "sem ideologia". Os que assim afirmam – lembra alguma coisa ultimamente? – professam eles mesmos pelo menos uma ideologia, a do fim das ideologias, o que já torna ridícula tal postura. Na verdade, Daniel Bell não tinha a intenção de opor-se a todas as ideologias; ele pretendia apenas afirmar (ou acreditar) que, depois de duas mortíferas guerras, nascidas em tempos diversos do nacionalismo extremado, do imperialismo mais despudorado, do hegemonismo tradicional de grandes potências arrogantes e de ilusões tendentes a fazer crer que, na era da grande indústria, seria possível ter guerras curtas e decisivas. Com a arma nuclear talvez, mas as guerras foram travadas justamente no conceito anterior: de mobilização total, com base em recursos, provisões, ferramentas e táticas bastante semelhantes umas às outras, antes que o instrumento nuclear viesse perturbar os cálculos estratégicos dos generais. Daniel apenas acreditava que, depois de ideologias mortíferas, como foram, no século XX, os totalitarismos radicais – o fascismo italiano, o nazismo-hitlerismo alemão e o comunismo-bolchevismo-stalinismo da experiência soviética, sem esquecer o militarismo japonês, muito próximo do fascismo –, a humanidade estaria pronta para se livrar dessas pestes mortíferas, que não foram simples "doenças de pele", mas penetraram fundo na psicologia nacional, nos comportamentos sociais, nas posturas culturais, e que também influenciaram políticas econômicas e, mais importante, determinaram aventuras militares com ou sem estratégia. Acredito que as ideologias vão continuar, como demonstrado mais recentemente, pelo chamado jihadismo, pelo trumpismo, e por novas vertentes da velha direita, sem que se possa afirmar que a esquerda já esgotou suas possibilidades de renovação. Esta última já está em baixa, mas eu não descarto um revival da esquerda, como sempre aparece, disfarçada de qualquer outra coisa (já tivemos o ecologismo anticapitalista). 2) Bruno: PRA: Não se tratou propriamente de uma pergunta, mas de uma confirmação de um possível acordo (se interpreto bem) com meus argumentos, e uma espécie de lamentação sobre nosso ego ocidental. Confesso que não sei como reagir, pois não posso me impedir de ser um ocidental, e de valorizar tudo o que o Ocidente fez de bem e de bom, em benefício da humanidade, e tampouco posso me impedir de ter ego, o que é uma postura bastante normal entre nós, humanos. 3) Senna Madureira: PRA: Caro e nobre amigo Senna Madureira. Desculpe-me se você admira o Eric Hobsbawm, certamente um dos maiores e mais importantes historiadores do século XX (e XXI), recentemente desaparecido, e fonte de conhecimento (e de formação de opiniões) para milhões de estudantes e leitores all over the world, durante mais de meio século. Reconheço a importância de Hobsbawm, como pesquisador histórico e como vulgarizador do conhecimento histórico, mas sou suficientemente informado (e treinado) no marxismo e no socialismo, no materialismo histórico, e sobre o próprio Hobsbawm, para também considerá-lo um ideólogo, defensor do socialismo, contra o capitalismo, que ele julgava injusto, criador de desigualdades, animado por desejos perversos de exploração dos trabalhadores em benefício de uma burguesia vil. Acho, sim, que as ideologias são inevitáveis, incontornáveis e até necessárias, uma vez que o homem não pode evitar ter de sonhar com o futuro, de interrogar-se sobre o passado e de tentar moldar não apenas o conhecimento sobre a flecha do tempo, mas igualmente a trajetória dos desenvolvimentos econômicos, políticos e sociais (até individuais), nos anos à frente. Eu mesmo, por exemplo, por mais objetivo que eu pretendo ser, pratica a ideologia do autodidatismo, pois tendo a acreditar que posso aprender tudo sozinho, apenas lendo meus livros e observando o mundo. Não é assim, claro, pois por mais "independentes" que acreditamos ser, somos sempre prisioneiros de algum ideólogo do passado ou do presente. Não vou mais desenvolver esse argumento, pois precisamos marcar um encontro, com um bom vinho, para discutirmos sobre coisas mais agradáveis, justamente. O grande abraço a todos os meus três leitores, na verdade perguntadores (pois imagino que os leitores tenham sido pelo menos o dobro desse número), e prometo prestar atenção ao que vem abaixo de meus artigos, da próxima vez. Paulo Roberto de Almeida Brasília, 5 de março de 2019
O BNDES (Banco de Desenvolvimento Econômico e Social) tem R$ 2,3 bilhões de dívidas atrasadas para receber de Cuba, Venezuela e Moçambique.
De acordo com o jornal Estado de S.Paulo, o risco de os países não pagarem as dívidas fez com que o banco estatal registrasse perdas de R$ 4,4 bilhões no balanço financeiro de 2018, divulgado na última semana. Caso os países não honrem o pagamento, a União terá de cobrir o calote.
Parte inferior do formulário
Os empréstimos foram feitos durante as gestões petistas no Executivo. Os governos dos ex-presidentes petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff fomentaram os financiamentos do banco em obras no exterior.
Esses financiamentos do BNDES no exterior são cobertos pelo Tesouro Nacional por meio do FGE (Fundo de Garantia à Exportação). O atraso no pagamento das dívidas desses 3 países já resultou em uma indenização de R$ 1,3 bilhão para o BNDES. O Orçamento de 2019 estima R$ 1,5 bilhão de despesas do FGE.
CPI DO BNDES
Em fevereiro de 2019, a Câmara dos Deputados criou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar irregularidades em contratos executados entre os anos de 2003 e 2005 pelo banco brasileiro.
Minha palestra na UERJ consistiu numa breve introdução, e depois passei a responder a muitas perguntas encaminhadas por escrito à mesa, e depois mais algumas orais, durante duas horas.
Agradeço ao Prof. Hugo Rogelio Suppo o convite, inclusive o bom almoço que partilhamos no restaurante do Clube Militar, na Urca, depois de assistirmos conjuntamente à cerimônia de transmissão de posse do comandante Décio Schons ao seu sucessor na ESG, Almirante Alípio Jorge Rodrigues da Silva.
Este o convite original para a palestra, elaborado pela UERJ:
Aqui os slides que eu teria mostrado, se houvesse aparelho de projeção:
Estou com todas as perguntas formuladas por escrito e vou ver o que deixei de responder...
Paulo Roberto de Almeida
GENEBRA - O governo brasileiro se apressou em enviar uma resposta ao relator das Nações Unidas, Fabian Salviolli, depois que o especialista havia chamado de “imoral” a comemoração do Golpe de 1964 e solicitado que o plano fosse anulado.
Dentro da ONU, foi a agressividade e o alerta lançados pelo governo brasileiro em uma carta confidencial que chamaram a atenção. O texto foi interpretado como um sinal claro de que o Itamaraty não aceitará a pressão internacional em assuntos considerados como domésticos.
Dois dias antes da data de 31 de março, o relator havia enviado um comunicado público sobre o assunto. Um dia antes, uma carta foi direcionada ao governo para solicitar que fosse abandonada a ideia de se comemorar a data, como havia solicitado o presidente Jair Bolsonaro.
O governo não apenas o ignorou como, no domingo, os canais oficiais do Planalto divulgaram um vídeo. O relator afirmou ao blog que o gesto era “inaceitável”.
Uma semana depois, a resposta já foi dada. Nela, o governo brasileiro é contundente: não houve golpe de estado em 31 de março de 1964 e o que ocorreu foi "legítimo". Dentro da entidade, o conteúdo da resposta foi recebido com constrangimento e, mesmo entre os diplomatas brasileiros, a versão entregue foi considerada como “chocante” pela maneira ofensiva.
Num dos trechos, a carta chega a falar em "repúdio", termo considerado como dos mais fortes na diplomacia.
A resposta apontou que o presidente está “convencido” de que é necessário “colocar em perspectiva” a data de 1964 e que quer um “debate público” sobre os fatos. A comemoração sugerida para o domingo passado, portanto, ocorreu respeitando a Constituição.
"O presidente reafirmou em várias ocasiões que não houve um golpe de Estado, mas um movimento político legítimo”, diz a carta, que ainda cita o apoio do Congresso e do Judiciário aos fatos em 1964. Segundo o governo, houve ainda o apoio da maioria da população na tomada de poder.
Nenhuma referência, porém, é feita às vítimas e a carta denomina os movimentos de esquerda no Brasil de “terroristas”. O texto ainda insiste que foram os militares que conseguiram evitar o comunismo no país.
Mas foi a forma pela qual o governo se direcionou ao relator que, internamente, causou espanto. Na carta, o Itamaraty diz que os comentários de Salviolli não teriam fundamentos. Além disso, manda um recado: a de que não cabe à ONU entrar em assuntos internos dessa natureza.
Para o Brasil, o relator "deve respeitar os processos nacionais e procedimentos internos”.
Ao blog, Salviolli insiste que a comemoração é uma violação das obrigações internacionais do governo.
Também chamou a atenção do escritório da ONU o fato de o Itamaraty "personificar" a decisão da comemoração em Bolsonaro. Ao longo do texto, a carta insiste em falar das decisões e visões do presidente, evitando apresentar o caso como uma visão do estado brasileiro.
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Minha opinião sobre essa questão (PRA): A melhor coisa que os militares brasileiros deveriam fazer, seria negar essa tentativa idiota de recusar a história, ou de mentir sobre a história, como pretendem fazer bolsonetes e olavetes. Isso retiraria sua credibilidade duramente construída ao longo dos 30 anos decorridos desde a redemocratização, quando eles se tornaram a força mais democrática e mais preparada de que pode dispor o Brasil para a sua reconstrução depois de três décadas de social democracia e lulopetismo esquizofrênico. Os militares deveriam declarar: SIM, DEMOS UM GOLPE em 1964, a pedido da sociedade, que não aguentava mais o caos do governo Goulart. Nossa ação correspondeu a desejo da sociedade, num momento de grave crise política no país, por irresponsabilidade dos políticos. SIM, IMPLANTAMOS UMA DITADURA, que foi uma "ditabranda" no começo, e só se tornou uma ditadura de fato quando a esquerda armada começou a se lançar à conquista do poder político, para implantar uma ditadura de verdade, comunista. Nunca permitiríamos essa catástrofe. NÃO TEMOS POR QUE NOS ENVERGONHAR, nem do golpe, nem da ditadura, pois não era possível determinar o curso da história em todas as suas fases. Tanpouco foi possível controlar todos os nossos agentes da repressão, alguns torturadores e assassinos, cobertos por líderes que preferiram, infelizmente, recorrer à eliminação física de adversários, em lugar de manter o Estado de Direito. Foi sim, vergonhoso, e nos desculpamos com as vítimas.
Tudo isso passou, e não queremos agora SER CONIVENTES com a MISTIFICAÇÃO da história, e essa tentativa RIDÍCULA de negar o golpe e a ditadura. Paulo Roberto de Almeida Brasília, 5 de março de 2019