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sábado, 18 de janeiro de 2020

Brasil na OCDE: O que o país cedeu aos EUA em troca de apoio à entrada no 'clube dos países ricos' - Época Negócios

Brasil na OCDE: O que o país cedeu aos EUA em troca de apoio à entrada no 'clube dos países ricos'

O apoio às pretensões brasileiras de estar na OCDE era considerado pelo Itamaraty como seu principal resultado na política internacional de alinhamento aos Estados Unidos adotada na gestão atual


Depois de parecer que não o faria, o presidente americano, Donald Trump, deve cumprir uma promessa que fez ao presidente Jair Bolsonaro no primeiro semestre do ano passado — a de apoiar o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Quando Bolsonaro visitou Trump na Casa Branca, em março do ano passado, saiu de lá tendo ouvido do presidente americano que ele se comprometeria com o apoio.
Meses e muitas concessões brasileiras depois, o secretário de Estado Americano, Mike Pompeo, defendeu abertamente o ingresso da Argentina, e não do Brasil, no grupo de 36 países que compõem a organização, fazendo parecer que as cessões brasileiras haviam sido em vão.
Nesta terça-feira (14), os Estados Unidos voltaram à promessa inicial, anunciando o apoio ao ingresso do Brasil na OCDE. "Os Estados Unidos querem que o Brasil se torne o próximo país a começar o processo de admissão na OCDE. O governo brasileiro está trabalhando para alinhar suas políticas econômicas com os padrões da OCDE enquanto prioriza a admissão à OCDE para reforçar as reformas econômicas", afirmou em nota um porta-voz do Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental do Departamento de Estado americano.
"Anúncio americano de prioridade ao Brasil para ingresso na OCDE comprova uma vez mais que estamos construindo uma parceria sólida com os EUA, capaz de gerar resultados de curto, médio e longo prazo, em benefício da transformação do Brasil na grande nação que sempre quisemos ser", publicou no Twitter o ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
Bolsonaro também comentou a manifestação dos EUA na manhã desta quarta-feira. "A notícia foi muito bem-vinda. Vinha trabalhando há meses em cima disso, de forma reservada obviamente. Houve o anúncio [dos EUA], são mais de 100 requisitos para ser aceito, estamos bastante adiantados, inclusive na frente da Argentina. E as vantagens do Brasil são muitas, equivalem ao nosso país entrar na primeira divisão", afirmou.
O apoio às pretensões brasileiras de estar na OCDE era considerado pelo Itamaraty como seu principal resultado na política internacional de alinhamento aos Estados Unidos adotada na gestão atual.
No entanto, em outubro do ano passado, revelou-se que Pompeo havia defendido a entrada da Argentina, e não do Brasil, na OCDE, em uma carta datada de final de agosto. Na época, a informação foi revelada pela Bloomberg e confirmada por outros veículos, inclusive a reportagem da BBC News Brasil.

Agrados aos EUA
A OCDE, atualmente com 36 países, é um fórum internacional que promove políticas públicas, realiza estudos e auxilia no desenvolvimento de seus membros, fomentando ações voltadas para a estabilidade financeira e fortalecer a economia global.
Foi criada em 1960, por 18 países europeus mais EUA e Canadá. Além de incluir vários dos países mais desenvolvidos do mundo, o grupo abriu suas portas para nações em desenvolvimento como México, Chile e Turquia. Brasil, Índia e China têm status de parceiros-chaves.
O Brasil apresentou um pedido formal para ingressar na OCDE em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

A expectativa era de que o pedido fosse atendido rapidamente, mas as negociações emperraram. Um dos entraves seria justamente a posição do governo dos EUA: além do Brasil, havia outros países pleiteando a entrada, e Washington considera que a entrada em massa de todos eles descaracterizaria a organização.
Além de Argentina e Romênia, desejam fazer parte do grupo países como Peru, Croácia e Bulgária.
Antes de Michel Temer, durante os governos dos petistas Lula e Dilma Rousseff, o país não pleiteava o ingresso na organização. Apesar disso, o Brasil já trabalha com a OCDE em diversos temas desde a década de 1990.
Para além do apoio ao pleito brasileiro na OCDE, Brasil e EUA também firmaram uma série de compromissos comerciais. Bolsonaro concordou em abrir uma cota anual de 750 mil toneladas de trigo americano com tarifa zero, medida que afeta a Argentina, principal vendedor de trigo para o Brasil.
No fim de agosto, o Ministério da Economia decidiu não só prorrogar por mais um ano a importação de etanol americano isenta de uma tarifa de 20%, como elevou a cota dos 600 milhões de litros para 750 milhões de litros — a taxa passa a ser cobrada quando o volume negociado supera a cota.
A medida atendeu principalmente aos interesses dos americanos, os maiores exportadores ao Brasil, de etanol, produzido a partir do milho — segundo dados oficiais, 99,7% do etanol importado pelo país vem dos EUA. Desagradou, em contrapartida, produtores do Nordeste brasileiro, que consideram desleal a competição com o preço oferecido pelos americanos,
Desde 2016, o Brasil é o país que mais compra etanol americano. A expectativa dos produtores brasileiros era de que o governo americano liberasse seu mercado de açúcar, um dos mais protegidos do mundo, mas não houve essa contrapartida por enquanto.


Concessões concretas em troca de apoio simbólico
"A negociação (para o apoio dos EUA à entrada brasileira na OCDE) envolveu concessões muito concretas do Brasil em torno de expectativas de apoio mais simbólico dos americanos", afirma Elaini da Silva, professora de relações internacionais da PUC.
Silva cita outros exemplos, como a concessão aos EUA da exploração da base espacial de Alcântara, no Maranhão, a isenção de vistos para turistas do país sem reciprocidade para brasileiros, e o fato de o Brasil ter abdicado do status de país em desenvolvimento nas negociações junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), o que poderia trazer prejuízos tarifários às exportações brasileiras.
O tratamento diferenciado prevê benefícios para países emergentes em negociações com nações ricas. O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir determinações e margem maior para proteger produtos nacionais.
Além do impacto direto nas futuras negociações comerciais brasileiras, essa decisão afetou a relação com países do Brics — grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.
Isso porque essas nações vão acabar sendo mais pressionadas a abrir, também, mão do tratamento diferenciado. E a Índia já está retaliando o Brasil.
"Na OMC, a Índia já vetou outro dia a nomeação de um embaixador brasileiro para negociar questões na área de pesca e foi um veto ligado exatamente a essa negociação entre Estados Unidos e Brasil pela entrada na OCDE", explicou à BBC News Brasil antes da reviravolta o professor Marco Vieira, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
"Portanto, o Brasil está se isolando não só no contexto de economias-chave na Europa e no acordo do Mercosul, mas também com parceiros do Sul global: as economias emergentes como a Índia."
Bolsonaro também não colocou na mesa para discussão o aumento protecionista de impostos sobre o aço — medida de Trump contra os chineses que prejudicou o Brasil, tampouco o fim dos subsídios governamentais à produção de soja americana, que a torna competitiva em relação à safra nacional do grão.
E, além disso, o Brasil tem endossado a visão americana para o Oriente Médio. Antes de se eleger, Bolsonaro comprometeu-se a transferir a Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, assim como fez Trump. Depois, recuou. A medida é polêmica, já que os países árabes defendem que a cidade deverá ter sua soberania repartida entre israelenses e palestinos.
Em dezembro, o Brasil inaugurou um escritório comercial em Jerusalém. Presente, o filho de Bolsonaro, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), disse que aquele seria um primeiro passo para a transferência da Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. "[Meu pai] me disse que existe um compromisso firme, que a transferência da Embaixada a Jerusalém será realizada", disse o deputado.


Pressa?
Trump também anunciou no ano passado o Brasil como seu "aliado preferencial extra-Otan" — nome para designar países que não são membros da aliança Organização do Tratado do Atlâncito Norte (Otan) mas que são aliados estratégicos militares dos EUA, ou seja, que terão um relacionamento de trabalho estratégico com as Forças Armadas americanas.
Para o Brasil, isso significa vantagens de acesso a tecnologia militar americana. Mas, segundo alguns analistas, também poderia arrastar o país para conflitos e disputas com países como China e Rússia, algo totalmente fora da agenda brasileira, além de ser de interesse dos EUA porque colocaria o país em sua área de influência de maneira ainda mais segura.
As concessões brasileiras, no entanto, talvez tenham sido apressadas.
"Como o Brasil tem se mostrado um aliado incondicional da gestão Trump, é provável que eles queiram extrair ainda mais concessões do país", afirma o embaixador Paulo Roberto de Almeida.

Reviravolta
Quando o apoio dos EUA à entrada da Argentina na OCDE foi revelada, em outubro do ano passado, o governo brasileiro foi tomado de supresa.
Havia dentro do próprio governo a expectativa de que o aperto de mãos com Trump seria o suficiente para que o Brasil furasse a fila de nações postulantes a membros da OCDE. O protocolo, no entanto, se impôs.
"A diplomacia internacional tem um tempo próprio, bem mais lento que o tempo da política de redes sociais do Bolsonaro. O processo de ingresso na OCDE leva anos. O presidente quis sugerir à sua base que sua relação especial com Trump faria milagres, mas não existem milagres", afirma Guilherme Casarões, professor de política internacional da Fundação Getúlio Vargas.
Após a repercussão da carta de Pompeo, em outubro do ano passada, a Embaixada dos EUA no Brasil divulgou comunicado reiterando apoio à entrada do Brasil na OCDE, mas ressaltando que expansão do grupo deve ser feita "em um ritmo controlado". Depois, o Departamento de Estado americano divulgou nota afirmando que o país apoiava, sim, a entrada do Brasil na OCDE e que a carta revelada pela imprensa "não refletia com precisão a posição dos Estados Unidos" em relação à ampliação da organização.
"Apoiamos com entusiasmo a entrada do Brasil nesta importante instituição e os Estados Unidos farão um esforço grande para apoiar a entrada do Brasil", dizia o texto.
O secretário Pompeo reproduziu a mensagem no Twitter, afirmando também que o governo dos EUA dá apoio a que o Brasil "inicie o processo" de entrada na OCDE. Bolsonaro retuitou as mensagens do americano acrescentando, em inglês, a frase "Not today, fake news media!" ("Hoje, não, mídia mentirosa" em tradução livre).
Mais tarde, o próprio Trump postou sobre o assunto em seu Twitter. Ele chamou de "fake news" a reportagem da Bloomberg e afirmou que "o comunicado conjunto que eu e o presidente Bolsonaro divulgamos em março deixa absolutamente claro meu completo apoio ao início do processo brasileiro para se tornar um membro da OCDE. Os Estados Unidos apoiam o presidente Jair Bolsonaro".
A mensagem deixa claro que os americanos consideram que o Brasil está apenas iniciando sua jornada para se mostrar apto a compor a OCDE.
Nos bastidores, autoridades brasileiras pressionaram pelo informe da embaixada para mitigar a reação negativa à carta de Pompeo. O Itamaraty e a embaixada brasileira em Washington não comentaram. Já a OCDE afirmou que o ingresso de seis novos membros está em curso e que o processo é sigiloso e depende do consenso entre os membros atuais.


Publicamente, integrantes do governo agiram para minimizar a decisão dos EUA.
"Toda a histeria sobre a OCDE na imprensa revela o quão incompetentes e desinformadas são as pessoas que escrevem sobre política no Brasil. Não há fato novo. Os EUA estão cumprindo exatamente o que foi acordado em março e agindo de acordo com o cronograma estabelecido na ocasião", afirmou no Twitter Filipe G. Martins, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais.
"Argentina enfrenta desafios conjunturais que tornam o início do processo de acessão emergencial. Por isso, Brasil e EUA concordaram com um cronograma que teria início com a Argentina. Trata-se de fato público e notório, omitido pela imprensa por incompetência ou desonestidade", acrescentou.
À época, o americano Michael Shifter, presidente do think thank Inter-american Dialogue, especializado nas relações entre EUA e América Latina, classificou o acontecimento como "definitivamente um grande abalo para Bolsonaro, que apostou tudo nesse relacionamento com Trump".
"Parece que a decisão dos EUA é a visão tradicional, ir devagar com a entrada de países na OCDE. Mas certamente Trump prometeu (a Bolsonaro) outra coisa", acrescentou.
Na sua visão, o que ocorreu poderia indicar que, ao contrário do alardeado, as relações entre EUA e Brasil não mudaram tanto assim.
"(Há) esta certa admiração mútua entre Bolsonaro e Trump, e muito da retórica dos dois soa muito parecida. Mas quando o assunto são decisões reais, talvez as coisas não tenham mudado muito. Está tudo no nível superficial, e quando você precisa agir para construir uma parceria mais significativa, como se tornar membro da OCDE, os EUA basicamente aplicam seus critérios normais sobre a extensão da OCDE, o que tem sido mais ou menos a política tradicional (em governos anteriores)."
Segundo observadores, Bolsonaro confiava em uma indicação expressa não apenas por sua propalada proximidade presidencial com Trump. Desde março do ano passado, quando ocorreu a visita, o governo brasileiro fez uma série de concessões, inclusive comerciais, aos americanos em troca do endosso à vaga na organização.
Agora, por fim, está obtendo apoio. Segundo a revista Época, responsável por revelar nesta terça, 14, a mudança do posicionamento dos EUA em relação ao Brasil na OCDE, a medida serve para "dar a impressão que o alinhamento brasileiro será recompensado", já que a sensação até agora é de que o Brasil havia cedido mais do que ganhado.



Entrevista sobre a diplomacia brasileira e as relações internacionais - Paulo Roberto de Almeida (Tapa da Mão Invisível)

Entrevista sobre a diplomacia brasileira e as relações internacionais


Brasília, 18 janeiro 2020, audiocast de 1h30, com a condução de Julio Santos e Paulo Fuchs. 
Divulgado como “Diplomacia à brasileira: uma análise de Tapa da Mão Invisível” 
#SoundCloud (18/01/2020; link: 

Relação de Originais n. 3567.

Livro revela a face mais obscura de Olavo de Carvalho - Filipe Vilicic (Veja)

Livro revela a face mais obscura de Olavo de Carvalho

Obra assinada por filha mais velha do ideólogo, em parceria com o filósofo e youtuber Henry Bugalho, mostra hipocrisia, contradições e histórias podres

Por Filipe Vilicic - revista Veja, 17 jan 2020
O que fala Heloisa de Carvalho sobre seu pai, Olavo: "Não gosta do Brasil, nem de brasileiros. Jamais gostou. Algo sempre evidente a quem o conhece. Ele só pensa nele mesmo e em como manipular pessoas, com técnicas que aprendeu depois de ter sido internado em um manicômio, do qual saiu sem alta médica" //.
Por que queremos saber da vida privada de um idoso brasileiro de 72 anos que, segundo se conta, fugiu para a Virgínia por ter medo de responder por seus atos no Brasil, cheio de preconceitos, sem formação acadêmica, cujas ideias deturpadas são expostas em um canal escatológico no YouTube, acerca do qual até pouco tempo raríssimos sabiam da existência?
Antes de começar a ler o assustador relato de Heloisa de Carvalho, filha do tão frequente Olavo, no livro Meu Pai, o Guru do Presidente, é preciso compreender o contexto. Conjuntura esta essencial para entender a razão de ser tão importante esclarecer como Olavo de Carvalho moldou a ideologia – o que ele mesmo chama de olavismo, com suas e seus olavetes – responsável por jogar um país inteiro em uma armadilha, um buraco de obscurantismo, anticiência, antivacina… até terraplanista. Uma tentativa de regredir a uma Idade Média que nem existiu no Novo Mundo.
O noticiário de hoje indica a urgência. Ao parafrasear Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Roberto Alvim teve o mérito indireto de indicar para onde se caminha um pensamento epidêmico disseminado por figuras do atual governo federal – com perigo de se tornar delírio coletivo, como já fora em outros momentos de uma história recente demais. Uma ideologia que, em outras datas, se manifestou em preconceitos e insanidades ditas por diversos dos colegas de Alvim, de Ernesto Araújo – cujas intenções não se escondem atrás das menções a Raul Seixas e Renato Russo – a Damares Alves, promotora da abstinência, afeita à interferência na vida privada dos outros.
“Não acredito que Olavo tenha uma linha direta com Jair Bolsonaro, mas influencia a ideologia de todo o governo, doutrinando, com suas falhas de pensamento, pessoas com influência direta no presidente e interferência em políticas públicas. A exemplo de Eduardo Bolsonaro, Araújo e Filipe Martins”. Analisou, em conversa com este colunista, o filósofo e escritor Henry Bugalho, que no YouTube publica vídeos que indicam erros e refuta afirmações de discípulos do guru, como Nando Moura, além do próprio Olavo.
Bugalho conheceu Heloisa, a filha do ideólogo autoproclamado filósofo, quando a mesma comentou em um dos posts dele no canal de vídeos. Depois, realizou uma entrevista com ela, na qual já se indicavam alguns fatos, digamos assim, bizarros da trajetória do pai. Nos últimos meses, trabalhou com ela no livro, do qual é coautor.
“Olavo é o pai de todos nós”, já definiu Eduardo Bolsonaro, ao explicar qual seria o papel de guru reacionário frente a decisões de sua família – e, por extensão, do governo. Pai desses todos a quem se referia, pode até ser. Mas, no que defende Heloisa, não um bom pai para seus próprios filhos.
Enquanto o youtuber Olavo se faz de homem de família, “de bem”, cristão, intelectual, conservador, preocupado com o Brasil e os brasileiros… seu histórico, e revelações de bastidores, escancaram que não é isso. Nada disso. Na real, trata-se do oposto. Abaixo, algumas das tantas revelações da obra, todas pelo testemunho da filha mais velha do senhor dos confins da Virgínia.
– Olavo de Carvalho abandonava os filhos em diversas situações. Exemplo: quando Heloisa, criancinha, encontrou a mãe “desmaiada em uma banheira ensanguentada, com ambos os pulsos cortados”, logo foi pedir socorro a Olavo; achou-o nos braços da amante, sua aluna em um curso picareta de astrologia, desprezando a situação; no hospital, o pai obrigou filhos a ver a figura materna à beira da morte, incluindo uma fala na qual aparentou ridicularizar a mulher;
– Após a esposa ser internada em um manicômio, Olavo levou Heloisa para morar com ele e a amante. Quando o pai viajava, em meio a funções como astrólogo, ou como líder de uma estranha seita islâmica, a amante, mais jovem que ele, mudava-se para a casa da avó. Heloisa, a filha, ia junto? Não. Segunda a mesma, era deixada à própria sorte, em casa, sozinha;
– Numa dessas situações, ela com 10 anos de idade, ladrões invadiram a residência. Por sorte, Heloisa se escondeu dentro do guarda-roupa e não foi achada. Quando retornou à casa, Olavo se deparou com a porta arrombada. Sabia que a filha estava dentro, todavia, por medo de se deparar com bandidos, optou por não adentrar, em amparo a ela (isso mesmo que o guru se orgulhasse de andar sempre armado; inclusive dentro de sua própria casa, por ser o paranoico que tudo se indica ser). Chamou a polícia e se escondeu;
– Nos anos 1980, chefiou duas seitas, uma mística, outra islâmica (uma tariqa). Heloisa destaca que em ambas ele extorquia seguidores – em algo como procurou fazer recentemente, pedindo dinheiro pelo Twitter –, manipulava indivíduos usando até técnicas de hipnose, dentre outras atrocidades;
– Olavo, quando era chamado como Sid Mohammad Ibrahim, teve uma relação poligâmica com três esposas e viveu em uma casa com diversos seguidores, sendo que cabia a ele controlar quem teria direito ao uso de um quarto matrimonial no qual se permitiam relações sexuais;
– O hoje defensor da moralidade realizava rituais que envolviam trocas de casais e abortos ritualísticos;
– Escreve Heloisa: “O guru do conservadorismo e do cristianismo não foi capaz de dar nem um único telefonema para a mãe no leito de morte”.
– Sid Mohammad Ibrahim dizia acreditar em coisas como que encarar um gato seria bom remédio para dor de cabeça; e na importância de ter no porão de sua casa uma barca egípcia, destinada à sua morte (conta-se que o guru chegou a se encerrar, com uma parede de tijolos, no local onde tal barca estaria; e foi resgatado após gritar por socorro);
– Olavo pertenceu ao Partido Comunista e teria participado de um sequestro com cárcere privado;
– Em 1985, tentou recorrer a um advogado do PT, seu vizinho, clamando por auxílio para mover um processo contra a seita Tradição. Foi rejeitado e, segundo me disse Heloisa, está aí a raiz do ódio dele para com o PT – e não nos escândalos de corrupção e afins;
– O ideólogo teria aplicado golpes financeiros em uma editora e também em amigos que o financiavam.
São muitas as revelações escandalosas. Que de nada valeriam se não fosse a relevância tomada por Olavo em meio a este Brasil de polarização, extremistas e secretário de Cultura que soa como Goebbels. Até pouquíssimos anos, Olavo de Carvalho não era só desprezível, como desprezado – por intelectuais, políticos, acadêmicos, jornalistas, quem fosse; naqueles bons tempos em que ele nada representava, servia só de motivo para piadas, para quem acabava se deparando com um de seus péssimos livros, ou com o que regurgitava no Facebook. Vale lembrar, entretanto: nesses mesmos tempos pretéritos, Bolsonaro era outro que se restringia às piadas.
Nos últimos cinco anos, porém, seus discípulos se espalharam por emissoras de rádio, canais de TV, quartéis (em menor escala, ufa!), por autoridades da Justiça… impregnando manifestações, e as redes sociais, com a frase de ordem “Olavo tem razão”. Com rapidez assombrosa a quem não sabia da trajetória desse líder de seita, espalhou-se sua rejeição a verdades factuais, a visão deturpada – quando não beira a criminosa – de intelectuais e cientistas, o ódio a acadêmicos (que nunca lhe deram bola antes), ativistas, supostos comunistas… a tudo aquilo que ele tentou ser, sem êxito.
“Impõe um sentimento de vingança, de revanchismo, que desde que Bolsonaro assumiu a presidência ameaça políticas públicas, como se vê pelas atitudes de Abraham Weintraub no Ministério da Educação”, pontua Henry Bugalho. Não só na Educação. O guru parece ter tido algum grau de influência nas decisões que levaram: um ruralista que parece ter asco da natureza a comandar o Ministério do Meio Ambiente; um diplomata sem expressão a virar chanceler; uma figura com ódio a minorias à frente da pasta de Direitos Humanos; um artista fracassado, com raiva de seus colegas, e dizeres de ministro nazista, a ter a Cultura em mãos; e são tantos e tantos exemplos.

A importância de Olavo para o governo é possível de ser sentida até ao se saber das dificuldades passadas para a publicação Meu Pai, o Guru do Presidente – cuja distribuição está programada para começar hoje (17). Segundo Henry Bugalho, o Ministério da Educação teria ameaçado uma editora que pretendia lançar o título, mas desistiu por tal razão. Hackers ainda teriam tentado derrubar a página de vendas, além de invadido o endereço de e-mail de um editor. O próprio Olavo começou a ameaçar, via redes sociais, sua filha de processos – aliás, no passado ele já processou (e perdeu) Heloisa (seguindo um método que há muito virou sua praxe).
“No futuro, Olavo provavelmente não será recordado ou, se for, a memória será de uma figura que serviu a tempos estranhos e obscuros dos quais quisemos esquecer”, avalia Bugalho. “O meu receio é só que o pensamento dele se internacionalize, com a ajuda de indivíduos como Steve Bannon, contaminando países suscetíveis a isso, como os Estados Unidos. Aí a tragédia seria bem maior, inclusive para o futuro”.
“Meu pai não gosta do Brasil, nem de brasileiros. Jamais gostou. Algo sempre evidente a quem o conhece. Ele só pensa nele mesmo e em como manipular pessoas, com técnicas que aprendeu depois de ter sido internado em um manicômio, do qual saiu sem alta médica”, afirma a filha, em conversa que tive com ela (em breve planejo publicar neste espaço a entrevista completa com Heloisa). “Covarde, medroso, hipócrita. Gostaria que ele vivesse uma vida simples, isolada, sem repercussão”.
Não é o que ocorre. Enquanto isso, Olavo se vende com um homem “de bem”, de consciência limpa, erudito, moralista, cristão, paladino dos valores familiares. Quando nada disso é. Na real, é o oposto do que prega. Nesse ponto, volta a se assemelhar tanto a quem hoje gere o Brasil.

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sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Metapolitica: de Wagner a Hitler, e ao chanceler acidental - Paulo Roberto de Almeida


Nas origens da Metapolítica: o romantismo alemão que derivou para o nazismo


Paulo Roberto de Almeida
Excertos do livro: Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty, Brasília: Edição do autor, 2019, 184 p., ISBN: 978-65-901103-0-5. Disponível livremente nas plataformas Academia.edu (link: https://www.academia.edu/40000881/A_Destruicao_da_Inteligencia_no_Itamaraty_Edição_do_Autor_2019_) e em Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/334450922_Miseria_da_diplomacia_a_destruicao_da_Inteligencia_no_Itamaraty_2019).


Como muitos sabem, o chanceler acidental do governo Bolsonaro preparou sua candidatura à chancelaria aderindo abertamente (mas no começo discretamente) à campanha presidencial – o que é inédito nos anais da diplomacia brasileira – ao abrir um blog (Metapolítica 17: contra o globalismo) no qual começou a postar textos numa linha declaradamente extremada do olavismo militante. Esse voluntarismo adesista à candidatura do capitão é altamente questionável do ponto de vista dos comportamentos que devem ser observados por funcionários públicos, uma vez que em todos os anos eleitorais o Ministério do Planejamento e a própria Presidência da República sempre emitiram uma série de “recomendações” e diretrizes aos funcionários públicos sobre o que seria, ou não, permissível fazer no decorrer da campanha. Um Comitê de Ética da Presidência da República, ou do próprio MRE, poderia, a rigor, questionar a atitude militante do diplomata durante o período eleitoral. Ele mesmo, em uma de suas postagens em plena campanha de 2018, chegou a agradecer à administração do Itamaraty não ter adotado nenhuma atitude contrária, ou seja, de cerceamento, dessa sua aberta militância eleitoral em favor do candidato Bolsonaro; uma tolerância que não foi por ele observada depois, em relação a outros diplomatas, inclusive este que aqui escreve.
A “revolução cultural” que estava prestes a se abater sobre o Itamaraty ficou clara desde o primeiro momento. Em seu blog Metapolítica 17, o chanceler escolhido pelo guru expatriado na Virgínia, apresentou, sem qualquer ambiguidade, seu projeto básico para o Itamaraty e para o Brasil:
Sou Ernesto Araújo. Tenho 28 anos de serviço público e sou também escritor. Quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista. Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. Essencialmente é um sistema anti-humano e anti-cristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornado o homem escravo e Deus irrelevante. O projeto metapolítico significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história. (blog pessoal: Metapolitica 17: contra o globalismo; iniciado em 22/09/2018) 

Em uma das postagens em seu blog, “Contra o consenso da inação”, ao criticar aqueles que o acusavam de romper o consenso básico da diplomacia brasileira, mantido desde décadas em torno da autonomia da política externa, o chanceler foi bastante cáustico em relação aos que assim se pronunciavam, especificamente o embaixador Rubens Ricupero e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: 
A política externa brasileira foi uma política de “consenso” nos últimos 25 anos porque refletiu um consenso mais amplo, o consenso na base do sistema político que ameaçou sufocar a nação brasileira com a corrupção e a estagnação econômica, a crise moral e o enfraquecimento militar, o apequenamento internacional, o descaso pelos sentimentos do povo brasileiro. (…) 
O Presidente Bolsonaro e eu estamos, sim, rompendo esse consenso infame. (...)
Estamos restaurando a verdadeira tradição diplomática brasileira, a tradição de um país livre, soberano, orgulhoso de si mesmo, consciente de sua capacidade e sua responsabilidade de contribuir para o bem da humanidade. (Metapolítica 17, 3/03/2019; link: https://www.metapoliticabrasil.com/blog/contra-o-consenso-da-ina%C3%A7%C3%A3o)

Uma exegese de todas os escritos do chanceler no período anterior à sua assunção, com base nas postagens em seu blog, em entrevistas ou artigos publicados nessa mesma linha de ideias exóticas – cabe o adjetivo quando se parte do ponto de vista de uma diplomacia experiente, pouca afeita a tais inovações –, seria não apenas aborrecidamente enfadonha, como demandaria um espaço muito desproporcional à importância das “ideias” apresentadas. Mas, o próprio fato de ter intitulado seu blog como “Metapolítica” suscita um questionamento sobre a etiologia do termo e suas implicações políticas. O termo remete ao pensamento dos principais românticos alemães do século XIX, mas conheceu derivações bastante surpreendentes no século XX.

Nas origens da metapolítica: o romantismo alemão que derivou para o nazismo
Um jovem doutorando americano, Peter Viereck, egresso de Harvard e terminando sua tese em Oxford, publicou em 1941, uma primeira versão, no contexto das vitórias de Hitler na Europa: Metapolitics: from Wagner and the German Romantics to Hitler (New York: Alfred Knopf, 1941; expanded edition; New York: Routledge, 2004). Os estudos de Peter Viereck sobre os românticos alemães revelam um Richard Wagner com um antecessor direto do pensamento racial de Hitler e demais nazistas. Ao discutir essa questão com seu amigo Gobineau, o apóstolo da superioridade nórdica – que havia formulado suas principais teses racialistas no próprio Brasil, como ministro de Napoleão III –, Wagner ironiza sobre a decadência da Alemanha, mas admite uma grande apreensão: 
Se a civilização vem a termo, isso não tem muita importância. Mas, se ela termina por causa dos judeus, essa é a desgraça. (registro de 15/02/1881 in: Cosima Wagner’s Diaries, 1878-1882; New York: Harcourt Brace, 1980; p. 622)

O próprio termo “metapolítica” emerge a partir dos círculos wagnerianos, e já denotava o conjunto de valores e princípios que nasceram com os primeiros românticos – Fichte e Herder – e se desenvolveriam subsequentemente no pensamento do extremo nacionalismo que deveria desembocar no nazismo: centrais eram as noções de Volk, de Kultur, de Nationalstaat, de Fuehrer, entre outros. Mais especificamente, o termo aparece numa carta aberta a Richard Wagner por um dos membros de seu círculo, o igualmente antissemita Constantin Frantz, em junho de 1878, na qual ele antecipa o sonho comumente partilhado de ver surgir na Alemanha um futuro regime racista, um Estado dominado por um Fuehrer e voltado para o Volk. O antigo romantismo do século XIX, se converte num “romantismo de aço” sob Hitler, como escreve Peter Viereck, que decidiu publicar o seu livro ao constatar que os americanos, em 1941, estavam cegos ao hitlerismo, que ele considerava “uma nova religião, um mau sonho Wagneriano”. 
A ideologia mortal da metapolítica, ainda que derrotada militarmente em 1945, parece ter sobrevivido até nossos dias, preservando, com a exceção do antissemitismo e do ódio racial, todos aqueles valores do extremo nacionalismo, do culto a um líder messiânico, dotado de uma suposta devoção ao povo, a preservação da civilização contra os estrangeiros, inclusive por meio da defesa da pátria contra povos e religiões supostamente ameaçadores, embora mantendo sentimentos místicos similares ou equivalentes. A tese de Viereck confirma que tanto Hitler quanto Goebbels eram homens letrados, apreciando tanto os românticos nacionalistas quanto Trotsky – para aprender como derrubar um governo democrático – e Gustave Le Bon – para o controle das massas. (Peter Viereck, “Metapolitics revisited”, Humanitas, vol. XVI, n. 2, 2003, pp. 48-75; link: http://www.nhinet.org/viereck16-2.pdf). 
Análises bastante similares sobre as derivas do romantismo alemão, sobretudo a partir das emanações “filosóficas” dos círculos wagnerianos – dos quais Nietzsche se afastou antes de mergulhar na loucura –, estão presentes em outras obras de outros especialistas que se dedicaram a estudar as principais correntes de pensamento entre meados do século XIX até o advento do nazifascismo. Paralelamente aos estudos de Peter Viereck, o cientista político John Hallowell, em sua tese de doutoramento defendida na Universidade de Princeton, examinou com atenção a evolução doutrinal dos juristas alemães nesse período, num constante deslizamento do liberalismo anterior para uma adesão ao, ou complacência com, o niilismo que depois derivou para as correntes autoritárias paradoxalmente ascendentes no contexto do liberalismo político e social da República de Weimar (The Decline of Liberalism as an Ideology with particular reference to German politico-legal thought; Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1943). 
Um estudo posterior, por Fritz Ringer, confirma essa evolução das tradições liberais do período anterior a Weimar para a emergência de uma oposição de direita à República instituída em 1919, uma profunda revolução conservadora baseada em crenças antirrepublicanas, até o ponto em que, mesmo antes de 1933, mas já sob influência dos nazistas, se instituíam, em instituições alemãs de ensino superior, cadeiras para o estudo da “raça”, como na Universidade de Jena, em 1930. Como resumiu esse estudioso: o “desmantelamento do estabelecimento acadêmico alemão tinha começado.” (The Decline of the German Mandarins: the German academic community, 1890-1933; Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1969; cf. p. 436)
A recente deriva brasileira para o pensamento conservador guarda, no entanto, outras características. Passada a fase do antissemitismo moderado presente nas elites até a Segunda Guerra Mundial – nos tempos recentes em baixa dada a evolução progressiva dos grupos evangélicos, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, em direção de Israel, considerado o locus da segunda vinda de Cristo sobre a Terra –, os demais elementos do núcleo ideológico do nacionalismo de direita estão presentes no amálgama difuso de crenças políticas e religiosas que servem de suporte doutrinal – se existe algum – ao movimento que dá suporte ao governo Bolsonaro. Nesse sentido, pode-se considerar o chanceler Ernesto Araújo como a típica figura representante daquela categoria de indivíduos que o filósofo Eric Hoffer chamou de true believer, ou seja, o verdadeiro crente (The True Believer: thoughts on the nature of mass movements; New York: Harper & Row, 1951). O fundamentalismo político ou religioso assumiu diferentes formas, desde que Eric Hoffer publicou o seu livro, constituindo atualmente um amálgama de velhas e novas crenças nacionalistas, às quais se agregam os novos problemas trazidos pela globalização – com o deslocamento de empresas para a periferia – e pelos fluxos de imigração maciça vindos de regiões em crise econômica ou política, não por acaso também afetados pelo terrorismo islâmico.
No caso do Brasil, a inédita onda da direita em direção ao poder nos últimos anos foi em parte o resultado da imensa inépcia administrativa, sobretudo econômica, e da gigantesca corrupção que caracterizaram quase uma década e meia de governos lulopetistas, e em outra parte a consequência da mobilização de novas ferramentas usadas na campanha eleitoral, exemplificados pelas redes sociais e o apelo aos seus derivativos (como podem ser os robôs eletrônicos). Ademais do apelo às tradicionais posturas ultranacionalistas, a moralização conservadora nos costumes, a disseminação das vertentes religiosas evangélicas, as características pessoais do candidato da direita à presidência também ressuscitaram velhos apelos à homofobia e uma aposta tripla na violência policial, na mobilização das Forças Armadas e no armamento da população como suposta solução a problemas cruciais de segurança cidadã. 
Na esfera que interessa mais à política externa, podem ser acrescentados dois outros pontos que nunca figuraram explicitamente na agenda da direita brasileira, mas que foram incorporados no curso da campanha, e depois a políticas de governo, por influência direta do populismo de Trump nos Estados Unidos, que são, respectivamente, a rejeição à imigração ilegal e uma postura antiglobalista jamais definida claramente. Esse parece ser o resultado da influência do guru expatriado da coalizão bolsonarista, à qual aderiu, provavelmente por oportunismo, o candidato a chanceler depois convertido em ministro das relações exteriores do governo Bolsonaro. 

Paulo Roberto de Almeida

Notícias do "liberalismo" brasileiro: tabela de fretes

ANTT reajusta tabela de frete e inclui no cálculo gastos com refeição e hospedagem

Nova tabela entra em vigor no dia 20 de janeiro. Com as alterações, o piso do frete aumentou de 11% a 15%, segundo informações da agência

Por Laís Lis, G1 — Brasília

16/01/2020 

A Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT) publicou nesta quinta-feira (16) no "Diário Oficial da União" uma atualização da tabela com os valores do frete mínimo para o transporte rodoviário de carga.

Com as alterações, o piso do frete aumentou de 11% a 15%, segundo informações da agência. A nova tabela entra em vigor no dia 20 de janeiro.

Entre as principais mudanças está a inclusão no cálculo do frete mínimo do custo da diária do caminhoneiro (refeições e hospedagem).

De acordo com a ANTT, também passa a ser obrigatório o pagamento de frete de retorno para operações que não podem trazer carga de retorno, como caminhões de combustível. Esse tipo de veículo não pode voltar transportando outro tipo de carga.

Foi criada ainda uma nova tabela para as chamadas operações de alto desempenho, que levam um tempo menor para carga e descarga do produto. Na resolução anterior não havia esse tipo de diferenciação.

A nova resolução também mantém a previsão expressa de incluir o gastos com pedágio no valor do frete. “O valor do pedágio, quando houver, deverá ser obrigatoriamente acrescido aos pisos mínimos”, afirma a resolução aprovada pela diretoria da ANTT.

O texto publicado nesta quinta também mantém a previsão de que o cálculo do frete deve considerar a negociação com relação ao lucro do caminhoneiro, despesas relacionadas ao uso de contêineres, tributos e taxas. A inclusão desses itens, no entanto, não é obrigatória.

Um dos pontos criticados pelos caminhoneiros sempre foi o fato de a tabela não incluir, expressamente, no cálculo do frete mínimo a remuneração do caminhoneiro.

A tabela de fretes foi criada em 2018 passado pelo governo Michel Temer, após a greve dos caminhoneiros que bloqueou estradas e comprometeu o abastecimento de combustível, de medicamentos e de alimentos em todo o Brasil. A criação era uma das reivindicações da categoria.

A criação da tabela, no entanto, é contestada no Supremo Tribunal Federal (STF) que deve julgar em fevereiro deste ano a constitucionalidade da medida.

Global risks: World Economic Forum - Davos

Top risks are environmental, but ignore economics and they'll be harder to fix

Davos, World Economic Forum
  • Climate-related risks overshadow all other risks – in particular economic risks – undermining cohesive action and creating blind spots
  • Society needs a new “growth paradigm” that addresses the interconnectedness of socio-economic factors with climate change
  • Businesses need to adapt their metrics to assess the value of nature 
This year’s risks landscape is green. The urgency of climate change dominates everything: all five of the top risks by likelihood and three by impact are climate related. The backdrop of geopolitical and geo-economic tensions in 2019 sparked unease as the world grappled with “challenges” such as environmental degradation and technological disruption. Fast forward to 2020, and there is a climate emergency. 
Economic risks are absent from the top five. This is worrying, given the continuing global economic malaise that will limit progress in all other areas, including climate action. As lead author, Emilio Granados Franco, Head of Global Risks and Geopolitical Agenda at the World Economic Forum, suggests, perhaps it is this year’s blind spot, “Because environmental and economic risks are inextricably linked, risk perceptions that account for only one over the other mean blind spots may be arising and integrated mitigation efforts may be lacking.”
From economic to environmental. Climate now tops the risks agenda, while the economy has disappeared from the top five.
The top five global risks in terms of likelihood and severity of impact are:
1. Extreme weather events with major damage to property, infrastructure and loss of human life.
2. Failure of climate-change mitigation and adaptation by government and business.
3. Major biodiversity loss and ecosystem collapse (terrestrial or marine) with irreversible consequences for the environment, resulting in severely depleted resources for humankind as well as industries.
4. Major natural disasters such as earthquakes, tsunamis, volcanic eruptions and geomagnetic storms.
5. Human-made environmental damage and disasters, including environmental crime, such as oil spills and radioactive contamination. 
Traps and blind spots
To younger generations especially, the health of the planet is alarming. The report highlights how risks are perceived differently by those born after 1980. They ranked environmental risks higher than other respondents in the short and long terms. Almost 90% of these respondents believe “extreme heat waves”, “destruction of ecosystems” and “health impacted by pollution” will be aggravated in 2020, compared to around 70% for other generations. They also believe that the impact from environmental risks by 2030 will be more catastrophic and more likely. 
Cyberattacks on critical infrastructure come fifth. Digital fragmentation more broadly is probably one to watch in the coming years as society grapples with the forces of privacy, ethics, profit and security.
As the 15-year history of the Global Risks Report shows, risks are complex and interconnected. Lose sight of the bigger picture and the headlines can be misleading. 
Looking back to the beginning of the last decade, the 2010 report warned, “while sudden shocks can have a huge impact … the biggest risks facing the world today may be from slow failures or creeping risks. Because these failures and risks emerge over a long period of time, their potentially enormous impact and long-term implications can be vastly underestimated.”
Climate was cited as one of these slow burners. It was a prescient warning that went unheeded. 
Peter Giger, Group Chief Risk Officer, Zurich Insurance Group, now urges businesses to develop metrics that assess the value of nature to their work. He highlights how the staggering loss of biodiversity – 83% of wild mammals and one-half the world’s plants – makes it harder for ecosystems to adapt to change. The degradation of wetlands, mangroves and coral reefs translate into insurance costs for local businesses. “Investment in sensible, ecological forestry practices would reduce insurance costs for sectors like power and water utilities that might be exposed to wildfire risks.”
Sandrine Dixson-Declève, Co-President of the Club of Rome, stresses that our “patterns of economic growth, development, production and consumption” have not only tipped ecosystems, but “created severe socio-economic hotspots and greater inequality”. She says: “The emergency is not just about ecological breakdown. It is about societal breakdown and acknowledging that as we urgently address the climate and biodiversity risks, we must simultaneously build new economic, social and financial systems”. 
This year economic and political polarization is on the rise, at a time when there is more need than ever to unify the response and despite warnings in 2010 of gaps in global governance and inadequate investment in infrastructure. Of some 750 global experts and decision-makers, 78% think “economic confrontations” and “domestic political polarization” are likely to rise and will have severe impact in 2020.
John Drzik, Chairman of Marsh & McLennan, puts the onus on the private sector to take the lead. He highlights that with limited multilateral progress, businesses must act cohesively to mitigate risk and find opportunity. He sets out clear guidance on how to become more strategically resilient in the face of climate threats to business operations and explains how to find new and expanded market opportunities.
Risk is a risk in itself
Risk analysis should not be seen in an ahistorical context. The evaluation of risk first gained momentum in the 18th century with a flurry of intellectual activity on the mathematical theory of probability – which can in part be linked to the rise of capitalism – or the desire of the growing private sector for improved methods of business calculation and economic security. Modern-day risk analysis shapes decisions, sets forecasts and reveals opportunities. It’s why the World Economic Forum sets the agenda for the year with the launch of the Global Risks Report every January.
By definition, however, risks have uncertain outcomes. The human system of risk analysis emphasizes instinct over intellect and emotion over reason. Perception is necessarily subjective,which is a risk in itself. There is an imperative, therefore, to heed what is unsaid, avoid reductionism and watch out for the silent, but potentially deadly risks that are masked by the more obvious ones. Climate-related issues have been simmering for at least a decade and now the world is at a tipping point. This year’s hidden risks – like the economy – are unwisely ignored. 
The question is how to use the now highly sophisticated risk awareness to read between the lines, to understand the interconnectedness of risks and to use a systems-change approach to propel change. So the 50th Annual Meeting in Davos approaches, the relevance of cohesive action is ever-more compelling as all stakeholders gather to focus on shared, critical global tasks.

Nacionalismo, antiglobalismo: o que pode diminuir o crescimento econômico - Editorial Estadão

Nacionalismo, risco global

Com o multilateralismo em xeque, ficam em xeque também a prosperidade e a estabilidade econômica, a segurança geopolítica e a preservação ambiental

Editorial Estadão, 17/01.2020


Com a trégua assinada pelos governos de Estados Unidos e China, o risco de um ano conturbado por disputas comerciais parece atenuado, mas é muito cedo para relaxar. Continuam no horizonte as ameaças de turbulência geopolítica, de confrontos econômicos entre grandes potências, de ações unilaterais, de polarização política interna e internacional, de entraves ao comércio e de enfraquecimento da economia global. Esses alertas aparecem no Relatório 2020 de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial, normalmente divulgado uma semana antes do encontro anual em Davos. As limitações ao comércio, já presentes em 2019, dificultam a reativação dos negócios. Mas há mais motivos para preocupação, segundo o relatório. 
Munição para prevenir uma recessão escasseia. Seis das sete maiores economias do mundo – a japonesa é a exceção – já desaceleraram no terceiro trimestre de 2019. Mais de metade da produção mundial provém dessas potências. Num quadro de endividamento recorde, cresce o estresse financeiro e é difícil dizer se os governos têm condições fiscais de produzir suficiente estímulo, repetindo a ação de dez anos atrás, na pior fase da última grande crise. Com juros muito baixos e risco de instabilidade financeira, também as possibilidades da política monetária parecem esgotadas, como têm advertido especialistas e dirigentes de grandes bancos centrais. 
Na última grande crise, espalhada pelo mundo em 2008, a ação coordenada de governos, bancos centrais e instituições multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, facilitou a recuperação econômica. As possibilidades de cooperação e coordenação parecem hoje muito menos claras, com o ressurgimento do nacionalismo e a rejeição, por muitos governantes, dos padrões de ordenamento multilateral.
Não há citação de nomes, mas é evidente a referência às políticas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e de governantes de alguns países europeus, como a Hungria. Na lista de seguidores de Trump o primeiro poderia ser o presidente Jair Bolsonaro. 
Essa configuração do quadro internacional ocasiona incertezas também quanto às formas de assimilação e de uso das novas tecnologias. Em maio de 2019, assinala o relatório, os 36 países-membros da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, adotaram princípios comuns a respeito da inteligência artificial (IA). 
Por esse acordo, esses países se comprometeram a promover uma inteligência artificial “inovativa, confiável e respeitosa dos direitos humanos e dos valores democráticos”. O relatório menciona em seguida um comentário de Eleonore Pauwels, do Centro Universitário das Nações Unidas para Política de Pesquisa: “O ressurgimento de agendas nacionalistas em várias partes do mundo pode sinalizar uma capacidade minguante do sistema multilateral de desempenhar um papel significativo na governança global da IA”. 
Os problemas econômicos, políticos, geopolíticos e tecnológicos aparecem no relatório como riscos de curto prazo destacados pela maioria dos cerca de 800 líderes empresariais e formuladores de políticas consultados na pesquisa do Fórum. Confrontos econômicos, polarização política interna, ataques cibernéticos e protecionismo são citados por mais de 75% dos entrevistados. Mas há também riscos de longo prazo, com impacto previsível nos próximos dez anos. Aqui surge uma novidade. 
Pela primeira vez nessa consulta, iniciada na edição de 2007, temas ambientais aparecem nos cinco primeiros lugares da lista: condições extremas de tempo, fracasso na ação climática, desastres naturais, perda de biodiversidade e desastres ambientais provocados pelo homem. Também a prevenção desses perigos será dificultada, alerta o relatório, pelo ambiente desfavorável à cooperação e à coordenação internacionais. Com o multilateralismo em xeque, ficam em xeque também a prosperidade e a estabilidade econômica, a segurança geopolítica e a preservação ambiental. Dificilmente haveria um apelo mais forte em favor do retorno ao bom senso das políticas civilizadas.

Economist: editorial sobre o acordo comercial EUA-China

Between the lines America and China sign a trade deal

But it will be an uneasy truce

WITH HIS habit of announcing trade deals only for them to dissolve within weeks, President Donald Trump is a standing reminder that talk is cheap. But on January 15th he signed a phase one trade agreement with China alongside Liu He, the Chinese vice-premier, and published its contents for the world to see. The 86 pages set out the terms of a new economic relationship between these two giants. Alongside some welcome measures, there are some howlers—and glaring omissions.
Throughout the whole, however, runs a common pattern. Clauses that are in reality concessions wrung from the Chinese are often written in such a way that they formally apply to both sides—but with subclauses specifying the actions that the Chinese are to take. For example, pledges to protect trade secrets are accompanied by new processes by which American companies can complain about breaches.
The deal also addresses several long-standing American complaints about China’s foot-dragging. China pledged that approvals of agricultural biotechnology products will take less than two years. The deal sets deadlines for China to consider licence applications by MasterCard and Visa. And China will lower bureaucratic barriers to imports of American dairy, pork and beef.
As many a weary trade negotiator can attest, China has a history of reneging on promises. But this deal comes with a novel dispute-settlement mechanism. After a speedy consultation, either party may find fault with the other. (History suggests that the Americans are more likely to feel aggrieved.) If a solution cannot be reached, the accuser can unilaterally impose penalties. The accused cannot retaliate, short of pulling out of the deal altogether.
It is possible that this mechanism will force China to address American grievances. But it may also cause new problems. It hands huge discretion to Robert Lighthizer, the United States Trade Representative (USTR). Take China’s ever-contentious yuan regime. On January 13th, in a sign of thawing relations, the American Treasury removed China from its list of currency manipulators. But if at some point China is put back on the list, the USTR would now seem to have virtually unchecked power to slap tariffs on it.
Further problems may be caused by China’s pledge to buy an extra $200bn of American goods and services over the next two years, on top of a baseline of $187bn in purchases in 2017. That is intended to satisfy Mr Trump’s main desire: to close America’s trade deficit with China. But making it happen will probably require China’s government to direct Chinese companies to buy lots of American goods. Both countries will become more reliant on each other, which neither wants. And their other trading partners might be squeezed out.
The Americans do not seem overly concerned. Mr Lighthizer is keen to move on to implementation, saying that, as the first deal of its kind, “we have to make sure that it works”. The coming months will demonstrate whether the two countries can establish a friendlier dialogue, and whether their relationship can survive America’s more aggressive use of security-related export and investment restrictions.
The deal is far from a reset. As Mr Lighthizer noted, China’s cyber-intrusions and industrial subsidies still rankle with America. Chinese media, meanwhile, laid out an argument that may become more familiar: if American export restrictions prevent China from fulfilling its purchase commitments, the fault will lie with America.
A truly grand pact between the two countries is some way off—and indeed, may never arrive. But this modest trade agreement shows how much the status quo has changed. Tariffs on hundreds of billions of dollars’ worth of imports into both countries remain in place, with an ever-present threat of more. This is not trade peace, but rather a trade truce—and a tense one at that. 

This article appeared in the Finance and economics section of the print edition under the headline "America and China sign a trade deal"