O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Miséria de uma política externa que não existe - Paulo Roberto de Almeida


Miséria da diplomacia:
algumas notas sintéticas sobre uma política externa que não existe

Paulo Roberto de Almeida

O que sobretudo envergonha a diplomacia profissional brasileira é a profunda ignorância demonstrada pelo PR quanto a regras mínimas de cortesia nas relações diplomáticas bilaterais.  Cabe fazer a defesa do Itamaraty e das boas relações Argentina-Brasil, em nome do puro interesse nacional.
Ao lado da profunda ignorância do PR em temas diplomáticos, pontifica uma tropa de aspones ignaros em relações internacionais, a começar pelo inepto guru expatriado, rebaixando a imagem do Brasil no contexto internacional. O Brasil está isolado na região e no plano mundial.
Os “padrões” seguidos pela atual diplomacia são todos negativos e irracionais: antimultilateralismo, antiglobalismo, antilaicismo. Seu adesismo subserviente aos EUA, a Trump em particular, é especialmente vergonhoso para a diplomacia profissional. Nunca antes... 
Falar de política externa ou de diplomacia, no caso do atual governo, parece uma contradictio in adjecto, uma contradição nos termos, pois não temos, até aqui, uma exposição clara sobre uma ou outra. Navegamos na mais completa escuridão, sem mapa e sem bússola.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de dezembro de 2019

Voltou o Rasputin da esquerda, o Richelieu do lulopetismo: Zé Dirceu em pessoa (Metrópoles)

A direita já tem o seu Rasputin, como sabemos, e ele se expatriou nos EUA, mas continua financiado pela sua clientela brasileira. Agora volta o Rasputin de esquerda, o homem que foi treinado pela Inteligência castrista para fazer exatamente o que ele fez: organizar a rapina lulista e o aparelhamento das instituições.
Ele acha que a coalizão política atual é apoiada pelo "capital financeiro".
De capital financeiro, o Richelieu do lulopetismo entende: foi ele quem organizou o submundo dos crimes financeiros que carrearam milhões, talvez bilhões de dólares para os companheiros.
Ele também acha que a esquerda vai voltar, nos braços do povo, com Lula à frente.
Também acho que Lula pode voltar, mas isso não depende do povo. Quem pode garantir essa volta é o próprio homem que hoje ocupa o poder. São dois irmão siameses, que se alimentam no seu ódio contraditório mas reciprocamente dependentes um do outro. Se não fosse exagerar, diria que eles se amam, pois são o espelho um do outro. José Dirceu talvez deva se ocupar só do dinheiro...
Paulo Roberto de Almeida

Extrema-direita e elite empresarial se unem sob tutela militar

Coalizão que elegeu Tancredo e sobreviveu até FHC não existe mais. Foi trocada por união de Bolsonaro, Moro, Lava Jato e capital financeiro

José Dirceu
Metrópoles, 10/12/2019

Vivemos um novo ciclo político, podemos mesmo afirmar um novo período histórico: a coalizão de centro-direita, a Aliança Democrática – que elegeu Tancredo, governou o país, sobreviveu a Collor, reorganizada depois sob a hegemonia do PSDB nas vitórias e nos governos FHC –, não existe mais.
Ela foi derrotada quatro vezes pelo PT, apoiado e aliado aos partidos de esquerda, no sentido amplo, e na eleição e na reeleição de Dilma ao PMDB, força política hegemônica no governo Sarney e parceira também de FHC.
Essa coalizão de centro-direita não existe mais, foi substituída pela aliança entre Bolsonaro, representando a extrema-direita, Moro e a Lava Jato, Guedes e o capital financeiro bancário, sob tutela e vigilância dos militares. Não vê quem não quer.
Mais do que uma coalizão eleitoral ou de governo, representa uma aliança da nova força que emerge no país, o conservadorismo fundamentalista com as forças tradicionais e modernas das elites empresariais e de classe média brasileiras, já que o PSDB perdeu seu eleitorado para o PSL e o bolsonarismo.
Bolsonaro e o conservadorismo, aliado ao fundamentalismo religioso, apesar de ser a principal força social e eleitoral, representam uma ruptura histórica com a forma da hegemonia burguesa e das elites, daí a total concordância de todas forças políticas e sociais que apoiam Bolsonaro com o programa ultraliberal de Guedes, mas com dissensão praticamente em todos os demais temas, seja a política externa e o alinhamento total com Trump, o meio ambiente, a cultura, as terras e os indígenas, a escola sem partido, as mulheres, LGBTs e uma política de segurança que reprime e tem licença para matar nas periferias uma juventude em sua maioria desempregada e negra. Setores do chamado centrão e a oposição liberal, seja no parlamento ou em parte importante da mídia, se opõem abertamente à agenda de costumes do presidente, e no Congresso, no Judiciário, no STF, o governo soma derrotas. Mas atenção: não em seu programa econômico.
A questão principal é que essa aliança agora hegemônica conta com apoio não só eleitoral, mas inclusive social, para levar adiante seu programa ultraliberal mesmo por meios autoritários, como tem ameaçado e encontrado resistência não apenas na esquerda, mas no centro, no STF e em parte da mídia.
As esquerdas e os democratas, começando pelo PT – o maior partido não só em termos eleitorais –, primeiro precisam concordar que vivemos um risco real do autoritarismo e do militarismo, de desmonte do Estado Nacional e de uma regressão social e cultural, dada a ameaça real do conservadorismo religioso.
Assim, a questão democrática está colocada na ordem do dia, mas não há como desligá-la da questão social e nacional. Outro desafio é o apoio popular organizado e mobilizado a uma agenda de reformas estruturais e saber quais são essas mudanças, onde seguramente não haverá acordo com todas as forças políticas e sociais de oposição liberal ao projeto de país da coalizão de direita que hoje nos governa.
O desafio não é apenas eleitoral, a extrema-direita e o conservadorismo disputam conosco a hegemonia na sociedade em geral, daí o ataque total à educação, às universidades, à cultura e mesmo à parte da mídia, para controlar a formação e informação educacional e cultural, hegemonizar a sociedade brasileira e moldar nosso povo à ideologia de extrema-direita, sem limites, com tentativas de censura, ameaças reais de repressão e a real captura do Coaf [hoje Unidade de Inteligência Financeira do Banco Central], da Receita Federal, da Polícia Federal e do Ministério Publico. Hoje, isso é uma realidade.
Não bastam, portanto, candidaturas – e elas existem e são legítimas – como a de Lula e Ciro. As esquerdas e os democratas precisam de povo organizado e na luta, precisam que partidos alinhados com esse objetivo principal e com base no acúmulo histórico de lutas e da experiência de quatro governos construam um programa de reformas estruturais para o nosso povo e o Brasil.
Não nos iludamos, as pesquisas recentes revelam a realidade, onde a direita tem mais de uma opção, além de Bolsonaro: tem Moro, e ela não é única; o centrão e o chamado centro democrático são também alternativas a Bolsonaro, digamos assim, e contra seus “excessos”, pois concordam no principal, que é manter a histórica atual ordem econômica e social, iníqua, desigual, intolerável – como as revoltas no Equador, Chile e na Colômbia provam.
Mas tenhamos esperanças, as pesquisas também revelam que as esquerdas são uma alternativa, mas não sem Lula e o PT.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou finalmente pronto, ou seja, terminei sua revisão, e encontra-se livremente disponível, formatado num arquivo pdf, assim que todos podem acessá-lo numa destas duas plataformas. 
Mais abaixo disponibilizo o índice e o prefácio. 

Marxismo e socialismo no Brasil e no mundo
Trajetória de duas parábolas da era contemporânea

Paulo Roberto de Almeida

Índice

Minhas relações com o marxismo e o socialismo: à guisa de prefácio 

1. A parábola do marxismo em perspectiva histórica  
1.1. Ascensão e declínio de uma ideia  
1.2. A “acumulação primitiva” da economia planejada  
1.3. O marxismo enquanto “concepção burguesa” da História   
1.4. Desventuras da dialética na periferia capitalista 
1.5. O marxismo como doutrina da globalização capitalista 
1.6. A astúcia da razão e as surpresas da História  

2. A ideia de revolução burguesa no marxismo brasileiro  
2.1. Itinerário teórico-prático da revolução burguesa no Brasil
2.2. Demiurgos e epígonos: os grandes mestres do marxismo brasileiro 
2.3. Caio Prado Jr. e o capitalismo incompleto no Brasil 
2.4. Werneck Sodré e a trajetória da revolução nacional democrática 
2.5. Florestan Fernandes e a revolução burguesa na periferia 
2.6. Os intelectuais marxistas e a revolução burguesa no Brasil 
Orientações de leitura   

3. Agonia e queda do socialismo real      
3.1. O exterminador de futuros  
3.2. Qual é a maior “invenção” da humanidade? 
3.3. Uma contradição insanável     
3.4. O socialismo é contra o mercado? 
3.5. Um modo de produção “inventivo”? 
3.6. O fim do socialismo e o laboratório da história

4. O modo repetitivo de produção do marxismo vulgar no Brasil
4.1. Uma falácia persistente: a deformação do marxismo nas academias 
4.2. Marxistas e “marquissistas”: duas espécies, de duas classes diferentes   
4.3. As forças produtivas do modo repetitivo   
4.4. As relações de produção do modo repetitivo   
4.5. As contradições insanáveis  
Referências bibliográficas   

5. O Fim da História, de Fukuyama: o que ficou?
5.1. O que restou, finalmente, da tese controversa de Fukuyama?  
5.2. O que Fukuyama de fato escreveu?  
5.3. Fukuyama tinha razão? 
5.4. Do fim da História ao fim da Geografia 
5.5. Existem opções aos órfãos do socialismo? 

6. Os mitos da utopia marxista   
1. O que é uma utopia e como o marxismo se encaixa no molde? 
2. Utopia marxista e falácias acadêmicas: qual sua importância relativa? 
3. Quais são os mitos da utopia marxista?  
4. As falácias econômicas do marxismo  

7. O fracasso do marxismo teórico e do socialismo prático 
7.1. Cercando o “animal” e mostrando a arma 
7.2. Sete anos que mudaram o mundo   
7.3. Resistível reação à decadência irresistível do socialismo  
7.4. A seleção natural das espécies mais resistentes  

8. A cultura da esquerda: sete pecados dialéticos  
8.1. Antimercado   
8.2. Igualitarismo 
8.3. A esquerda é contra a democracia formal 
8.4. A esquerda é estatizante 
8.5. A esquerda é anti-individualista 
8.6. A esquerda é populista e popularesca 
8.7. A esquerda é voluntarista e antirracionalista  

9. Sobre a responsabilidade dos intelectuais 
9.1. Uma visita rápida a Norberto Bobbio   
9.2. Desvios cristãos e marxistas: similares, semelhantes, comparáveis?  
9.3. O que Marx tem a ver com o socialismo do século XX?  
9.4. O que fez Lênin para aplicar as ideias de Marx, e as suas próprias... 
9.5. O que isso tem a ver com a responsabilidade dos intelectuais? 

10. Pode uma pessoa inteligente pretender-se comunista, hoje em dia?  
10.1. Uma tradição passadista que não passa 
10.2. Um exemplo, entre outros, da crença persistente: Antônio Cândido  
10.3. Comunismo: apenas um sistema de crenças, sem consistência real 

Apêndices:
Notas sobre os originais dos ensaios coletados   
Breve nota biográfica: Paulo Roberto de Almeida 

Livros e trabalhos de Paulo Roberto de Almeida 



Minhas relações com o marxismo e o socialismo
À guisa de prefácio

Este livro – na verdade, uma coletânea de ensaios escritos em diferentes etapas dos últimos vinte anos – tem um modesto predecessor, publicado justamente mais de vinte anos atrás: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999). Era um pequeno volume, de menos de cem páginas, cuja peça de maior importância consistia numa releitura do Manifesto original de Marx e Engels, de 1848, revisto, reescrito, corrigido, adaptado para as novas condições do capitalismo global, um século e meio depois que os dois jovens revolucionários alemães atendiam ao convite de uma liga de operários alemães, emigrados na Inglaterra vitoriana, para redigir o documento fundador de um novo partido socialista. O panfleto  passou quase despercebido, mas foi traduzido paulatinamente em outras línguas europeias, antes de iniciar uma carreira de estrondoso sucesso mundial no decorrer do século XX, desempenho glorioso que provavelmente não se repetirá neste século.
A razão pela qual decidi redigir um Manifesto Comunista alternativo deveu-se a convite recebido de colega acadêmico para colaborar com um novo periódico de ciência política – que já nem existe mais –, justamente no ano em que o velho Manifesto completava 150 anos de vida, e as editoras lançavam reedições daquele texto caído no domínio público. Os marxistas realmente existentes no Brasil se dedicavam, de seu lado, a cantar loas ao panfleto “gótico”, concordando com sua atualidade e utilidade reafirmada, um século e meio depois de um obscuro lançamento em Londres. Decidi fazer diferente, consoante meu espírito sempre contrarianista: tendo lido, relido e estudado o velho Manifesto desde minha precoce juventude marxista, resolvi reescrever aquela peça ultrapassada em sua forma e na sua essência, para adaptá-lo a um fin-de-siècle decididamente pós-comunista. Afinal, a grande pátria do socialismo, a União Soviética, já tinha deixado de existir desde o início daquela década, e a outra promotora de suas recomendações, a China “socialista”, já tinha empreendido, desde a década anterior, uma vigorosa marcha em direção a uma economia de mercado, ainda que formalmente tutelada por um Partido Comunista que continua exercendo o poder em nome do proletariado e dos camponeses.
Eu mesmo, de um marxismo juvenil bem mais teórico do que prático, já tinha começado a evoluir para um socialismo nouvelle-manière desde minha partida para a Europa no início dos anos 1970, para um novo estágio de estudos universitários e de visitas aos socialismos realmente existentes, estabelecendo comparações com os capitalismos avançados e outros em diferentes estágios de desenvolvimento na periferia da economia global. Voltei da Europa sete anos depois, para iniciar uma carreira de burocrata estatal, na diplomacia profissional, com uma dedicação acadêmica invariavelmente mantida desde sempre. A combinação de atividades mantidas sucessivamente nos planos do setor privado, no mundo universitário e no serviço exterior do governo brasileiro, as duas últimas simultaneamente, me permitiu agregar a um conjunto de observações registradas naquelas muitas viagens e experiências de vida o estudo intensivo para a redação de uma tese de doutoramento, ao cabo da qual emergi com novas credenciais políticas e intelectuais. O marxismo acadêmico é inerente a qualquer estudioso ou praticante da sociologia, como é o universo conceitual no qual me desempenho. Mas, a capacidade de interpretar os novos dados da realidade econômica e política, no terreno mundial e no âmbito brasileiro, impõe a necessidade de elaborar novas explicações, e propor novas respostas, aos problemas permanentes do desenvolvimento de uma sociedade como a brasileira, que justamente combina velhos vícios de uma sociedade escravista-patrimonialista com novas deformações de um sistema político formalmente democrático, embora de muito baixa qualidade, contaminado pela promiscuidade de elites atrasadas com capitalistas protegidos e subvencionados, adeptos da corrupção em larga escala.
O livro de 1999 abria-se, portanto, pela reescritura do velho Manifesto, seguida por duas provocações que eu fazia a meus amigos e colegas acadêmicos ainda socialistas (mas de estilo vieille-manière), um dedicado aos elogios que Marx fez ao livre comércio, no seguimento da abolição das Corn-laws na Inglaterra, o outro ainda mais iconoclasta, encontrando méritos e virtudes na velha “exploração do homem pelo homem”. O volume engajava então uma discussão sobre a ascensão e queda do marxismo e do socialismo no decorrer do século XX, o único dos ensaios retomado nesta nova coletânea, ainda que revisto em questões de caráter tópico; ele finalizava pela reprodução do Manifesto original, para efeitos de comparação com minha versão contrarianista. Aquele primeiro experimento de revisão de um texto consagrado inaugurou, aliás, a minha série de “clássicos revisitados”, que continuou com Maquiavel (O Moderno Príncipe), com Tocqueville (duas vezes enviado ao Brasil e à América Latina, para examinar o frágil estado do regime democrático), Benjamin Constant (l’ancienne et la nouvelle diplomatie, sob o governo dos companheiros), Sun Tzu (A Arte da Guerra para diplomatas) e que ainda deve continuar com vários outros clássicos no pipeline.

Esta nova coletânea, com a repetição indicada de uma versão revista do capítulo sobre a parábola do marxismo em perspectiva histórica, reúne ensaios elaborados no decorrer dos vinte anos que se seguiram ao pequeno livro de 1999; estes novos escritos representam modalidades diversas de meu “ajuste de contas” com o marxismo e o socialismo, processo que já tinha sido iniciado nas três décadas anteriores, desde meu autoexílio na Europa e o contato direto com todos os socialismos realmente existentes no centro-leste europeu. Nunca houve a intenção deliberada de enfrentar os “demônios” da academia ou os desafios do debate público sobre a qualidade e o conteúdo específico das políticas econômicas aplicadas no Brasil desde a grande estabilização da segunda metade da última década do século XX, mas o fato é que os dez ensaios aqui coletados foram concebidos e elaborados como respostas a tomadas de posição por parte de acadêmicos da grande tribo marxista e socialista que ainda pontifica impavidamente em auditórios geralmente receptivos de estudantes de humanidades e ciências sociais, quando não em outras vertentes do ambiente universitário. Como membro de comitês editoriais de periódicos da área, ou na qualidade de colaborador de alguns veículos desse universo, sou frequentemente levado a ler, a comentar, a oferecer pareceres sobre essa produção engajada. 
Vários dos ensaios aqui reunidos, escolhidos entre dezenas de outros que pertencem à mesma família de “escritos de combate”, foram justamente publicados num típico pasquim da esquerda universitária, com o qual colaborei durante uma dezena de anos, sempre a contra corrente das tendências majoritárias (e recebendo críticas e contestações diretas a vários deles). Minha colaboração foi descontinuada sintomaticamente depois que sustentei uma discussão sobre a responsabilidade dos intelectuais nas grandes tragédias do socialismo totalitário, vindo ela finalmente a termo depois que eu questionei a inteligência daqueles que continuavam aderindo à liturgia comunista. Depois de minha proposta para um novo “manifesto comunista” adequado aos nossos tempos de globalização capitalista, um dos ensaios mais acerbamente criticados nesses meios foi exatamente aquele no qual eu tentava ajudar a esquerda a se liberar de “sete pecados dialéticos” que atrapalham o seu desenvolvimento mental. Mesmo pertencendo ao que eu chamei de “cultura da esquerda”, nunca abandonei a racionalidade econômica, e uma estrita adesão a valores e princípios democráticos, para seguir de forma quase religiosa essas crenças nascidas no século XIX – que acompanhei na fase juvenil – e que se prolongaram de forma irracional durante décadas de experimentos brutais de engenharia social e de desastres econômicos e humanitários.
Minha impressão, retirada desses embates e diatribes, é a de que esses acadêmicos sonhadores não tiveram, justamente, a mesma oportunidade que eu tive de conhecer diretamente os diversos socialismos reais que visitei ao longo das últimas décadas de sua existência, e que por isso mesmo continuavam mantendo um conhecimento apenas livresco sobre seus princípios de funcionamento. Raramente puderam perceber que, bem mais do que a miséria material de todos esses regimes – abastecimento precário, lacunas disseminadas no plano do bem-estar, ausência de progressos econômicos reais –, o que mais os caracterizava, de fato, era uma espécie de miséria moral, sustentada por um Estado policialesco, repressor, obscurantista, promotor da mediocridade burocrática e apoiada na violação sistemática de todas as liberdades democráticas que eles diziam defender num país pobre, corrupto e desigual como o Brasil. Sobre isso ainda agregavam a defesa de regimes estatizantes e de políticas econômicas que justamente tinham o objetivo de preservar privilégios corporativos e contribuiam para aprofundar as desigualdades sociais que pretendiam combater, numa inconsciência espantosa sobre os efeitos nefastos que essas orientações econômicas provocavam em termos de prosperidade e criação de riqueza.
Não foram poucas as vezes em que fui acusado de ser “neoliberal”, uma designação tão ridícula quanto totalmente desprovida de qualquer fundamento real. Mas essa é uma vertente que pertence mais ao terreno dos debates sobre políticas econômicas, e que escapa, portanto, ao universo estrito do “diálogo” – se ele existiu – em torno do marxismo e do socialismo, que constitui o núcleo da dezena de ensaios aqui oferecidos. Os interessados em conhecer a antologia de 1999, para efeitos de comparação com a atual, podem agora descarregar o arquivo livremente em Academia.edu, na seção de livros de minha página nessa plataforma de interação acadêmica. Vários outros artigos e ensaios nesse mesmo universo – que eu classificaria de contestação do “socialismo para os incautos”, ou de críticas aos defensores do “fetiche do Capital”, de Marx, obviamente – foram publicados em veículos diversos, e a maior parte pode ser consultada nessa minha página de divulgação aberta de meus escritos.
Objetivo diverso teve a reavaliação feita em torno dos argumentos defendidos por Francis Fukuyama, em seu famoso artigo sobre o “fim da História”, não exatamente para sustentar sua tese principal, e mais para debater a validade do posicionamento sobre a ausência de alternativas às democracias liberais de mercado, depois da derrocada dos sistemas socialistas e do início do processo de transição nos antigos países do sistema socialista. Minha opinião é a de que a tese de Fukuyama é válida em sua concepção geral, mas que os processos concretos de transição não obedecem a um padrão único de organização política, econômica e social, já que o processo histórico sempre se desenvolve por vias únicas e originais. O Brasil oferece justamente uma demonstração de como se pode avançar, ainda que lentamente, no caminho da modernidade superficial, mesmo preservando os vícios do velho patrimonialismo e do populismo renovado.

Esta antologia resume e expõe, portanto, minhas relações de afinidade e distanciamento em relação ao marxismo e ao socialismo, mas ela não tem o objetivo de supostamente me situar no campo de uma “direita conservadora”, que de toda forma não existe no Brasil, nem no plano teórico, nem no terreno da prática. Detesto rótulos redutores e simplificadores, preferido exercer meu direito ao ecletismo doutrinário e ao ceticismo sadio, e por isso mesmo estou sempre pronto a defender argumentos de estrita racionalidade econômica, na busca das melhores soluções aos angustiantes problemas do Brasil, que sempre estiveram no coração de minhas leituras, estudos, reflexões e escritos no último meio século pelo menos. A coletânea aqui realizada é uma pequena amostra dessas preocupações com a educação dos mais jovens, com base em meu conhecimento adquirido nos livros, na atenta observação da realidade, na experiência adquirida ao longo de uma dupla carreira extremamente absorvente, no exercício da diplomacia profissional e nas lides acadêmicas desempenhadas de modo voluntário.
Acredito que eu ainda tenho muito mais a oferecer no campo da divulgação de escritos produzidos no âmago ou à margem dessas duas atividades, no decorrer desse longo período de intensas atividades intelectuais, prometendo, portanto, compor novas seleções de trabalhos dotados de alguma resiliência expositiva ou interpretativa, em outros setores que não mais o debate histórico-político num pequeno círculo de iniciados no marxismo. A parábola descrita e analisada aqui está praticamente concluída. O que nos resta fazer, aliás desde a independência, é completar a missão de resgatar a nação de um passado de iniquidades e de subdesenvolvimento – não apenas material, mas sobretudo mental – e projetá-la numa trajetória de prosperidade e bem-estar, com base na educação, no conhecimento do itinerário de outros povos mais bem sucedidos do que o nosso, numa visão crítica do passado e apoiados em políticas inclusivas num ambiente de uma vibrante democracia de mercado.
Continuarei nessa missão...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, novembro de 2019

Acesso ao livro integral nas plataformas: 


O livro anterior, dentro da mesma temática: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (1999), também está livremente disponível neste link:  

Rubens Barbosa: pragmatismo com a Argentina (OESP)

EM QUESTÃO: MERCOSUL
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 10/12/2019

A discussão sobre o futuro do Mercosul tornou-se urgente. Não se trata de um debate no vácuo ou teórico. Há uma situação real que tem de ser examinada à luz dos interesses concretos do governo e do setor privado. 
Essa discussão tem necessariamente de levar em conta as recentes modificações políticas e econômicas resultantes das últimas eleições no Brasil, com tendência liberal na economia e a vitória da centro-esquerda na Argentina. O fim do isolamento do Mercosul, com a conclusão das negociações com a União Europeia (UE) e a EFTA, e mais as consequências de eventual redução da Tarifa Externa Comum (TEC), a ampliação da rede de acordos comerciais (inclusive um improvável acordo com os EUA) e a repercussão da crise ambiental na Amazônia sobre a ratificação do acordo com a UE e EFTA não podem ser descartados. Deve-se também ter presente as transformações globais que apontam para uma mudança do eixo econômico para a Ásia e a guerra comercial entre os EUA e a China.
        Nas últimas reuniões presidenciais do Mercosul, na Argentina, e na semana passada no Brasil, os governos tomaram a decisão de adotar medidas para fazer do Mercosul novamente um instrumento de abertura comercial, conforme previsto no Tratado de Assunção. As principais decisões tomadas pelos presidentes reforçaram o Mercosul e focalizaram as regras econômicas, o enxugamento das instituições e a facilitação do comércio. O Brasil apresentou estudo para permitir uma rebaixa da TEC média (hoje 14%) para níveis que sejam similares à média global, que, sem acordo, ficou de ser retomado no próximo ano com o novo governo de Buenos Aires.
A política econômica e comercial do novo governo argentino – antes mesmo de ser conhecida - passou a ser uma preocupação do governo brasileiro pela possibilidade de que medidas protecionistas de nossos “hermanos’’sejam contrárias às medidas de abertura da economia e à de ampliação da negociação externa do Mercosul.
Sem entrar no exame das consequências comerciais para o Brasil, a simples cogitação de mudanças profundas no funcionamento do Mercosul pareceriam desconhecer as regras incluídas no Tratado de Assunção, que criou o bloco regional, e em outros atos relevantes.
Modificações substantivas do funcionamento do Mercosul não entram em vigor imediatamente, nem podem ser tomadas unilateralmente por qualquer membro do bloco, sob pena de representar o descumprimento do Tratado de Assunção. Em termos concretos, essas modificações terão de ser aprovadas por todos os países membros, depois de ratificada a modificação do Tratado. A redução da TEC, se não aprovada por todos os países membros, e a entrada em vigor do acordo com a União Europeia na medida em que os Congressos do Mercosul o ratificarem poderão levantar dúvidas sobre a necessidade de modificar o Tratado para serem implementadas.
Torna-se, assim, difícil analisar o futuro do Mercosul levando em conta tantas e tão importantes variáveis políticas e econômico-comerciais. A vontade política que permitiu a criação e a evolução do subgrupo regional até aqui, deve prevalecer. É pouco provável – apesar da retórica em Brasília e Buenos Aires – que o processo de integração seja substancialmente alterado na direção contrária ao real interesse nacional, tanto do ponto de vista econômico-comercial, quanto de política externa.
O determinismo geográfico da vizinhança é um fator que o governo brasileiro terá de levar em conta acima das considerações ideológicas. Brasil e Argentina já passaram por crises sérias, superadas pelo pragmatismo e interesses concretos. No momento, não existe uma crise com a Argentina. Ocorrem diferenças ideológicas e provocações de ambos os lados, que não podem contaminar o relacionamento civilizado entre os dois países. A paciência estratégica pode ser o caminho. Os empresários,  daqui e de lá, estão preocupados com a escalada ideológica de lado a lado. A Fiesp emitiu nota em defesa do fortalecimento do Mercosul, ressaltando que os problemas de funcionamento do bloco devem ser superados de maneira consensual entre todos os países membros. A Argentina é o principal mercado brasileiro para produtos manufaturados e, portanto, o impacto sobre o setor industrial não pode ser ignorado, em especial o automobilístico e a linha branca. 
Os países membros do Mercosul deveriam é estar preocupados com o “day after” da entrada em vigor do Acordo Mercosul-União Europeia até fins de 2021. Sem reformas estruturais, como a trabalhista, a tributária, a do papel do Estado, e o implemento das medidas de facilitação e desburocratização com o objetivo de reduzir o custo Brasil (que representa 22% do PIB) para melhorar a competitividade, a simples redução das tarifas no mercado europeu não poderão ser aproveitadas pelas empresas nacionais. Sem avanços relevantes na inovação e na tecnologia, o setor industrial não terá como competir com empresas chinesas, coreanas, norte-americanas no mercado europeu. Sem o fortalecimento institucional do Mercosul será mais difícil enfrentar os desafios que o acordo colocará para o Brasil e demais membros do subgrupo.
Depois de conhecida a política econômica e a linha de atuação do governo de Alberto Fernandes, caberia uma atitude de moderação e de consultas bilaterais em nível técnico. A diplomacia parlamentar, recém-inaugurada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também poderia ajudar. Ao Brasil interessa uma Argentina que volte a crescer, estável política e economicamente. Parece improvável que Brasília possa adotar uma posição ideológica radical em relação ao Mercosul sem um amplo debate com a sociedade e dentro do Congresso Nacional. 
Como das vezes em que tensões entre os dois países foram superadas, o bom senso e o pragmatismo deveriam prevalecer e, assim, o Mercosul, sair fortalecido.
Ideologias não devem afetar o interesse nacional. Em primeiro lugar deveria estar o Brasil.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

Brasil Paralelo: minhas duas interações com os arautos da "nova direita" - Paulo Roberto de Almeida

No momento em que se anuncia que os vídeos do "Brasil Paralelo" passarão a estar disponíveis na TV Educativa, que pertence ao MEC (sendo portanto decisão de governo), alguns observadores registram que eu já "colaborei" com esse grupo de produtores de audiovisuais que se situam numa das vertentes ideológicas do atual governo, ou seja, na direita (qualquer que seja a compreensão que se tenha desse conceito).
Aproveito para esclarecer que não tenho nenhuma identidade política, filosófica ou ideológica com tal grupo, passando então a esclarecer sobre minhas duas únicas interações com o grupo, enfatizando que elas foram feitas inteiramente no mesmo espírito de abertura ao diálogo que mantenho com quaisquer forças políticas ou ideológicas, da extrema esquerda à extrema direita, ou até reacionárias (como é o caso dos principais arautos do governo atual).
Cabe, em primeiro lugar, ficar claro de que não tomei parte em NENHUMA produção do Brasil Paralelo. Fui solicitado, em outubro de 2016, por um amigo, a dar uma entrevista sobre o governo Lula – que havia acabado de acabar, com a consumação do impeachment em agosto daquele ano –, o que fiz, de boa vontade, sem sequer saber exatamente quem seria, quem estava atrás daquele grupo do RS que me pedia a entrevista sem me conhecer direito, e que se dispôs a vir voluntariamente de Porto Alegre a Brasília. Nunca me recusei a dar entrevistas para estudantes, pesquisadores, jornalistas em geral, sem sequer indagar qual é a posição política ou ideológica desses interlocutores. Dei a entrevista e ela se encontra disponível em meu canal do YouTube (https://youtu.be/fWZXaIz8MUc).
Um ano depois, ou seja, em outubro de 2017, fui novamente solicitado a dar uma NOVA ENTREVISTA, sobre os temas da globalização e do globalismo, o que aceitei de boa fé. APENAS, e tão somente no próprio ato da abertura do canal online tomei conhecimento de que seria um DIÁLOGO sobre esses temas, tendo como parceiro na gravação Olavo de Carvalho, que quase automaticamente passou a me agredir gratuitamente, assim como toda a sua tribo, no seguimento desse debate, apenas por que NÃO ACEITEI suas premissas totalmente alucinada e conspiratórias, de que existiria um tal de GLOBALISMO interessado em destruir a soberania dos países (o vídeo desse "diálogo" está aqui: (https://youtu.be/6Q_Amtnq34g).
Eu só posso interpretar essa alucinação coletiva como sendo mais um dos lados demenciais desses grupos reacionários e delirantes.
Termino por dizer que esses dementes continuam influenciando a política externa desvairada do atual governo, e eu continuo a denunciar essas loucuras, em defesa da diplomacia profissional e da respeitabilidade do Itamaraty.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10/12/2019