quarta-feira, 24 de maio de 2023

O Brasil e sua política externa- Fausto Godoy

 Um artigo que merece comentários deminha parte. Eles virão… (PRA)


O BRASIL, O G-7 ...E A TAL DA DEPENDÊNCIA DA CHINA

Polemizando...

Fausto Godoy

O artigo publicado no Estadão de hoje, 22/05, de autoria da minha colega professora da “Escola Superior de Propaganda e Marketing”/ESPM, Denilde Holzhaker, intitulado “Cúpula expôs paradoxos da diplomacia brasileira”, instigou-me a refletir sobre a participação do Brasil na Cúpula do G-7. 

Tem ela razão em afirmar que “a reunião do G-7 realizada em Hiroshima expôs os desafios que a ordem multilateral enfrenta, não apenas no tocante à gestão de crises globais, mas também na busca por diálogo além dos países membros do grupo”. Tem ainda maior razão quando afirma que “as relutâncias manifestadas pelo Brasil e pela Índia em se alinharem aos líderes do G-7 reforçam a árdua tarefa de avançar na construção de um consenso global”.

A questão é: qual seria este “consenso global”... que cara teria ele? A do grupo dos países “mais ricos” do planeta, que (ainda) se consideram os guardiões dos “valores universais” – democracia “western style”, direitos humanos, segurança internacional, etc... -  num planeta em acelerada transformação? 

Tem razão a Professora Denilde quando afirma que “embora os países do G-7 compartilhem de um entendimento - eu diria convicção - em relação à Ucrânia, condenando as agressões russas e partilhando a visão de contenção do poderio chinês, a tentativa de obtenção de apoio de Índia, Brasil e Indonésia esbarra na falta de confiança dessas nações”. Aí está o dilema: no nosso caso: onde nos encaixaremos, nós e a nossa diplomacia, que tem que respeitar os preceitos de “não intervenção” e “solução pacífica dos conflitos” inscritos lapidarmente no artigo 4º da Constituição, no contexto desta guerra? Ou seja, o outro lado da moeda é exatamente este: conceitos que servem bem a determinada(s) civilização ("ões") não se aplicam “erga omnes” num mundo ao mesmo tempo globalizado e apegado às tradições e valores próprios das suas sociedades.

Denilde também tem razão ao afirmar que “a diplomacia brasileira deve incessantemente se esforçar para ressaltar a necessidade de reforma das instituições multilaterais. Mas é imprescindível não ceder à ingenuidade diante da crescente bipolaridade mundial, e das estratégias dos países ocidentais para conter a China”. A meu juízo, Brasil e Índia, com suas características próprias, fazem parte de um planeta em plena transformação; isto é tautológico, evidentemente, mas nem sempre percebido e introspectado em toda a sua dimensão: uma coisa é saber, e outra apreender o seu significado em toda a plenitude... e consequências...

Aí é que está a questão: onde nos posicionamos nesta prevista  bipolaridade? Nos apegaríamos ao Ocidente central rico, mas crescentemente envelhecido e  confrontado com os países cada vez mais afluentes do Oriente – China, Índia, Japão, Coreia do Sul, ASEAN, etc. – , em direção aos quais o mundo está transferindo o protagonismo da globalização? 

Adotaríamos uma posição conservadora e anacrônica por desconhecimento... ou preconceito... ou temor de olharmos para onde esta globalização se encaminha, e que poderia nos trazer benefícios maiores? Senão vejamos: o nosso principal parceiro comercial, desde 2009, é a China “comunista”, como sabemos todos. A Índia – o 5º PIB mundial - se encaminha para tornar-se a terceira maior economia do planeta até o final deste século, segundo os analistas.. Seriam os valores do Ocidente suficientes para conter esta configuração da economia mundial que o próprio Ocidente desenhou em meados do século passado?

Como já disse em outro texto, quando eu nasci, em junho de 1945, no final da II Guerra, o hegemon mundial ainda era a Grã-Bretanha, mas já não mais...depois consolidou-se a bipolaridade compartilhada entre os Estados Unidos, guardião do capitalismo ocidental, e a União Soviética, do mundo comunista... com a dissolução desta, em 1991, restaram apenas os Estados Unidos...e agora, desde o início deste século, emergiu a China...Ou seja, no meu tempo de vida –  77 anos - convivi com quatro hegemonias. Qual será a próxima?... 

E como a nossa política externa deve agir neste cenário mutante?Uma coisa é a estrutura do poder mundial...e outra é a nossa essência, brasileira. A meu juízo, compartilhamos a grande maioria dos valores do Ocidente central... mas não todos. Esta nossa natureza aconselha, acredito, a sufragar antes de tudo as nossas especificidades como país e nacionalidade, bem como os nossos  objetivos próprios. O melhor caminho, acredito, é seguir a teoria – e prática – do “pragmatismo responsável”, que o Itamaraty aplicou sob a liderança do Chanceler Antonio Azeredo da Silveira, na década de 70: o que define a nossa diplomacia são os nossos interesses nacionais. Foi assim que em pleno governo militar transferimos o reconhecimento da China de Taipé – capitalista – para Pequim - comunista. Pelo visto, acertamos... 

Acho que o Itamaraty tem toda razão em adotar uma postura neutra!

Sugiro aos amigos  que leiam o artigo da professora Holzhaker:



“Brasil” cancela exportação de ambulâncias blindadas à Ucrânia (DefesaNet)

 Nota preliminar PRA: Lula deve ter ficado com raiva da repercussão negativa da imprensa sobre o seu desempenho em Hiroshima e cancelou a exportação de ambulâncias-blindadas Guarani para a Ucrânia, que antes era dada como certa.


Brasil–Ucrânia: Lula, os blindados ambulância e o G7

Editor DefesaNet, 22 de maio de 2023

Atualização

De acordo com informações recebidas da diplomacia brasileira, o Departamento de Assuntos de Defesa do Itamaraty deu parecer contrário a exportação dos veículos blindados Guarani na versão ambulância. 

A autorização era dada como certa por fontes do MD e MRE e pode ter sido travada após o fracasso da visita de Lula a Hiroshima, durante reunião do G7. Ainda não se sabe se houve uma ordem expressa do Governo Brasileiro.

O Editor

Matéria original:


Durante a visita de Celso Amorim  à Ucrânia ele informou ao presidente Volodymir Zelensky de que “não haveria óbices” para a exportação das viaturas blindadas 6×6 Guarani, fabricados no Brasil.

Segundo fontes do Itamaraty, o primeiro-ministro da Holanda Mark Rutte afirmou que a assinatura do contrato para a compra de cinco KC-390 da EMBRAER dependeria da mudança de postura do Brasil em relação a guerra na Ucrânia e a autorização de venda das viaturas blindadas. (A posição brasileira também poderá comprometer outras vendas internacionais em negociação.)

Durante entrevista coletiva com o primeiro-ministro  holandês, Lula chegou a dizer a um jornalista que a solicitação da Ucrânia por blindados Guarani na versão ambulância era fake news, sendo que o documento oficial havia sido protocolado no Ministério da Defesa havia quase duas semanas.

Os blindados Guarani poderiam ser pagos pelos governos dos EUA, Itália, Alemanha, França e Suécia; países que fornecem material militar ao Brasil e possuem grandes contratos militares em andamento. O Guarani é um veículo competitivo no mercado internacional devido ao seu valor de venda ser relativamente baixo se comparado aos principais concorrentes e ter uma proteção básica que garante a sobrevivência naquele Teatro de Operações, e no caso da exportação para Ucrânia, viriam equipados com rádios e sistemas de comunicação fabricados no Brasil e poderia ser entregues com urgência com unidades das encomendas e estoques que o Exército Brasileiro tem para receber.

Tanto o Exército Brasileiro quanto Ministério da Defesa  enxergam de forma positiva a exportação do Guarani. Resta uma decisão final que deverá ser anunciada nos próximos dias.

O futuro da indústria de defesa brasileira depende dessa exportação. Uma fonte do Itamaraty disse que os europeus, que veem a invasão russa como a maior ameaça à paz e a estabilidade na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial, planejam somente a retomada das negociações para o acordo União Europeia- Mercosul,  após a concretização do negócio. A mensagem dos sócios europeus é clara. Quando existe uma ameaça existencial a civilização europeia e a violação da Carta Magna das Nações Unidas, da qual o Brasil é signatário, não existe neutralidade. Ou o Brasil compreende e apoia a vítima Ucrânia e a Europa, ou estará do lado do agressor.

Na arena externa, Lula foi eleito graças ao apoio do presidente dos Estados Unidos  Joe Biden e das principais lideranças europeias, como Olaf Schols e Emanuel Macron. Sem o apoio deles, Lula vai isolar o Brasil e seu governo e poderá ser visto como um traidor do ideal democrático que esses países representam. A situação do Brasil e do próprio presidente na área internacional ficaria difícil, sem saída. Esse é o dilema dos blindados e seu simbolismo, tanto para Lula quanto para política externa brasileira.

Duas perguntas ainda permanecem sem resposta pelo governo brasileiro:

A primeira é porque as gestões petistas deixaram a Rússia armar a Venezuela e quebrar o balanço do poder regional, colocando as forças armadas brasileiras em situação de fragilidade tecnológica e operacional, sobretudo na região amazônica.

A segunda pergunta, feita por um diplomata ucraniano, perguntando se a Amazônia fosse invadida por uma potência estrangeira, se o Brasil resistiria e se defenderia ou aceitaria negociar a perda do território em troca da paz. A pergunta nunca antes feita por um diplomata estrangeiro foi sentida como uma pressão numa ferida aberta. A reposta do governo brasileiro poderia abrir um processo de impeachment contra o presidente, e colocaria em risco sério a segurança nacional brasileira. Mais fácil para o governo seria responder como se deve: o Brasil é um país soberano e seu território é inviolável, e protegido pelas Forças Armadas.

Surge uma terceira pergunta: após o resultado desastroso para a diplomacia brasileira da participação do presidente Lula na reunião do G7 – 2023, Hiroshima: qual o curso de ação do Planalto?


Zelensky ganhou “imensa visibilidade” e apoio no G7, mas não do Brasil - Ricardo Fan (DefesaNet)

 

Zelensky ganhou “imensa visibilidade” e apoio no G7, mas não do Brasil

Zelensky ganhou "imensa visibilidade" e apoio no G7, mas não do Brasil

Zelensky obtém mais apoio militar no G7 e Rússia critica “show de propaganda”

(RFI) Encerrada a cúpula do G7 no Japão, a imprensa francesa avalia a participação inesperada do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. No plano diplomático, o governo japonês foi presenteado com um fato consumado, diz a revista L’Express. “O que não é de bom gosto em um país que é resistente a surpresas”, comenta o enviado especial a Hiroshima. Já a delegação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a falar em uma “armadilha”, acrescenta o jornalista.

O jornal Les Echos destaca que a cúpula do G7 deu “imensa visibilidade” ao presidente ucraniano. Todos os líderes do grupo, formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, assim como da Austrália e Coreia do Sul consideraram a presença de Zelensky bem-vinda.

Entre os países não alinhados, observa o diário econômico francês, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, reuniu-se com Zelensky e prometeu que a Índia faria “todo o possível” para resolver o conflito e que compreendia seu “sofrimento” e o do povo ucraniano. Zelensky esperava mais da Índia, pondera o jornal, mas já foi melhor do que o desencontro de agendas com o presidente brasileiro.

Le Figaro e Le Monde registram as declarações feitas pelo presidente Lula na coletiva, antes de deixar o Japão. Lula afirmou ter ficado “chateado” por não ter se encontrado com Zelensky. O brasileiro disse, ainda, que tanto o ucraniano quanto o presidente russo, Vladimir Putin, não parecem ter interesse em negociar a paz.

A agência AFP assinala que Lula foi alvo de críticas, segundo as quais teria sido brando com a Rússia sobre a invasão ao país vizinho.

Zelensky obteve um apoio expressivo dos líderes do G7, incluindo um suporte americano para ter acesso aos caças F-16, algo que Kiev reivindicava há tempo. O presidente ucraniano só não teve a mesma demonstração de apoio do Brasil, destaca a AFP.

Zelensky obtém mais apoio militar no G7 e Rússia critica “show de propaganda”

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, obteve neste domingo(21) novas promessas de entrega de material militar, além do apoio diplomático dos países do G7 em Hiroshima, no Japão. O encontro com o presidente Lula, esperado nesta tarde, acabou não ocorrendo. 

O presidente americano, Joe Biden, prometeu neste domingo (21) a Kiev novos envios de armas, munições e veículos blindados, no valor de cerca US$ 375 milhões. O anúncio ocorre poucos dias depois dos EUA autorizarem o fornecimento de aviões de combate F-16 de fabricação americana à Ucrânia.

Washington também apoiará uma iniciativa de seus aliados para treinar pilotos ucranianos para os F-16. Durante os longos meses de treinamento, os ocidentais decidirão o calendário de entrega dos aviões, sua quantidade e os países que os fornecerão.

A Casa Branca reiterou, no entanto, que, com sua ajuda militar, “os Estados Unidos não facilitam e não apoiam ataques ao território russo”.

A presença de Zelensky em Hiroshima, cidade vítima em 1945 do primeiro bombardeio atômico da história e agora símbolo mundial da paz, colocou a invasão russa da Ucrânia no centro dos debates do G7, ofuscando outros temas como as relações dos aliados com a China.

Zelensky visitou no domingo o monumento em homenagem às vítimas da bomba atômica em Hiroshima, onde deixou flores.

No sábado (20), ele se reuniu com os aliados europeus do G7 e com os líderes japonês e canadense, mas também com o primeiro- ministro indiano Narendra Modi, que assegurou que a Índia fará “todo o possível” para resolver o conflito.

“Espetáculo de propaganda”

Neste domingo, em um comunicado, o Ministério das Relações Exteriores russo afirmou que a participação do presidente ucraniano no G7 tinha transformado a cúpula em um “show de propaganda contra os russos e chineses.”

De acordo com o texto, o G7 tornou-se uma “incubadora para implementar, sob o comando dos anglo-saxões, iniciativas destruidoras, que colocam em risco a estabilidade mundial”.

Zelensky também poderia se reunir neste domingo com o presidente Lula, que no mês passado declarou que os Estados Unidos deviam deixar “de incentivar a guerra” na Ucrânia, mas o encontro acabou não ocorrendo.

Em uma coletiva, o presidente ucraniano foi questionado se estaria desapontado por não ter se reunido com o presidente brasileiro. Ele respondeu que havia conversado com quase todos os dirigentes, mas cada um tinha seus próprios horários e ele não pode se encontrar com Lula. “Acho que issso o desapontou”, resumiu.

(Com informações da AFP)

O dirigente ucraniano busca reunir apoios para um plano de paz de dez pontos, concentrado em exigir à Rússia sua retirada do território ucraniano.

“A Rússia deve retirar suas tropas”, repetiu neste domingo o chanceler alemão Olaf Scholz, advertindo que o “país não deve apostar que, se resistir o suficiente, o apoio à Ucrânia terminará enfraquecendo”.

terça-feira, 23 de maio de 2023

Oportunidades internacionais para o Brasil: Diálogos da Harvard Brazil Conference (BH, MG) - Paulo Roberto de Almeida

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Recebi convite para participar deste capítulo brasileiro da Harvard Brazil Conference, em BH. O tema era apenas o do título. Sem saber exatamente o que se esperava de mim, para organizar as ideias escrevi o texto que divulgo agora: 

4388. “Oportunidades internacionais para o Brasil”, Brasília, 8 maio 2023, 9 p. Ensaio preparado para apoiar exposição oral no capítulo brasileiro Diálogos da Harvard Brazil Conference, realizada em Belo Horizonte, em 26/05, em companhia de Silvério Zebral. 


Oportunidades internacionais para o Brasil

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Notas para exposição oral na Brazil Conference, BH, 26/05/2023. 

 

Existem muitas oportunidades abertas ao Brasil na globalização, em sua inserção à economia mundial, o que ainda não ocorreu de fato, talvez nem de direito, dados os inúmeros obstáculos existentes a um processo amplo de abertura econômica e de liberalização comercial. Mas antes de falar das novas e futuras oportunidades, na verdade já existentes, podemos falar na perda de oportunidades já incorridas pelo Brasil ao longo de sua história.

O grande economista, diplomata e pensador do Brasil, Roberto Campos, costumava dizer que o Brasil é um país que não perde oportunidade para perder oportunidades. Isso começou lá atrás, quando dois dos “pais fundadores” do Estado independente, o jornalista independente Hipólito da Costa, refugiado em Londres, e o estadista José Bonifácio, o primeiro membro brasileiro de um gabinete português sob a regência do príncipe D. Pedro, recomendavam, ambos, que o Brasil se livrasse, imediatamente, do tráfico escravo e tomasse as providências necessárias para começar a importar imigrantes agrícolas, para se livrar, em médio prazo, da nódoa da escravidão. Também recomendavam educação pública, a fundação de uma universidade e diversas outras medidas para desenvolver a nova nação autônoma. Não foram ouvidos, assim como não foi ouvido Irineu Evangelista de Souza, que pretendia industrializar o Brasil em moldes ingleses, o que o fez apenas parcialmente, sabotado que foi por diversos áulicos do regime, que lhe concederam apenas a graça de ser Barão de Mauá.

Assim continuou no resto do Império e na República, cujo traço maior, ademais do baixo crescimento, foi a preservação de um acerbado protecionismo e a manutenção de uma introversão inaceitável para um país que dependia do resto do mundo para se lançar em grandes negócios para o seu próprio povo imigrante, esperançoso de um futuro brilhante na terra de eleição. As oligarquias fundiárias, os mandarins do Estado, castas patrimonialistas se congregaram para impedir um deslanche tão decisivo quanto aquele que caracterizou os EUA depois a guerra de secessão, bem documentado no livro de Robert Gordon, The Rise and Fall of American Growth, 1870-2014. Depois da semana de arte moderna em 1922, o escritor Mario de Andrade, um dos seus organizadores, confessou decepcionado num poema que “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”. De fato, nosso lento progresso antes dos anos 1930 foi praticamente uma fatalidade do destino.

A partir da Grande Depressão – depois de uma recessão severa em 1930-31, mas superada por uma bem maior, provocada pela Nova Matriz Econômica, em 2015-16 –, o Brasil passou a crescer impulsionado pela demanda interna, pela substituição de importações, por um processo de industrialização induzida pelo Estado que pode ser, numa analogia certamente exagerada, equiparada ao stalinismo industrial conduzido a ferro e a fogo, praticamente um escravismo moderno, pelo tirano soviético a partir do primeiro plano quinquenal. Nosso crescimento foi de fato para dentro, com uma diminuição notável do coeficiente de abertura externa que o Brasil exibia no auge das exportações de café e de outras commodities; em 1931, começam os controles de capitais que não seriam mais eliminados. 

A partir da era Vargas, durante o desenvolvimentismo de JK e, sobretudo, no grande processo de modernização pelo alto, ao estilo bismarckiano, do regime militar, o Brasil cresceu de fato, embora preservando não só as iniquidades do passado – a não reforma agrária, a não educação, o protecionismo e o estatismo exacerbados –, como novas distorções e desvios de conduta, tanto no plano da democracia política (estrangulada durante 21 anos), quanto no terreno propriamente econômico, por meio de um novo stalinismo industrial, que fez do Brasil uma imensa reserva de mercado unicamente para as indústrias locais, nacionais ou estrangeiras. A indústria automobilística, por exemplo, implantada sob JK, continua a ser, 70 anos depois dos investimentos feitos por montadoras europeias, americanas e japonesas, uma típica “indústria infante”, da qual falavam Hamilton e List na primeira metade do século XIX. Cabe também registrar que, no tocante à educação de massa, o Brasil só alcançou o índice de matrículas no primário – o enrollment rate de crianças de 7 a 11 anos – que era o das nações mais avançadas (Estados Unidos e Alemanha) no início do século XIX somente no final do século XX, ou mais ou menos 150 anos depois. E isso apenas no que se refere ao quantitativo de crianças adentrando no ciclo obrigatório primário; nada a ver com o lado mais fundamental da qualidade do ensino e da manutenção dos níveis nos ciclos posteriores.

Muito bem, vamos deixar o passado de lado e focar agora nas oportunidades que se oferecem ao Brasil a partir deste momento, e elas são promissoras, depois de quatro anos não só de virtual isolamento internacional, mas de quatro anos nadando no sentido contrário ao das democracias de mercado, no que tange direitos humanos, sustentabilidade, liberdade de imprensa, enfim, de adesão ao núcleo de temas que frequentam a agenda global mundial, tanto no plano multilateral, quanto no de blocos (G20, etc.), quanto bilateralmente. Eu começaria por dizer que oportunidades sempre existem, as mais diversas, em quaisquer planos possíveis, e que a realidade internacional, assim como a nacional, é sempre cambiante e incerta, dado o jogo incerto das maiorias políticas (pelo menos nas democracias). Eu também diria, preliminarmente, que oportunidades externas não são, ou não deveriam ser, o foco mais importante nos planos de desenvolvimento de um país, pois que elas existem, aliás aleatoriamente distribuídas num mosaico mundial de quase 200 soberanias nacionais. É a partir de dentro que precisa se começar a trabalhar na criação de oportunidades internacionais de desenvolvimento e inserção na economia mundial. 

Eu começaria, por exemplo, por retirar lições de três ou quatro relatórios feitos por algumas entidades internacionais que nos ajudariam a focar naquilo que é relevante, para o Brasil, em termos de deficiências nossas numa perspectiva comparativa. O primeiro é feito anualmente pelo Banco Mundial, e se refere ao Doing Business; o segundo é feito pelo World Economic Forum, e se chama Global Competitiveness Report (mas o último divulgado foi o de 2020: https://www.weforum.org/reports/the-global-competitiveness-report-2020/). O terceiro também é de uma entidade privada, na verdade think tank, e se refere às liberdades: é o da Heritage Foundation, o World Economic Freedom. Em qualquer um deles, o ranking do Brasil é muito decepcionante para os brios nacionais. No do Fórum de Davos, por exemplo, o Brasil aparece num dos últimos lugares quanto à percepção da corrupção e na confiança que os cidadãos têm do seu próprio governo, assim como nas performances educacionais. No Index 2023 das liberdades no mundo, a pontuação do Brasil recuou consistentemente a partir de 2006 no que tange à liberdade econômica, ficando sempre abaixo da média mundial, que já não é muito alta (59,3 para o mundo, contra apenas 53,5 para o Brasil). 

Existem, obviamente, muitos outros relatórios mundiais, temáticos ou simplesmente informativos, comparando e ranqueando países entre si, num número enorme de indicadores quantitativos e qualitativos de desempenho relativo nos mais diversos setores de atividades: destaco os dois relatórios semestrais das entidades de Bretton Woods e o da OCDE, mais ou menos similares quanto aos nomes: World Economic Outlook, geralmente destacando uma ou outra área ou problema de interesse momentâneo, agora, por exemplo, com muita ênfase na questão da sustentabilidade, da energia, ou das ameaças epidêmicas ou turbulências políticas em países ou regiões, provocando fluxos enormes de refugiados econômicos ou políticos. Não vale a pena continuar insistindo aqui nas desgraças do mundo e nos seus impactos sobre o Brasil, por mais que eles existam e sejam relevantes, como, por exemplo a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e seus efeitos sobre os mercados de grãos, de energia e de fertilizantes. Vamos, ao contrário, deitar o olhar para nossas próprias realidades internas e ver como o Brasil poderia construir oportunidades para si próprio, a partir de dentro. 

Eu alinharia quatro grandes oportunidades “internacionais” para o Brasil, mas que começam inteiramente dentro do Brasil, pois que só a partir de nossa ativa preparação para superar as dificuldades criadas por nós mesmos é que seremos capazes de aproveitar a pleno essas oportunidades. Elas estão situadas, sinteticamente, nestas áreas: 

1)    Integração regional sul-americana

2)    Meio ambiente e “exploração” inteligente da biodiversidade

3)    Promoção da agricultura tropical, alimentos para o mundo

4)    Educação: a busca de qualidade pelo benchmark mundial

 

Em todas essas áreas, as oportunidades existem, elas não são inéditas, surpreendentes ou desconhecidas de nós e, ainda que a realidade mundial e regional seja sempre cambiante, quem na verdade constrói as novidades somos, ou devemos ser, nós mesmos, a partir de decisões propriamente nacionais, mas que nos colocam em confronto e em cooperação com os demais países, vizinhos ou distantes, com entidades internacionais e órgãos multilaterais.  Eu descartaria, desde o início, certas iniciativas que são julgadas promissoras pelo governo atual – e que já vinham de suas primeiras encarnações –, que são essas repetidas como prioritárias nos anúncios de política externa do governo Lula 3: eu me refiro a Brics, a Ibas, a Unasul, Celac, ou certas coalizões setoriais que aprofundam essa divisão míope que consiste em ver, de um lado, potências dominantes e, de outro, o fantasmagórico Sul Global, uma coisa que só existe na cabeça de acadêmicos ou na de alguns personagens governamentais. Vejamos como concebo as oportunidades nessas quatro áreas. 

 

1)    Integração regional

Ortega y Gasset tem aquela sua famosa afirmação, feita mais de um século atrás, segundo a qual “Yo soy yo, y mi circunstancia”. A circunstância incontornável do Brasil é a América do Sul e ela não deixará de sê-lo no futuro previsível. E o que é a integração sul-americana, ainda que recoberta por conexões latino-americanas? Ela está enquadrada em diferentes mecanismos e agrupamentos, aos quais pertence o Brasil, começando pela Coordenação da Bacia do Prata, pelo Mercado Comum do Sul, o Mercosul, pelo Pacto Amazônico – e sua organização posterior, a OTCA – e pela União de Nações Sul-Americanas, a Unasul, entidade hoje de existência incerta, mas de natureza mais política do que econômica. 

Existem conexões econômicas ou de cooperação, num sentido amplo, entre esses grupos, como o Grupo Andino, atualmente Comunidade Andina de Nações, cujos membros possuem acordos comerciais com os países do Mercosul. A Bolívia, por exemplo, que se coordena com Uruguai e Paraguai num grupo chamado Urupabol, é candidata a ingressar no Mercosul, com o qual já assinou um acordo de associação, mas ainda não cumpriu todos os requisitos. A Venezuela, teoricamente membro da Comunidade Andina de Nações, também foi admitida – irregularmente sublinhe-se – no Mercosul, mas dele foi afastada por tampouco cumprir requisitos mínimos de pertencimento. Três países da América do Sul – Chile, Peru e Colômbia – formam, com o México, a Aliança do Pacífico, uma entidade teoricamente de livre comércio recíproco, mas bem mais dedicada a seguir os movimentos da Ásia Pacífico.

Registre-se ainda a existência de entidades subordinadas aos blocos, como o Fonplata, o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata, com sede em Cochabamba, Bolívia, e a antiga CAF, Corporacíón Andina de Fomento, que se mudou de Caracas para Lima e hoje se chama Banco de Desarrollo de América Latina. Finalmente, temos uma entidade especificamente dedicada à integração, que é a Aladi, Associação Latino-Americana de Integração, com sede em Montevidéu, e que sucedeu, em 1980, à antiga Alalc, de 1960, retrocedendo de um projeto de zona de livre comércio para uma simples área de preferências tarifárias, de acordo à cláusula de habilitação da Rodada Tóquio (1969) do Gatt.

Não concebo como verdadeira “oportunidade” para o Brasil a evolução institucional de todos esses grupos, ou outros, já em nível latino-americano, como a Celac, um simples fórum de concertação política, que se resume a ser mais um palanque do que um verdadeiro órgão de coordenação de políticas de integração regional. O que eu concebo é a formação progressiva de uma ampla área de preferências tarifárias, evoluindo em seguida para uma zona de livre comércio, mas sem a necessidade de grandes conferências diplomáticas ou de negociações bilaterais ou plurilaterais visando a assinatura de acordos estritamente formalizados e enquadrados num dos modelos examinados pelo Comitê de Acordos Regionais da OMC, mas tomando como base jurídica o mecanismo já introduzido no início dos anos 1960, mais comumente conhecido como SGP, sistema geral de preferências tarifárias, o que é uma iniciativa puramente voluntária e desprovida de contrapartidas.

O Brasil, como a maior economia da América do Sul, com a indústria e a agricultura mais avançadas tecnologicamente, deveria poder ter condições de se constituir em base política, orgânica e estrutural de um espaço economicamente integrado na região, sem precisar constituir nenhuma outra entidade de coordenação ou de complexa burocracia, e mesmo sem negociar bilateralmente com nenhum dos países vizinhos acordos de liberalização comercial recíproca, bastando que o pudesse fazer de maneira voluntária e unilateral. A única negociação a ser feita seria integralmente no plano interno, consistindo na adoção voluntária pelo Brasil de abertura progressiva do seu mercado à oferta de bens e serviços dos países sul-americanos, medida igualmente válida para padrões e normas usadas nesses países. 

 

2)    Meio ambiente e “exploração” inteligente da biodiversidade

Este é um dado da conformação natural e das dotações mega diversas da fauna e da flora brasileiras que representam um ativo dos mais relevantes para fins negociais no plano de sua diplomacia total, isto é, multilateral, regional (Amazônia) e bilateral (com foco definido em projetos de cooperação com os países vizinhos membros da OTCA). Seja como preservador responsável dessa dotação natural, seja como seu destruidor irresponsável – o que foi o caso nos anos recentes, sob uma gestão antiambiental –, o Brasil está sob severo escrutínio dos parceiros mais ativos na agenda da sustentabilidade, tanto a propriamente ambiental, como recursos naturais, quanto a energética, dado seus impactos no estoque de recursos nativos. 

Uma vez que tenham sido definidas as principais políticas da área ambiental – em grande medida uma recuperação dos anos de destruição sob o governo anterior –, o Brasil pode explorar, no bom sentido da palavra, as possibilidades abertas a uma postura cooperativa em diferentes vertentes da agenda da sustentabilidade, nas três fronteiras de trabalho acima descritas. No passado, não apenas o governo anterior, mas nas primeiras administrações do atual partido no poder também, uma postura defensiva e equivocadamente nacionalista na questão dos recursos de sua imensa biodiversidade obstou à consecução de uma maior cooperação internacional, e até a investimentos privados, em regiões-símbolo de defesa da soberania, como a Amazônia. Uma certa paranoia quanto à “biopirataria” afastou possíveis investimentos externos na região, daí resultando uma postura ultra protetiva que, de fato, deixou a Amazônia entregue a seus inimigos tradicionais: garimpeiros, madeireiros, desmatadores, grileiros e exploradores ilegais daqueles recursos, minerais, extrativistas e agrícolas. Não apenas a preservação, como a exploração racional seriam beneficiadas com políticas de maior abertura da região à exploração sustentável por agentes econômicos nacionais e investidores estrangeiros. 

Num retrospecto histórico, cabe relembrar que a Amazônia só foi realmente “rica” quando ela era “internacionalizada”, durante o boom da borracha, por exemplo. A exploração racional e sustentável dos recursos da biodiversidade pode ser feita numa postura de maior abertura à cooperação externa, inclusive com capitais privados estrangeiros, ademais dos projetos científicos já em curso ou novos prováveis que resultariam dessa postura aberta. Por outro lado, o Brasil tem todas as condições de usufruir em maior escala de créditos de carbono, em vista de sua matriz energética e emissionista bastante favorável em escala comparativa internacional; para o que se requer o estímulo a novos projetos potencialmente incluídos nesse mercado promissor. Como no plano da integração regional, a iniciativa nesses setores tem de ser basicamente interna, nacional, ou seja, representada pela melhoria e a expansão das políticas setoriais ambientais e energéticas num sentido amplo. 

 

3)    Promoção da agricultura tropical, alimentos para o mundo

O crescimento da produtividade agrícola nos últimos 40 anos – basicamente desde que a Embrapa e órgãos subsidiários passaram a fornecer tecnologias, know-how e maquinário – é sem paralelo no mundo, tanto mais que tudo se fez num ambiente e habitat tropicais que se julgava especialmente difícil para tais conquistas na escala aqui registrada. De todos os países habilitados a prover o mundo de grãos e carnes – e seus derivados – compatíveis com o futuro (aliás presente) aumento do volume populacional e com o aumento de renda disponível para o incremento dos padrões de consumo alimentar, os Estados Unidos e o Brasil aparecem em posição preeminente no aumento da oferta nos vários tipos de commodities básicas e de derivados processados, sendo que o primeiro país o fará mais pelo aumento da produtividade e o Brasil com o acréscimo da incorporação de terras agricultáveis (sem atingir as áreas de proteção ambiental já identificadas como espaços isentos de exploração destruidora). 

Essa condição de primeiro produtor e exportador mundial dos mais diversos tipos de produtos alimentícios (e de oferta energética renovável) conferem ao setor agrícola do Brasil uma responsabilidade única no terreno da agenda ambiental e de segurança alimentar do mundo. Novamente, o trabalho básico nesse terreno tem de ser feito no plano interno, não apenas na questão da infraestrutura de transportes, comunicações e energia, mas igualmente no terreno regulatório (acesso a terras, mão de obra, assistência e créditos), o que deveria prover, idealmente, as condições ideais para a cooperação ampliada e para a captação de investimentos diretos estrangeiros. Ainda que se aumente a cooperação e o intercâmbio tecnológico com parceiros inseridos nesse mesmo mercado alimentar mundial, deve-se descartar qualquer tentação de formação de carteis ou de grupos manipuladores dos mercados, como eventualmente se tem sugerido em alguns setores (uma “Opep da Soja”, por exemplo). 

A perspectiva estratégica com a qual se deve trabalhar é, no plano multilateral e dos acordos com grandes parceiros do setor, a de uma liberalização ampliada dos mercados agrícolas e de energias renováveis, eliminando-se o que ainda resta de protecionismo, de mercantilismo e de subvencionismo que permanecem recalcitrantes mesmo depois dos acordos agrícolas da Rodada Uruguai e do pouco que se fez na Rodada Doha, inacabada. Ainda no plano estratégico de atuação internacional do Brasil nessa vertente, cabe descartar também qualquer postura ideológica no sentido de se conformar uma frente política de um fantasmagórico Sul Global em eventual confronto com países do Norte, como já se fez no próprio início da Rodada Doha, como se todos os países de um ou outro hemisfério fossem homogêneos em suas respectivas políticas agrícolas nacionais e posturas negociadoras no plano multilateral. O pragmatismo diplomático indica ser mais factível a perspectiva dos mercados abertos à competição do que uma suposta identidade de interesses entre países emergentes que não resiste a um escrutínio mais cerrado. Nem todos os países avançados são protecionistas e subvencionistas, nem todos os países em desenvolvimento dispensam os mesmos pecados mercantilistas e distorcivos. 

 

4)    Educação: a busca de qualidade pelo benchmark mundial

Ninguém mais, entre dirigentes bem-informados, acredita na surrada tese de alegada origem marxista, segundo a qual os países atualmente avançados realizaram sua “acumulação primitiva” às custas do colonialismo, da exploração da periferia, das “veias abertas” à dominação imperialista e à dependência tecnológica. O único fator que explica a “grande divergência” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento – alguns persistentemente pobres – é o diferencial de produtividade entre um e outro grupo de nações, e esse diferencial se explica, basicamente, pela dotação de um único fator produtivo, o capital humano. 

Ora, nesse quesito o Brasil apresenta uma visão contrastante entre um desempenho de alta qualidade em alguns poucos setores de ponta – na medicina, nas ciências da informação, no agronegócio, justamente – e resultados deploráveis naqueles setores dependentes de serviços baseados em mão de obra de formação média. Isto se deve a uma educação de péssima qualidade no que depender dos primeiros ciclos do setor público, o que deriva diretamente da formação deficiente dos professores, além da falta de equipamentos e infraestrutura adequados às necessidades de uma educação que se tornou verdadeiramente de massa, desde algumas décadas, sem poder igualar recursos e possibilidades com instituições privadas de ensino. Não apenas o ciclo básico é extremamente deficiente no setor público, como ocorre um estrangulamento no ciclo médio, que passa a recolher fração menor das faixas etárias que se dirigem à formação superior. 

As oportunidades que se abrem ao Brasil nesse particular, a formação do capital humano de qualidade, se situam na captura das melhores experiências existentes no plano internacional, tanto junto a países avançados quanto em países de menor desenvolvimento relativo. Um retrato perfeito da situação existente nesses diversos países é oferecido pelos exames do PISA da OCDE, que apresentam um panorama de certa forma similar ao que é desempenhado pelos relatórios do Banco Mundial no tocante ao ambiente de negócios, o Doing Business, ou seja: há uma medição quantitativa e qualitativa dos indicadores de desempenho dos alunos em língua pátria, matemáticas e ciências elementares, que são os instrumentos básicos para um bom desempenho no setor produtivo e na criação de riquezas via inovação. Em outros termos, o Brasil ganharia muito em se aproximar ainda mais, se possível aceder à OCDE, para aproveitar as minúcias nacionais das políticas educativas dos países mais bem sucedidos na formação de capital humano de qualidade.

Mas, não só na educação, o imenso laboratório de políticas públicas da OCDE, tanto macroeconômicas quanto setoriais, é extremamente relevante para o Brasil: em todas as demais áreas da boa governança, inclusive no tocante à abertura econômica e à liberalização comercial, dois importantes vetores para uma maior inserção do Brasil na economia mundial, em especial nas cadeias de valor, que confirmam a interdependência efetiva entre os países. As oportunidades internacionais para o Brasil existem, portanto, mas elas são basicamente dependentes de uma mudança radical de sua postura em matéria de políticas públicas, que deveriam superar o complexo de avestruz, a tendência à introversão e ao protecionismo, com vistas a se lançar no vasto oceano da interdependência consentida e buscada. Os primeiros passos sempre precisarão se dados pelo próprio Brasil, para que as oportunidades externas se frutifiquem nas possibilidades internas. Esta é a minha visão do processo decisório que deveria impulsionar a ação dos estadistas brasileiros, se eles existem, a partir deste início de terceiro centenário de nossa independência. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4388: 8 maio 2023, 9 p.


Reunião do G7 trouxe revés para diplomacia lulista - Editorial O Globo (via Augusto de Franco)

Trechos do Editorial do Globo

"As potências ocidentais que saudaram sua chegada ao poder como um vento benfazejo depois do furacão Jair Bolsonaro já não parecem encará-lo com a mesma deferência. (...)

Tudo somado, fica evidente que os planos de Lula para assumir papel de destaque numa eventual negociação de paz são pura fantasia. Lula volta de Hiroshima menor do que chegou.

Chegar ao encontro sem querer discutir a guerra na Ucrânia é, no mínimo, ingenuidade."


Augusto de Franco: 

 Não adianta mentir dizendo que Zelensky faltou à reunião porque quer a guerra e não a paz. Todo mundo está vendo o que de fato aconteceu: um fracasso da diplomacia ideológica lulopetista. Leiam o editorial de O Globo de hoje.

Reunião do G7 trouxe revés para diplomacia lulista Editorial, O Globo (23/05/2023) Líderes que saudavam Lula como alternativa a Bolsonaro já não o encaram com a mesma deferência A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Japão para participar como convidado do encontro do G7, grupo que reúne as sete maiores economias democráticas, foi um exemplo pedagógico das limitações da política externa brasileira. A presença surpresa do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, concentrou as atenções. Lula, que meses atrás acalentava o plano de negociar a paz entre Rússia e Ucrânia, nem conseguiu uma reunião bilateral com Zelensky. Até o presidente americano, Joe Biden, evitou um encontro a dois com Lula. Lula declarou não ter ido a Hiroshima para “discutir a guerra da Ucrânia”. Ele pode participar de reuniões internacionais com os objetivos que julgar melhor para defender os interesses brasileiros, mas não pode ignorar a realidade. As potências ocidentais que saudaram sua chegada ao poder como um vento benfazejo depois do furacão Jair Bolsonaro já não parecem encará-lo com a mesma deferência. O G7 voltou a ganhar relevo depois da invasão da Ucrânia pela Rússia. Foi o fórum em que as potências ocidentais formularam respostas coordenadas de apoio aos agredidos e de sanção aos agressores. Chegar ao encontro sem querer discutir a guerra na Ucrânia é, no mínimo, ingenuidade. Um dos objetivos de Zelensky ao viajar de surpresa para Hiroshima era conversar com o líder indiano Narendra Modi e com Lula. Índia e Brasil têm dado ouvidos à Rússia, seguindo a lógica de uma política externa sem alinhamento automático com Estados Unidos (pró-Ucrânia) ou China (pró-Rússia). Para os ucranianos, a aproximação dos dois países era uma tentativa de ganhar apoio entre os emergentes. No final, Zelensky encontrou Modi, mas não Lula. De acordo como o Itamaraty, por horários incompatíveis. É natural que o governo brasileiro tenha feito pouco esforço para viabilizar a reunião. E o fato de Zelensky não ter mudado sua programação demonstra que, embora desejável, o apoio do Brasil é dispensável. Tudo somado, fica evidente que os planos de Lula para assumir papel de destaque numa eventual negociação de paz são pura fantasia. Lula volta de Hiroshima menor do que chegou. Não é visto mais como “o cara”, na expressão usada pelo ex-presidente Barack Obama para definir sua importância nas reuniões internacionais. É uma pena, pois o Brasil dispõe de uma agenda produtiva, capaz de aumentar seu protagonismo global. Na sessão de trabalho do G7, quando falou de mudanças climáticas, Lula provocou reações positivas. A proteção ao meio ambiente foi tema central de pelo menos três encontros bilaterais: com o australiano Anthony Albanese, o indonésio Joko Widodo e o canadense Justin Trudeau. Lula também tentou manter vivo um dos temas prediletos da diplomacia brasileira: a necessidade de reforma do Conselho de Segurança da ONU. Como em todas as outras vezes em que o assunto foi levantado, o resultado foi inócuo. É evidente que o mundo viu com alívio a vitória de Lula sobre Bolsonaro. Sua diplomacia não alinhada pode fazer sentido para uma potência regional como o Brasil. A melhor forma de pô-la em prática, contudo, não é repetir os erros de Bolsonaro em relação à guerra na Ucrânia ou dar declarações sobre extração de petróleo na foz do Amazonas em desafio a sua própria agência ambiental. Desse jeito, os líderes globais questionarão se a Presidência brasileira mudou tanto assim.

O gradual esvaziamento do Itamaraty - Rubens Barbosa (OESP)

 O GRADUAL ESVAZIAMENTO DO ITAMARATY

Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 23/05/2023

 

A política externa, nos últimos 200 anos do Brasil independente, sempre teve um papel muito relevante na defesa do desenvolvimento econômico, dos interesses concretos do país, de sua projeção externa e mesmo de uma atuação, muitas vezes, acima da capacidade de seu poder efetivo. 

 

Nos últimos 30 anos, o Itamaraty vem perdendo espaço no contexto dos sucessivos governos por razões de política interna e mudanças externas. Internamente, emergiu uma tecnocracia que passou a representar interesses setoriais no exterior, como a área econômica, o setor agrícola, o de defesa e o de polícia. Externamente, o mundo se transformou pela rapidez da informação, a facilidade dos contatos entre chefes de estado com conversas e encontros frequentes. Nos últimos 15 anos, um novo elemento contribuiu para o esvaziamento do Itamaraty: a politização e a partidarização da política externa e a atração de lealdades ao presidente, ao ministro e `as ideias por eles defendidas. Essa tendência vem acompanhada pela redução de recursos orçamentários e de crescentes dificuldades enfrentadas pelos diplomatas em termos de fluxo de carreira que tornaram o seu trabalho mais difícil e suas funções diplomáticas mais burocráticas e menos estimulantes para o desempenho de suas missões. Exemplos recentes desse esvaziamento político são a retirada da CAMEX, da APEX, a dualidade de funções entre a assessoria presidencial e o ministro do exterior, a perda de espaço nas secretarias internacionais dos ministérios, a ação subnacional, a marginalização dos embaixadores nas reuniões em nível de chefe de Estado, a perda da coordenação das negociações internas nas áreas de comércio exterior, inclusive no tocante ao Mercosul, ao meio ambiente e às agendas multilaterais (direitos humanos, energia, costumes, gênero e outras).

 

Isso significa que estamos assistindo o fim da presença do Itamaraty e a perda de espaço das embaixadas no exterior? Fora dos quadros do Itamaraty a quase 20 anos, tenho um distanciamento que me coloca em posição de oferecer algumas considerações pessoais longe de interesses corporativos ou posições defensivas, mas apenas voltadas para o que me parece mais relevante para o país.

 

Nos dias de hoje, visto do ângulo dos interesses permanentes do Brasil e não do governo de turno, o Brasil e o mundo mudaram. Quatro milhões de brasileiros em todos os continentes, esperam assistência não só para providências pessoais, mas sobretudo para apoio em momentos de crise nos países em que vivem. O cenário global, para países do porte do Brasil, apresenta novos e significativos desafios geopolíticos que, em muitos casos, parecem ser ignorados internamente como se o país fosse imune ao que acontece no exterior, seja na área econômica, na de defesa, na saúde, na inovação e na tecnologia. A pandemia e a guerra na Ucrânia, além da rápida mudança na ordem internacional com o isolacionismo dos EUA, a crescente tensão entre os EUA e a China, o reaparecimento da Rússia transformaram o cenário global, colocando os países, e o Brasil não é exceção, cada vez mais dependentes do exterior em muitas áreas, inclusive tecnológicas e industriais. O 5G e a Inteligência artificial, as restrições derivadas de preocupações protecionistas e de meio ambiente e mudança de clima, sem falar nas questões de segurança e de defesa são novos desafios. Integração regional (que o Brasil deveria liderar), abertura de novos mercados para produtos brasileiros, novos acordos de livre comércio, a formação de blocos políticos e econômico-comerciais são algumas das realidades que qualquer governo brasileiro terá de enfrentar nos dias de hoje e no futuro previsível.

 

O Itamaraty, como sempre fez no passado, poderá, de maneira eficiente, ajudar a interpretar o momento de transição para um mundo pós ocidental, como acentuado por Lula na reunião do G7. Nesse contexto, ao invés de esvaziar a Instituição, os governos teriam de fortalecer a estrutura da chancelaria, com reforço orçamentário e humano, para que possa atuar como uma antena de captação dessas mudanças e oportunidades, um instrumento de negociação em novas áreas (tecnologia e inovação), um braço (assistência técnica) para o exercício de “soft Power” na América Latina e na África, um fator de inteligência para a segurança nacional e defesa, um suporte eficiente para a ação de outros órgãos federais, estaduais e de apoio à comunidade brasileira no exterior e aos empresários.

 

No momento de polarização interna, deve ser lembrado, tanto aos governantes, quanto aos diplomatas do Itamaraty, que a diplomacia, como carreira de Estado, tem um dever de lealdade ao governo legitimo do momento ao implementar suas decisões, sem evidentemente ser partidária e muito menos militante do partido e do governo no poder.  O embaixador, como representante do Presidente da República, do governo e de seus ministros, é o responsável pela autoridade do Estado no país em que está acreditado e uma relação de confiança deve existir como pressuposto de seu trabalho. O Itamaraty tem de ser revigorado e recuperar sua capacidade de interpretação do sentido das mudanças globais e sua competência para articulação e coordenação interna de todas as ações do governo no exterior.

 

Rubens Barbosa, ex-embaixador em Londres e em Washington. Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

 

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