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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Como a Grã-Bretanha enriqueceu às custas da Índia: um sistema completo de espoliação - Jason Hickel, Utsa Patnaik

 Todo colonialismo é um sistema de extração dos recursos e trabalho dos povos dominados em favor da potência imperial. Alguns são mais efetivos do que outros nesse processo de espoliação, o que parece ter sido o caso do imperialismo britânico, altamente eficiente na dominação e na exploração das riquezas alheias, inclusive de colonialismos menores, como o de Portugal, por exemplo. No fundo, nada vem de graça: só consegue ser dominador, explorador e extrator quem tem poder e capacidade para tal tipo de empreendimento.

Encontrei na Amazon vários livros de Utsa Patnaik, citado como autor das estimativas referidas nesta matéria sobre o colonialismo britânico, informados ao final, inclusive o citado na matéria original.

Paulo Roberto de Almeida

GEOPOLÍTICA. 

Como a Grã-Bretanha roubou US $ 45 trilhões da Índia. E mentiu sobre isso

 Jason Hickel

 O Dr. Jason Hickel é acadêmico da University of London e Fellow da Royal Society of Arts.

AlJazeera,  19 de dezembro de 2018

 Há uma história comum na Grã-Bretanha de que a colonização da Índia - por mais horrível que tenha sido - não trouxe grandes benefícios econômicos para a própria Grã-Bretanha.  No mínimo, a administração da Índia foi um custo para a Grã-Bretanha.  Portanto, o fato de o império ter sido sustentado por tanto tempo - a história continua - foi um gesto da benevolência da Grã-Bretanha.

 Nova pesquisa do renomado economista Utsa Patnaik - recém-publicada pela Columbia University Press - desfere um golpe esmagador nessa narrativa.  Baseando-se em quase dois séculos de dados detalhados sobre impostos e comércio, Patnaik calculou que a Grã-Bretanha drenou um total de quase US $ 45 trilhões da Índia durante o período de 1765 a 1938.

 É uma soma impressionante.  Para uma perspectiva, US $ 45 trilhões é 17 vezes mais do que o produto interno bruto anual total do Reino Unido hoje.

 Como isso veio à tona?

 Aconteceu por meio do sistema de comércio.  Antes do período colonial, a Grã-Bretanha comprava produtos como têxteis e arroz de produtores indianos e os pagava da maneira normal - principalmente com prata - como faziam com qualquer outro país.  Mas algo mudou em 1765, logo depois que a Companhia das Índias Orientais assumiu o controle do subcontinente e estabeleceu o monopólio do comércio indiano.

 É assim que funcionou.  A East India Company começou a coletar impostos na Índia, e então habilmente usou uma parte dessas receitas (cerca de um terço) para financiar a compra de produtos indianos para uso britânico.  Em outras palavras, em vez de pagar pelos bens indianos do próprio bolso, os comerciantes britânicos os adquiriam de graça, “comprando” dos camponeses e tecelões com o dinheiro que acabava de ser tirado deles.

 Foi um golpe - roubo em grande escala.  No entanto, a maioria dos indianos não sabia o que estava acontecendo porque o agente que arrecadava os impostos não era o mesmo que apareceu para comprar suas mercadorias.  Se fosse a mesma pessoa, eles certamente teriam cheirado um rato.

 Alguns dos bens roubados foram consumidos na Grã-Bretanha e o resto foi reexportado para outro lugar.  O sistema de reexportação permitiu à Grã-Bretanha financiar um fluxo de importações da Europa, incluindo materiais estratégicos como ferro, alcatrão e madeira, que eram essenciais para a industrialização britânica.  Na verdade, a Revolução Industrial dependeu em grande parte desse roubo sistemático da Índia.

 Além disso, os britânicos conseguiram vender os bens roubados para outros países por muito mais do que os “compraram” inicialmente, embolsando não apenas 100% do valor original dos bens, mas também a margem de lucro.

 Depois que o Raj britânico assumiu o controle em 1858, os colonizadores adicionaram uma nova reviravolta especial ao sistema de impostos e compras.  Com a quebra do monopólio da Companhia das Índias Orientais, os produtores indianos foram autorizados a exportar seus produtos diretamente para outros países.  Mas a Grã-Bretanha assegurou-se de que os pagamentos por esses bens terminassem mesmo assim em Londres.

 Como isso funcionou?  Basicamente, qualquer pessoa que quisesse comprar produtos da Índia faria isso usando Council Bills especiais - um papel-moeda único emitido apenas pela Coroa Britânica.  E a única maneira de conseguir essas notas era comprá-las de Londres com ouro ou prata.  Assim, os comerciantes pagariam a Londres em ouro para receber as contas e, em seguida, usariam as contas para pagar aos produtores indianos.  Quando os índios descontavam as contas no escritório colonial local, elas eram “pagas” em rúpias com as receitas fiscais - dinheiro que acabava de ser coletado deles.  Portanto, mais uma vez, eles não foram de fato pagos;  eles foram defraudados.

 Enquanto isso, Londres acabou com todo o ouro e a prata que deveriam ter ido diretamente para os índios em troca de suas exportações.

 Este sistema corrupto significava que mesmo enquanto a Índia mantinha um superávit comercial impressionante com o resto do mundo - um superávit que durou três décadas no início do século 20 - ele se mostrou um déficit nas contas nacionais porque a receita real da Índia  as exportações foram apropriadas em sua totalidade pela Grã-Bretanha.

 Alguns apontam para esse “déficit” fictício como evidência de que a Índia era um risco para a Grã-Bretanha.  Mas exatamente o oposto é verdadeiro.  A Grã-Bretanha interceptou enormes quantidades de renda que, por direito, pertenciam aos produtores indianos.  A Índia foi a galinha dos ovos de ouro.  Enquanto isso, o “déficit” significava que a Índia não tinha outra opção a não ser pedir emprestado à Grã-Bretanha para financiar suas importações.  Assim, toda a população indiana foi forçada a uma dívida completamente desnecessária com seus senhores coloniais, consolidando ainda mais o controle britânico.

 A Grã-Bretanha usou a sorte inesperada desse sistema fraudulento para alimentar os motores da violência imperial - financiando a invasão da China na década de 1840 e a supressão da rebelião indiana em 1857. E isso foi além do que a Coroa tirou diretamente dos contribuintes indianos para pagar  por suas guerras.  Como Patnaik aponta, "o custo de todas as guerras de conquista da Grã-Bretanha fora das fronteiras indianas foi cobrado sempre total ou principalmente das receitas indianas."

 E isso não é tudo.  A Grã-Bretanha usou esse fluxo de tributos da Índia para financiar a expansão do capitalismo na Europa e em regiões de colonização europeia, como Canadá e Austrália.  Portanto, não apenas a industrialização da Grã-Bretanha, mas também a industrialização de grande parte do mundo ocidental foi facilitada pela extração das colônias.

 Patnaik identifica quatro períodos econômicos distintos na Índia colonial de 1765 a 1938, calcula a extração para cada um e, em seguida, compõe a uma modesta taxa de juros (cerca de 5 por cento, que é inferior à taxa de mercado) do meio de cada período até o  presente.  Somando tudo, ela descobriu que o dreno total chega a US $ 44,6 trilhões.  Este número é conservador, diz ela, e não inclui as dívidas que a Grã-Bretanha impôs à Índia durante o Raj.

 Estas somas são impressionantes.  Mas os verdadeiros custos desse dreno não podem ser calculados.  Se a Índia tivesse sido capaz de investir suas próprias receitas fiscais e ganhos cambiais no desenvolvimento - como o Japão fez - não há como dizer como a história poderia ter sido diferente.  A Índia poderia muito bem ter se tornado uma potência econômica.  Séculos de pobreza e sofrimento poderiam ter sido evitados.

 Tudo isso é um antídoto sensato para a narrativa otimista promovida por certas vozes poderosas na Grã-Bretanha.  O historiador conservador Niall Ferguson afirmou que o domínio britânico ajudou a “desenvolver” a Índia.  Enquanto era primeiro-ministro, David Cameron afirmou que o domínio britânico era uma ajuda líquida para a Índia.

 Essa narrativa encontrou uma tração considerável na imaginação popular: de acordo com uma pesquisa YouGov de 2014, 50 por cento das pessoas na Grã-Bretanha acreditam que o colonialismo foi benéfico para as colônias.

 Ainda assim, durante toda a história de 200 anos do domínio britânico na Índia, quase não houve aumento na renda per capita.  Na verdade, durante a última metade do século 19 - o apogeu da intervenção britânica - a receita na Índia caiu pela metade.  A expectativa de vida média dos indianos caiu em um quinto de 1870 a 1920. Dezenas de milhões morreram desnecessariamente de fome induzida por políticas públicas.

 A Grã-Bretanha não desenvolveu a Índia.  Muito pelo contrário - como o trabalho de Patnaik deixa claro - a Índia desenvolveu a Grã-Bretanha.

 O que isso exige da Grã-Bretanha hoje?  Uma desculpa?  Absolutamente.  Reparações?  Talvez - embora não haja dinheiro suficiente em toda a Grã-Bretanha para cobrir as somas que Patnaik identifica.  Enquanto isso, podemos começar explicando a história.  Precisamos reconhecer que a Grã-Bretanha manteve o controle da Índia não por benevolência, mas por causa da pilhagem e que a ascensão industrial da Grã-Bretanha não emergiu sui generis da máquina a vapor e de instituições fortes, como os nossos livros escolares diziam, mas dependia de violentos  roubo de outras terras e outros povos.

  Jason Hickel

 O Dr. Jason Hickel é acadêmico da University of London e Fellow da Royal Society of Arts.  Seu livro mais recente é "The Divide: Um Breve Guia para a Desigualdade Global e suas Soluções", publicado pela Penguin em maio de 2017.


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Agrarian and Other Histories

Essays for Binay Bhushan Chaudhuri

Edited by Shubhra Chakrabarti and Utsa Patnaik 

Tulika Books

Agrarian and Other Histories

PUB DATE: May 2019

ISBN: 9788193926970

352 pages

FORMAT: Paperback

LIST PRICE: $30.00£25.00

PUB DATE: March 2018

ISBN: 9789382381952

352 pages

FORMAT: Hardcover

LIST PRICE: $62.00£52.00


Instituto Mises Brasil lança curso que analisa constituições do país - Rodrigo Saraiva Marinho

Instituto Mises Brasil lança curso que analisa constituições do país

Ministrado pelo mestre em direito constitucional Rodrigo Saraiva Marinho, iniciativa é uma oportunidade de obter um certificado do Instituto Mises Brasil por menos de R$ 200,00 

Rodrigo Saraiva Marinho (Foto: Reprodução / Students for Liberty Brasil)

Instituto Mises Brasil, uma das principais organizações que difundem as ideias da liberdade no país, está com vagas abertas para o curso “Por que o Brasil não dá certo: A História das Constituições”.

Ministrada pelo advogado Rodrigo Saraiva Marinho, mestre em direito constitucional, a iniciativa tem mais de 10 horas de aula e se propõe a “compreender os motivos do atraso econômico e político do Brasil”.

“Com uma linguagem de fácil compreensão e sem aquele juridiquês complicado, Marinho faz um passeio por todas as constituições que já tivemos, falando dos aspectos históricos e as características de cada uma delas. Garantimos que nenhum professor de Direito já tenha explicado tão bem as raízes dos nossos problemas como é explicado neste curso”, afirma o comunicado do IMB, instituição presidida por Helio Beltrão.

Os leitores que tiverem interesse em fazer o curso poderão ainda utilizar o cupom de descontos “BOLETIM” (sem aspas) ao completar a inscrição. O código gera um abatimento no valor total.

As vagas são limitadas e previstas para encerrarem nesta semana. Os concluintes terão direito a um certificado emitido pelo Instituto Mises Brasil. Clique para saber mais e garantir sua inscrição.

Veja, abaixo, a grade do curso:

As Constituições Brasileiras são inimigas da Liberdade?
Aula de Introdução

A Constituição de 1824
1824 – Parte 1
1824 – Parte 2

1889 – Causas e consequências
Brasil República

A Constituição de 1934
Segunda República

A Constituição de 1937
Estado Novo

A Constituição de 1946
1946

A Constituição de 1967 e a Emenda de 1969
Regime Militar
A CF de 67
A Emenda de 1969

A Constituição de 1988
Carta de Papai Noel. Pt1
Carta de Papai Noel. Pt2

Considerações Finais
Aula de Conclusão

Aulas Bônus
Webinar: Por que o Brasil não dá certo?
Webinar: Constituições Brasileiras
Sociedade, Direito e Liberdade – Rodrigo Saraiva Marinho
O Estado é necessário para que exista o Devido Processo Legal? – por Rodrigo Marinho
O Problema dos Direitos Fundamentais Parte 1 – Rodrigo Saraiva Marinho / Summer School 2016
O Problema dos Direitos Fundamentais Parte 2 – Rodrigo Saraiva Marinho / Summer School 2016
Trabalhos relativos às Constituições do Brasil – Paulo Roberto de Almeida


terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Existem argumentos racionais para debater com um debil mental? - Ricardo Bergamini

É possível, sim, discutir com um esquerdista, um direitista, até um ignorante. Mas é difícil debater com um débil mental.

É o que deixa entender Ricardo Bergamini, abaixo.

 

Inflação é termômetro, não febre. A febre é o governo de aloprados do Bolsonaro (Ricardo Bergamini).

Prezados Senhores

 

O presidente da República, Jair Bolsonaro, disse neste sábado, 20, que a decisão de afastar Roberto Castello Branco do comando da Petrobras se deu porque a magnitude dos reajustes dos preços dos combustíveis este ano foi uma “covardia”. Para ele, a estratégia de aumentar os valores foi para “atacar” o seu governo.

 

Com base no quadro demonstrativo abaixo, a conspiração é ampla, geral e irrestrita contra o débil mental Bolsonaro.

 

 

IPCA

Dezembro de 2020

 


 

Se a sociedade brasileira não impedir esse desequilibrado: “os vivos invejarão os mortos no Brasil”.  

 

Alguém tem que avisar a esse imbecil que inflação é termômetro, não febre. A febre é o seu governo de aloprados 

 

- O IPCA nos últimos doze meses, até dezembro de 2020, foi de 4,52% ao ano (inflação da primeira classe, a turma dos 40 salários mínimos).

 

- O IGPM nos últimos doze meses, até dezembro de 2020, foi de 23,14% ao ano (inflação real do mercado, aumento dos aluguéis).

 

- O IPP nos últimos doze meses, até dezembro de 2020, foi de 19,40 % ao ano (inflação dos produtores).

 

- Taxa de juros SELIC em dezembro de 2020 foi de 2,00% ao ano. 

 

- Taxa de juros de longo prazo (rolagem da dívida do governo) em dezembro de 2020 foi de 8,37 % ao ano.

 

- Taxa de juros para devedores de segunda classe em dezembro de 2020 foi de 25,5% ao ano.

 

- Taxa de juros para devedores de primeira classe em dezembro de 2020 foi de 7,9% ao ano.

 

 

Bolsonaro fala em ‘covardia’ com reajuste e ‘compromisso zero’ de Castello Branco

 

Estadão, 20/02/21

 

O presidente da República, Jair Bolsonaro, disse neste sábado, 20, que a decisão de afastar Roberto Castello Branco do comando da Petrobras se deu porque a magnitude dos reajustes dos preços dos combustíveis este ano foi uma “covardia”. Para ele, a estratégia de aumentar os valores foi para “atacar” o seu governo.

 

Durante conversa com apoiadores neste sábado, o presidente também prometeu agir no mercado de energia elétrica. “Vamos meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema também”, afirmou.

 

O nome do general terá de ser aprovado pelo conselho da companhia, que há 36 anos não era presidida por um militar. “Parecia exorcismo quando eu falei que não ia prorrogar por mais dois anos o mandado do cara (Castello Branco). Compromisso zero com o Brasil, zero. Nunca ajudaram em nada…”, descreveu o presidente.

 

Mais cedo, numa live dentro de um carro, Bolsonaro também criticou o fato de Castello Branco estar trabalhando em home office desde março. Agora, sua insatisfação foi com a elevação dos preços nas bombas, que seria injustificada. “Não é aumentando o preço de acordo com o petróleo lá fora e o dólar aqui dentro, é mais do que isso: a preocupação é ganhar dinheiro em cima do povo. Não justifica 32% de reajuste do diesel no corrente ano. Ninguém esperava essa covardia desse reajuste agora”, afirmou.

A Petrobras é uma companhia mista e tem suas ações negociadas na Bolsa de Valores no Brasil e também no exterior, por meio de ADRs. A decisão da sexta à noite de tirar Castello Branco da estatal fez os preços da companhia despencarem no mercado financeiro aqui e nos Estados Unidos pelo temor de uma interferência do Planalto sobre a empresa. “Ninguém quer interferir ou está interferindo na Petrobras, mas eles estão abusando. Assim como eu dizia que queriam me derrubar na pandemia pela economia, fechando tudo, agora resolveram atacar na energia”, justificou.

 

Ricardo Bergamini

www.ricardobergamini.com.br


Joel Pinheiro da Fonseca* - Bolsonaro é incapaz da verdade

 Não é só Bolsovirus que é inimigo da imprensa: metade do seu ministério também, com especial “distinção” do patético chanceler acidental, um inimigo particularmente feriz.

Quando Bolsonaro, em meados de 2019, começou a atacar a imprensa (aliás antes, desde sempre), em especial a Folha de SP, e mandou cortar as assinaturas da FSP, o furibundo e desvairado chanceler acidental mandou cortar, na mesma hora, na mesma tarde, a assinatura da FSP. Acostumado a ler os jornais diários na biblioteca do Itamaraty, onde me exilei depois de demitido do IPRI, só tinha acesso a todos os demais, mas não à FSP. Mais ainda: cortou a FSP do clipping diário da imprensa nacional.

Não contente: mandou cortar totalmente os dois clippings diários da imprensa nacional e internacional, deixando todos os diplomatas, todos os servidores do Serviço Exterior, completamente desprovidos de qualquer fonte de informação sobre o Brasil e sobre os assuntos da política mundial.

Não hesito em classificar sua censura como CRIMINOSA, pois priva os diplomatas de uma ferramenta essencial ao seu trabalho, que é a informação: um embaixador lotado, digamos, na Ásia central, ou no interior da África, se não dispuser dos seus próprios meios de informação, não poderá comentar com seus colegas, ou na chancelaria local, o que está se passando no seu próprio país. CRIMINOSO!

Paulo Roberto de Almeida 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Joel Pinheiro da Fonseca* - Bolsonaro é incapaz da verdade

- Folha de S. Paulo

Como o presidente corrói a liberdade de imprensa no Brasil

A ONG Repórteres Sem Fronteiras, que milita pela liberdade de imprensa em todo o mundo, lançou uma campanha publicitária crítica a Jair Bolsonaro, representado sem roupa. Nela, a ONG mostra a "verdade nua" dos mortos da Covid, tema que o governo busca esconder.

A campanha é bem-vinda. Mesmo antes e independente da pandemia, Bolsonaro já era hostil à imprensa livre. Xingou e caluniou jornalistas e usou —ou ao menos se gaba de usar— verbas do governo como arma para premiar veículos aliados e punir adversários.

Um subproduto dos ataques verbais diretos são agressões verbais e físicas contra jornalistas. Uma sociedade em que parte da população, por uma adesão servil ao presidente, sai de seu caminho para hostilizar ou infernizar jornalistas vistos como "inimigos" do regime não é uma nação com liberdade de imprensa plena.

Durante a pandemia, Bolsonaro também fez por merecer. No início, acusava a imprensa de aumentar a ameaça da pandemia. "No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo", disse em março.

Quando ficou claro que a crise era grande e o Brasil estava despreparado, tentou bagunçar o debate divulgando, não o número de mortos, mas o de curados. Assim é fácil! Os homicídios estão em alta? Basta celebrar todas as pessoas que não foram assassinadas. Depois de problemas na divulgação dos dados oficiais, coube à "malvada" imprensa tomar para si a responsabilidade de publicar os números diários de mortes e contaminações com transparência e agilidade.

Para Bolsonaro, não existem problemas reais; apenas de comunicação. Reduzir o contágio, adquirir uma vacina eficaz para o coronavirus não são medidas importantes. O importante é persuadir o eleitorado de que tudo vai bem. Falar dos vivos, promover a cloroquina. E quem cobra prova de eficácia é tratado como inimigo. O governo segue empurrando seu "tratamento precoce" (um coquetel de cloroquina e outros remédios) goela abaixo do Brasil, enquanto permanecemos acima das mil mortes diárias. O crime tem sido devidamente registrado pela imprensa.

Perseguição direta e indireta é uma maneira de prejudicar a liberdade de imprensa. Desinformar o público e melar o debate com tanta fake news que já não se sabe mais o que é verdade e o que é mentira, também. Estamos ainda longe do nível de repressão à imprensa de uma Cuba ou Venezuela, mas a deterioração é preocupante.

Os riscos para a imprensa num país como o nosso são dois: o primeiro é o de se aliar ao poder da vez, ceder às pressões do dinheiro e da proximidade com os poderosos. O segundo é o de, reagindo aos ataques do governo, tornar-se militante contra ele, retorcendo cada notícia para que desabone o presidente. Embora o primeiro seja claramente o pior, ambos se desviam da missão maior do jornalismo: a busca da objetividade, de modo a municiar o debate público com informações relevantes e verdadeiras.

Nesse contexto, é um privilégio fazer parte da Folha de S. Paulo, que completou 100 anos no dia 19. Em sua primeira encarnação, como Folha da Noite, chegou a ser tirada de circulação pelo presidente Arthur Bernardes. Eleita como uma das maiores inimigas de Bolsonaro, e com jornalistas seus ativamente perseguidos por gângsteres da milícia federal, continua fazendo jus à sua vocação de espinho na carne do poder. Bolsonaro é moralmente incapaz da verdade. Todos já sabem disso; o rei está nu. Cabe à imprensa nem tapar suas deformidades nem aumentá-las; basta mostrar a verdade nua e crua.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.

Ricardo Noblat - Intervenção na Petrobras une PT a Bolsonaro (23/02/2021)



terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

 Intervenção na Petrobras une PT a Bolsonaro

Ricardo Noblat, 23/02/2021

- Blog do Noblat / Veja

E quem pensava que já assistira a tudo....

Além da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, onde pulsa o coração do mercado financeiro, quem mais votou em Jair Bolsonaro para presidente por acreditar na sua súbita conversão ao liberalismo de Paulo Guedes, seu futuro ministro da Economia?

A massa gigantesca de votos que quase o elegeu direto no primeiro turno pouco ou nada entende de liberalismo e de economia, juntos ou separados. Havia um desejo gigantesco de mudança e uma repulsa generalizada à política tradicional.

Então se escolheu um até então desconhecido deputado federal do baixo clero que se dizia não político e contra tudo o que ali estava. Portanto, não se diga agora que ele traiu seus eleitores ao intervir na Petrobras. Pode ter traído, se muito, a Brigadeiro Faria Lima.

É no que dá acreditar naquilo que não é, mas que se gostaria que fosse. O capitão que repetia o pouco que Guedes lhe ensinou revelou-se outra vez o estatizante que sempre foi. É curioso que até aqui somente o PT tenha saído em seu socorro.

Bolsonaro e PT, tudo a ver em alguns pontos: ambos anti-mercado, anti-capitalismo e pró-estatizante. Ambos populistas com um forte viés autoritário que pelo menos Lula, em seus dois governos, tentou por sabedoria amenizar, mas Dilma mão de ferro, não.

Filho de um general nacionalista que morreu, o economista Aloizio Mercadante (PT-SP), que foi ministro da Educação e da Casa Civil do governo Dilma, apressou-se eufórico em mandar um recado para os militares brasileiros:

– Não se rendam ao mercado financeiro e aos interesses especulativos. Parem a privatização das refinarias, defendam uma Petrobrás forte e tragam uma política de preços justa para o povo, para os caminhoneiros e para os motoristas de aplicativos.

Saudou o general Joaquim Silva e Luna, o futuro presidente da Petrobras, como “um militar nacionalista”. Lembrado de que Bolsonaro extrairá dividendos eleitorais caso controle os novos reajustes de preços dos combustíveis, justificou-se:

– Ao contrário daqueles que nos golpearam, não apostamos no quanto pior, melhor. Assim como defendemos o auxílio-emergencial, temos que defender uma Petrobrás para os brasileiros. O povo brasileiro está sofrendo agora.

De fato, está, e não só por conta do vírus que continua matando, e da falta de vacina que se agrava, mas também porque a intervenção na Petrobras tornou o Brasil mais caro para os que vivem cá, e mais barato para os estrangeiros. Na vida real é isso.

Foi de 21,6% a queda do preço das ações preferenciais da Petrobras no primeiro dia útil após anúncio da intervenção, e de 20,4% nas ações ordinárias. O Ibovespa perdeu 4,87%. O dólar subiu 1,30%, O preço das ações do Banco do Brasil caiu 11,64%.

Investidores da Petrobras preparam uma ação coletiva para questionar as perdas. A troca de presidentes fez a empresa perder 102,5 bilhões em valor de mercado. Até a semana passada, quem tomava emprestado 100 reais pagava 110. Ontem, pagou 120.

“Ninguém vai interferir na política de preços da Petrobras”, declarou Bolsonaro ante a reação do mercado. No último final de semana, ele afirmou que vai reduzir em 15% o preço do diesel e da gasolina. O que ele diz não se escreve, mas produz estragos.

O economista Roberto Castelo Branco, que passará o cargo ao general Luna, era bem tratado pelo governo até outro dia. Se a política que ele conduzia na Petrobras não sofrerá nenhum tipo de alteração, por que mandá-lo embora?

Certamente não será porque Bolsonaro queria que ele investisse numa campanha milionária de propaganda do governo a ser veiculada no SBT e na Record, emissoras que fazem parte do Sistema Bolsonarista de Televisão. Castelo Branco não quis.

Em queda nas pesquisas de intenção de voto, sem que a economia se recupere como ele havia prometido, com a inflação em alta e com o índice de desemprego se aproximando dos 18%, o problema de Bolsonaro não é Castelo Branco, mas Guedes.

No fundo, para seguir sonhando com a reeleição, Bolsonaro precisa libertar-se das amarras do ministro da Economia para gastar mais e fazer negócios. A Petrobras é uma mina de negócios como demonstrado por governos anteriores.

O Brasil só não quebrou ao fim do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso porque Bill Clinton, à época presidente dos Estados Unidos e amigo dele, socorreu-o com um empréstimo. Reeleito, Fernando Henrique desvalorizou o Real.

O ciclo da valorização das commodities evitou que o Brasil quebrasse durante a crise financeira mundial de 2008. Lula, o presidente, cambaleava sob os efeitos do escândalo do mensalão do PT e as contas públicas desarrumadas. Sobreviveu.

Para reeleger-se, Dilma segurou o reajuste de preços dos combustíveis e da energia elétrica, causando um rombo nas empresas envolvidas que repercutiu em toda a economia. Depois, quando quis voltar à ortodoxia, não teve mais tempo.

Sem risco de impeachment e com o apoio militar que Mercadante tanto preza, Bolsonaro poderá ir no rastro de Dilma na esperança de se dar bem. Quanto à Brigadeiro Faria Lima, não passa de “um rebanho eletrônico”. Foi o general Mourão quem disse.

Populismo econômico e estelionato eleitoral - Miriam Leitão (23/02/2021)

 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Míriam Leitão - Bolsonaro escancara populismo econômico

- O Globo

A interferência na Petrobras é mais grave do que o mercado refletiu ontem no banho de sangue dos pregões. Ao fim, a Petrobras tinha perdido R$ 98 bilhões em dois dias. Outras estatais também caíram. O que Bolsonaro quer? Ele busca ganhos políticos. Faz demagogia com os caminhoneiros para usá-los politicamente, faz populismo com todos os que sentem no bolso o preço da gasolina ou do diesel, cria um inimigo e ainda manipula o imaginário brasileiro com a frase “o petróleo é nosso”. São estratégias conhecidas.

A ditadura chilena dos anos 1970 usou os caminhoneiros como arma política. A ditadura da Venezuela usou a gasolina barata, o inimigo externo e o nacionalismo para se eternizar. O jogo é conhecido dos candidatos a ditador.

Enquanto isso, para acalmar os investidores locais e internacionais, a equipe econômica tenta usar uma arma de destruição em massa de princípios da Constituição. A proposta é aprovar uma PEC como condição para dar o auxílio emergencial. Pela versão divulgada ontem ela elimina todas as vinculações constitucionais para saúde e educação. Veja-se este ponto que parece incompreensível. “Revogar o caput e os §§ 1º e 2º do art. 212 da Constituição.” Isso mata o Fundeb. Simples assim. E está lá como se fosse inofensivo no item quarto do artigo quarto da PEC. Todo o esforço brasileiro de criar um fundo de valorização do ensino básico, que foi debatido intensamente no ano passado, seria apagado com uma penada. Ora, senhores da equipe econômica, na democracia uma mudança dessa profundidade não pode ser feita na chantagem da necessidade de um auxílio emergencial, nem no afogadilho de uma votação marcada para daqui a dois dias.

Mas há outras encrencas nas últimas decisões de Bolsonaro que vão bater no bolso do contribuinte. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal (artigo 14) qualquer aumento de subsídio tem que ser compensado com elevação de imposto. Não basta cortar uma despesa. Está na lei que a compensação tem que ser: “aumento de receita proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributos.” Então aqueles R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões a mais de gasto pela redução dos tributos do diesel e do gás de cozinha terão que ser compensados com novo imposto. E mais. Pela Lei das Estatais, se qualquer estatal tiver prejuízo por uma medida tomada pelo governo, o Tesouro terá que compensar a empresa. Se a Petrobras tiver perdas de caixa com uma nova política de preços o Tesouro terá que compensá-la. No fim, quem pagará a conta do populismo econômico de Bolsonaro é o contribuinte.

Trocar presidente de estatal é natural. Passar por cima de leis, normas e estatutos e ainda acusar o que sai de “jogar contra o país” não é natural. A ironia é que Roberto Castello Branco fez parte do trio inicial do programa econômico do candidato Jair Bolsonaro. Era Paulo Guedes, ele e Rubem Novaes, ex-Banco do Brasil. Castello Branco entregou exatamente o que foi pedido a ele. Isso é que deixou economistas do mercado perplexos:

— Se Bolsonaro fizer metade do que ele falou nos últimos dias, o risco fiscal vai aumentar e o BC será forçado a subir juros em março pela confusão causada pelo presidente da República — avaliou um economista que influencia muita gente no mercado.

O consumidor está bravo porque o combustível subiu muito este ano. Gasolina 34%, e diesel, 27%. Mas no passado, com a pandemia, houve queda de 13% no diesel e redução de 4% na gasolina. Em parte, os preços estão subindo agora por causa do câmbio. O real é uma das moedas que mais perdem valor diante do dólar e isso é resultado direto das crises criadas pelo próprio presidente. O dólar sobe e bate em diversos preços que batem no bolso dos consumidores. Veja-se o caso da energia de Itaipu até agora presidida pelo general Joaquim Silva e Luna, que vai para a Petrobras. A energia de Itaipu subiu entre 35% e 40%. Ela é corrigida pelo dólar. O assunto não gerou polêmica porque Itaipu reajusta os preços automaticamente, a distribuidora repassa para o consumidor, que culpa a concessionária. A Itaipu do general Luna subiu seus preços pela mesma lógica que Castello Branco.

Bolsonaro desde o início sabotou o projeto liberal que vendeu na eleição. Agora foi além no estelionato. Ele escancarou seu populismo econômico, um caminho que sempre termina em crise.

Bolsovirus mete as patas na Petrobras - Editorial Estadão (23/02/2021)

 Uma intervenção desastrosa

 Opinião / O Estado de S. Paulo, 23/02/2021

A intervenção na Petrobrás combina com o fracasso econômico da gestão Bolsonaro, evidente já antes da pandemia

Gente esforçada, os americanos acordaram cedo para se livrar de papéis da Petrobrás ontem de manhã. Títulos da empresa despencaram 16% no pré-mercado, isto é, antes da abertura oficial do pregão. Ao mexer na empresa, como sempre desastrado, o presidente Jair Bolsonaro assustou também os estrangeiros, importantes fontes de capital para a estatal brasileira. Talvez ele ignorasse, ou ainda ignore, também esse detalhe. No Brasil ações da petroleira estavam em queda de 19% por volta do meio-dia, arrastando para baixo papéis de estatais, como o Banco do Brasil (BB) e Eletrobrás, e o Ibovespa. Esse índice, o principal da bolsa brasileira, recuou 4,84% durante a manhã.

Nessa altura, a Petrobrás acumulava perda de cerca de R$ 100 bilhões de valor de mercado, iniciada no último fim de semana. No fechamento da quinta-feira, a empresa ainda valia R$ 382,99 bilhões. Só na sexta-feira foram perdidos R$ 28,2 bilhões. O presidente prometeu novas intervenções e mencionou o setor de energia elétrica. Mas, no fim de semana, circulou no mercado a hipótese de mudança na direção do Banco do Brasil, ensaiada recentemente, mas ainda irrealizada.

O motivo dessa intervenção seria o programa de fechamento de agências físicas e de redução de pessoal apresentado recentemente pela presidência do banco. O presidente Bolsonaro já havia interferido na gestão do BB ao condenar moralmente uma campanha publicitária. A censura foi aceita e cumprida, embora incompatível com as normas de administração de empresas como o BB. O presidente da instituição acabou renunciando ao posto, bem mais tarde, por outro motivo.

Mas os danos causados pelo presidente Bolsonaro, incapaz de entender as funções presidenciais e, mais amplamente, a própria noção de governo, vão muito além dos males causados diretamente à Petrobrás ou a qualquer outra entidade vinculada ao poder federal. A incompetência presidencial, manifestada com o máximo de truculência e nenhuma percepção das questões econômicas, legais, sociais e empresariais mais importantes em cada caso, afeta largamente o funcionamento da economia brasileira e as expectativas de quase todos os grupos de agentes.

A piora das expectativas foi claramente mostrada, ontem, no último boletim Focus divulgado pelo Banco Central. Em uma semana, a mediana das projeções da inflação oficial passou de 3,62% para 3,82%. O dólar estimado para o fim do ano subiu de R$ 5,01 para R$ 5,05. A taxa básica de juros esperada para dezembro aumentou de 3,75% para 4%, o dobro daquela em vigor neste momento. O déficit primário (sem juros) do setor público voltou a 2,80% do Produto Interno Bruto (PIB), depois de haver recuado para 2,70%. O crescimento do PIB foi revisto de 3,43% para 3,29%. Quatro semanas antes ainda se apostava em 3,49%.

Resumindo: as expectativas são de inflação maior, dólar mais caro, rombo fiscal mais amplo, juros mais altos e menor expansão econômica. Outras pesquisas já indicaram piora das expectativas dos empresários industriais e aceleração dos preços por atacado.

Ao comentar reações do mercado, o vice-presidente Hamilton Mourão falou em “rebanho eletrônico”. É um comentário estranho, quando se vê a mudança de orientação de grandes instituições financeiras. Analistas da XP Investimentos, do Bradesco e do Crédit Suisse passaram a recomendar a venda de papéis da Petrobrás. Seus colegas do BTG Pactual e da Mirae Asset foram mais contidos, mas deixaram de recomendar a compra. Nada, no currículo do vice-presidente, parece credenciá-lo para menosprezar dessa maneira a resposta de tantos analistas.

Afinal, trata-se mesmo de uma intervenção grosseira, confirmada pela demissão do presidente da empresa antes do fim de seu mandato. Esse episódio combina com o fracasso econômico da gestão Bolsonaro, evidente já antes da pandemia, com a grotesca propaganda da cloroquina, com a imprevidência no caso da vacinação, com sua política armamentista e com a fixação nos assuntos familiares e na reeleição. Nenhum vice-presidente contemporizador poderá disfarçar essas barbaridades.

Mini-reflexão sobre essa dicotomia mercados-Estado (ou interesses individuais e coletivos) - Paulo Roberto de Almeida

Mini-reflexão sobre essa dicotomia mercados-Estado (ou interesses individuais e coletivos)

Paulo Roberto de Almeida


Volta e meia, dando meias voltas nas redes sociais, eu me deparo com essas críticas furibundas à “ditadura dos mercados”, à ideologia “neoliberal”, às desigualdades e à concentração de renda que seriam “típicas”, ou “inerentes” ao capitalismo desumano, que seria contrário aos valores “verdadeiramente humanos” da solidariedade, da fraternidade, da própria humanidade, ao privilegiar os interesses puramente materiais de acumulação de riquezas, de lucro individual, de ambições mesquinhas e egoistas. 

Não é só em determinadas academias — as faculdades de Humanidades — que se usa, e se ousa, tal tipo de retórica: até o Papa Francisco, um homem profundamente piedoso, integralmente bom, preocupado com a situação dos mais humildes, exibe esse tipo de preocupação.

Pois eu pergunto: quem são os “adoradores do Deus mercado”? Apenas os endinheirados, os donos do capital? Todos os demais acreditam em quem? Nos detratores do mercados? Nos “adoradores do Estado”? 

Quando se é maniqueísta se chega a esse tipo de pensamento binário. 

Mas o mundo se reduz a isso? 

Acredito que exista muita pobreza de pensamento ao se raciocinar de modo simplisticamente binário. 

Mercados são formados por indivíduos e não existem fora das fugazes interações que se estabelecem entre eles.

As condições sob as quais indivíduos entram e saem dos mercados são determinadas por um determinado estoque de realizações (patrimônio) e de conhecimento, que só existem socialmente, mas que podem ser mudados no plano individual, pela força da vontade, pela necessidade, pelo tino individual. 

Liberdade é essencial na realização de determinados objetivos individuais e sociais. Sociedades defensoras e promotoras de liberdades são em geral mais prósperas e mais felizes.

Acredito que se deva valorizar a liberdade humana. Acredito, também, que ela se encontra mais do lado dos mercados do que do lado da administração central, ou Estado.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 23/02/2021