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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 2 de março de 2021

Dois anos do terceiro ostracismo, começo de uma nova travessia do deserto - Paulo Roberto de Almeida

Dois anos do terceiro ostracismo, começo de uma nova travessia do deserto

 Paulo Roberto de Almeida 

 Fazem exatamente dois anos que o chanceler acidental mandou me exonerar da direção do IPRI, função que eu exercia desde agosto de 2016, depois de 13 anos e meio de uma longa travessia do deserto sob o lulopetismo, que foi uma espécie de terceiro ostracismo, depois de meu autoexílio sob o regime militar, nos anos de chumbo da ditadura repressora, e de alguns entreveros na carreira, pela minha mania de pretender expressar meu pensamento numa instituição basicamente feudal. Sempre assumi os custos de pensar com minha própria cabeça e de expressar meu pensamento, a despeito da disciplina rígida da diplomacia profissional.

Não sei quanto tempo durará este novo ostracismo e não tive tempo ainda de redigir algo a respeito. Isto virá em algum momento.

Por isso tomo a liberdade de reproduzir um texto que produzi ao final do meu segundo ostracismo, quando recém começava a trabalhar no IPRI. Um relatório que produzi sobre meu trabalho naquela instituição de pesquisa pode ser consultado neste arquivo: 

3383. “Relatório de Atividades como Diretor do IPRI de 2016 a 2018”, Brasília, 24 dezembro 2018, 27 p. Organizado segundo o modelo próprio, usando dados do modelo adotado no IPRI, eliminando alguns eventos, incluindo outros. Total de eventos: 2016=38; 2017=74; 2018=102; total=214. Disponibilizado na plataforma Research Gate (DOI: 10.13140/RG.2.2.11298.89288; link:https://www.researchgate.net/publication/329905640_Relatorio_de_Atividades_Gestao_do_diretor_do_IPRI_Paulo_Roberto_de_Almeida) e em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/e66d6c1639/relatorio-do-ipri-diretor-paulo-roberto-de-almeida-2016-2018); anunciado no blog Diplomatizzando (25/12/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/12/ipri-meu-relatorio-de-atividades-2016.html).

Reproduzo abaixo o que escrevi em dezembro de 2016, copiado e divulgado novamente dois anos depois: 

Uma longa travessia do deserto: testemunho pessoal - Paulo Roberto de Almeida

Alguns poucos meses depois do término de uma longa travessia do deserto, que durou praticamente 14 anos – o dobro de meu primeiro exílio, sob a ditadura militar –, eu escrevi um pequeno testemunho pessoal, que alguém ainda relembrou recentemente, ao buscar esse texto na plataforma Academia.edu. Eis a ficha do trabalho: 

3066. “Como atravessar o deserto (e permanecer digno ao fim e ao cabo)”, Brasília, 18 dezembro 2016, 7 p. Divulgado no blog Diplomatizzando(link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/12/como-atravessar-o-deserto-e-permanecer.html) e disponibilizado na Academia.edu (link: http://www.academia.edu/30511412/3066_Como_atravessar_o_deserto_e_permanecer_digno_ao_fim_e_ao_cabo_2016_).

Transcrevo-o novamente aqui, desta vez acompanhado dos comentários que recebi de amigos, colegas e novos leitores.
Paulo Roberto de Almeida 


Como atravessar o deserto (e permanecer digno ao fim e ao cabo)

Paulo Roberto de Almeida
 [Memórias, balanço]

Como sabem muitos dos meus colegas e amigos, certamente todos os inimigos – e até pessoas que desconheço, com as quais não tenho relações, mas que acompanharam meus escritos e minha trajetória ao longo da última década –, acabo de atravessar, talvez não inteiramente, um longo deserto de atividades e funções, justamente naquela que deveria ser (e foi assim nos primeiros 25 anos de carreira), minha ocupação principal: a diplomacia. A travessia não terminou ainda, pois que ainda não retornei às atividades que caracterizam a carreira: representação, informação, negociações. Atualmente, mais exatamente, a partir de 3 de agosto de 2016, encontro-me numa atividade subsidiária, que é a de Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI, um órgão assessor da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), junto com o Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD), com sede no Palácio Itamaraty do Rio de Janeiro.
A longa travessia do deserto quer dizer, mais precisamente, que, desde o início do governo dos companheiros, em 2003, até meados do presente ano, não tive nenhuma função, não ocupei nenhum cargo, não desempenhei nenhuma atividade vinculada à área do serviço público federal para a qual fiz concurso, na qual me desempenhei desde o final de 1977, e à qual eu deveria, teoricamente, servir, inclusive por obrigações de direito administrativo, e mais não fosse, para simplesmente justificar o salário que eu recebia todo o mês desde aquela longínqua data treze anos e meio atrás (ainda que meus vencimentos tenham sido reduzidos ao mínimo, sem qualquer remuneração por desempenho de função justamente). À parte a irregularidade administrativa cometida pelo ministério ao qual estou vinculado, uma tão longa desvinculação do serviço ativo na diplomacia só poderia ser explicada por duas razões objetivas: 
1) eu seria, presumivelmente, um péssimo diplomata, um mau servidor público, um inepto funcionário de carreira, um trabalhador totalmente incompetente para ocupar qualquer cargo ou função na diplomacia lulopetista;
2) eu fui julgado incompatível com os objetivos e propósitos da dita diplomacia lulopetista, e assim considerado um dissidente, um opositor, um outcast, um funcionário totalmente inadequado, indesejado, um contrarianista, e um objetor declarado dos tais objetivos e propósitos da referida diplomacia, e por isso mesmo mantido à distância, como um desses leprosos da Idade Média, condenados a viver apartados da sociedade, um pestiferado, uma espécie de vírus qualquer, capaz de contaminar perigosamente mentes e vontades naquela Santa Casa toda ela devotada a cumprir os altos desígnios dos novos dirigentes da nação e da sua diplomacia.
Os que me conhecem, e até os que não me conhecem pessoalmente, mas sabem de meus escritos e publicações, saberão escolher a hipótese que convém, das duas opções colocadas acima. A mim, cabe apenas, neste curto texto, expor objetivamente o que foram esses anos de travessia do deserto, quase que um segundo exílio – depois daquele enfrentado durante o regime militar – com a particularidade de que este durou exatamente o dobro do primeiro, aquele voluntário, este totalmente involuntário, uma vez que eu estava pronto e disposto a trabalhar, apenas que fui obstado por uma barreira impenetrável de negações e tergiversações. Nem vou entrar em considerações sobre os aspectos subjetivos dessa longa travessia, como a destruição da minha carreira, pois isso faz parte dos imponderáveis funcionais a ela associados: nela se é, ou não, promovido, pela avaliação que fazem colegas e superiores de seu próprio desempenho – supondo-se que todo o processo de ascensão funcional se faça por mérito efetivo, e não pelo mais comum “quem indica, quem apoia” – e não se pode prejulgar que eu teria sido merecido promoção ao longo do período, pois essa é uma possibilidade, não uma certeza. Vou ater-me apenas à descrição factual do processo, como convém a um depoimento com finalidades unicamente descritivas.
Minha última designação para um cargo na carreira diplomática, e para uma função no quadro da Secretaria de Estado das Relações Exteriores tinha ocorrido em meados dos anos 1990, quando eu fui nomeado chefe da então Divisão de Política Financeira e de Desenvolvimento (temas de investimentos, finanças, acordos e negociações nessas áreas e assuntos correlatos, regionais, bilaterais e multilaterais). No final da década fui indicado para exercer o cargo de ministro-conselheiro na embaixada em Washington, a convite do embaixador Rubens Barbosa, com quem já havia trabalhado algumas vezes anteriormente. Foram quatro anos muito felizes na capital americana, onde aprendi enormemente um pouco sobre tudo, o que teoricamente faz do feliz ocupante do cargo um servidor habilitado a exercer qualquer função na Secretaria de Estado ou qualquer outro posto e missão da carreira, uma vez que em Washington se trabalha sobre praticamente todos os dossiês e assuntos de uma Secretaria de Estado. 
Ao cabo da experiência, e já com intenção de retornar ao Brasil, fui convidado pelo então Diretor do Instituto Rio Branco, nossa academia diplomática, para servir como coordenador do curso de mestrado em diplomacia, que tinha sido iniciado em 2001, e ao qual eu já estava associado como professor orientador de teses (tendo vindo ao Brasil de férias, em 2002, voluntária e especialmente para discutir suas teses com meus seis ou sete orientandos). Já estávamos no início de 2003, e o convite deve ter sido formulado entre o final de março e o começo de abril, ao qual respondi positivamente, a despeito de meu desejo primário de voltar a servir na Secretaria de Estado, tendo em vista, justamente, minhas habilidades nas mais diversas áreas da diplomacia econômica, em especial em suas vertentes comercial e financeira. Mas, como eu também tenho essa inclinação para as atividades acadêmicas, já tendo me desempenhado como professor do Instituto Rio Branco e da UnB (e de algumas outras instituições em caráter temporário), julguei que seria uma boa experiência didática e intelectual, possivelmente como passo preliminar para ocupar a própria chefia do IRBr, cargo para o qual eu me julgava plenamente habilitado e competente, inclusive para mudar algumas coisas ali existentes.
A surpresa, mas não a frustração imediata, veio poucos dias depois, quando o mesmo diretor que tinha formulado o convite telefonou-me de modo algo desconsolado, para dizer que, infelizmente, não poderia confirmar o convite porque o “secretário-geral do Itamaraty tinha outros projetos em mente”. Uma desculpa diplomática, digamos assim, pois imaginei imediatamente, e realisticamente, que o dirigente em questão se opunha a que eu fosse trabalhar numa área que ele provavelmente julgava de extrema importância para o futuro da diplomacia na gestão lulopetista que então se iniciava, e que prometia ser uma “ruptura com tudo o que havia antes no Brasil” (como de fato foi, e como descobrimos, para o bem e para o mal, na sequência do regime celerado). Assim foi que permaneci por mais alguns meses em Washington, até surgir uma outra função ou cargo, em Brasília ou em qualquer missão ou posto no exterior. Mas preocupado com arranjos familiares – término na universidade do filho mais velho, Pedro Paulo – e necessidade de decidir quanto a renovação de aluguel e outras providências práticas, ou o próprio fato que eu já me aproximava dos quatro anos no posto, levaram-me a tomar uma atitude proativa nesse processo, tirando mais alguns dias de férias para tentar resolver em Brasília minhas atribuições ou destino futuros. 
Na Secretaria de Estado, onde cheguei justo no momento em que o chanceler único e resplandecente do lulopetismo proclamava a necessidade de os diplomatas “vestirem a camisa do governo” – o que era de certa forma surpreendente, numa carreira que se orgulha de dizer que serve ao Estado, mais do que aos governos, como tinha já sintetizado um século antes o Barão do Rio Branco – eu fui finalmente apresentado ao quadro formal e realista de minha condição no novo governo: não havia nada previsto para mim na Secretaria de Estado, e a administração não estava removendo para Brasília ministros que não tivessem já uma função definida, pois já havia muitos, como fui informado, que estavam sem funções na Casa, situação a que vulgarmente se dava o nome de DEC, não o Econômico, mas o “Departamento de Escadas e Corredores”. O que me foi oferecido foi ficar mais tempo em Washington, ou negociar algum outro posto, ou seja, partir como embaixador comissionado em algum posto perdido em continentes longínquos (isso imaginei eu, em função das “boas” disposições dos meus interlocutores para comigo, que não preciso indicar quem fossem). 
Não havia como não concluir que havia um veto em curso ao meu nome, para qualquer função na Secretaria de Estado, e eu já deveria ter imaginado as razões desse veto. Eu sempre manifestei minhas posições e opiniões sobre tudo e qualquer coisa da carreira diplomática e das posturas do Brasil em política externa, e nunca escondi de ninguém o que pensava de tudo isso, aliás expresso em dezenas de artigos publicados e, nessa altura, em pelo menos, seis livros editados por diferentes editoras. Minhas ideias sobre o novo governo lulopetista estavam por sinais disponíveis em meu site e em blogs e veículos diversos do mundo acadêmico, tendo sido publicado, já no início do governo lulopetista, um artigo meu na revista Sociologia e Política (da UFPR), no qual eu dizia, claramente, que o PT era um mero partido esquerdista tipicamente latino-americano – ou seja, socialista, anti-imperialista e antiamericano – mas que, a despeito disso, a política externa e a diplomacia não seriam significativamente alteradas, ou seja, haveria mais continuidade do que ruptura nas relações internacionais do Brasil. Imagino, mas já retrospectivamente, que essa última afirmação, arriscada em si mesma, deva ter deixado mais de um companheiro irritado, e provavelmente seus auxiliares diplomáticos comprometidos com a gloriosa missão de mudar tudo o que existia antes, inclusive e principalmente na diplomacia. 
O fato é que as portas estavam fechadas para mim na Secretaria de Estado, e assim permaneceram durante todo o regime lulopetista, ou seja, exatamente treze anos e meio, ao longo dos quais enfrentei, como disse, um deserto quase interminável. Mas, paradoxalmente, fui convidado, por um dos próceres mais importantes do novo regime, para trabalhar no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, dirigido justamente por um dos membros da troika que assessorava o novo demiurgo nos assuntos mais importantes do governo salvacionista. Não preciso me estender agora – tanto porque pretendo escrever a respeito mais detalhadamente no futuro – sobre os três anos durante os quais eu me desempenhei em funções que eu imaginava importantes do ponto de vista do planejamento governamental, mas que os companheiros pretendiam transformar numa espécie de “revival” do dirigismo geiseliano sobre a economia e a política no Brasil. Depois da saída do governo do grão-petista que dirigia o NAE, eu me desliguei daquelas funções e me apresentei novamente na Secretaria de Estado, no final de 2006, disposto a assumir quaisquer funções que me fossem oferecidas para trabalhar pela Casa e no Estado (bem menos, já pensava eu, por um governo que se tinha revelado inerentemente corrupto, inepto e incorrigível). Não preciso dizer que encontrei o mesmo quadro de tergiversações e de embromações que já se tinha manifestado três anos antes. 
Em síntese: nada me foi oferecido como funções ou cargos na Secretaria de Estado. Mas, corrijo: a chefia de gabinete do então ministro ativo e altivo chegou a oferecer-me três cargos para posse imediata, talvez sem saber que meu nome já tinha entrado no rol daqueles seres condenados a um dos círculos do inferno lulo-dantesco. Aceitei um dos cargos, mas depois nada, ou seja, não aconteceu nada, quando então descobri que não apenas o SG, mas igualmente o chefe da Casa tinha objeções ao meu nome. Obtive a confirmação disso logo depois, quando o próprio titular reagiu negativamente a uma abordagem fortuita que lhe fiz, numa recepção de fim-de-ano no Clube das Nações, ao manifestar-lhe minha intenção de voltar à Casa: ele simplesmente me disse, acerbamente, que “minha entrevista [que havia dado pouco antes ao Estadão sobre a “construção intelectual” do Bric] não tinha ajudado em nada”, e virou as costas para mim. Nunca mais falei com o personagem, hoje na tropa de choque, junto com o mesmo SG, do chefão mafioso, ou seja, o pelotão de defesa de um dos maiores bandidos da política brasileira (que já conheceu vários, mas nenhum maior). 
A bem da verdade, o mesmo chanceler altivo chegou a oferecer-me a chefia de uma embaixada no exterior, poucos meses depois, ao que respondi negativamente, por razões puramente familiares, mas agradecendo a concessão (que obviamente deveria ser considerada como um afastamento providencial de um opositor moderado das políticas esquizofrênicas dos lulopetistas na frente diplomática). Não preciso dizer que, a partir daí, minha carreira simplesmente terminou, passando a amargar vários anos adicionais de “DEC”, com imensos prejuízos em termos profissionais, familiares e financeiros. Não obstante, persisti, mesmo no deserto a que estava relegado, na mesma atitude que sempre foi a minha: ler, refletir, escrever, eventualmente publicar, aquilo que julgava correto de um ponto de vista meramente epistemológico, ou seja, o resultado de uma reflexão própria, independente, sobre questões da política internacional, da diplomacia brasileira, de nossas posturas em política externa, unicamente com o espírito acadêmico que sempre foi o meu.
De certa forma, devo agradecer a meus “algozes” a oportunidade que me deram de aprofundar essas pesquisas, ideias, reflexões e escritos, pois ao me obrigarem a fazer da biblioteca do Itamaraty o meu escritório de trabalho, ofereceram-me tempo e lazer – ainda que com remuneração reduzida – para ampliar minha produção de caráter acadêmico. Nesse período, em nenhum momento tive acesso a qualquer forma de comunicação interna ao Itamaraty – telegramas ou quaisquer outros tipos de expedientes – e minhas únicas fontes de reflexão e de escrita eram as mesmas a que tinham acesso quaisquer acadêmicos e jornalistas, ou seja, material de imprensa e artigos e livros em disponibilidade pública. De certa forma, eu já fazia isso em qualquer época anterior, mas apenas nos momentos de lazer, no recesso do lar, no tempo livre do trabalho em dedicação integral. Ao permitirem “férias compulsórias”, meus “inimigos funcionais” me habilitaram a produzir um volume anormalmente elevado de artigos e livros, que eu provavelmente não teria tido condições de conduzir em uma situação normal de trabalho.
Talvez, outros diplomatas colocados nesse tipo de situação poderiam ter exibido algum comportamento depressivo, o que não foi absolutamente o meu caso: eu tinha forças morais para atravessar o deserto e, ao fazê-lo, pude dedicar-me a atividades acadêmicas que sempre fizeram parte de minha “segunda vida”, ao lado da carreira profissional. A escrita de livros, artigos e outros materiais – uma infinidade de comentários em blogs próprios ou de outros internautas – ocupou o restante do período em que estive no exílio lulopetista. Com duas pequenas alterações: em 2012, sem perspectiva de alteração em minha condição na Secretaria de Estado, aproveitei uma licença oficial para dedicar seis meses do ano a atividades docentes na Sorbonne; e de 2013 a 2015 aceitei um posto subalterno num pequeno consulado da costa leste dos EUA, expressamente com o objetivo de estudar mais, ler intensamente, viajar um pouco, e esperar o fim do regime lulopetista. Pensei que ele viesse nas eleições de outubro de 2014, e aí sim experimentei uma grande frustração, pois o poste lulopetista foi reconduzido à presidência, numa campanha de mentiras e de grandes falcatruas, como aliás esperado por todos os conhecedores dos meandros do regime.
Resolvi voltar ao Brasil no final de 2015, sem qualquer perspectiva de mudança no quadro geral da política podre do lulopetismo, e de fato permaneci no deserto por mais seis meses adicionais, sem quaisquer perspectivas concretas de retomada de algum cargo ou função na Secretaria de Estado. Retomei minhas atividades acadêmicas, mas no contexto do processo de impeachment, deslanchado no final daquele ano. Foram exatamente seis meses de golpes e contragolpes, de mais falcatruas e patifarias, até que, finalmente, os companheiros corruptos foram apeados do poder, em maio de 2016. Foi quando, finalmente, os novos barões da Casa se decidiram por extinguir o meu exílio, com um convite para exercer o cargo prestigioso, mas inoperante em termos de política externa, de Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, o que de toda forma é uma distinção e um prêmio, na perspectiva de meus interesses intelectuais.
Foram ainda necessários mais três meses para que a função fosse efetivada, período no qual colaborei informalmente com a instituição, ao organizar seminários, livros e publicações, sem ainda dispor de título ou remuneração condigna. Por uma dessas ironias da história, meu cargo é o mesmo do qual tinha sido defenestrado meu colega dissidente – em outros termos – da política externa do ancien régime tucanês, e que por isso mesmo se tornou um mártir da causa lulopetista, e daí passou a ocupar a função a partir da qual me vetou para qualquer cargo na Secretaria de Estado. Não tenho nenhuma animosidade ao companheiro – em duplo sentido – e até pretendo convidá-lo para participar de atividades acadêmicas do IPRI, no que ele decidir aceitar, mas não pretendo, tampouco, deixar de fazer aquilo que fiz ao longo dos treze anos e meio do nefasto regime lulopetista: analisar, sintetizar, descrever e expor os absurdos teóricos e práticos perpetrados pelos companheiros apparatchiks e seus aliados diplomatas.
Não sei se devo julgar-me “reabilitado”, pois essa é uma avaliação que não me cabe pessoalmente fazer, mas sim devo confirmar que não pretendo mudar de atitude, que corresponde, finalmente, a uma postura intelectual que sempre mantive ao longo desses anos de “exílio”, e invariavelmente ao longo de uma vida dedicada ao estudo, à reflexão, e à exposição de minhas ideias sobre uma gama variada de assuntos: manter um ceticismo sadio sobre todas as questões de interesse público que sejam objeto de políticas, encarar interrogativamente qualquer postura acadêmica, de pesquisa, que possa ser feita sobre os mesmos problemas, e expor de forma independente e honesta as conclusões ou resultados que extraio de meus estudos, leituras e reflexões. Não tenho razões para mudar de atitude, seja para galgar distinções políticas que não almejo, seja para agradar superiores ou colegas que se exercem nos mesmos campos que são os meus desde sempre: a dupla carreira na diplomacia e na academia.
Vale!

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 18 de dezembro de 2016.

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Mensagens recebidas: 

Achilles Emilio ZaluarO grande erro que muitos cometem é afastar as vozes dissidentes, o que os franceses chamam os "empêcheurs de penser en rond". Foi um erro, para o Governo da época, demitir Samuel Pinheiro Guimarães. Foi um erro para o Governo subsequente colocar um diplomata do seu valor na geladeira. Como você não "quebrou", isto é, não caiu na depressão e no desânimo (não te conheciam bem...), você acabou sendo muito mais influente e eficaz, com a liberdade de trabalhar por fora contra os projetos deles na batalha mais importante, que é a das idéias. 
O Itamaraty precisa, a cada momento, manter uma diversidade ideológica que permita um debate interno saudável. Isso é positivo mesmo do ponto de vista da eficácia do projeto no poder em cada momento (que é alertado sobre os erros táticos que é tentado a cometer, sob a ilusão da onipotência que aflige os detentores do poder), e ainda mais do ponto de vista dos interesses permanentes do Brasil. 
Mesmo os militares mantiveram dentro do MRE um número considerável de diplomatas "de esquerda", que ocuparam funções importantes. A tentativa de impor uma monocultura ideológica termina sempre como todos as monoculturas: pragas, rendimentos decrescentes, ciclos de boom and bust. Benvindo de volta, Paulo.

Minha resposta ao Achilles:Paulo Roberto de AlmeidaConcordo com absolutamente tudo, ou quase tudo, meu caro Achilles Emilio Zaluar, e agradeço imensamente as palavras generosas e simpáticas. Também acredito que a batalha das ideias é a mais importante. Mas eu não afirmaria que, no meu caso específico, se tratou de um "erro", pois eu acho que eles "acertaram", ao me julgar um "empêcheur de penser en rond", ou um contrarianista fundamental. Simplesmente pretenderam me silenciar, e até me impedir de trabalhar, o que aliás é uma violação de normas de direito administrativo (o que me habilitaria, teoricamente, a processar o Ministério, para obrigá-lo a me designar para qualquer coisa, até chefe da garagem que fosse). No cargo atual, pretendo, justamente, debater todas as questões relevantes, em aberto aquelas que podem ser feitas em aberto, e em reuniões fechadas aquelas questões sensíveis. Vamos ver até onde será possível...

Cyro AndradeReceba meu abraço de plena solidariedade (o adjetivo vai como reforço proposital).

Carlos Eduardo Véras NevesLeopoldo Faiad da Cunha

Adivo Paim FilhoUm cordial Abraço Dissidente, desde o centro geográfico do sertão gaúcho! Description: https://www.facebook.com/images/emoji.php/v6/f4c/1/16/1f642.png:)

Carmen Lícia PalazzoAdorei o blog com esta nossa foto. Description: https://www.facebook.com/images/emoji.php/v6/f4c/1/16/1f642.png:)

Carlos Alberto AsforaPaulo, dá vergonha alheia lembrar de tudo que passamos, pelas mãos dos companheiros, você, talvez mais do que todos. Eles me dão nojo, muito nojo. É só o que eu posso sentir.

Hadassah SantanaSempre uma boa reflexão! Description: https://www.facebook.com/images/emoji.php/v6/f57/1/16/1f609.png😉

Marco Tulio Scarpelli CabralBem-vindo de volta, Paulo. É um privilégio trabalhar com você.

Pedro Fernando Bretas BastosE eu aposentado, no Rio, o seguirei, sempre com a minha admiração, apreço e respeito. Forte abraço do Pedro Fernando Bretas Bastos

Vera Do Val GalanteParabéns, Paulo Roberto, pela retidão e coerência. O Itamaraty perdeu esse tempo todo. Agora começa a se redimir, mas ainda falta...


Minha resposta geral: 
Meus sinceros agradecimentos aos muitos amigos e colegas (recebi e-mails diretamente também) que se manifestaram a respeito dessa postagem, que de ordinário não teria sido feita se não tivesse ocorrido a "provocação" de um colega: normalmente sou extremamente discreto quanto a tudo o que se refere a questões pessoais e apenas me pronuncio sobre temas objetivos, separados de minha própria condição. Mas como ele abordou o "deserto", achei que minha resposta -- e de certa forma explicação, pois muita gente ainda me cumprimenta pela direção do IPRI -- merecia ser veiculada de forma pública, uma vez que a situação era, efetivamente, pública: todos sabiam que eu estava no deserto, mas ninguém sabia exatamente como e porque, em que circunstâncias isso tinha ocorrido, e o que eu tinha feito nesse longo período de treze anos e meio (talvez mais), em que estive totalmente -- enfatizo totalmente -- afastado de quaisquer funções na Secretaria de Estado. Voilà...

 Paulo Roberto de Almeida 

segunda-feira, 1 de março de 2021

A decepção com Bolsonaro - Editorial Estadão

 

A decepção com Bolsonaro

  • Mesmo os crédulos que confiaram nas promessas liberais e modernizantes de Bolsonaro começam a suspeitar que foram enganados

O desapontamento com o governo Bolsonaro não é um fato novo. Há quem tenha se desencantado com Jair Bolsonaro em razão, por exemplo, da saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça em abril de 2020. Na ocasião, o ex-juiz da Lava Jato relatou tentativas de interferência por parte do presidente na condução da Polícia Federal. O episódio levou a que muita gente revisse sua ideia sobre a suposta carta branca que Jair Bolsonaro teria dado a Sérgio Moro para o combate à corrupção.

Na semana passada, a interferência de Jair Bolsonaro na presidência da Petrobrás produziu uma nova onda de decepção. Além dos efeitos devastadores sobre a empresa, com prejuízos muito concretos para as centenas de milhares de acionistas minoritários, a ordem para mudar a chefia da empresa consolidou a percepção de que Jair Bolsonaro não tem nenhum compromisso com a agenda liberal proposta na campanha de 2018. Não há mais nem mesmo o cuidado de manter as aparências.

Sempre houve bons motivos para desconfiar da adesão de Jair Bolsonaro a uma pauta de reformas. Basta pensar, por exemplo, que, por mais de duas décadas, a atuação do ex-capitão na Câmara dos Deputados foi oposta a todo o conjunto de reformas anunciado por Paulo Guedes na campanha eleitoral do então candidato do PSL à Presidência da República.

O fato, no entanto, é que muita gente confiou em Jair Bolsonaro: em sua disposição e capacidade de promover uma profunda mudança liberal no Estado brasileiro. A ideia era a de que, sob a batuta de Paulo Guedes, haveria um choque de gestão. O déficit fiscal acabaria, muitas privatizações seriam feitas, o poder público seria mais eficiente e o ambiente de negócios sofreria uma revolução.

M

“Quando candidato, Bolsonaro falava em privatização, e o ministro Guedes, que é liberal, defendia a tese da redução do tamanho do Estado. Me senti motivado a deixar meus negócios para contribuir com isso”, disse o empresário Salim Mattar ao Estado. De janeiro de 2019 até agosto de 2020, Salim Mattar foi o secretário especial de Desestatização e Privatização do Ministério da Economia.

Hoje, ao falar daquele sonho liberal, Salim Mattar não esconde sua decepção. “O ministro Guedes é resiliente, obstinado e determinado, mas não percebeu que foi vencido. Por exemplo, há quanto tempo a história da Eletrobrás está no Congresso e não consegue autorização?” Como se sabe, a resistência à venda da Eletrobrás não vem apenas do Legislativo. Até a edição da MP 1.031/21, Jair Bolsonaro tinha colocado mais condições do que defendido sua privatização.

Ao avaliar o panorama atual do País, citando, entre outros pontos, o episódio do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e a mudança no comando da Petrobrás, Salim Mattar não é otimista. “Nós perdemos o foco como país, não vai dar certo, não tem jeito de dar certo. O País precisa de foco para aquilo que é importante para o cidadão”, disse.

Paulo Uebel também não esconde sua decepção com os rumos do governo federal. Segundo o ex-secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, mais do que simplesmente não promover as reformas, o presidente Jair Bolsonaro segue o caminho das administrações petistas. “Isso (a interferência na política de preços da Petrobrás) é uma mudança que vai contra o que foi aprovado nas urnas e aproxima Bolsonaro de práticas que o PT fazia. E isso é o oposto do que o eleitor de Bolsonaro gostaria de ver”, disse Paulo Uebel ao Estado. Em sua avaliação, o resultado da interferência pode ser a “destruição de valor muito grande da empresa, como vimos durante a gestão do PT”.

O abandono de qualquer imagem de governo reformista se dá num momento em que a aprovação de Jair Bolsonaro caiu para 44%, uma queda de oito pontos em quatro meses, de acordo com a pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) em parceria com o Instituto MDA. No período, também diminuiu a avaliação positiva do governo (ótimo e bom) de 41% para 33%. Por diferentes motivos – a irresponsável atuação do governo federal na pandemia é apenas um deles –, mesmo os crédulos que confiaram nas promessas liberais e modernizantes de Bolsonaro começam a suspeitar, ora vejam, que foram enganados.


Scholar, na tradição chinesa, o mais respeitado dos mestres desde tempos imemoriais - História Cultural na Terra do Dragão (verbete em livro)

 O respeito que a civilização milenar chinesa tem pelos intelectuais, pelos professores em geral, é extraordinário, a começar pela criteriosa seleção de funcionários governamentais, os famosos mandarins. 

Como verificamos eu e Carmen Lícia Palazzo, no museu dos concursos imperiais que visitamos a Noroeste de Shanghai, esses concursos, bastante rigorosos – como podem ser os nossos concursos atuais para carreiras de Estado e funcionários públicos de forma geral –, foram mantidos regularmente, rigorosamente, obrigatoriamente durante séculos, durante mais de mil anos, de 800 ou 900 d.C, até 1905, quando foram abolidos, já numa fase de crise do Império Qing.

Seleciono de um livro de Carmen Lícia as duas páginas dedicados ao verbete Scholar, e ofereço ao final, uma tradução livre das informações principais.

Paulo Roberto de Almeida









Tradução livre (PRA): 
 

(...)

Scholars [estudiosos, sábios], também conhecidos como os literati e, talvez mais precisamente, como o estamento-scholar, desempenharam um papel fundamental na sociedade chinesa tradicional. Eles constituíam o núcleo da classe dominante tanto nas cidades como no campo, e existia uma larga fratura de status entre eles e o resto da população. A definição mais estrita de um cavalheiro-scholar era a de um detentor de um título, alguém que tinha passado por duros exames governamentais para se qualificar para o serviço civil imperial. Esse sistema de exames começou na dinastia Han (206 AC-220AD) como uma forma de recrutamento de homens de talento e virtude, habilitados a servir o imperador. Entretanto, se esperava do verdadeiro scholar ser proficiente em diversas áreas de conhecimento, acima e além dos exames – por exemplo, Su Shi (1037-1101), o famoso scholar da dinastia Song, era, entre outras coisas, um escritor, poeta, calígrafo, pintor, estadista e conhecedor de comidas e objetos de decoração.

A partir da dinastia Ming (1369-1644), três camadas sucessivas de exames foram introduzidas para selecionar os scholars. O menor nível era o do Exame Distrital, efetuado na cidade local do candidato. Um punhado desses que conseguiam passar eram então enviados para os Exames Provinciais, e se fossem bem sucedidos, poderiam se tornar Scholar Graduados (juren) e estavam estabelecidos de forma permanente. Alguns podiam ir mais longe, e passar pelo Exame Literário de alto nível (dianshi), feito em Beijing. Passando por este exame, garantiria um bom posto no governo central, na capital, ou nas províncias. Os exames testavam o conhecimento dos candidatos nos textos clássicos de Confúcio, os princípios morais e questões administrativas práticas, e para os jinshi, eles também tinham de escrever poesias. Este sistema de exames em três etapas durou por muitos séculos, até quase o final da dinastia Qing, em 1905.

Enquanto muitos scholars se tornaram funcionários ricos e poderosos, eles não eram obrigados a irem todos para o serviço do governo. Outros preferiam uma vida mais tranquila – com preferência para governos estrangeiros ou de forma independente – para se dirigirem apenas a objetivos nobres, como a pintura, a caligrafia e a poesia. 

 

Símbolos monárquicos e religiosos geram críticas contra Araújo no Itamaraty - Jamil Chade (UOL), Paulo Roberto de Almeida

Fiz a nota introdutória abaixo, para a transcrição no FB deste artigo de Jamil Chade:

 

Símbolos monárquicos e religiosos geram críticas contra Araújo no Itamaraty

Jamil Chade

Uol Notícias, 28/02/2021

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/02/27/bandeiras-alimentam-criticas-contra-araujo-no-itamaraty.htm?


 PRA:

O chanceler acidental não deve ser o único templário do Itamaraty, mas os demais cruzadistas devem ser mais discretos, sem pretender exibir o seu fanatismo para não serem objeto de discriminação dos demais colegas.

O chanceler capacho não se peja de exibir sua ideologia fundamentalista, pois tem de provar aos seus amos e senhores que é um soldado da causa, ainda que todas essas demonstrações de adesismo a causas reacionárias sejam anacrônicas e sumamente ridículas.
Finalmente, ele ficou no armário durante quase 30 anos, amargando (e apoiando) tucanices e petismos, como burocrata obediente e subserviente que é, chegando até a defender a “luta armada em defesa da democracia” na presidência de Madame Pasadena.
Segue a trilha do pai, que serviu à República de 1946, no Partido Libertador, mas se distinguiu mesmo na ditadura militar, quando rejeitou quatro pedidos de extradição de um criminoso nazista refugiado ilegalmente no Brasil, no que descurou completamente o caráter imprescritível dos crimes contra a Humanidade, tal como definido em Nuremberg, em 1946, princípio que se agregou ao Direito Internacional, que deve ser acatado pelos governos de todos os países membros da ONU.
O lado ridículo desse exibicionismo do chanceler acidental me faz lembrar de algumas passagens irônicas contra os cavaleiros templários, no Nome da Rosa, de Umberto Eco. O capacho do Itamaraty se sentiria bem bem melhor nessas eras longínquas dos cruzadistas e templários, do que em nossos tempos iluministas e seculares, o que ele transgride despudoradamente, inclusive no que se refere a símbolos republicanos.
Já pensaram no diplomata EA sob o jacobinismo de um Floriano Peixoto? Seria um Quaresma medieval?
Temos algum Lima Barreto no Itamaraty, para fazer uma nova crônica desse novo episódio ridículo? Estou certo que o Batman do Itamaraty, o cronista misterioso da Casa de Rio Branco, que se esconde sob o curioso pseudônimo de Ereto da Brocha, tem nesta matéria de Jamil Chade mais um bom tema para novo petardo à propos...

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Mini-reflexão sobre o Consolo (se isso ajuda...) - Paulo Roberto de Almeida

 Mini-reflexão sobre o Consolo (se isso ajuda...)

Paulo Roberto de Almeida


Alguns argumentam segundo a alegação conhecida: não há mal que nunca acabe!

Sim, sempre tem luz no fim do tunel, ainda que isso demore um bocado de tempo. Vejamos os experimentos autoritários ou totalitários mais conhecidos.


Bolchevismo: 1917-1989

Fascismo: 1922–1943

Hitlerismo: 1933-1945

Estado Novo português: 1928-1970

Estado Novo brasileiro: 1937–945

Franquismo: 1939-1975

Maoísmo: 1949-1979

Stroessner: 1954-1989

Castrismo: desde 1959

Ditadura militar brasileira: 1964-1985

Chavismo: eleito em 1999, continua...


Mas, regimes populistas, mais ou menos autoritários, são mais frequentes: porfiriato no México, varguismo e lulismo no Brasil, peronismo na Argentina, e muito mais, mundo afora.

Que o bolsonarismo seja como o trumpismo: um único mandato.

Mas, isso não significa que a deriva tenha um fim: a Alemanha e a Austria ainda têm a sua cota de nazistas, assim como a Itália de fascistas; Portugal e Espanha exibem saudosistas do salazarismo e do franquismo, a Rússia do stalinismo!


Ah, sim: no Brasil, muitos idiotas,  saudosistas da ditadura militar, pedem o impossível: uma “intervenção militar constitucional”! (sic três vezes).

Trumpistas continuam poluindo o ambiente político americano, sequestrando dezenas de representantes republicanos (pelo menos até que o Grande Mentecapto vá para a cadeia).

No Brasil, beócios vão continuar a gritar “mito”, ainda que o Pequeno Mentecapto possa ir para a cadeia.


Adoradores de tiranos, apoiadores de ditaduras, favoráveis a governos duros e eleitores de “homens fortes” sempre vão existir, em todas as classes e faixas de renda; não se pode impedir as pessoas de serem idiotas, nem de preferir regimes autoritários. Populistas pululam em todos os países, na direita e na esquerda, em nações ricas e pobres.

Nem o mais longo e estável regime parlamentar, a Inglaterra (depois Reino Unido), escapou de conservadores idiotas, assim como a República mais democrática do mundo sucumbiu (e ainda não terminou) a um falastrão mentiroso e medíocre. 

Desculpem se não consegui consolar ninguém: minha racionalidade, sempre embasada na história, costuma passar na frente...

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 28/02/2021

Embaixador enfrenta o Itamaraty e desabafa: “Temos um MONSTRO disfarçado de presidente” - Diário do Centro do Mundo

Embaixador enfrenta o Itamaraty e desabafa: “Temos um MONSTRO disfarçado de presidente”
Diário do Centro do Mundo,
 
Paulo Roberto de Almeida diz que as retaliações que tem sofrido são uma forma de Ernesto Araújo intimidar outros diplomatas

O embaixador Paulo Roberto de Almeida, de 71 anos, foi às redes sociais, nesta sexta-feira (26), criticar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) diante dos mais de 250 mil mortos pela Covid-19 e do negacionismo do governo.

“Não há mais nada a dizer sobre o estado de sanidade mental do MONSTRO que se disfarça de presidente para devastar a nação e assassinar brasileiros. Mas, e o estado de sanidade mental dos que o cercam? Vão continuar participando do GENOCÍDIO? Vão continuar servindo a um PSICOPATA?”, escreveu o diplomata.

Com 43 anos de carreira, Almeida denuncia estar sofrendo “retaliações financeiras” após ter começado a criticar publicamente o trabalho do chanceler bolsonarista Ernesto Araújo.

O diplomata foi demitido do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) em março de 2019 e acabou sendo alocado na Divisão de Comunicações e Arquivo, onde são exercidas funções de caráter burocrático.

Em setembro do mesmo ano, ele e outros colegas de vasta carreira no Itamaraty denunciaram que estavam no ostracismo por serem considerados desafetos de Ernesto Araújo.

Estima-se que ao menos dezesseis diplomatas estão na mesma situação, sendo que o custo desse desperdício de experiência é de cerca de 4,5 milhões de reais por ano.

Em 2020, Almeida deu entrada em uma ação na Justiça Federal do Distrito Federal para responsabilizar a União por ações de assédio moral e de perseguição no Ministério das Relações Exteriores.

Ele acusa o Itamaraty de lhe imputar “faltas injustificadas”, o que teria gerado uma redução no pagamento ao qual tem direito. Por exemplo, o embaixador recebeu apenas 210 reais de salário no mês de janeiro, quando teve um desconto de 99% na remuneração.

Na época, o Itamaraty alegou que ele teria de indenizar o órgão por 20 faltas injustificadas entre maio e agosto de 2019.

Almeida, por sua vez, afirma não ter sido informado que as faltas estavam sendo computadas e diz ainda que apresentou os motivos das ausências nas datas marcadas, entre elas: participações em bancas de mestrado e doutorado, programas de pós-graduação e eventos políticos e diplomáticos, incluindo um cerimonial do Comando Militar em que o próprio Ernesto Araújo estava presente.

A ação tutelar de urgência movida pelo diplomata tem o objetivo de impedir novos descontos sumários em sua folha salarial, anular as “faltas indevidamente imputadas” e, quando for o caso, “o ressarcimento dos respectivos descontos”.

Ele cobra ainda que o Itamaraty o transfira para um posto de acordo com seu grau hierárquico, além de exigir que a União arque com o pagamento de uma multa de 50 mil reais por danos morais.

 

Ricardo Lobo Torres e o direito ao mínimo existencial (Embargos Culturais) - Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Embargos Culturais

Ricardo Lobo Torres e o direito ao mínimo existencial

Por 

Ricardo Lobo Torres (que faleceu em 2018) deixou-nos extensa bibliografia de Direito Tributário. Sua obra, no entanto, é marcada por aliciantes intervenções filosóficas. Deve-se essa característica, creio, à sua dupla formação: licenciou-se em Filosofia (1962/UERJ), bacharelou-se em Direito (1958/UFF) e compôs tese de doutoramento que aproximou esses dois campos (1990/Gama Filho). No doutorado, escreveu sobre a liberdade no Estado patrimonial e no Estado fiscal [1].

Foi um pesquisador interdisciplinar. Aproximou o que de comum havia nas disciplinas que explorava e metodicamente estudava. Entre seus livros, deixou-nos "O Direito ao Mínimo Existencial", publicado em 2009 pela Editora Renovar. Há nesse texto uma concepção humanista da normatividade. Lobo Torres compreendia o Direito como uma técnica a serviço da construção de uma sociedade mais justa. No Direito Tributário, contrapunha-se aos positivistas da tipicidade cerrada, defensores de um formalismo intransigente para com qualquer rompimento interpretativo com a legalidade absoluta. Para Lobo Torres, o Direito deveria se orientar para a plena realização dos ideais de dignidade da pessoa humana. Transcendeu seus pares. Era um visionário.

Em "O Direito ao Mínimo Existencial", Lobo Torres especulou em torno de mecanismos de luta contra a exclusão social, as desigualdades e miséria de um modo geral. O que denominava de mínimo existencial comporia núcleo inegociável no conjunto dos direitos fundamentais. O livro foi estruturado em duas sessões. Trata inicialmente da positivação da teoria do mínimo existencial, explicitando conceito, estrutura normativa, bem como valores e princípios jurídicos que o sustentariam e que justificariam sua plena realização. Na segunda sessão trata-se de sua efetividade, com base na doutrina do status, atribuída a Georg Jellinek (1851-1911), autor alemão cujo trabalho Lobo Torres bem conhecia.

Colocando-se a questão em termos mais simples, e no ambiente da tributação, o mínimo existencial consiste na vedação de qualquer forma de tributação que resulte na impossibilidade de uma pessoa hipossuficiente ter acesso a bens e produtos essenciais para a sobrevivência. É relevante quando pensamos em termos de tributação indireta, que atinge bens e serviços. Trata-se da regressividade fiscal: a tributação acaba pesando mais nos mais pobres.

Lobo Torres realçou do ponto de vista histórico o papel exercido pela Igreja, incumbindo-se do cuidado para com os pobres. Lembrou que essa formulação poderia ter estimulado a mendicância. É o que justifica (acrescento) o fato de que a mendicância fosse enquadrada entre nós como contravenção penal (decreto-lei 3.688-1941), no núcleo das infrações contra os costumes. É o caso de quem pedia esmolas por "ociosidade ou cupidez". Essa disposição vinha desde o Código Criminal de 1890. Foi revogada em 2009. Também do ponto de vista histórico, Lobo Torres predicou a defesa do mínimo existencial em certa tradição europeia que defendia a tributação progressiva, invocando a autoridade de Jeremias Bentham, de David Hume e de Montesquieu. Estava ao lado dos utilitaristas, dos céticos e dos iluministas.

Exemplificou que entre nós há preocupação com o assunto desde a Constituição de 1824, que dispunha sobre garantia de "socorros públicos" (artigo 179, 31). Lobo Torres mapeou essa tradição, caminhando até o dispositivo constitucional atual sobre erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais (artigo 3º, III). Em seguida, motivou o mínimo existencial em padrões de ética, de liberdade, de felicidade, de igualdade e de dignidade. Entendo que há uma fundamentação metafísica, o que revela influencia kantiana exercida sobre o professor fluminense.

Lobo Torres reconheceu que o mínimo existencial é conceito operacional que carece de conteúdo normativo específico. O assunto é pulverizado, do ponto de vista de suposta definição de campos de estudo. Encontra-se nos Direitos Tributário, Financeiro, Previdenciário, Civil, Penal e Internacional. Em passo reducionista, Lobo Torres afirmou que o mínimo existencial ocuparia posição de centralidade, em torno da qual gravitariam o direito ao desenvolvimento humano, à qualidade de vida e à redistribuição de rendas. A teoria do mínimo existencial seria um subsistema da teoria dos direitos fundamentais.

Revela-se uma teoria normativa, na medida em que dirigida à concretização e eficácia de seus valores. Seria também interpretativa, justamente porque implicaria em determinada compreensão dos direitos fundamentais. Essencialmente, a concepção de mínimo existencial seria dogmática também, porquanto somente se realizaria a partir de disposições legais e de intervenções judiciais. Lobo Torres relacionou o mínimo existencial com as teorias da justiça, com especial atenção às críticas formuladas por Hans Kelsen.

Há uma inegável relação do conceito de mínimo existencial com os postulados do Direito natural, criticados por Kelsen. O Direito natural, afirmou Kelsen, não responderia a uma objeção central, que consiste na impossibilidade de formular normas de conduta reta com caráter geral, válidas em todas as circunstâncias. Isto é, a impossibilidade real de um direito natural imutável levou a uma concepção de Direito natural variável. Para Kelsen, não se consegue fixar um parâmetro comum e constante. Lobo Torres contrapõe-se à essa concepção, invocando o caráter absoluto desse Direito, dada sua inegável dimensão valorativa humana.

Os direitos sociais, concede, estariam sujeitos à reserva do possível, de feição orçamentária. Transpõe-se esse óbice destacando-se o mínimo essencial dessa contingência, de vínculo com os direitos sociais. Discorreu sobre intuições de justiça na tradição filosófica ocidental mais recente, com base em John Rawls, em Robert Alexy e em Jurgen Habermas.

Referiu-se a Rawls a propósito de um quadro protetivo do mínimo social, que visaria a assegurar uma igualdade de oportunidades que seria potencialmente imparcial. Socorre-se também do Tribunal Constitucional Alemão, ao qual imputou, inclusive, a noção mais acabada de reserva do possível. Referiu-se ao julgamento dos alunos aprovados, mas não convocados para a Escola de Medicina. A mera aprovação não garantiria a vaga, por falta de orçamento que garantisse a fruição do curso. Comentou a decisão da Corte Alemã.

Lobo Torres considerou com deferência a obra singular de Ingo Sarlet (a quem prioritariamente dedicou o livro). Ingo, maior autoridade brasileira no assunto, inovou na discussão, apresentando a multidimensionalidade de uma reserva do possível que denominou de "fática". Nesse sentido, há de se considerar aspectos financeiros, orçamentários, de recursos humanos, jurídicos, de competência de entes federados, de direitos conflitantes, de proporcionalidade e de isonomia.

O tipo ideal conceitual reserva do possível sujeita-se a fatos concretos, com implicações diretas na aplicação do mínimo existencial, também estruturado na reserva do possível, em seu contexto prático. Lobo Torres insistia na necessidade de se desvencilhar esses dois núcleos conceituais e operativos. Argumentou que a doutrina brasileira "desinterpretou" o conceito de mínimo existencial. Teríamos perdido o sentido originário desse conceito humanista de direito.

De tal modo, argumentou, a estrutura normativa da "reserva do possível" mostra-se como regra (porque demanda subsunção) e não como valor ou princípio. Transita-se no campo dos "limites dos limites", referente à intervenção do Estado, pautada também pela reserva de lei e pelas destinações orçamentárias, em que não há espaço para qualquer forma de discricionariedade.

Lobo Torres defendia a maximização do mínimo existencial com a consequente otimização dos direitos sociais. No plano fático apontava para a teoria das imunidades tributárias. Cuidou de imunidades implícitas (cestas básicas, disposições da legislação do Imposto de Renda, direito à moradia) bem como de imunidades explícitas (acesso à Justiça e certidões, instituições de educação e de assistência social, entidades de previdência privada). Discorreu sobre a legitimação das imunidades, discussão que permanece em aberto na jurisprudência brasileira. Talvez contraditoriamente percebeu no Sistema Único de Saúde-SUS um modelo utópico de gratuidade nos serviços de saúde.

"O Direito ao Mínimo Existencia

l", de Ricardo Lobo Torres, é livro de defesa do resgate humanitário da função do Direito. É documento literário e jurídico de época, datado. Mas, ao mesmo tempo, é presente e permanentemente inspirador. Dessa inspiração recorrente é que se colhe o legado de um grande mestre, de quem sentimos muita saudade.

 

[1] Dedico esse pequeno ensaio a Agostinho Nascimento Netto, preparadíssimo e estudioso colega na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, com quem comungava imensa admiração e respeito por Ricardo Lobo Torres.