O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 4 de dezembro de 2021

Mini reflexão sobre a escassa possibilidade dessa coisa rara chamada Idealpolitik expandir-se na representação política - Paulo Roberto de Almeida

Mini reflexão sobre a escassa possibilidade dessa coisa rara chamada Idealpolitik expandir-se na representação política

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Especulando inocentemente, como sempre faço todas as manhãs: metade do eleitorado consciente, ou seja, bem-informado e dotado de postura cidadã, não deve ainda ter ideia em quem vai votar em 2022.

Eu não tenho essa preocupação, pois meu voto não fará nenhuma diferença: os candidatos nos quais eu votaria, ou nos quais estaria disposto a votar, não correm nenhum risco de serem eleitos: são muito idealistas.

 

Meu grau de aderência ao acesso de partidários da Idealpolitik ao Congresso: 2%. A quase totalidade dos eleitores quer ouvir promessas impossíveis: nessas condições, só os mentirosos são capazes de satisfazer tal pretensão, como já disse Thomas Sowell. 

 

Aliás, o que seria a Idealpolitik

Cabe definir!

 

Ser idealista é acreditar, por exemplo, no fim da corrupção na política, no fim da impunidade, na possibilidade real e concreta de punição aos políticos corruptos. Amostras convincentes dos adeptos das rachadinhas — entre elas as familícias — estão à vista de todos, e elas estão sendo constantemente protegidas pelos colegas parlamentares e até por juízes corruptos, o que inclui magistrados das mais altas cortes. Esse tipo de vergonha ocorre mais frequentemente do que se crê. 

 

E por que é difícil terminar com a corrupção na vida política?

Acredito que seja porque, em primeiro lugar, a política atrai os “ambiciosos mas preguiçosos”: a política lida com vastos recursos de dinheiro arrecadados de milhões de trabalhadores, honestos ou desonestos não importa, dinheiro real, arrancado compulsoriamente de todos os trabalhadores ativos por leis aprovadas pelos políticos, isto é, os chamados representantes do povo. 

Essa possibilidade de se servir do dinheiro alheio atrai muita gente, inclusive alguns idealistas, mas geralmente pessoas que gostariam de ter esses recursos à sua disposição, sem ter necessariamente de trabalhar duro para conquistá-lo mediante seus próprios esforços. 

 

Daí se constrói um ambiente de conivência entre partidários do mesmo “credo”: “Vamos fazer de forma a tornar a nossa vida mais fácil, cuidando do dinheiro de todos, por meio de serviços públicos, mas antes vamos tratar de reservar uma boa parte para nós mesmos.”

 

Essa é a fórmula mágica que atrai aqueles que denominei de “ambiciosos mas preguiçosos” para a vida política. Ela é a maneira mais fácil de viver bem, sem precisar mourejar — termo suspeito e discriminatório — exageradamente em alguma atividade ligada à produção de riqueza. É evidente que “manipular” riqueza sem a necessidade de criá-la por suas próprias mãos é bem mais atrativo do que juntar ferramentas ou a inteligência para plantar, fabricar produtos, oferecer serviços úteis à vida de terceiros e outras atividades “desgastantes”. Que prazer ter esta perspectiva: “aqui está o bolo de dinheiro que conseguimos arrecadar de todos aqueles que trabalham honestamente; vamos decidir agora como gastá-lo!” 

(É evidente que os desonestos estão fora dessa equação, pois eles subtraem secretamente recursos de terceiros sem declarar abertamente, ou oferecem “serviços”, drogas por exemplos, que são legalmente proibidos ou sancionados.)

 

Daí surgem os mil e um expedientes feitos para facilitar a vida dos chamados “representantes do povo”: bons salários, casa, comida e roupa lavada, isto é, bons serviços sempre cobertos pelo dinheiro dos outros, o que inclui serviçais de todos os tipos, em geral aspones que fingem trabalhar por algum valor qualquer e que até “consentem” em que parte dos seus salários reverta em favor de quem lhes prodigou tal situação ideal: ganhar algum sem precisar se esforçar muito (ou seja, a mesma situação do “representante do povo”, só que servindo ao próprio).

Esse é o ambiente de conivência que explica as rachadinhas, tão comuns no ambiente político.

As facilidades, prebendas e gostosuras da vida fácil contaminam todo o ambiente político, e servem inclusive aos idealistas (menos aos muito austeros, honestos e desprendidos). Fica quase impossível escapar ao ambiente de mútua compreensão com respeito às “facilidades” da vida política.

 

Mas atenção: não é fácil adentrar nesse meio! É preciso muita capacidade de convencimento, de conversa credível, para conseguir que os trabalhadores comuns deleguem tal poder de representação nos órgãos de serviço público, ou seja, as instituições do Estado, mais exatamente o poder legislativo, aquela parte do Estado que dispõe sobre o seu dinheiro (a maior parte arrecadada compulsoriamente).

É preciso muita lábia, muita conversa convincente para se obter tal mandato de representação. 

Em última instância, é preciso ter alguma capacidade de argumentação, ou então a faculdade de ter ficado famoso em alguma atividade de interesse público, música, esporte, radialismo, lugares de culto religioso, associações de classe, corporações de ofício, ou na própria atividade pública (segurança civil, por exemplo). O reconhecimento público já é a porta de entrada na política, por boas e más razões.

É aqui que os idealistas se juntam, convivem, eventualmente se congraçam, com os oportunistas, aqueles a quem eu chamei de “ambiciosos mas preguiçosos”.

Esta é a natureza humana, feita de todos os tipos de pessoas, entre elas aqueles a quem o cineasta Sergio Leone resumiu num título clássico: “O bom, o mau e o feio”!

Pode ser simplificação, mas é mais ou menos assim que funciona a maior parte da humanidade, sendo que ninguém consegue ser inteiramente uma coisa só o tempo todo: posturas e situações vão se alternando e se substituindo em função de circunstâncias variadas, que não são controladas por alguém em especial o tempo todo. 

Uma coisa, porém, favorece a existência de um maior número de “oportunistas”, com respeito ao menor número de “idealistas”: a lei da inércia, a tendência mais provável e constante, a mais universal, que atinge o ser humano: a propensão a ficar idle, ou seja, inativo, esperando que alguém faça para si aquilo que deve ser feito: cuidar da alimentação, da casa, da segurança, enfim, de todas as pequenas coisas que tornam a vida vivível e suportável.

 

Essa é a razão, também, da existência de certo número de demagogos, de mentirosos e até de autoritários (geralmente demagogos e mentirosos) na arena política: existe uma demanda constante, regular, inevitável, por esse tipo de gente na vida política. 

A lei do menor esforço!

Ela acaba redundando no maior esforço da maioria em seu próprio detrimento e em favor do grande número de oportunistas na vida política.

Os idealistas, que também existem, os partidários da Idealpolitik, estão ali pelo meio…

Sorry pelo exercício de Realpolitik!

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4036: 4 dezembro 2021, 4 p.

 


sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Sobre os impulsos democráticos no chamado “despotismo oriental” - Paulo Roberto de Almeida

 Sobre os impulsos democráticos no chamado “despotismo oriental”

Paulo Roberto de Almeida

A China pretende ser uma “autocracia democrática”. Cansada de receber “lições de democracia” de potências “ocidentais” — um conceito menos válido atualmente, pois que Ocidente conquistou o mundo e praticamente universalizou o seu modo de produção, inclusive na China, mas menos suas instituições, seus valores e princípios no plano do “modo de governar” —, a atual gestão autocrática-democrática do novo imperador promete mostrar ao mundo como funciona o seu modo “democrático” de governar o Império do Meio.

“China to issue white paper on its democracy

CGTN, 03-Dec-2021

Deputies to the 13th National People's Congress (NPC) leave the Great Hall of the People after the closing meeting of the fourth session of the 13th NPC in Beijing, capital of China, March 11, 2021. /Xinhua 

China's State Council Information Office will release a white paper titled "China: Democracy That Works" at 10 a.m. Saturday, and a press conference will be held by the Office.”

Depois da Grande Fanfarra em torno dos 100 anos do glorioso PCC - o único partido comunista no mundo que conduziu o mais exitoso processo de construção do capitalismo num só país, e que aparentemente funciona melhor que o velho capitalismo manchesteriano —, agora é a vez de demonstrar que o PCC também é capaz de “construir a democracia”.


Vamos fragmentar essa coisa dos 100 anos em partes menores. Os primeiros 30 anos do PCC, de 1921 a 1949, foi de lutas contra o “feudalismo”, contra a burguesia “compradora” associada ao imperialismo ocidental, contra os senhores da guerra, contra o governo ditatorial de Chiang Kaishek, que dominava o Kuomintang, um antigo aliado nos tempos do Sun Yatsen, e contra os invasores japoneses.

Os segundos 30 anos, de 1949 a 1979, fase do maoismo demencial, foram dominados por uma tirania economicamente destruidora do que havia sobrado de sua economia, depois de um século e meio de letargia no crescimento, e de destruição de suas instituições políticas e de suas tradições culturais. O maoismo afundou a China, a despeito de ter afirmado à independência do país e garantido uma certa ordem (mas que várias vezes descambou em pura anarquia).

Apenas nos últimos 40 anos foi que o PCC se redimiu, com Deng Xiaoping, que deu início a um doloroso, mas efetivo processo de recuperação, com alguns percalços pelo caminho (como o massacre da Praça Tian Anmein, em 1989). Seus sucessores, Jiang Zemin e Hu Jintao, deram continuidade à construção do capitalismo com características chinesas.

Agora é a vez do novo Imperador, Xi Jinping — que rompeu com o sistema “helvético” de rotação no poder —, tentar criar o se modelo de “democracia com características chinesas”. 

Será que vai dar certo, essa coisa vinda do alto? Provavelmente sim, pelo menos enquanto o PCC garantir certa ordem na construção da prosperidade geral dentro da maior economia de mercado do mundo. Mas, o problema é que toda liderança eterna, feita em bases autocráticas, acaba restringindo as liberdades de inovação e de economia criativa que brotam naturalmente da energia do povo trabalhador e dos quadros médios, que precisam ter mais espaço para ousar. 

Deve durar mais uma geração.

Depois veremos…

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3/12/2021

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

José Guilherme Merquior, 80 anos (6): textos relativamente inéditos ou pouco conhecidos - Paulo Roberto de Almeida

 Jose Guilherme Merquior: textos inéditos ou pouco conhecidos

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata; IHG-DF; Ibmec-Brasília

Nota preparatória ao:

Seminário Internacional José Guilherme Merquior: 80 anos

9 e 10 de dezembro de 2021

Inéditos de José Guilherme Merquior: Dia 10/12/2021, 16h

  

Pretendo nesta nota preparar a apresentação de alguns trabalhos pouco conhecidos de José Guilherme Merquior, ou talvez até relativamente inéditos, no sentido em que eles não foram recolhidos, na forma em que foram apresentados por ele uma primeira ou única vez, em seus livros editados comercialmente. Apresentei alguns desses “relativamente inéditos” na brochura que preparei em abril de 2021, abaixo referida: eles são, linearmente, o seu discurso de posse como orador da turma do Instituto Rio Branco (dezembro de 1963), sua tese apresentada no I Curso de Altos Estudos no Instituto Rio Branco, “O problema da legitimidade em política internacional (1978)”, ambos recolhidos no volume preparado pelo Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais do Itamaraty: Celso Lafer et alii, José Guilherme Merquior, diplomata (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1993, respectivamente 39-45 e 47-80). 

Nessa minha brochura também figura o ofício sobre os grandes desafios da Guerra Fria num momento de tensões entre as grandes potências, “O sistema internacional e a Europa Ocidental”, que ele redigiu quando era secretário da embaixada do Brasil em Bonn, em 1973, que encontrei em separata mimeografada na Biblioteca do Itamaraty, pois que na época deve ter sido considerado tão bom que merecia divulgação mais ampla (deve ter, injustamente, dormido o sono dos justos, pois que não encontrei, naquelas antigas fichas de retirada usadas outrora pelas bibliotecas nenhum registro de consulta). Creio que eu o divulguei pela primeira vez, e remeto os interessados a essa brochura informada abaixo.

Existem muitos outros inéditos de José Guilherme Merquior que fazem parte de seu espólio, e que serão divulgados oportunamente, dotados de aparato crítico e informativo, pela Editora É Realizações. Vou limitar-me, nesta nota, a apresentar alguns poucos trabalhos menos conhecidos de Merquior, como menciono ao final, sem, no entanto, apresentá-los na devida forma, o que deverá ser feito em trabalho posterior.

Durante o ano de 2021, aos 30 anos de sua morte, quando ele teria completado 80 anos a partir do seu nascimento, eu tentei imaginar, o que ele poderia ter ainda produzido, na fase mais produtiva de uma vida toda ela dedicada às leituras, aos estudos, às reflexões e à escrita, se não tivesse falecido prematuramente em 1991. Falei sobre isso numa de minhas postagens no blog Diplomatizzando logo em 5 de janeiro deste ano. 

3838. “Trinta anos sem José Guilherme Merquior”, Brasília, 5 janeiro 2021, 3 p. Listagem das postagens feitas em torno do “ano Merquior”, uma série de postagens com materiais dele e sobre ele, no blog Diplomatizzando(6/01/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/01/trinta-anos-sem-jose-guilherme-merquior.html).

 

Merquior, em vida, no curto espaço de 30 anos aproximadamente, produziu muito mais do que o que foi possível ser divulgado por seus editores de livros e revistas, pelos jornalistas aos quais ele fornecia seus artigos bem-humorados, alguns vitriólicos ou irônicos, outros irrespondíveis, contra algum parceiro acadêmico, eventualmente portador de ideias opostas, mas jamais um adversário intelectual. Ele se relacionava, pode-se dizer, com todas as seitas e tribos acadêmicas, num espírito de diálogo aberto, como se todos estivessem reunidos num daqueles salons do Ancien Régime, onde se reunia a République des Lettres, debatendo novas e velhas ideias.

Efetuei uma nova postagem sobre sua trajetória quatro meses depois: 

3891. “José Guilherme Merquior, um intelectual brasileiro: 80 anos do nascimento”, Brasília, 16 abril 2021, 16 p. Dossiê seletivo com coletânea de postagens e documentos relativos à trajetória pessoal, funcional e intelectual do grande diplomata intelectual. Divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/jose-guilherme-merquior-um-intelectual.html).

 

Finalmente, organizei um dossiê sobre sua obra em formato de brochura e preparei uma apresentação tentando consolidar uma ampla informação sobre a sua produção intelectual, inclusive falando de alguns inéditos, ou relativamente pouco conhecidos como seu discurso de posse no Itamaraty, sua tese do Curso de Altos Estudos e palestras variadas: 

3894. José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro, Brasília, 19 abril 2021, 322 p. Coletânea de textos de e sobre o grande intelectual diplomata, com exceção do prefácio, agregado posteriormente. Em revisão para tornar o volume menos pesado. Versão abreviada, com links remetendo a pdfs em Academia.edu, 187 p. Postado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/46954903/Jose_Guilherme_Merquior_um_Intelectual_Brasileiro_2021_); divulgado no blog Diplomatizzando (20/04/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/jose-guilherme-merquior-uma-homenagem.html).

 

3895. “Prefácio ao livro José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro, Brasília, 19 abril 2021, 6 p. Agregado à brochura composta sob n. 3894. Divulgado no blog Diplomatizzando (20/04/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/prefacio-ao-livro-jose-guilherme.html).

 

3896. “Apresentação José Guilherme Merquior”, Brasília 21 abril 2021, 14 slides. Síntese da trajetória intelectual de JGM, com destaque para a sua produção de livros próprios e breves referências a obras sobre seu pensamento. Elaborado em formato de Power Point para apresentação em debate organizado pelo diretor de comunicação do Livres, com a participação de Celso Lafer, Gelson Fonseca, Bolivar Lamounier e Persio Arida, via Streamyard (link para o grande público: https://youtu.be/mtJJu_0eBeg), dia 22/04/2021, 18:00hs, aos 80 anos de JGM. Apresentação em pdf disponível nas plataformas Academia.edu (link: https://www.academia.edu/47382701/Jose_Guilherme_Merquior_um_intelectual_brasileiro_apresentacao_2021_), Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/351060079_Jose_Guilherme_Merquior_um_intelectual_brasileiro_presentation) e divulgada no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/jose-guilherme-merquior-um-intelectual_21.html); DOI: 10.13140/RG.2.2.31640.52483

 

Dois anos atrás, eu já havia feito uma análise mais ou menos ampla de sua obra publicada, mas centrada apenas nos trabalhos de sociologia política, à exclusão dos textos tratando de literatura ou filosofia. Esse trabalho acabou sendo incluído como posfácio na reedição do Foucault: 

3577. “José Guilherme Merquior: o esgrimista liberal”, Brasília, 7-19 fevereiro 2020, 48 p. Ensaio sobre a produção intelectual de José Guilherme Merquior no campo da sociologia política, para volume coletivo sobre os intelectuais na diplomacia brasileira. Enviado a embaixadores que conheceram e conviveram com Merquior. Complementado pelo trabalho 3579: “Merquior diplomata: o sistema internacional e a Europa ocidental”. In: José Guilherme Merquior, Foucault, ou o niilismo de cátedra (nova edição: São Paulo: É Realizações, 2021, 440 p.; ISBN; 978-65-86217-22-3; tradução de Donaldson M. Garshagen; posfácio; p. 251-320). Relação de Publicados n. 1383.

 

Dois anos antes, eu havia preparado, quando ainda estava como diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty, uma terceira edição, revista e ampliada, à excepcional obra coordenada pelo embaixador Alberto da Costa e Silva no decorrer dos anos 1990 e publicada em 2001 pelo Instituto Rio Branco: O Itamaraty na Cultura Brasileira, cuja coletânea de diplomatas intelectuais, desde o século XIX era concluída, justamente, por uma bela e afetiva homenagem preparada pelo seu editor, José Mário Pereira. Como eu achava que essa homenagem, mais voltada à figura humana e intelectual de Merquior, e menos à análise de sua rica e diversificada obra, dediquei-me a preparar um primeiro capítulo, para essa 3ª edição, que começa por Merquior e se dedicava a outros diplomatas que deixaram a sua marca na cultura brasileira, um deles, Wladimir Murtinho, com um ensaio do embaixador Rubens Ricupero: 

3581. “Intelectuais na diplomacia brasileira”, Brasília, 10 fevereiro 2020, 262 p. Consolidação de livro coletivo, sob a coordenação conjunta com Celso Lafer, e colaborações de Marcílio Marques Moreira (San Tiago Dantas), Ricardo Vélez-Rodríguez (Meira Penna), Rogério de Souza Farias (Lauro Escorel), Antonio Mesplé (Sergio Corrêa da Costa), Mary Del Priore (Vasco Mariz), Rubens Ricupero (Wladimir Murtinho) e eu mesmo, com introdução e dois capítulos (Roberto Campos e José Guilherme Merquior). Em processo de finalização.

 

O livro acabou não saindo, tanto porque o IPRI nunca teve orçamento próprio e não possuía autonomia operacional, como porque já estávamos num ano eleitoral, e o que acabou desabando sobre o Brasil, no segundo semestre do ano e em 2019, foi o equivalente de um tsunami de bárbaros, que destruíram a diplomacia e a política externa brasileira. Essa nova edição ainda aguarda oportunidade adequada para ser publicada.

Muitos anos antes, em 2003, quando eu ainda me encontrava em Washington e não tinha tomado conhecimento da obra coordenada pelo embaixador Costa e Silva, publicada em 2001, com prefácio e na gestão do ministro Celso Lafer, fui contatado pelo jornalista João Gabriel de Lima, da Revista Veja, no processo de preparação de um número especial de 35 anos da revista, para a qual tinha sido selecionad uma entrevista de José Guilherme Merquior para a seção de Páginas Amarelas, muitos anos antes. Acabei escrevendo uma pequena nota, que só divulguei em meu blog muitos anos depois, em 2017.

1070. “José Guilherme Merquior e a agenda do liberalismo do Brasil”, Filadélfia, 3 jul. 2003, 4 p. Comentários a questões colocadas pelo jornalista João Gabriel de Lima, da Revista Veja, para número especial de 35 anos, selecionando a entrevista de Páginas Amarelas de José Guilherme Merquior. Divulgado no blog Diplomatizzando (22/10/2017; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/10/jose-guilherme-merquior-e-agenda-do.html).

 

Vários anos antes, ainda, quando eu me encontrava preparando minha tese de doutorado sobre as revoluções burguesas, na Universidade de Bruxelas, no início dos anos 1980, tomei conhecimento que ele tinha defendido a dele, na London School of Economics, sob a direção do prof. Ernest Gellner, e logo tratei de buscar o livro feito a partir da sua tese, que havia sido recém publicado: Rousseau and Weber: two studies in the theory of legitimacy (1980): citei o conceito weberiano que ele havia criado, de burocracia carismática, relativa ao poder bolchevique, em minha tese, depois publicada: Révolutions bourgeoises et modernisation capitaliste : Démocratie et autoritarisme au Brésil (Sarrebruck: Éditions Universitaires Européennes, 2015). 

Também preparei, ao longo dos anos, resenhas curtas de algumas obras de Merquior para a seção “Prata da Casa” para o boletim, agora revista, da Associação dos Diplomatas Brasileiros, com a qual colaborei durante muitos anos, como por exemplo Liberalism, Old and New, ou o livro dele sobre o Marxismo Ocidental. Finalmente, num curso de extensão, sob a forma de seminário especial, que dei para meus alunos do Uniceub, inclui Merquior entre os grandes pensadores do Brasil, desde Hipólito e Bonifácio, até Gustavo Franco e Rubens Ricupero. Foi justamente com base nesse curso, fechado aos alunos, que tomei a iniciativa de preparar uma nova obra, muito recentemente, apresentada de forma anônima num concurso promovido pelo Instituto Pandiá Calógeras, sobre os projetos para o Brasil formulados por intelectuais brasileiros, aos quais chamei de construtores da nação, começando por Cairu, Hipólito e Bonifácio e terminando justamente por José Guilherme Merquior. No último dia 19 de novembro tive a satisfação de saber que eu tinha sido contemplado em primeiro lugar nesse concurso, com possível publicação da obra pela Biblioteca do Exército em 2022.

4021. “Projetos para o Brasil: os construtores da Nação”, Brasília, 19 novembro 2021, 219 p. Livro completo, tal como elaborado sob n. 3959, em torno dos projetos de 20 personalidades que se dedicaram à construção do Estado, da Ordem, do Progresso e da Democracia, um itinerário de 200 anos de história, preparado para o Concurso literário Pandiá Calógeras: 200 anos da Independência do Brasil, sob nome de Gabriel Soares de Souza. Premiado com o 1º lugar no Concurso em 18/11/2021, segundo notícia publicada no site da BIBLIEx. 

 

Merquior ocupa o último capítulo dessa obra, e nele eu trato justamente de um texto relativamente desconhecido de Merquior, um de seus últimos trabalhos, a palestra que ele efetuou no Centre de Recherches du Brésil Contemporain, em Paris, no final de 1990, no contexto de uma série de palestras que o professor Ignacy Sachs promovia sobre os 100 anos da República. É esse texto que eu pretendo apresentar, no seguimento de de três outros que também podem ser relativamente pouco conhecidos:

1) “Ciência e consciência da política em Raymond Aron”, um longo prefácio (30 p.) que ele preparou para a edição brasileira da obra de Raymond Aron: Études politiques (Paris: Gallimard, 1972), que foi publicado em tradução de Sérgio Bath (já tradutor de várias outras obras de Aron, entre elas o Paz e Guerra entre as nações), com apresentação de Rolf Kuntz, sendo que Merquior parafraseia o capítulo introdutório do próprio Aron: “Ciência e consciência da sociedade”; 

2) “El Outro Occidente (um poco de filosofia de la historia desde Latinoamerica”), uma conferência feita em espanhol, quando ele ocupava a embaixada do Brasil no México, no Departamento de Línguas e Literatura Românicas da Universidade de Harvard, em setembro de 1988, publicada depois nos Cuadernos Americanos da Universidade Nacional do México (UNAM, n. 13, jan.-fev.1989); 

3) “O repensamento da Revolução”, o longo prefácio (40 p.) e erudito prefácio que ele preparou, no México, entre dezembro de 1988 e janeiro de 1989, para a edição brasileira do Dicionário Crítico da Revolução Francesa de François Furet e Mona Ozouf (Paris: Flammarion, 1988), publicado nesse mesmo ano pela Nova Fronteira).

4) “Brésil: cent ans de bilan historique”, a palestra efetuada em Paris, quando ele já ocupada a representação do Brasil junto à Unesco, em dezembro de 1990, depois publicada nos Cahiers du Brésil Contemporain (Paris: Centre d’Études sur le Brésil Contemporain, n. 16, 1990, p. 5-22) e que eu reproduzi fotograficamente na minha brochura de abril, José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro.

 

Merquior exibe uma produção intelectual verdadeiramente excepcional não apenas no contexto da academia brasileira, mas sobretudo no plano mundial, uma vez que ele é, provavelmente, o único grande intelectual brasileiro que se distinguiu em praticamente todas as academias ilustradas do universo intelectual não só ocidental, mas mundial, ao ter, justamente, feito a ponte entre diversas tradições políticas vigentes e ativas nessas academias. Merquior impressionava pela amplidão das leituras, pelo vasto conhecimento numa grande variedade de domínios do pensamento, a capacidade de articular ideias aparentemente separadas no tempo e no espaço já com o fito de apresentar um novo argumento sobre a temática na qual estava concentrado numa determinada etapa de sua trajetória intelectual. Roberto Campos, que foi seu chefe em Londres, sempre soube de sua gigantesca propensão a ver claro, na aparente aridez de obscuros conceitos filosóficos, a ver longe, no “tempo histórico” como ele dizia, e a sintetizar propostas diversas, de autores pertencentes a escolas diferentes, numa nova interpretação criativa sobre o assunto de que se ocupava num trabalho específico. Campos confirmou tal capacidade, ao prefaciar o seu último livro, do qual pode-se ainda destacar estes trechos: 

[O] impressionante em José Guilherme não era a absorção de leituras. Era o metabolismo de ideias. Não se resignava ele a ser um mero ‘espectador engajado’ como, com exagerada modéstia, se descrevia seu mestre francês [Raymond Aron]. Era um ativista. Por isso passou da ‘convicção liberal’ à ‘pregação liberal’. 

Empenhou-se nos últimos tempos na dupla tarefa – a iluminação do liberalismo, pela busca de suas raízes filosóficas, e a desmistificação do socialismo, pela denúncia de seu fracasso histórico. Isso o levou várias vezes a esgrimas intelectuais com as esquerdas brasileiras, exercício em que sua avassalante superioridade provocava nos contendores a mais dolorífica das feridas – a ferida do orgulho. 

“Merquior não passou da polêmica de ideias ao ativismo político, circunscrito que estava por suas funções diplomáticas.” (in: Merquior, O Liberalismo, antigo e moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991, p. 12-13) 

 

Compreensivelmente, dada sua condição de diplomata, e servindo durante largo tempo sob o regime militar, ele evitou expor-se mais abertamente no cenário político nacional, mas não hesitava em imiscuir-se nos debates do momento nos meios acadêmicos. Assim, com seu jeito provocador, ele nunca se cansou de espicaçar os pretensos intelectuais de academia, tanto brasileiros quanto estrangeiros, em especial os franceses, especialistas em criar modismos intelectuais irrelevantes, mas de grande sucesso nas confrarias e nas tribos especializadas em temáticas obscuras e ritos de iniciação tão bizarros quanto totalmente desprovidos da lógica mais elementar e da necessária correspondência com os fatos. 

A sua luta obsessiva contra o irracionalismo na cultura contemporânea, assim como sua busca infatigável pelo predomínio absoluto da razão no trabalho intelectual marcaram toda a sua trajetória de vida. Se tivesse sido alçado a posições mais altas na política nacional, José Guilherme Merquior teria se transformado em um grande construtor da Nação, e não apenas em sua vertente democrática e social, mas sim no plano essencialmente cultural.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 2 de dezembro de 2021

 

 

José Guilherme Merquior, 80 anos (5): apresentação em evento do Livres (abril de 2021) - Paulo Roberto de Almeida

 Aqui a apresentação que eu preparei para o evento feito pelo Livres, com a participação de outros amigos e estudiosos da obra de Merquior: 

3896. “Apresentação José Guilherme Merquior”, Brasília 21 abril 2021, 14 slides. Síntese da trajetória intelectual de JGM, com destaque para a sua produção de livros próprios e breves referências a obras sobre seu pensamento. Elaborado em formato de Power Point para apresentação em debate organizado pelo diretor de comunicação do Livres, com a participação de Celso Lafer, Gelson Fonseca, Bolivar Lamounier e Persio Arida, via Streamyard (link para o grande público: https://youtu.be/mtJJu_0eBeg), dia 22/04/2021, 18:00hs, aos 80 anos de JGM. Apresentação em pdf disponível nas plataformas Academia.edu (link: https://www.academia.edu/47382701/Jose_Guilherme_Merquior_um_intelectual_brasileiro_apresentacao_2021_), Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/351060079_Jose_Guilherme_Merquior_um_intelectual_brasileiro_presentation) e divulgada no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/jose-guilherme-merquior-um-intelectual_21.html); DOI: 10.13140/RG.2.2.31640.52483

 

quarta-feira, 21 de abril de 2021

José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro, debate Livres, 22/04, 18:00hs - Apresentação sintética, Paulo Roberto de Almeida

 Já divulguei uma brochura, neste mesmo espaço, com a informação e transcrição sobre textos de e sobre Merquior, para apoiar, no dia 22, um debate sobre o grande intelectual brasileiro.



Preparei uma apresentação que vou transcrever aqui, slide por slide:

Apresentação José Guilherme Merquior”, Brasília 21 abril 2021, 14 slides. Síntese da trajetória intelectual de JGM, com destaque para a sua produção de livros próprios e breves referências a obras sobre seu pensamento. Elaborado em formato de Power Point para apresentação em debate organizado pelo diretor de comunicação do Livres, com a participação de Celso Lafer, Gelson Fonseca, Bolivar Lamounier e Persio Arida, via Streamyard (link para o grande público: https://youtu.be/mtJJu_0eBeg), dia 22/04/2021, 18:00hs, aos 80 anos de JGM. 















José Guilherme Merquior, 80 anos (4): prefácio à brochura de textos de e sobre JGMerquior, por Paulo Roberto de Almeida

 Escrevi o prefácio depois de ter montado a brochura, como consta da postagem anterior, aqui linkada: 

José Guilherme Merquior, 80 anos (3): coletânea de textos de e sobre Merquior - Paulo Roberto de Almeida

3895. “Prefácio ao livro José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro, Brasília, 19 abril 2021, 6 p. Agregado à brochura composta sob n. 3894. Divulgado no blog Diplomatizzando (20/04/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/04/prefacio-ao-livro-jose-guilherme.html).

terça-feira, 20 de abril de 2021

Prefácio ao livro José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro - Paulo Roberto de Almeida

 Prefácio ao livro José Guilherme Merquior: um intelectual brasileiro

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)




 
 

 

A despeito de ter sido colega de José Guilherme Merquior durante aproximadamente 13 anos de nossas carreiras respectivas, nunca o conheci pessoalmente, nunca nos cruzamos em postos ou na Secretaria de Estado, nunca nos encontramos ocasionalmente, e nem ele deve ter ouvido falar de um secretário ainda nos primeiros escalões funcionais, quando ele já tinha sido elevado à casta dos brâmanes, ou seja, ministro de primeira classe, mais comumente chamado de embaixador (que é um título apenas reservado aos chefes de postos). Vejamos: ele ingressou na carreira em 1963, no auge da Política Externa Independente, e atravessou todo o regime ditatorial, tendo sido elevado ao último escalão da carreira ainda sob o regime militar, quando eu entrei para ela, via concurso direto – não pelo Instituto Rio Branco – já numa fase declinante do regime, quando eu participava ativamente, mas de forma discreta, das campanhas pela anistia, redemocratização, eleições diretas.

Ele deve ter sido fichado como “esquerdista” logo no início da ditadura, tendo respondido a inquérito logo no início da “devassa” do regime de 1964. Eu estou fichado nos registros do SNI – Arquivo Nacional de Brasília – como “diplomata subversivo”, por ter apoiado a campanha do candidato opositor do general Figueiredo nas “eleições” indiretas de 1978, o general Euler Bentes Monteiro (alguém ainda se lembra dele). Só voltei a escrever artigos políticos com o meu próprio nome ao final da ditadura e um dia vou recolher esses textos publicados sob outros nomes. Não sei se Merquior chegou a fazer o mesmo, mas sabemos de pelo menos um artigo seu censurado pelo novo regime, logo em setembro de 1964, quando do falecimento de San Tiago Dantas, o patrono da formatura de sua turma no Instituto Rio Branco, em 1963, como nos relatou José Mário Pereira no pungente e afetivo testemunho que ofereceu ao livro coordenado pelo embaixador Alberto Costa e Silva, O Itamaraty na Cultura Brasileira (2001). Também tive alguns textos censurados aqui e ali, inclusive sob a “democracia”, mas eu nunca dei muita bola para esses mandarins que se julgam donos da verdade oficial: a partir de certo momento passei a publicar sem mais me submeter a esses humilhantes pedidos de autorização. 

Creio ter entrevisto Merquior de soslaio, ou seja, fugazmente, uma única vez, entre 1986 e 1987, no gabinete de meu chefe à época, o embaixador Rubens Antonio Barbosa, ao início, portanto, da Nova República, quando o já respeitadíssimo intelectual, conhecidíssimo nos meios dedicados à cultura e à inteligência, pontificava nas polêmicas públicas como o pourfendeur das esquerdas naquela transição para a democracia tutelada do governo Sarney, e quando ele aparecia como um dos protegidos do novo regime, para figurar, mais adiante, como ghost-writer do candidato Collor de Mello, e possível candidato a ser o seu possível chanceler. Ele foi sabotado pelos próprios diplomatas, como já tinha sido o caso de seu chefe em Londres, e amigo dileto, o embaixador Roberto Campos. 

Na época, eu era apenas um modesto segundo secretário e tinha recém voltado de meu doutoramento no exterior, em cuja tese, sobre as revoluções burguesas, pude citar o seu conceito de “carisma burocrático” que fazia parte da tese defendida na London School of Economics, Rousseau and Weber: two essays in the theory of legitimacy, que li assim que foi publicada; não me senti à vontade para entrar na sala, apresentar-me, e cumprimentá-lo pelo inovador derivativo do conceito original weberiano de carisma, sobretudo aplicado ao regime bolchevique, que também fazia parte de meus estudos e reflexões. A partir dessa época, passei a seguir suas publicações, que felizmente para mim, se concentraram bem mais nas minhas “afinidades eletivas”, a sociologia política e o desenvolvimento e as liberdades em países da América Latina do que as primeiras obras no terreno da crítica literária.

Eu já conhecia As Ideias e as Formas (1981), assim como A Natureza do Processo (1982) e O Argumento Liberal (1983), mas não me interessei pelo Foucault (de cuja reedição vim a participar recentemente (2021), e só vim a ler O Marxismo Ocidental mais tarde. Quando servi em Paris, em 1993-95, e passei a frequentar as reuniões semanais do Centre d’Études sur le Brésil Contemporain, na Maison des Sciences de l’Homme (no Boulevard Raspail), animadas por Ignacy Sachs, senti o enorme impacto que Merquior havia deixado naquele círculo de estudos, em função da sua famosa palestra sobre os “cent ans de bilan historique” do Brasil, que ele havia feito ali em 1990, poucos meses antes de morrer, em janeiro seguinte. A professora Katia Mattoso, titular da Chaire d’Histoire du Brésil na Sorbonne – e que me convidou para algumas palestras para os seus alunos – também me falou da imensa tristeza que se abateu sobre todos os amigos do Brasil na França pelo fatídico passamento de um dos maiores intelectuais brasileiros que tinham frequentado aquelas paragens desde os anos 1960 e 70. Eu também andei pela Europa nos anos 1970, mas andava do outro lado da cerca, ou seja, participando da oposição ao regime militar, que naquela época era representada pelo Front Brésilien d’Information(tenho artigos dessa época ainda não recuperados em sua autoria legítima).

Minha interação com Merquior foi, portanto, mínima, ou inexistente, e pouco eu conhecia sobre sua trajetória, além dos livros lidos, e só vim a conhecer um pouco mais tarde, quando os seus amigos diplomatas organizaram, em 1992, uma pequena obra em sua homenagem, cerca de um ano depois de seu triste e precoce falecimento. A despeito dessa brutal interrupção numa trajetória intelectual que se anunciava brilhante – tanto no cenário acadêmico propriamente brasileiro, como, e principalmente, no âmbito internacional, pois que Merquior publicava diretamente em francês e crescentemente em inglês –, pode-se dizer que Merquior produziu lasting effects, efeitos permanentes sobre o debate de alta qualidade sobre os grandes temas políticos e filosóficos das últimas décadas do século XX, quando o mundo se libertava da “prisão geopolítica” da Guerra Fria e se preparava para adentrar no mundo novo do “fim da História”. 

Seu derradeiro livro, Liberalism, Old and New, publicado já depois de sua morte (mas certamente não o último, pois a É Realizações empreendeu reedições, inclusive de inéditos), foi objeto apenas de uma curta resenha de minha parte, para o boletim (agora revista) da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB), com cuja seção “Prata da Casa” – dedicada a livros de diplomatas – eu conduzi solitariamente durante uma década e meia; mas eu não tinha empreendido nenhum outro trabalho de maior escopo sobre suas obras, até que a assunção da direção do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI) do Itamaraty me retirou dessa injusta desatenção. Assim que tomei posse, em agosto de 2016, inclui entre meus “pet projects” a preparação de uma terceira edição da estupenda obra dirigida pelo embaixador Alberto da Costa e Silva, O Itamaraty na Cultura Brasileira (Instituto Rio Branco, 2001; Francisco Alves, 2002), cuja lista de diplomatas intelectuais era justamente concluída pele afetuoso testemunho de seu amigo e editor José Mário Pereira, da Topbooks. 

Minha primeira ideia foi a de apenas corrigir alguns poucos deslizes ortográficos da primeira edição, incluir meia dúzia de diplomatas falecidos depois de Merquior – começando por Roberto Campos, no próprio ano de 2001, passando por Lauro Escorel, Vasco Mariz, Sérgio Correa da Costa, Wladimir Murtinho e terminando por Meira Penna –, arrumar uma iconografia compatível com a beleza daquela edição do Instituto Rio Branco e arrumar dinheiro para levar adiante o empreendimento (cabe registrar que o IPRI não tem orçamento de qualquer tipo, sequer personalidade jurídica independente). Mas, no fundo, eu achava que, a despeito da emotiva homenagem feita a Merquior por José Mário, sua obra não tinha sido objeto de um exame circunstanciado, como foi o caso para todos os demais autores inscritos naquele “Olimpo” intelectual do Itamaraty, segundo a seleção feita pelo poeta e africanista Costa e Silva (Vinícius de Moraes, por sinal, foi um privilegiado, pois recebeu não apenas um, mas dois capítulos, como poeta e como compositor, o que é inteiramente justo). Decidi, então, começar um ensaio circunscrito à obra de sociologia política de Merquior – uma vez que me confesso incapaz de analisar sua obra de crítica literária ou mesmo filosófica – para incluir como um segundo capítulo dedicado a Merquior na terceira edição, assim como a dupla homenagem feita a Vinícius na edição original. 

Mas o mundo gira, a Lusitana roda e o Brasil se perde nas estradas da política: quando finalmente o livro estava praticamente pronto – ainda que eu continuasse a lutar desesperadamente para lograr recursos para uma nova e bela edição “de luxo” –, a política resolveu enveredar por novos caminhos. Com a eleição de um governo declaradamente anti-intelectual, eu tinha certeza de que meus dois anos e meio de divertimentos intelectuais à frente do IPRI, como de fato vieram a termo logo no início da nova administração. O que fiz, então? Consultei os autores participantes da nova edição quanto à possibilidade de esquecer aquela reedição e fazer um novo livro, separado, tentativamente chamado de “Intelectuais a serviço da diplomacia brasileira”, no qual constaria meu longo ensaio analítico da obra de Merquior, ademais de outros capítulos incluindo inclusive intelectuais que serviram à diplomacia sem serem necessariamente da carreira, como foram os da obra original. 

O fato é que a pandemia paralisou um pouco todas as iniciativas editoriais, e eu mesmo comecei a fazer livros em formato digital. Em alguns momentos, efetuei postagens sobre Merquior e a reedição de seus livros pela É Realizações, no blog Diplomatizzando. E assim chegamos ao “ano Merquior” como intitulei uma das primeiras postagens de 2021, ao chegarmos aos trinta anos de sua morte e aos 80 anos de seu nascimento. Foi assim que decidi juntar materiais esparsos numa primeira “brochura” – que não ouso chamar de “coletânea”, pois que não reúne os requisitos para tal –, apenas para não deixar passar em branco a data de 22 de abril, descobrimento do Brasil e de nascimento do maior intelectual brasileiro, bem mais do que o maior entre os diplomatas. Dizer “brasileiro” é até redutor, no caso de Merquior, pois sua obra, seu pensamento, seu trabalho de crítica literária e filosófica possuem dimensão universal, pelo menos no âmbito da academia que viceja, verseja e traceja os embates intelectuais que tocam nessas várias áreas do conhecimento de alto nível que passa do mundo “apenas” acadêmico para o dos círculos políticos e literários. 

Não considero este volume uma obra acabada, longe disso, e nem pode ele ser considerado uma obra, apenas uma “recolta” de textos dispersos, de Merquior e de seus admiradores ou críticos, textos relativamente desconhecidos do grande público, pois que praticamente não divulgados – salvo alguns poucos, os da Academia Brasileira de Letras e o do já citado livro de 2001 –, ou jamais publicados para o público “at large”.  Ele constitui a base de uma merecida homenagem que deve ser ampliada no futuro imediato. De minha parte, adoto o seguinte ponto de partida no seguimento do imenso trabalho desenvolvido por Merquior – se isso é possível – e que deveria ter tido continuidade nos 30 anos seguintes ao anos de sua morte, em 1991: o que teria ele escrito depois de Liberalism, Old and New? Quais teriam sido os seus novos temas, ou como teria ele enfrentado as novidades da terceira onda de globalização, depois da implosão da União Soviética e da irresistível ascensão da China? Como ele estaria contemplando, hoje, a ascensão da nova direita, burra, até estúpida e autoritária, sendo que ele defendia um social-liberalismo esclarecido, economicamente responsável, culturalmente aberto e tolerante, totalmente receptivo às grandes tendências nos terrenos dos costumes e das preferências individuais? 

Ele talvez se sentisse decepcionado com os destinos do Brasil, uma vez que ele era basicamente impulsionado pela ideia da razão, e acreditava, sinceramente, que um diálogo aberto e bem informado entre partidários e militantes de diferentes tendências – econômicas, políticas, culturais – poderia conduzir o país na direção da adoção de políticas simplesmente racionais tendentes a diminuir o grau anormalmente elevado das iniquidades brasileiras, das misérias preservadas ao longo de cinco séculos de nação e de dois séculos de Estado nacional independente. Na diplomacia, na esfera política, no âmbito acadêmico ou na vida cultural, ele teria certamente continuado a oferecer novas e instigantes contribuições a um debate de alto nível sobre nossos problemas mais cruciais. Fomos privados desses aportes intelectuais pela Parcas, como já lamentava em 1991 seu grande amigo, mentor e companheiro de tertúlias Roberto Campos, quem lhe permitiu escapar do aborrecido trabalho burocrático (geralmente inútil) da embaixada em Londres, para conduzir sua tese com Ernest Gellner, um dos trabalhos que mais o distinguiram entre colegas acadêmicos de nível mundial. 

Aliás, basta olhar o sumário da obra de 2001, sobre os diplomatas intelectuais, para saber que eles não foram lembrados exatamente por enfadonhos despachos ou por telegramas de instruções rotineiras, mas por suas obras construídas paralelamente às ocupações triviais de chancelaria. A inteligência lhes foi um atributo que pode ter sido facilitado pela vida diplomática, mas não foi esta que moldou seu pensamento, e sim a própria vida intelectual de cada um deles. Merquior foi um dos grandes, um gigante no terreno que ele próprio escolheu, não o da poesia, exatamente, ou o da literatura, enquanto ofício, mas o da crítica das ideias, em literatura, em poesia, em filosofia, em política, um terreno no qual ele dialogou, debateu, diretamente ou à distância, com os grandes pensadores do seu tempo, sem deixar de retomar as ideias de grandes predecessores, todos os iluministas, desde os séculos XVII e XVIII, até seus modernos sucessores nos salões da academia ou nos cenáculos da política. 

De minha parte, já inclui Merquior entre as quatro dezenas de pensadores brasileiros que, desde o início do século XIX, participaram da construção da nação, pelo menos em ideia e intenção, pois que muitas das propostas por eles formuladas, nos campos da governança, da economia, da política, da vida universitária e cultural, nem sempre foram concretizadas na prática, o que se torna evidente pelo estado quase estagnado do país. Cem anos depois da Semana de Arte Moderna de 1922, duzentos anos desde a independência, o Brasil ainda segue avançando aos trancos e barrancos – como diria Darcy Ribeiro, um dos muitos “esquerdistas” que aprenderam a respeitar Merquior –, ainda continua progredindo aos “tiquinhos”, como pretendia Mário de Andrade pouco depois da semana que organizou, para quem o progresso também “é uma fatalidade”. Merquior preferiria dizer que o progresso é uma construção de homens racionais, como ele tentou ser durante toda a sua vida adulta. 

Ao lamentar que tenhamos sido privados de sua colaboração nestas últimas três décadas nas quais ele poderia ter estado ativo, nosso dever é continuar sua obra de defesa de ideias e de propostas de ação. Este volume, que coloca certo número de trabalhos pouco conhecidos à disposição de um número maior de interessados, pode estar atuando nessa direção e colaborando com sua obra pedagógica de Aufklärung, de esclarecimento, e sobretudo de inteligência. 

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3895, 19 de abril de 2021