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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Brasil caminha para cenário de estagflação - Ligia Tuondo (CNN)

 

Brasil caminha para cenário de estagflação, alertam economistas; entenda 

Cenário mistura Inflação alta e difícil de ser domada com estagnação econômica

Cenário de estagflação combina inflação alta com baixo crescimento
Cenário de estagflação combina inflação alta com baixo crescimento freepik 

Ligia Tuondo CNN Brasil Business

em São Paulo

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Os preços sobem e a vida não melhora. Essa combinação de percepções atingiu com mais força a vida do brasileiro nos últimos meses e pode ficar pior.

Isso porque falta pouco para o país reviver um quadro de estagflação, alertam especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business. Esse cenário se configura quando dois monstros da economia se juntam: inflação alta com baixo crescimento.

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Pressionado sobretudo pelos combustíveis e pela energia elétrica, o IPCA, índice oficial de preços, já encostou nos dois dígitos em 12 meses, muito acima do teto da meta para o ano. Enquanto isso, a previsões para o avanço do PIB (Produto Interno Bruto) no terceiro trimestre já ficam perto de zero, depois de uma leve queda na atividade de 0,1% de abril a junho.

“Isso é preocupante. Se tivermos outro trimestre com PIB negativo, já entramos em uma estagflação técnica, já que a inflação está bastante alta. E tudo indica que nosso crescimento no terceiro período do ano vai ser muito baixo”, diz Matheus Peçanha, economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre).

O desempenho da atividade dos próximos trimestres pode ser só uma mostra de um cenário mais consolidado de estagflação que está sendo desenhado para 2022, já que, para este ano, a expectativa é que a economia brasileira cresça em torno de 4% devido à baixa base de comparação. No ano passado, a queda superou 4%, devido à pandemia.

As menores previsões reunidas pelo Boletim Focus, do Banco Central, apontam para uma alta de 0,5% no PIB de 2022, com IPCA chegando a 5,34%. Ou seja, atividade estagnada com inflação acima do teto da meta que, para o ano que vem é de 5%.

Um cenário como esse penaliza sobretudo os trabalhadores mais pobres, já que o desemprego sobe em meio a uma alta acentuada no custo de vida.

A expressão estagflação foi disseminada em meio à crise do petróleo, que atingiu as principais economias nos anos 1970. Naquele cenário, a commodity passava por uma acentuada valorização, pressionando os preços da economia e piorando o quadro de desemprego, sobretudo nos Estados Unidos.

O último processo claro de estagflação que o Brasil viveu foi nos anos de 2015 e 2016. No primeiro, a economia retraiu 3,5% com um IPCA maior que 10%. No segundo, a retração foi de 3,3%, com inflação de 6,29%. Desde então, a atividade veio se recuperando de forma tímida e com dificuldade, até levar o baque da pandemia.

Hoje, apesar de a atividade estar patinando em meio à alta dos preços, o país ainda não pode ser enquadrado num cenário de estagflação, na opinião de Alexandre Espirito Santo, economista chefe da Órama e professor do Ibmec do Rio de Janeiro. No entanto, o quadro pode mudar em breve, caso a situação fiscal se agrave.

“Nossa principal âncora fiscal, o teto dos gastos, está em xeque. Não conseguimos andar com as reformas estruturantes e ainda surgem problemas de tempos em tempos, como a questão dos precatórios. Tudo isso torna o Estado cada vez mais difícil de ser administrado”, diz.

Anos de baixo crescimento

O Brasil está longe de ter uma economia aquecida já há algum tempo, o que leva Sergio Vale, economista chefe da MB Associados, a acreditar que o país já vive num processo de estagflação, considerando um período mais longo.

“É um pouco do que estamos passando agora. Se considerarmos o intervalo de 2020 a 2022, são três anos de inflação pressionada com crescimento muito baixo”, diz.

O economista considera nos cálculos para essa conclusão um crescimento acumulado de 0,8% nesse período, considerando a previsão de 0,4% no PIB de 2022, ante uma inflação acumulada de 18,2%, que considera a expectativa de IPCA em 4,7% no ano que vem.

Se formos mais longe e considerarmos a últimadécada, o cenário se torna ainda mais gritante: de 2011 a 2020, o IPCA acumulou alta de 74%com crescimento médio em torno de 0,3% ao ano, calcula Espirito Santo.

“Esse cenário foi agravado pela recessão de 2015 e 2016 e pela pandemia”, diz.

Como chegamos aqui

Atualmente situação se complica, porque a ação do Banco Central sobre a inflação é limitada, já que não é a demanda aquecida que pressiona os preços.

A inflação é agravada pela crise hídrica — que aumenta muito o custo da geração de energia –, e pela alta no preço das commodities — resultado de cadeias produtivas desestruturadas e queda de oferta –, que acaba deixando o custo dos produtores mais alto e, consequentemente, afeta o valor do produto final.

“O BC, como tem meta de inflação, precisa elevar a taxa de juro. Mas, sem ajuste fiscal, a taxa de juro estrutural aumenta, o que implica em mais alta de juro. Em outras palavras ficamos num círculo vicioso, o que dificulta a retomada do crescimento sustentável”, diz.

Se de um lado a Selic mais alta reduz a quantidade de dinheiro na economia para puxar os preços para baixo, de outro, freia o ritmo da atividade, já prejudicado pelos impactos da pandemia.

A Selic mais alta foi um dos motivos do Itaú para revisar recentemente sua projeção para o PIB do ano que vem de 1,5% a 0,5%. O banco também revisou sua expectativa para o câmbio que, neste ano, deve chegar a R$ 5,00.

Tradicionalmente, o câmbio tende a valorizar com os juros mais altos — refletindo a melhora no retorno para investidores estrangeiros e a consequente entrada de dólares no país –, mas a moeda tem sofrido efeito inverso pela instabilidade política e econômica.

E a taxa cambial afeta diretamente os preços de toda a economia.

A deterioração do cenário fiscal é resultado de propostas de reformas desidratadas e com a tramitação atrasada. Nesse pacote, entra uma crise institucional alimentada pela tensão entre os Poderes.

“E a crise fiscal não será encaminhada antes de ser resolvida a crise institucional que vivemos”, diz Peçanha, da FGV.

A instabilidade macroeconômica afasta investimentos, e o mercado deixou de acreditar que as reformas estruturantes consideradas hoje pelo Legislativo e pelo Executivo solucionem esse cenário.

“A reforma tributária que deve avançar primeiro, que atinge o IR não é a que a gente precisa, que é a de bens e serviços. Tem coisas ali que no caminho correto, como tributação de lucro e dividendos, mas tem um caráter eleitoreiro muito claro, já que prevê queda de arrecadação no ano que vem, num momento que a gente não deveria ter isso”, diz Vale.

Já a reforma administrativa, que visa abrir mais espaço no Orçamento federal, foi desidratada e chega a ser insuficiente para trazer mudanças significativas no tamanho do Estado, completa. “O texto que chegou ao Congresso continua deixando o serviço público muito engessado”, diz.

Outro empecilho para o investimento estrangeiro, segundo Vale, é como o país vem lidando com a questão ambiental. “Esse é um desafio crescente e está sendo mal resolvido, já que o país se afasta das boas práticas de governança ambiental e social, que viraram esteio de investimento das grandes multinacionais”, diz.


Embargos Culturais: Os vários legados de Victor Nunes Leal - Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (Conjur)

O grande mestre cassado pela ditadura resolveu o enigma do nosso fracasso como país, como nação, como Estado: a subalternidade do município como foco central da vida da nação. Ninguém vive na União, ninguém vive nos estados, todos vivemos num município, daí a importância fulcral da funcionalidade e da centralidade administrativa do município para a vida de cada um de nós. No entanto, o município foi sempre esquecido nos arranjos constitucionais e colocado apenas a serviço das oligarquias, os coroneis (e existem até hoje, sob formas aparentemente modernas). Daí também a grande diferença, entre termos de desenvolvimento, entre, de um lado, as formações políticas anglo-saxãs, cuja democracia, cuja vida, cujo funcionamento parte da aldeia, do village, no máximo do county, do condado, para depois se projetar em esferas mais amplas, e de outro lado, nossos municípios que praticamente não têm vida própria, nem finanças próprias, tudo dependendo do estado ou da União. Vai ser preciso refundar a nação. 

Paulo Roberto de Almeida

Embargos Culturais

Os vários legados de Victor Nunes Leal

Por 

Victor Nunes Leal (1914-1985) foi infatigável estudioso, de quem se dizia acordar às duas horas da madrugada para preparar suas aulas de Direito Constitucional. Doutor em Ciências Sociais, Victor Nunes Leal desenvolveu multifacetária atividade. Foi advogado, jornalista, ministro do Supremo Tribunal Federal, consultor-geral da República, chefe da Casa Civil (no Governo Juscelino). Era um mestre, no sentido mais puro da expressão. Afastado do STF pelo Ato Institucional em 1969, permaneceu na vida pública, advogando, orientando, ensinando, combatendo o autoritarismo e o centralismo. 

O insuperável Roberto Rosas, em "Perfis do Mundo Jurídico"[1] sintetizou as inúmeras habilidades de Nunes Leal. O tema das súmulas, hoje central na expressão prática da vida jurídica, que Roberto Rosas também tratou em livro fundamental[2], radica, objetivamente, em legado de Nunes Leal, mineiro da Carangola. Metódico, Nunes Leal reunia e resumia em cadernos (que já vi expostos na biblioteca do STF) pontos convergentes entre temas discutidos e as várias decisões proferidas. Sintetizava uma linha de pensamento, que reduzia em fórmula rápida e direta. 

Emendou-se o Regimento do STF, concebendo-se um "enunciado de súmula", decidido pelo Plenário, proposto por uma então criada Comissão de Jurisprudência, ou por qualquer dos ministros, nesse caso, com parecer da Comissão. Nesse tema, há interessante estudo de Marcus Gil Barbosa Dias, que foi assessor de Sepúlveda Pertence e que mapeou a luta de Nunes Leal contra o desconhecimento que o STF tinha, em relação às próprias decisões[3]

Nunes Leal batiza a biblioteca do STF e o centro de estudos da AGU. Era vice-presidente do STF quando foi compulsoriamente aposentado pelo governo militar. As emblemáticas decisões de Nunes Leal foram comentadas por Fernando Menezes de Almeida, autor de preciocíssimo Memorial Jurisprudencial desse combativo juiz e advogado[4]

Esse estudo inicia-se com comentários ao decidido no Recurso Extraordinário 54.190; segundo Fernando Menezes de Almeida, "trata-se de acórdão cujo interesse diz respeito não à questão de fundo debatida, mas à invocação de determinada Súmula, o que, no caso, deu ensejo a amplos debates sobre o modo de se aplicarem as Súmulas e, em especial, de se as interpretar"[5]. Essa decisão, penso, é a certidão de batismo das súmulas, em sua dimensão operacional. É o antepassado mais vivo do inciso IV do art. 927 do atual Código de Processo Civil.

O municipalismo é outro tema central em Nunes Leal. Chamo a atenção para O Município e o Regime Representativo no Brasil — Contribuição ao Estudo do Coronelismo, publicado em livro importante para compreensão da realidade brasileira, Coronelismo, Enxada e Voto[6]. No núcleo do pensamento de Nunes Leal, o estigma da centralização, que tem marcado nossa experiência política. O fracasso do modelo dos donatários (criado em 1532) determinou a criação do sistema do governador-geral (com sede em Salvador). Salvo pouquíssimas manifestações nativistas (Emboabas, Mascates), quase nada se fez, em termos de autonomia municipal. 

A experiência joanina (1808-1821) deu muita importância para o Rio de Janeiro, em detrimento dos demais lugares do país. O texto constitucional de 1824 desconhecia a vida da vila, circunstância mantida pelo Ato Adicional de 1834, em que pese pregações descentralizadoras do Padre Diogo Antônio Feijó. O texto republicano de 1891 (reformado em 1926) possibilitou o controle do município pelo poder central, no contexto da política do café-com-leite e do coronelismo, ambiente político e eleitoral pesquisado por Nunes Leal, que estudou também a estrutura normativa da carta de 1946, quando ao município já se outorgavam poderes, competências, características, ainda diminuídos por mentalidade que tudo outorga ao federal, substantivo que usamos muitas vezes como adjetivo.

Para Nunes Leal a propriedade da terra é fator de liderança política local, de onde a relação entre poder e política. É que tal propriedade é historicamente concentrada, determinando dicotomia na composição das classes na sociedade rural. O chefe construía poder a partir do meio agrícola, exercendo-o no meio urbano, que controla à distância, seja da propriedade ou da capital, estadual ou federal.

É no município, no entanto, que se desenvolve a vida real. É no ambiente cotidiano que se aferem serviços públicos, pelo que elenco de competências identificadas em textos normativos apenas contemplam realidade fática. Emperrada pela política tradicional da República Velha, a vida municipal encalacrou-se entre valores como moralização e eficiência, nos primeiros dias do golpe de 1930. Porém o municipalismo foi sufocado com a carta de 1937, que consagrou as orientações de Francisco Campos, suprimindo o princípio da eletividade dos prefeitos. Ao não mencionar o município, o modelo republicano de 1891 promoveu um silêncio enigmático, esfíngico, que possibilitou consolidação normativa, que ensejou o esvaziamento do poder local. 

Nunes Leal identificou pontos essenciais que informam a trajetória do municipalismo brasileiro. Constatou centralização arbitrária, que faz do município meio e não fim, tornando a vida local espaço de manobra para poder distante. Percebeu que injunções locais eram trianguladas por polos de poder (vinculado à posse da terra), de submissão econômica e de procedimento eleitoral falsificado, o que justificou título de seu livro, Coronelismo, Enxada e Voto

Compreendeu que todas as funções da vida prática se dão no município, que detém fins e por isso carece de deter meios também. Observou que a eletividade é princípio sonegado, em nome de uma moralidade volátil, distante. Sublinhou que o silêncio normativo paralisa o município, tomado por tradição histórica que respeita o macro, o grande, consubstanciado no poder central. Despreza-se o micro, o local, onde se vive cotidiano que tem massacrado os mais carentes, cujos gritos e soluços não provocam ouvidos moucos de sistema centralizado. 

É que forças centralizadoras se oxigenam no município, aos quais retribuem com o esquecimento e atitudes interesseiras, como constatado por Nunes Leal. Coronelismo, Enxada e Voto é um livro clássico, que exige permanente atenção, leitura e releitura. Os tempos mudaram, porém, muitas estruturas ainda nos marcam profundamente. 

De igual modo, as súmulas, que antecedem súmulas vinculantes e precedentes qualificados, e tantas figuras contemporâneas, a exemplo de incidentes de resolução de demandas repetitivas e de incidentes de assunção de competência. Foi Fernando Almeida quem coletou passagem de Aliomar Baleeiro no MS 15.866, que se referiu a Nunes Leal como “a própria jurisprudência viva do Supremo Tribunal Federal andando pelas ruas”. 

 

[1] Roberto Rosas, Perfis do Mundo Jurídico, Ribeirão Preto: Migalhas, 2011. 

[2] Roberto Rosas, Direito Sumular, São Paulo: Malheiros, 2012. Roberto Rosas dedica esse livro de leitura obrigatória entre outros, para Victor Nunes Leal. 

[4] Fernando Menezes de Almeida, Memória Jurisprudencial- Ministro Victor Nunes Leal, Brasília: STF, 2006. 

[5] Fernando Menezes de Almeida, cit., p. 11. 

[6] Victor Nunes Leal, Coronelismo, Enxada e Voto. São Paulo: Alfa Ômega, 1976.


domingo, 26 de setembro de 2021

Bibliomaníaco: uma vida através dos livros, 1950 - Paulo Roberto de Almeida

 Bibliomaníaco: uma vida através dos livros, 1950 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Nota prévia: 1949, neste link: Bibliomaníaco: uma vida através dos livros, 1949 - Paulo Roberto de Almeida


1950: 

Não faz muito sentido, estrito senso, falar de livros que foram publicados no primeiro ano de minha existência, quando eu os fui conhecer muitos anos depois, sendo que alguns, publicados em 1950, ainda estão carentes de leitura. Mas, como esta série é dedicada a seguir o relato cronológico dos livros publicados a cada ano, vale registrar esse movimento editorial, por um motivo simplório: segundo alguns, ideias governam o mundo, e como muitas dessas ideias estão condensadas em obras de autores que se tornaram clássicas, por assim dizer, elas merecem, portanto, ao menos um comentário de minha parte, na medida em que muitos desses livros, e suas ideias, interagiram com a minha formação intelectual e com meu próprio pensamento nos anos seguintes, por vezes muito tempo à frente do ano aqui relatado.

Não tenho lembrança, nem fotos, ou relatos familiares, do que possam ter sido meus primeiros três anos de vida, mas tenho vagas lembranças do cenário familiar e do ambiente doméstico no qual vivíamos meu irmão Luiz Flávio (um ano e meio mais velho do que eu), eu mesmo e nossos país, “Seu João”, um modesto operário, depois motorista, depois algumas outras coisas na existência de muito trabalho, e minha mãe, “Dona Laura”, que segundo recordo, se dedicava a lavar roupa “para fora”, para complementar a pouquíssima renda familiar. As imagens que guardo de nossa primeira residência, aliás a única que conheci antes de partir para a Europa muitos anos depois, em 1970, era a de uma casinha modesta, em construção ainda, num terreno que havia sido adquirido quase dois anos antes numa pequena travessa sem saída da então chamada Avenida Imperial – muito depois rebatizada de Avenida Horácio Lafer –, toda ela de terra, no bairro que respondia pelo nome de Chácara Itaim Bibi, quase às margens do rio Pinheiros, um afluente meridional do rio Tietê, o “rio dos bandeirantes”.

Que a “casa” ainda estivesse em construção disso tenho perfeita lembrança, ainda que apenas dois ou três anos depois, pois que havia tijolos aparentes, várias partes carecendo de reboco, um único quarto, o que poderia ser uma sala e a cozinha ao lado, tudo isso ao fundo de um terreno de 30 metros, dando as costas para uma fábrica de peças de baquelite. Na frente da cozinha, depois de um tanque coberto, havia um único banheiro, que suspeito não dispunha, num primeiro momento, de chuveiro elétrico, pois tenho lembranças de nossa mãe dando banho, a mim e ao meu irmão, numa grande bacia de metal colocada no centro da cozinha, despejando sobre nós canecas de água morna. Não tínhamos geladeira, mas apenas uma espécie de armário bem fechado, no qual se podia colocar uma espécie de paralelepípedo de gelo – que era entregue envolto em serragem no portão de casa, por uma carrocinha puxada a cavalo – sobre a qual se podia colocar a carne, a manteiga e alguns outros produtos necessitados de algum tipo de “refrigeração”. Uso da eletricidade estritamente regulamentado, obviamente. 

Nos anos seguintes, o grande terreno à frente dessa casinha foi sendo aos poucos completado: primeiro, um horta, que se estendia ao logo da cerva viva com a casa do lado direito – à esquerda era um terreno de esquina ainda inabitado, no qual jogávamos bola, os garotos com mais idade –; depois uma espécie de marcenaria a céu aberto (depois tapada com folha de zinco, mas sem qualquer parede), na qual meu pai tinha feito uma bancada com uma pequena morsa, para trabalhar suas peças utilitárias de madeira: foi ali que aprendi meu “primeiro ofício”, o de marceneiro, que quase se converte em profissão de verdade, na decisão sobre o que fazer depois de terminar o primeiro ciclo, chamado então de primário. Pouco depois, ao lado da marcenaria, foi colocado um tanque, em pleno sol, para que minha mãe pudesse lavar as roupas que lhe eram entregues pelos vizinhos sem máquina de lavar (e deviam ser muitos, pois todas as casas da pequena travessa eram muito modestas). Assim foram meus primeiros anos, de brincadeiras no grande terreno vazio, depois ocupado por um pequeno cão que me seguiu fielmente durante muitos anos, Lulu, ou então na própria rua, que, ao não ter saída, oferecia garantia de que não seríamos atropelados por algum carro afoito. O final da travessa era bloqueado por uma pinguela sobre um riacho, onde eram descarregados todos os esgotos da redondeza, que cruzávamos regularmente para evitar uma volta no quarteirão, nas idas à “Padaria Mondego”, no ângulo oposto, buscando a bengala, o pão francês e algumas outras coisas. A isto se resumiu meus primeiros anos de vida.

Quanto aos livros, vários que eu li depois foram publicados em 1950, vários retirados na Biblioteca Infantil Municipal Anne Frank, um quarteirão mais à frente, logo acima do Parque Infantil, que foi minha primeira experiência de socialização com crianças de minha idade. Um desses livros, que devo ter lido no final dos anos 1950, foi a aventura de Thor Heyerdahl no Pacífico, Kon-Tiki, em busca de provar sua tese de que os habitantes da ilha da Páscoa vieram da costa da América do Sul, na altura do Peru, numa jangada rudimentar que ele próprio construiu, de acordo com o que supunha fossem os meios técnicos disponíveis milhares de anos atrás: sem qualquer peça de ferro ou material que não fosse extraído da própria natureza. A história me fascinou e durante muito tempo procurei saber mais sobre o mistério das gigantescas estátuas da ilha e sobre a transmigrações de povos pré-históricos. 

Outro livro publicado em sua edição original em 1950 foi um dos volumes da História da Civilização, de Will Durant, mas numa edição brasileira, provavelmente publicada em meados da década. Não me recordo, agora, se li a versão unificada dessa obra, cujo original havia sido publicado em 1931, ou se foi algum dos volumes que ele publicou sobre as diferentes eras da história, da antiguidade à época contemporânea. Qualquer que seja o caso, Will Durant acentuou meu enorme gosto pela história, que já tinha sido despertado desde meus oito anos aproximadamente pela versão feita por Monteiro Lobato da História do Mundo para as Crianças, uma releitura de Dona Benta de uma obra publicada muitos anos antes nos Estados Unidos. 


 Ao falar dos livros que li, ainda que anos depois de 1950, não me eximo de falar de dois outros livros publicados no mesmo ano, que nunca “enfrentei”, mas sobre os quais li muitas resenhas e referências, todas elogiosas. O mais interessante, que ainda está na minha lista de “livros para ler”, é o de Octavio Paz, El Labirinto de la Soledad, que é uma visão antropológica-histórica-filosófica sobre a identidade nacional mexicana, ou mais exatamente sobre as insuficiências e frustrações do que se poderia chamar de não desenvolvimento mexicano, algo aliás comum a muitos outros países latino-americanos, mesmo sem possuir a herança étnica e social do grande país asteca. O outro, talvez ainda mais famoso, é o de Isaac Asimov, I Robot, o escritor russo que inventou o termo e definiu toda uma literatura de ficção dentro do gênero futurismo cibernético. Interessante é saber que Asimov concebeu seus romances antes mesmo do desenvolvimento dos computadores, justamente a partir dos anos 1950 (mas apenas como mainframes, não miniaturizados para serem integrados a robôs). Esse romance tem as famosas leis que todo robô deveria, teoricamente seguir: 1) nunca fazer mal a um ser humano; 2) sempre seguir as ordens de um ser humano, a não ser que uma ordem seja contrária à primeira regra; 3) um robô precisa proteger sua própria existência, desde que isso não conflite com a primeira e a segunda lei. 

O ano de 1950, no Brasil, foi o da fragorosa derrota do Brasil na final da Copa do Mundo, contra o Uruguai, país no qual vivi 40 anos depois, e onde ainda se falava, nos jornais e na TV, dos “heroes del 50”, vários ainda sobreviventes em 1991-1992, quando lá morei. Dessa primeira grande tragédia nacional eu não guardo nenhuma recordação obviamente, assim como tampouco do retorno de Getúlio Vargas ao poder, no ano seguinte. Mas tenho vagas lembranças do tremor que sucedeu ao seu suicídio, em 1954, pois foi o que mais abalou não apenas o meu pai, como outras pessoas que marcaram a minha infância. Do governo de JK, eu me lembro, especialmente, da fabulosa vitória na Copa do Mundo de 1958, e da efusão de alegria que se seguiu, com os gols do garoto Pelé. Também me lembro de ter acompanhado meu pai na cabine de votação quando das eleições de 1960, fervoroso apoiador que ele era do homem que “varreria” a corrupção: tínhamos um broche com a vassourinha, depois relegada ao esquecimento quando da tremenda decepção em agosto de 1961. Mas, esses são episódios que voltarão ao registro quando eu abordar os livros desses anos. Por enquanto fico nisto.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 26 de setembro de 2021.

 

 

Bibliomaníaco: uma vida através dos livros, 1949 - Paulo Roberto de Almeida

 Bibliomaníaco: uma vida através dos livros, 1949

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 


 1949: 

Eu nasci no final do ano de 1949, mais exatamente no dia da Bandeira, em 19 de novembro. Não daria, assim, para falar dos livros que foram publicados no decorrer do ano, pois que eles não me “alcançariam” sequer na maternidade. Ainda assim, fica difícil não falar de dois que apareceram nesse ano, na quase exata metade do século XX. Desde quando me conheço por gente, pelo menos depois que aprendi a ler, na tardia idade de 7 anos, comecei a prestar atenção nos livros, primeiro os infantis, depois os de adolescente, mais tarde os de adulto, já precocemente. Mas nada me impede de falar de livros que “acompanharam”, se ouso dizer, minha primeira infância, pois este é o sentido de registro “livresco” de minha vida, como pretendo fazer nestas notas, ano a ano.

O mais importante deles, 1984, de George Orwell, veio a público nesse ano, mas tinha sido terminado no ano anterior, 1948 (daí a inversão futurista dos dois dígitos finais), ano do nascimento de meu irmão Luiz Flávio, em agosto. O romance, vindo pouco depois do Animal Farm (A Revolução dos Bichos), foi logo identificado pela direita, especialmente pelos americanos engajados na chamada Guerra Fria contra a União Soviética, como sendo um manifesto anticomunista, mais exatamente uma condenação do totalitarismo brutal do regime stalinista na pátria do socialismo. Orwell não concebia que essa obra distópica reproduzisse os gulags – praticamente campos de escravidão, pura e simples – da União Soviética, pois o enredo se situa mais no plano de um totalitarismo tecnocrático, estilo Aldous Huxley, do que no ambiente sombrio dos campos de trabalho forçado, como ressaltado na produção de um dos primeiros dissidentes do universo stalinista, Arthur Koestler. Mas isso eu só vim a descobrir muito mais tarde, quando passei a ler a literatura socialista, e a anticomunista também, e um dos primeiros nessa vertente foi o de Alexander Soljenitsin: Um dia na vida de Ivan Denisovitch, no ínicio dos anos 1960, livro rapidamente traduzido com a ajuda da CIA e distribuído no resto do mundo, como tinha sido feito com o Animal Farm, do próprio Orwell nos anos 1950.

O outro, não exatamente um livro, apenas um ensaio, “Why Socialism?”, publicado no número inaugural da Monthly Review (maio 1949), uma revista de esquerda, era de ninguém menos do que Albert Einstein, no auge da sua glória. Também só vim a tomar conhecimento dessa obra, que achei um pouco ingênua, muito tempo depois, já na idade adulta, quando tinha realizado minha conversão completa, da crença inicial nas virtudes do socialismo, e aderido a uma visão liberal do mundo. Em todo caso, Einstein refletia as reações mais comuns às desigualdades inerentes ao capitalismo, suas motivações egoístas, falta de cooperação, concorrência acirrada e propensão a crises e ao desemprego. O grande físico nuclear era naturalmente inclinado a um sistema de planejamento que pudesse evitar esse lado menos brilhante dos sistemas capitalistas, mas também temia o lado burocrático e o cerceamento das liberdades, que sabia existir nos socialismos de tipo soviético. 

Outros livros que foram publicados no ano de meu nascimento, e que vim a ler muitos anos depois, foram o clássico de Victor Nunes Leal, Coronelismo, Enxada e Voto, sobre o chamado voto de cabresto do coronelismo do interior, e aquele que se converteu num dos meus preferidos, da primeira adolescência: C. W. Ceram: Deuses, túmulos e sábios: a história da arqueologia; essa obra me converteu em “arqueólogo amador”, pois foi por ele que eu comecei a decorar as dinastias do antigo Egito e a alimentar o desejo de aprofundar o conhecimento das escrituras dos povos do Oriente Médio. Em 1949, o historiador José Honório Rodrigues, publicava o seu Teoria da História do Brasil, que junto com os demais livros de historiografia brasileira, foi essencial no meu aperfeiçoamento na disciplina histórica, ao lado de minha formação em ciências sociais, ao longo da graduação e dos estudos especializados. 

Ao sair da maternidade poucos dias depois do nascimento, não imagino como devem ter sido as primeiras semanas e meses numa família muito pobre, praticamente sem livros ou outros materiais de leitura. As primeiras lembranças que tenho de minha primeira infância se referem ao quarto centenário da cidade de São Paulo, quando fui visitar o recém-inaugurado Parque Ibirapuera, levado pelas mãos do meu pai. Nessa altura, 1954, eu já devia estar frequentando o Parque Infantil, nas proximidades de minha casa, no modesto bairro do Itaim Bibi, ao sul da cidade, perto do rio Pinheiros. 

Relatei um pouco dessa fase inicial num pequeno texto que deve entrar ao início desta série que estou planejando para seguir, ano a ano, as publicações anuais, de livros que eu fui lendo gradualmente já na fase adulta. Chamo a atenção para estes dois primeiros, que apresentam alguma coincidência com partes de alguns parágrafos acima: 

3913. “De um século a outro: dos livros para o mundo (uma trajetória intelectual)”, Brasília, 14 maio 2021, 4 p. Introdução, ou prefácio, preliminar a livro que pretendo escrever gradualmente enfocando cada novo capítulo como se fosse um ano completo de aprendizado, experiências e leituras ao longo da vida; escrito em algum momento entre 2020 e 2021, divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/05/uma-vida-atraves-dos-livros-1.html).

 

3914. “Uma Vida Através dos Livros: 1949”, Brasília, 15 maio 2021, 2 p. Primeiro capítulo do projeto de livro, focando, de maneira preliminar sobre o ano de meu nascimento. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/05/uma-vida-atraves-dos-livros-1949-paulo.html).

 

Darei continuidade a esta série nos anos seguintes, sempre entremeando pequenos relatos de meu itinerário pessoal, com as edições anuais que marcaram minha trajetória intelectual, ainda que de modo bastante defasado no tempo.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3897: 25 setembro 2021, 3 p.


sábado, 25 de setembro de 2021

Tit for Tat at the Human Rights Council: China Policy - Jamil Chade (The Geneva Observer)

Tit for Tat at the Human Rights Council


By Jamil Chade
The Geneva Observer Website, 24/09/2021 
http://www.thegenevaobserver.com

China is increasing its pressure on the Human Rights Council while trying to fend off the growing criticism it faces from the Western group about its human rights record in Xinjiang and elsewhere. Beijing’s main target is the U.S., following Washington’s increasingly assertive stance towards China after it entered in a new security alliance with Australia and the UK (AUKUS).

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The Chinese offensive is mostly conducted by pushing resolutions before the Council, the latest of which denounces colonialism. In a draft proposal seen by The G|O, the Chinese want the Council to take action on “the negative impact of legacies of colonialism on the enjoyment of human rights.”

The sweeping move is interpreted by Western delegations as an effort by China to convince African nations that Beijing is on their side on the issue. It also takes an indirect swipe at U.S. behaviour in Afganistan. (China just called for a lifting of sanctions on Afghanisan, to allow the Taliban access to billions of dollars in frozen assets which the West meant to use as leverage on the new regime.)

However, the initiative was also seen as part of a response to a growing understanding amongst Western allies that China’s human rights record—including the situation with Muslim minorities—needs to be dealt with by the Council.

U.S. human rights record on trial

China, on its side, has stepped up its response, with statements questioning the U.S. and Europe. During the special session on Afghanistan, in August, Chinese Ambassador Chen Xu supported the idea that “the US, UK, Australia, and other countries must be held accountable for the violation of human rights committed by their military in Afghanistan, and the evolution of this current session should cover this issue. […] Under the banner of democracy and human rights, the U.S. and other countries carry out military interventions in other sovereign states and impose their own model on countries with vastly different histories and culture,” Chen said.

On September 14th, at the Human Rights Council, China once again made the US the center of its opening intervention: “We are deeply concerned about chronic human rights issues in the United States,” it claimed, citing “disregarding the right to life, systemic racism, racial discrimination, genocide against native Indians, human trafficking and forced labor.”

Three days later, again at the Council in Geneva, Beijing made it clear it had placed the U.S. as a target of its criticism—first, by delivering a statement accusing the U.S. of having “practiced history abhorrent slavery and slave trade (sic),” and saying it “remains plagued with human trafficking and forced labor to this date.” It also claims that “Under the dominance of White Supremacy, discrimination against migrants, women, children and racial minorities prevails in the U.S.”


China blasts US military interventions


On the 21st of September, in an interview with state agencies, the spokesperson of the Ministry of Foreign Affairs of China, Zhao Lijian, claimed the U.S. has committed “grave human rights crimes overseas.”

“During its over 240 years of history, there were only 16 years when the U.S. was not at war. From the end of WWII to 2001, the U.S. has initiated 201 of the 248 armed conflicts in 153 places, accounting for over 80%,” he claims. “It is preposterous that the U.S. claims to be ‘protecting human rights’ at every turn. Is it protecting human rights when staging wars of invasion?”

The next day, in Geneva, the Chinese mission took the floor to “urge the countries concerned to immediately stop illegal military intervention,” and for the UN and individual countries to “carry out comprehensive and impartial investigation into cases of unlawful killing and torture of civilians and other gross human rights violations committed by their military personnel, and hold perpetrators accountable.”

Changing the focus of the debate

Another way to counterpressure the West is to table resolutions that change the focus of the debate, and put the focus on Western powers—hence its recent proposal.

In the draft document, Beijing reaffirms that, “the existence of colonialism in any form or manifestation is incompatible with the Charter of the United Nations, the Declaration on the Granting of Independence to Colonial Countries and Peoples, and the Universal Declaration of Human Rights.” It also “regrets” that measures to eliminate colonialism by 2010—as called for in the General Assembly resolution 55/146 of 8 December 2000—have not been successful.

In fact, the UN has established that the period 2021-2030 is the Fourth International Decade for the Eradication of Colonialism. However, Western sources tell The G|O that the move by China goes beyond that single issue. China, they say, wishes that “legacies of colonialism, in all their manifestations, inter alia, economic exploitation, inequality within and among states, systemic racism, violations of indigenous peoples’ rights, contemporary forms of slavery, damage to cultural heritage” be recognized as having a “negative impact on the effective enjoyment of all human rights.”

The proposed resolution also invites United Nations human rights mechanisms and procedures “to pay attention to the negative impact of legacies of colonialism on the enjoyment of human rights,” and calls on the “United Nations bodies, agencies, and other relevant stakeholders to take concrete steps to address [those negative impacts].”

China also requests the UN convene a panel discussion on the question, with the aim to “identify challenges in addressing the negative impact of legacies of colonialism on human rights, and discuss ways forward.”


According to diplomatic sources, Beijing also wants the issue kept on the agenda of the Council in order to maintain political constraint on those governments that may be challenging China on human rights issues. Beijing is using procedure as a mechanism to press its case: it has requested that Office of High Commissioner prepare and submit a summary report on the panel discussion to the Council at its 54th session and to provide “all necessary resources for the services and facilities.”

The resolution will be voted on in the second week of October.

“I Have Eliminated 'the West’ from My Vocabulary” - Christoph Heusgen, Merkel's Foreign Policy Advisor (Der Spiegel)


 
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Interview Conducted by Christiane Hoffmann und Christoph Schult