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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Resposta do governo Lula a atentados terroristas do Hamas expõe influência de Celso Amorim no Itamaraty - Felipe Frazão (OESP)

Resposta do governo Lula a atentados terroristas do Hamas expõe influência de Celso Amorim no Itamaraty

Felipe Frazão

O Estado de S. Paulo11 de outubro de 2023 | 20:30

A reação do governo aos atentados terroristas do Hamas contra Israel e às mortes de dois cidadãos brasileiros nos ataques se tornou nos últimos dias alvo de críticas nas redes sociais e em círculos políticos e diplomáticos em virtude da hesitação em condenar o grupo terrorista palestino. As notas de pesar divulgadas pelo Itamaraty sobre as mortes de Ranani Nidejelski Glazer e Bruna Valeanu, ambos de 24 anos, também provocaram ruído por um tom considerado frio e insensível.

Diplomatas e especialistas consultados pelo Estadão apontam que as posições ideológicas do assessor de assuntos internacionais Celso Amorim sobre política externa e diplomacia muitas vezes se sobrepõem à linha mais técnica do Itamaraty em muitas questões. É o caso da Guerra da Ucrânia, do alinhamento ocasional do Brasil ao eixo Rússia-China e, agora, da crise em Gaza. No caso do Oriente Médio, sobretudo, Amorim já demostrou publicamente, em diversas ocasiões, uma simpatia pelo lado palestino no conflito.

Segundo um embaixador que acompanha as discussões internas do Itamaraty, e pediu para não ter o nome divulgado, houve uma involução no posicionamento da chancelaria desde o início da crise em Israel no sábado, 7.

“ Tínhamos que ter uma posição mais firme. O Itamaraty decidiu condenar os ataques (na nota de 7 de outubro) e depois eles voltaram atrás, provavelmente sob pressão do PT e outras agremiações de esquerda”, disse a fonte. “Neste caso tem de condenar e transmitir apoio, apesar do histórico de equidistância. O Hamas sempre desejou impedir o processo de paz”.

O Itamaraty e Amorim foram procurados, mas até a última atualização desta reportagem não enviaram resposta. O espaço está aberto.

‘Antiamericanismo infantil’

Amorim participou de uma reunião no Palácio do Itamaraty no domingo, 7, com o ministro da Defesa, José Múcio, e a chanceler interina, Maria Laura da Rocha, para discutir os atentados do Hamas e a situação dos brasileiros na região.

Após os atentados, Celso Amorim condenou os ataques, mas disse que eles eram consequências da violência de Israel contra o povo palestino. “O atual conflito não é um fato isolado. Vem depois de anos e anos de tratamento discriminatório, de violências, não só na própria Faixa de Gaza, mas também na Cisjordânia”, disse o assessor, que foi chanceler durante os primeiros mandatos de Lula.

Para o ex-embaixador Paulo Roberto de Almeida, que serviu em Genebra, Paris e no Leste Europeu, a visão de Lula, Amorim e do PT se sobrepõe à do Itamaraty e, hoje, resulta na execução de uma política externa que contesta a liderança dos Estados Unidos no cenário global.

“Lula, Amorim e o PT consideram essa liderança contrária aos interesses de longo prazo do Brasil”, disse. “Eles padecem de um anti-imperialismo anacrônico e de um antiamericano infantil”.

Na avaliação do diplomata, a atuação da chancelaria na crise em Gaza é reflexo dessa influência de Amorim sobre a política externa. “O Itamaraty, parte submissa dessa coalizão primariamente esquerdista, tem de se submeter à vontade de seus controladores, e tem feito um papel lamentável tanto na emissão de declarações externas, quanto na publicação de notas patéticas, nas quais o principal objetivo é escamotear a realidade”, completa.

Condenação x cautela

Na terça-feira, o chanceler Mauro Vieira voltou a defender um fim da violência em Gaza, mais uma vez sem condenar o terrorismo do Hamas. “A posição do Brasil é a de que os atos violentos devem ser interrompidos e deve haver cessação de hostilidades. Evidente que condenamos a violência e o derramamento de sangue, mas achamos que, sobretudo com o Brasil na presidência do Conselho de segurança, precisamos trabalhar para o fim das hostilidades e uma negociação de paz”, disse o chanceler à Voz Brasil.

Diplomatas reconhecem que a posição histórica de equidistância do Brasil em relação ao conflito no Oriente Médio, aliada ao fato de o País estar no comando temporário do Conselho de Segurança da ONU aumentam a necessidade de a chancelaria se manifestar com cautela. Ao mesmo tempo, a morte de cidadãos brasileiros nos atentados e a possibilidade de haver reféns nascidos no País nas mãos do Hamas exigem uma condenação mais firme.

Críticas

“Uma nota do Itamaraty chega ao ridículo de falar do “falecimento” de brasileiro em Israel, o que é uma ofensa à família e um atentado à verdade objetiva dos fatos”, lembra Paulo Roberto de Almeida. “O que vale para a comunidade internacional são as notas do Itamaraty, que significam posição de governo, e estas até agora têm descurado completamente as expressões terrorismo e Hamas”.

André Lajst , cientista político e presidente-executivo da StandWithUs Brasil, uma ONG pró-Israel, defende que o governo precisa ser mais enérgico, especialmente com relação a morte de brasileiros. E citar nominalmente o Hamas, que atacou Israel, ao condenar o terrorismo.

“Por algum motivo, que a gente ainda não sabe qual é, o governo brasileiro insistentemente prefere não mencionar o Hamas, fala em ataque, fala em terrorismo, se solidariza com as vítimas de ambos os lados”, aponta Lajst. “Sem querer — ou querendo — faz uma equivalência de solidariedade e, claro que deve haver solidariedade a todas as vítimas civis, mas a situação não é equilibrada. Tem um país que está se defendendo e um grupo terrorista que está atacando”.

A posição de Lula

No dia dos atentados, no entanto, o petista condenou os ataques do Hamas. “Fiquei chocado com os ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel, que causaram numerosas vítimas. Ao expressar minhas condolências aos familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas”, disse o presidente.

Nesta quarta, Lula fez um apelo direcionado para ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, e para a comunidade internacional, pedindo a liberação de crianças palestinas e israelenses sequestradas e mantidas como reféns durante o confronto entre Hamas e Israel.

Amorim e os palestinos

Quando comandava o Itamaraty, em 2010, Amorim foi um dos entusiastas do reconhecimento da independência da Palestina como independente pelo Estado brasileiro, atendendo a um pedido do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.

Na apresentação da edição brasileira do livro Engajando o mundo: a construção da política externa do Hamas, escrito pelo pesquisador britânico Daud Abdullah, Amorim chegou a elogiar o grupo terrorista palestino.

“Como firme defensor dos direitos palestinos e defensor de uma solução por meios pacíficos, fiquei muito encorajado com as palavras finais do autor: através de maiores esforços diplomáticos e alianças globais, ‘o Hamas pode desempenhar um papel central na restauração dos direitos palestinos’”, diz o assessor na apresentação do livro, publicado no começo deste ano.

Felipe Frazão/Luiz Raatz/Estadão

Dicionário brasileiro de relações internacionais: o Brasil no contexto mundial : projeto de livro - Paulo Roberto de Almeida

 Um projeto realizado parcialmente, que conviria retomar: 

Dicionário brasileiro de relações internacionais: o Brasil no contexto mundial 

Paulo Roberto de Almeida

 

Índice

 

Apresentação 3

Introdução: objetivos e organização do dicionário 7

 

Primeira Parte

Instituições, processos, eventos e conceitos de relações internacionais

1. A política mundial e as relações internacionais 13

2. A economia mundial e a interdependência econômica internacional

3. Equilíbrios regionais e questões estratégicas: a ONU e o fim da Guerra Fria

4. O Brasil no contexto regional: o Mercosul

5. Relações internacionais e política externa do Brasil

6. Ministério das relações exteriores: história, estrutura e atribuições

 

Segunda Parte

Verbetes de relações internacionais

As relações internacionais de A a Z

 

Terceira Parte

Informação sobre relações internacionais

Cronologia: Relações internacionais, política externa do Brasil, 1415-2001


Bibliografia

Índice remissivo

 


(Washington, 2001)

Uma nova ópera dos três vinténs na Argentina - Paulo Roberto de Almeida

 Um libreto porteño, sem qualidades

Paulo Roberto de Almeida

“Argentinos aceleram compra de dólares; para Milei, peso não vale nem um “excremento”.”

A Argentina se prepara atabalhoadamente para um salto no escruro. Quem tem dólares é a classe média, que ainda sobrevive. A imensa maioria da população não os tem, e vai ficar muito mais pobre com um governo Milei, que seria o caos completo. 

Para o Brasil seria o fim do Mercosul e da possibilidade de qualquer liderança na América do Sul, menos ainda no diáfano Sul Global. Um fracasso partilhado com muitos outros vizinhos.

Para os argentinos, seria o labirinto do Minotauro sem qualquer fio de Ariadne. 

Já se pode chorar antecipadamente pela Argentina, mas isso não vale nem um ópera de três vinténs. 

Brasília, 11/10/2023

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Renato Baumann: Percurso Incompleto: a política econômica externa do Brasil (disponível no IPEA)

 O IPEA acaba de publicar o livro mais novo de Renato Baumann:


Percurso Incompleto: a política econômica externa do Brasil (Brasília: Idea, 2023, 311 p.; ISBN: 978-65-5635-059-2) DOI:
http://dx.doi.org/10.38116/9786556350592 Acesse: https://repositorio.ipea.gov.br/


SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO, 7

PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES, 9 

CAPÍTULO 1

A GLOBALIZAÇÃO À DISTÂNCIA, 29 

CAPÍTULO 2

PERDENDO FÔLEGO NO GRUPO DOS EMERGENTES, 67 

CAPÍTULO 3

VIESES DA POLÍTICA COMERCIAL. 93 

CAPÍTULO 4

OS ACORDOS COMERCIAIS DO BRASIL, 21 

CAPÍTULO 5

A ATRAÇÃO DE INVESTIMENTOS EXTERNOS, 147 

CAPÍTULO 6

O TEMA DOS ACORDOS DE INVESTIMENTO , 173 

CAPÍTULO 7

CADEIA GLOBAL DE VALOR É CONSEQUÊNCIA, NÃO OBJETIVO , 199 

CAPÍTULO 8

O DESAFIO DO ALINHAMENTO EXTERNO ,  223

CAPÍTULO 9
O TEMA DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL,  257 

Coautoria com Rafael Schleicher

CAPÍTULO 10
O PERCURSO INCOMPLETO , 279

REFERÊNCIAS, 299

Repatriação de brasileiros de Israel e dos territórios na Palestina ocupada - Nota do Itamaraty

 Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social 

Nota nº 444

9 de outubro de 2023

 

Situação em Israel e na Palestina. Atendimento a brasileiros.

O Ministério das Relações Exteriores, por meio da Embaixada em Tel Aviv e do Escritório de Representação em Ramala, segue acompanhando a situação dos turistas e das comunidades brasileiras em Israel e na Palestina. O Itamaraty tem registro de três brasileiros desaparecidos na região até o momento.

O governo brasileiro desaconselha quaisquer deslocamentos não essenciais para a região.

Até o momento, a Embaixada em Tel Aviv colheu, por meio de formulário “online”, os dados de cerca de 1700 brasileiros que externaram interesse em sua repatriação, a maioria dos quais turistas, hospedados em Tel Aviv e Jerusalém. Os candidatos à repatriação serão acomodados em listas de prioridade. Em um primeiro momento, deverão ser priorizados os residentes no Brasil, sem passagem aérea.

Face à incerteza quanto ao momento em que poderão ocorrer os voos de repatriação, o Ministério das Relações Exteriores reitera recomendação de que todos os nacionais que possuam passagens aéreas, ou que tenham condições de adquiri-las, embarquem em voos comerciais do aeroporto Ben-Gurion, que continua a operar.

Os sobrevoos e pousos das aeronaves destacadas para repatriação de brasileiros foram autorizados por Israel. A primeira aeronave destacada para repatriação encontra-se em Roma. O segundo avião tem decolagem, de Brasília, prevista para a tarde de hoje.

O Escritório de Representação em Ramala segue em contato com os brasileiros na Faixa de Gaza e, tendo em conta a deterioração das condições securitárias na área, está implementando plano de evacuação desses nacionais da região, em coordenação com a Embaixada do Brasil no Cairo.

Os plantões consulares da Embaixada em Tel Aviv (+972 (54) 803 5858) e do Escritório de Representação em Ramala (+972 (59) 205 5510), com “Whatsapp”, permanecem em funcionamento para atender nacionais em situação de emergência.

O plantão consular geral do Itamaraty também pode ser contatado por meio do telefone +55 (61) 98260-0610.

Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/situacao-em-israel-e-na-palestina-atendimento-a-brasileiros 

sábado, 7 de outubro de 2023

1822-2022: Bicentenário da Independência - O reconhecimento internacional da independência do Brasil - Paulo Roberto de Almeida (capítulo de livro)

O mais recente trabalho publicado, embora com data de 2022: 

1527. “O reconhecimento internacional da independência do Brasil”, in: 1822-2022: Bicentenário da Independência. Brasília: Secretaria Nacional de Economia Criativa e Diversidade Cultural da Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo, 2022, p. 602-620; ISBN: 978-65-00-82564-0; disponível na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados (link: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/41362) e na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/107425385/4288_O_reconhecimento_internacional_da_independência_do_Brasil_2022_); divulgado no blog Diplomatizzando (30/09/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/09/o-reconhecimento-internacional-da.html). Relação de Originais n. 4288.



O reconhecimento internacional da independência do Brasil

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Colaboração a obra digital sobre o bicentenário, coordenado por José Theodoro M. Menck.

“O reconhecimento internacional da independência do Brasil”, Brasília, 15 dezembro 2022, 13 p. Publicado in: 1822-2022: Bicentenário da Independência, 1822-2022. Brasília: Secretaria Nacional de Economia Criativa e Diversidade Cultural da Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo, 2022, p. 602-620; ISBN: 978-65-00-82564-0;disponível na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados (link: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/41362). 

Relação de originais n. 4288; Relação de Publicados n. 1527. 

Postado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/107425385/4288_O_reconhecimento_internacional_da_independência_do_Brasil_2022_); divulgado no blog Diplomatizzando (30/09/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/09/o-reconhecimento-internacional-da.html).

 

 

A afirmação autônoma do Brasil no cenário internacional teve início ainda antes da independência, mais exatamente em agosto de 1822, quando o príncipe regente D. Pedro autoriza a divulgação de um manifesto às nações amigos, redigido principalmente por seu conselheiro brasileiro em questões diplomáticas, José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). O processo, na verdade, teve início quando do “Dia do Fico” (9 de janeiro de 1822), a declaração pela qual D. Pedro se recusa a acatar as ordens das Cortes ordenando-o voltar a Portugal. O príncipe regente nomeia um novo gabinete, com José Bonifácio assumindo a pasta dos Negócios Estrangeiros. A independência já estava praticamente encomendada, sobretudo a partir do “manifesto aos governos e às nações amigas”, de 6 de agosto desse ano, pelo qual D. Pedro os convida a “continuarem com o Reino do Brasil as mesmas relações de mútuo interesse e amizade”, que já mantinham com a Corte instalada no Rio de Janeiro desde 1808. 

Mesmo tendo a maior parte do corpo diplomático saído do Brasil depois da partida de D. João VI, a figura de D. Pedro avulta ao mundo nessa declaração, pois que nela ele afirmava que o Brasil estava pronto a trocar ministros e agentes diplomáticos e que os portos brasileiros estavam abertos a “todas as nações amigas e pacíficas”. D. Pedro aprova a ideia de José Bonifácio de enviar “encarregados de negócios do Brasil” para Londres – Felisberto Caldeira Brant Pontes (1772-1842), já para negociar a soberania do Reino –, assim como para outras capitais: Paris, Viena e Estados Alemães, ademais de Buenos Aires. Já tendo o governo português reconhecido, ainda em 1821, no Rio de Janeiro, a independência da Argentina e do Chile, Buenos Aires, no final de 1822, declara reconhecer o escudo de armas e a bandeira do Império brasileiro (não mais do que isso), mesmo se, em agosto do ano seguinte, o governo argentino convida o Império a desistir da posse da Província Cisplatina.

Nesse manifesto aos governos e nações amigas, de agosto de 1822, que constitui o principal documento que ele preparou como responsável pelos negócios estrangeiros durante a gestão de D. Pedro como príncipe regente do reino do Brasil, ainda unido ao de Portugal, José Bonifácio deixou bastante claro sobre quais seriam as principais diretrizes que deveriam guiar a ação externa da quase nação independente. Em vista da viagem de D. Pedro a São Paulo, o manifesto foi enviado por circular ao corpo diplomático e consular em 14 de agosto de 1822, sob a regência de D. Leopoldina. Dois dias antes, em 12 de agosto, numa clara ruptura para com a diplomacia portuguesa, então dominada pelas tentativas de nova colonização do Brasil, tinham sido designados representantes brasileiros para a Inglaterra, França, Estados alemães e para os Estados Unidos. Mas quais eram os principais pontos do manifesto que inaugurou a presença independente do Brasil no mundo? 

1. manutenção das relações políticas e comerciais, sem dar prioridade a qualquer nação;

2. continuidade das relações estabelecidas desde a vinda da família real;

3. adoção plena do liberalismo comercial;

4. respeito mútuo ou reciprocidade no trato internacional;

5. abertura do país à imigração;

6. facilidade de entrada para a vinda de sábios, artistas e empresários;

7. abertura do país para investimentos estrangeiros. 

 

Depois do 7 de setembro de 1822, mas sobretudo depois de sua coroação, ao estilo do Antigo Regime, em 1º de dezembro, D. Pedro se converte, efetivamente em construtor do Estado brasileiro, mas a unidade da nação estava longe de ser assegurada, a começar pelo desafio português em diversas províncias, em especial na Bahia. Ele teve de atuar não apenas na dimensão política e diplomática – em constante contato com seu pai, em Lisboa, e atento às manobras da Santa Aliança, representada pela pátria da imperatriz Leopoldina, a Áustria, e por Metternich especialmente, mas também pela França dos Bourbons de novo no trono, personificada no vaidoso Chateaubriand, o espírito liberal da Revolução que se havia convertido num reacionário extremado sob a Restauração –, mas também na dimensão militar, na qual revelou seus dotes de comandante no enfrentamento de tropas portuguesas, em especial na Bahia.

A missão de Caldeira Brant em Londres foi muito facilitada por Hipólito da Costa, que pode ser considerado, a mais de um título, o primeiro estadista do Brasil, a despeito de ter vivido parcos anos, em sua infância e na adolescência, em sua pátria. Estabelecido na Inglaterra desde 1805 – depois de ter sido preso pela polícia política portuguesa e entregue, por maçonaria, à Inquisição, que o interrogou durante três anos de cárcere –, Hipólito deu início ao primeiro jornal brasileiro independente, o Correio Braziliense, que editou sozinho em Londres desde a transmigração da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, até que fosse confirmada a independência e a separação do, até então, Reino Unido, em setembro de 1822. Nomeado cônsul do Brasil em Londres, por José Bonifácio, Hipólito poderia ter sido um grande diplomata junto à Corte de St. James, e um possível ministro de qualquer gabinete imperial brasileiro, tivesse ele sobrevivido além de seus 49 anos, em setembro de 1823.

Ele e seu amigo José Bonifácio eram duas almas gêmeas em muitos dos projetos para a construção de uma nação próspera e desenvolvida, como possível sede de um grande império luso-brasileiro unificado. A mais importante delas era, evidentemente, o fim do tráfico e da escravidão, no que ambos foram vencidos pelos proprietários de terras e pelos traficantes de escravos que logo apoiaram o Príncipe Regente Pedro na resistência às disposições das Cortes de Lisboa no sentido de fazer o Brasil retornar ao antigo status de reino tutelado pela metrópole. Com José Bonifácio, Hipólito permaneceu um súdito fiel do reino português e um apoiador de um grande império dual, com sede no Rio de Janeiro, até quando pode, ou seja, os primeiros meses de 1822. Mas, com as disposições francamente desfavoráveis ao Brasil tomadas pelas Cortes, Hipólito começou a se render à independência, o que só se deu definitivamente em julho desse ano.

Em dezembro de 1822, quando já considerava praticamente concluída a sua missão iniciada 14 anos antes, Hipólito volta ao tema do “Império do Brasil”, que tinha sido objeto de um longo comentário ao início do empreendimento, em 1808, quando, justamente, a sede do Império se deslocava ao Brasil: 

Cumpriram-se enfim os prognósticos, e alcançaram as Cortes de Portugal realizar a desmembração da antiga monarquia portuguesa, estimulando o Brasil, apesar dos desejos de união daqueles povos, a declarar a sua total independência e constituir-se em nação separada de Portugal; porque não era possível que sofressem por mais tempo ser tranquilos espectadores da guerra civil com que se intentava incendiar o Brasil, debaixo do aparente e enganoso nome de confraternidade e das palavras de iguais direitos, e com os fatos em oposição tendentes a reduzir o Brasil a colônia do Portugal. 

Clamava todo o Brasil que não queria perder a sua dignidade de Reino, posto que desejasse continuar sua união com Portugal; mas as Cortes, com a mais contraditória hipocrisia, pretendiam crer que o povo do Brasil não desejava conservar ao seu país a categoria de Reino e, ao mesmo tempo, que só tendia a fazer-se independente; e nesse sentido continuaram as provocações, e ordem de prisões, contra os cidadãos mais conspícuos do Brasil, não excetuando sequer de seus fulminantes decretos o mesmo Príncipe Regente, cujos serviços na causa da união mereciam os mais cordiais agradecimentos dos Portugueses. 

Chegou por fim o momento em que o povo Brasileiro, desesperado pelo comportamento das Cortes, que não prometia melhora nem oferecia sinais de arrependimento, conheceu que a sua prosperidade, a sua segurança, e até a sua existência como Nação, só lhe podia provir da completa separação de Portugal...

Temos, pois, o Brasil erigido em novo Império e o seu monarca com o título de imperador; e sem nos demorarmos sobre a fórmula escolhida para designar o monarca, passaremos a considerar os efeitos reais da independência do Império do Brasil, tanto no interior como no exterior. (Correio Braziliense, n. 175, vol. XXIX, dezembro de 1822, p. 593-8)

 

Nesse mesmo número final do Correio, Hipólito registra a necessidade de o Brasil constituir-se uma poderosa força naval para defender-se de ataques externos: 

Uma invasão ao Brasil, não dizemos já pelos Portugueses, mas ainda por qualquer nação poderosa, é perigo meramente imaginário: mas é não só possível, mas muito factível, que por mais possante que possa ser o Império do Brasil, se não tiver uma esquadra proporcional à sua extensão de costas e multiplicidade de portos, seja insultado em suas praias até por um bando de corsários, que deseje roubar-lhe suas riquezas; e muito mais é de recear, nesse caso, um ataque de parte de alguma nação, que possua forças marítimas. 

(...)

Fora inútil ao Brasil condecorar-se com o título de Império, e ver-se ao mesmo tempo sujeito a serem suas costas varridas por duas fragatas velhas de Portugal; e seria descuido injustificável declarar-se nação independente, e não cuidar em adquirir os meios de sustentar essa independência; e os meios não são outros senão a criação de poderosa força naval. Sem esta não haverá segurança, nem comércio livre, nem riquezas, nem caráter nacional, nem propriedade individual.

 

A tarefa de fazer o Brasil ser reconhecido como nação independente deve-se, de fato, ou pelo menos no início, a José Bonifácio, que foi o arquiteto que mais contribuiu para a emergência do próprio Estado brasileiro, seguindo escrupulosamente seus conceitos de unidade nacional e de defesa de uma ordem política estável, o que eventualmente o colocou em choque com outros independentistas partidários da república e de uma ordem política federalista, como os revolucionários pernambucanos de 1817 e os de 1824. Opôs-se aos ímpetos republicanos de muitos partidários da independência porque pressentiu que esse regime seria incapaz de preservar a unidade nacional. Desde quando foi nomeado à frente dos negócios do Reino e dos Estrangeiros, depois da partida de D. João VI, José Bonifácio enviou um representante político para Buenos Aires, a título de funções consulares, mas com instruções para propor a criação de uma confederação com as Províncias do Prata. 

José Bonifácio instruiu o seu representante a convencer os dirigentes de Buenos Aires sobre a utilidade de uma Confederação ou Tratado ofensivo e defensivo com o Brasil, para se oporem, com os outros governos da América espanhola, aos cerebrinos manejos da Política Europeia. Enquanto José Bonifacio esteve à frente da diplomacia brasileira, ele se ocupou de promover o que chamava de “Sistema Americano”, ou seja, uma política externa decididamente americana, mas que só retornaria novamente a partir das Regências, depois da abdicação do primeiro imperador. Premido pela reação dos autocratas portugueses contra o novo sistema de monarquia constitucional, o Imperador se ocupou bem mais dos assuntos portugueses do que dos assuntos domésticos ou os da diplomacia brasileira. 

Mas, as iniciativas que tinham sido tomadas por José Bonifácio para criar uma primeira possível aliança com os argentinos se chocavam, desde o início da presença da família real no Brasil, com a ocupação do que seria o futuro Uruguai, primeiro por tropas portuguesas, depois brasileiras. A guerra da Cisplatina foi um erro português, em seguida “brasileiro”, o que tisnou a imagem do novo Império do Brasil, uma designação que já denotava sombrias veleidades expansionistas, o que foi ainda aprofundado, anos depois, pelas contínuas intervenções nas constantes lutas entre blancos e colorados uruguaios, levando a um primeiro confronto com o ditador argentino Rosas, desembocando, mais adiante, na “maldita guerra” provocada pelo ditador paraguaio Solano Lopez contra um gigante pouco preparado para o conflito.

No caso dos Estados Unidos, José Bonifácio tomou a iniciativa de propor acordo de cooperação e defesa ainda no início de 1822, portanto, um ano e meio antes da conhecida declaração do Presidente Monroe ao Congresso norte-americano. Ele também foi o primeiro chanceler brasileiro – a rigor, o último do Reino Unido ao de Portugal, sob a regência do príncipe D. Pedro – preocupado com a defesa da soberania e a implementação de uma diplomacia eficiente como o melhor instrumento para a política externa da nação emergente. Com Bonifácio, e a despeito do problema da Cisplatina, as prioridades brasileiras passam a ser a aproximação cooperativa com Buenos Aires, a preservação da autonomia decisória do Estado brasileiro em relação às potências hegemônicas, a estruturação de forças armadas eficientes na defesa da soberania, a proteção à indústria nacional. Em sua busca pela construção da unidade territorial nacional, o ministro estabeleceu projeto para a Nação ainda hoje atual pela amplitude e profundidade das medidas sugeridas: integração nacional das comunidades indígena e africana, com a “civilização” dos índios e o fim da escravidão; reforma agrária; reforma do ensino; desenvolvimento econômico autônomo, com a diversificação das exportações brasileiras, a preservação ambiental e o uso racional dos recursos naturais. Ainda antes de proclamada a independência, ele providencia o envio de um representante do Brasil junto ao governo de Buenos Aires, com o qual as relações seriam as mais difíceis, durante os primeiros anos do novo Império.

Uma vez obtida a independência, sua postura era a de que o reconhecimento do Império seria obtido mais cedo ou mais tarde, não cabendo ao Brasil fazer concessões às monarquias europeias, como ressaltado pelo diplomata historiador João Alfredo dos Anjos: 

O Governo brasileiro sob Bonifácio não estava disposto a oferecer compensações ou aceitar compromissos que representassem prejuízo direto ou indireto para o Brasil, a exemplo do que ocorrera com os Tratados de 1810, firmados por Portugal com a Grã-Bretanha. O Chanceler contava utilizar o interesse econômico das nações europeias no mercado brasileiro, especialmente da Grã-Bretanha, da França e dos Estados Unidos, como instrumento de barganha na defesa dos interesses brasileiros e não como um dado da realidade com o qual ao Governo só restava conformar-se. Por isso, durante sua gestão, determinou a Felisberto Caldeira Brant, negociador brasileiro em Londres, que fizesse ver à Grã-Bretanha que o Brasil: (1) era um país independente e por isso assumiria seu lugar no cenário internacional, sem depender do “reconhecimento”, embora ele fosse importante; (2) que os portos brasileiros seriam fechados a todos os Estados que não reconhecessem a independência e soberania do Brasil unido do Prata ao Amazonas. Ademais, Bonifácio não autorizou Caldeira Brant a contrair empréstimo na praça londrina, empréstimo defendido insistentemente pelo representante brasileiro. Ao contrário, buscou saída interna, com emissão de letras do Tesouro no valor de 400:000$000, além da organização do fundo com Donativos para as Urgências do Estado. (in: José Bonifácio, primeiro Chanceler do Brasil. Brasília: Funag, 2013, p. 91) 

 

Pode-se dizer que José Bonifácio foi pioneiro no reconhecimento da importância de uma política externa americanista, quando até então as relações exteriores do Reino Unido ainda se guiavam pelos negócios europeus de Portugal, como ressalta ainda o mesmo historiador: 

A prioridade no estabelecimento de relações de coordenação política com Buenos Aires, que hoje pode parecer natural, não o era no Brasil do início do século XIX. Ao contrário, as Américas hispânica e portuguesa tinham histórico de conflitos e intrigas políticas, exemplificados na questão da Cisplatina e nos enredos do carlotismo, que pretendeu elevar Carlota Joaquina ao trono do Vice-Reino do Prata. Com Bonifácio, o Brasil saía do paradigma da competição entre Portugal e Espanha e dava o primeiro passo em direção a uma proposta de relação cooperativa com o Prata. (Idem, p. 100) 

 

Como Hipólito, e como tantos outros abolicionistas, José Bonifácio foi derrotado pela coalizão de mercadores de escravos e de grandes proprietários de terras. Bonifácio foi, aliás, abandonado pelo próprio Imperador, que se aproveitou do recrudescer das turbulências políticas na Assembleia Constituinte e das divisões políticas entre os maçons para decretar o encerramento do breve exercício de ordenamento constitucional, “cassar” os seus membros e exilar ou prender toda a família dos Andradas. Bonifácio foi mais uma vez para a Europa, e só retornou ao Brasil para ser preceptor, por breve tempo, do menino Pedro de Alcântara, mas já sem condições de influenciar a política no período regencial. Retirou-se à ilha de Paquetá, e ali dedicou-se novamente aos estudos e aos cuidados botânicos.

Durante seu exilio na França, não deixou de acompanhar os acontecimentos políticos do Brasil, em especial as relações exteriores da nova nação independente, formulando, desde Paris, com a Assembleia Geral funcionando, um alerta para o monitoramento da diplomacia, como ainda ressalta em outros trabalho o mesmo diplomata historiador: 

Se pertence ao imperador fazer, como fez, tratados com Portugal, Inglaterra e França, pertence às Câmaras tomar contas ao Ministério [dos Negócios Estrangeiros] destas transações diplomáticas; pesar a utilidade ou os danos que fazem ou não ao Brasil; saber as despesas que se fizeram nas embaixadas e missões extraordinárias. (João Alfredo dos Anjos, “Os 200 anos do retorno de José Bonifácio ao Brasil”, posfácio a José Theodoro Mascarenhas. Bonifácio de Andrada, patriarca da independência. Brasília: Câmara dos Deputados, 2019, p. 219-246, cf. p. 232) 

 

Esse autor do estudo sobre o papel de José Bonifácio enquanto chanceler, durante um curto espaço de tempo, ressalta suas realizações à frente da pasta, que não havia ainda ganho total autonomia de ação em relação aos outros grandes temas da organização do novo Estado: 

Além de organizar e tornar autônoma a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e dotar o Brasil de seus primeiros representantes diplomáticos, Bonifácio estabeleceu em suas instruções e correspondência diplomática as diretrizes de uma política externa audaciosa e inovadora para o Brasil. (idem, p. 242)

 

Seu exílio, após os tormentosos episódios dos trabalhos da Constituinte e o fechamento desta sob as ordens do imperador, coincidiu com uma infeliz inversão da diplomacia brasileira, sobretudo no sentido da aceitação de acordos comerciais e de empréstimos lesivos aos interesses do Brasil, no contexto das negociações para o reconhecimento da independência do Império, postura que seria objeto de muitas críticas na Assembleia Geral. Tem início, então, o processo diplomático formal de obtenção do reconhecimento da independência do novo Estado, o que se dá através do envio de representantes oficiais aos principais países com os quais o Brasil português mantinha relações antes da separação e que eram estrategicamente relevantes para as relações internacionais do Brasil. 

Esses países eram, pela ordem de importância econômica, comercial e política então estabelecida por D. Pedro I e seus diversos chanceleres a partir de 1823, os seguintes: Grã̃-Bretanha, França, a Santa Sé, Espanha, Áustria, estados da Alemanha, Estados Unidos, Argentina e, sobretudo, Portugal. Por acaso essa é a ordem estabelecida por instrução do presidente Epitácio Pessoa ao Itamaraty – quando da celebração do primeiro centenário da autonomia nacional, em 1922 – no sentido de se reunir a documentação diplomática relativa ao reconhecimento da independência, o que foi feito mediante a elaboração do Arquivo Diplomático da Independência. Sua primeira publicação foi feita em seis volumes pela Tipografia Nacional, entre 1922 e 1925, tendo sido reproduzida fac-similarmente no ano do Sesquicentenário, em 1972, e novamente em 2018, por iniciativa do próprio Itamaraty, como obra inaugural da coleção do Bicentenário da Fundação Alexandre de Gusmão. 

Na verdade, os únicos reconhecimentos que interessavam ao Brasil, nessa fase, eram, segundo Pandiá Calógeras, os seguintes: Portugal, pela legitimação do novo Estado e a cessação da situação de beligerância; Grã-Bretanha, pelo seu poderio naval, pela capacidade diplomática e como fonte dos financiamentos absolutamente necessários; Áustria e França, cuja política favorável às independências latino-americanas enfraqueciam os intentos agressivos da Rússia e da própria Espanha; Roma, pelas exigências da religião do Estado, reconhecida constitucionalmente; e as nações platinas, “pela contiguidade e pelas perturbações de ordem fronteiriça; (...) As demais nações, neste assunto, não passavam de trocos miúdos” (J. Pandiá Calógeras, A Política Exterior do Império, vol. II: O Primeiro Reinado; edição fac-similar; Brasília: Câmara dos Deputados, 1989, p. 386).

De fato, a primeira missão, como já referido, foi feita sob iniciativa de José Bonifácio em direção da Grã-Bretanha, comissionando Caldeira Brant a obter o reconhecimento da “autonomia” do governo de D. Pedro como regente ainda antes da independência formal. Ela prolongou-se no tempo, pois o governo inglês precisava explorar, em seu interesse, todos os aspectos da tripla relação com Portugal e o Reino Unido do Brasil no tocante a um dos seus principais interesses nessa relação triangular: a extinção efetiva do tráfico negreiro, segundo compromissos já assumidos por Portugal no quadro do Congresso de Viena, em 1815, e posteriormente, em 1817, no plano bilateral. Nenhuma das promessas avançou no sentido desejado pelos dirigentes britânicos, e Caldeira Brant retornou ao Brasil em agosto de 1823, deixando a Hipólito da Costa o trabalho de continuar a zelar pelos interesses do país e de manter oficiosamente com o governo britânico entendimentos em torno dos interesses brasileiros nessa relação duplamente estratégica, tanto com respeito a Portugal, quanto na direção do Brasil. Mas Hipólito faleceu repentinamente pouco depois, tendo sido substituído por Gameiro, que tampouco logrou sucesso na empreitada de se obter um rápido reconhecimento. 

Os dois primeiros volumes da obra Arquivo Diplomático da Independência tratam extensivamente dessas negociações, segundo uma seleção de documentos feita pelo jurista Hildebrando Accioly. Uma exploração mais detalhada das delicadas triplas negociações foi feita pelo diplomata Caio de Freitas, que no seu livro George Canning e o Brasil(Brasiliana, 1958) relata a segunda gestão do chanceler britânico (1822-1827), quem designou o diplomata Charles Stuart para sua missão no Rio de Janeiro. Os pontos centrais da demanda inglesa consistiam na já esperada insistência quanto à extinção do tráfico negreiro, assim como na continuidade dos tratados desiguais de 1810, especialmente em seus aspectos comerciais, nos quais obteve sucesso parcial na primeira e praticamente total na segunda. O outro lado das negociações envolvia o interesse de Portugal em transferir para o Brasil uma pesada dívida financeira contraída junto a banqueiros ingleses ainda na fase dos reinos unidos e também pagamentos devidos a D. João VI por suas propriedades no Brasil. 

Tais assuntos se arrastaram penosamente nos dois anos seguintes, até que Stuart logrou obter dos dois Estados a assinatura do tratado de 1825 consagrando o reconhecimento formal, por Portugal, da independência do Brasil, assumindo este os ônus financeiros e diplomáticos tão criticados pela Assembleia Geral quando esta começou a funcionar. As negociações diretas entre representantes diplomáticos do Brasil e de Portugal foram objeto do sexto e último volume do Arquivo Diplomático da Independência, no qual o jovem diplomata Heitor Lira seguiu detalhadamente os passos da missão de Luiz Paulino e Rio Maior em Lisboa na difícil missão de destravar os inúmeros vínculos que diversos súditos da periclitante monarquia portuguesa ainda possuíam no Brasil. Curiosamente, Heitor Lyra era o único sobrevivente da equipe de 1922 que tinha elaborado a obra original do Arquivo Diplomático da Independência, tendo sido requisitado para introduzir sua reedição fac-similar em 1972, quando das comemorações do sesquicentenário.

No intervalo, o Brasil obteve sucesso praticamente total por meio da missão de José Silvestre Rebelo em Washington, em 1824, pelo menos na questão do reconhecimento formal da independência junto aos Estados Unidos e no da construção de navios para a marinha brasileira, mas menos na intenção inicial de José Bonifácio no sentido de se lograr uma espécie de pacto defensivo entre os dois países contra tentativas de recolonização europeia dos novos Estados independentes das Américas, por iniciativa da Santa Aliança. Tal medida foi feita unilateralmente pelo presidente Monroe, por meio de sua mensagem ao Congresso em 1823, pela qual a jovem república americana declarava sua oposição a qualquer tentativa estrangeira de imissão nos assuntos hemisféricos, decisão provavelmente acertada com a Grã-Bretanha, que também se opunha a tais intrusões de seus vizinhos continentais, mas motivada por interesses basicamente comerciais. 

James Monroe, que tinha sido Secretário de Estado sob John Quincy Adams e nessa condição despachado alguns enviados à América do Sul, deu um passo mais ousado em 1823, ao expressar, em mensagem ao Congresso, sua opinião – na verdade plenamente apoiado pela Grã-Bretanha – de que não convinham aos Estados Unidos novas intervenções de potências europeias no hemisfério ocidental. Estava assim aberto o caminho para o reconhecimento dos novos Estados saídos da dominação espanhola nas Américas, processo rapidamente obtido para o Brasil, em 1824, tão pronto consolidada a autoridade de D. Pedro sob o Império do Brasil e imediatamente após o pronto acolhimento por Washington do primeiro Encarregado de Negócios do Brasil, José Silvestre Rebello. Mas as relações com os Estados Unidos não tiveram o desenvolvimento esperado pelo Brasil muito em função do comportamento arrogante do seu representante no Rio de Janeiro, o antigo cônsul na era portuguesa, Condy Raguet, que continuou como um turbulento encarregado de negócios na fase independente.

As relações com as autoridades de Buenos Aires tampouco foram isentas de atritos, a despeito do seu reconhecimento implícito da independência brasileira, não formalizada pelo envio de um plenipotenciário ao Rio de Janeiro, justamente em função das pendências relativas à Cisplatina, antes ocupada por tropas portuguesas e depois brasileiras, e anexada formalmente ao Brasil pela Constituição de 1824. Em 1825, Buenos Aires fornece todo o apoio à incursão do uruguaio Lavalleja contra as tropas brasileiras e a relação se deteriora gravemente numa guerra aberta, que só seria resolvida por nova intermediação britânica, através do armistício de 1828, prevendo a independência da República Oriental do Uruguai. Mas se esta tinha a missão de ser “um algodão entre dois cristais” – Brasil e Argentina –, no dizer de Lord Ponsonby, o diplomata britânico envolvido na contenda, esse amortecedor foi constantemente instável, pelos anos e décadas seguintes, dado o constante envolvimento dos dois grandes vizinhos do Prata nos assuntos internos do pequeno país, dadas as contendas internas entre blancos e colorados, continuadas até a intromissão do paraguaio Solano Lopez, provocando a “maldita guerra” em função da qual se proclamou uma inédita “aliança tripartite” entre os três países na longa guerra travada contra aquele que foi denominado de “Napoleão do Prata”. 

As relações com a Áustria tampouco deveriam ser isentas de conflitos, dados os vínculos familiares estabelecidos entre os Habsburgos e os Braganças – formalizado no primeiro casamento de D. Pedro com Leopoldina –, mas o reconhecimento tardou dada a complexidade dos interesses da Santa Aliança, integrada inclusive pela França da Restauração, nos assuntos da península ibérica, marcada por uma nova guerra civil na Espanha, assim como pela tribulações causadas pela sucessão portuguesa de D. João VI, disputada por D. Pedro (que seria o sucessor legítimo, como D. Pedro IV) e pelo seu irmão D. Miguel, apoiado pelas forças reacionárias da Europa. O “eterno” chanceler austríaco Metternich (cuja gestão se estendeu desde o Congresso de Viena até as revoluções de 1848) chegou a manter correspondência com D. Pedro I, e os dois travaram uma legítima “guerra diplomática” – na expressão de um grande diplomata historiador, Sérgio Corrêa da Costa –, que finalmente se dissolveu no reconhecimento quase geral das monarquias europeias ao jovem Império sul-americano, depois do tratado formal entre Portugal e Brasil em 1825.

Um reconhecimento que tardou em demasia foi justamente o da Espanha, finalmente realizado apenas em 1834, depois da morte dos dois soberanos, Fernando VII da Espanha e D. Pedro de Portugal, depois do seu retorno ao país natal, em 1831, e de sua luta ganha contra o irmão para assegurar o trono português em favor de sua filha, D. Maria da Gloria. As primeiras tentativas para se lograr esse reconhecimento foram feitas pelo futuro Barão da Ponte Ribeiro, enviado como cônsul a Madri em 1825, mas que jamais recebeu o exequator da chancelaria espanhola. À diferença dos procedimentos formais observados nos casos das independências das demais colônias espanholas das Américas, ao cabo de uma década e meia de conflitos políticos e de tentativas diplomáticas ou militares de reconquista, a Espanha não tinha fortes razões para adotar qualquer iniciativa diplomática para o reconhecimento da independência do Brasil. No caso do Brasil, o principal fator obstrutor da obtenção de um rápido reconhecimento de sua independência pelo Reino da Espanha – a despeito de alianças matrimoniais entre as duas casas reinantes – foi a invasão portuguesa da Banda Oriental, posteriormente incorporada ao Império como “Província Cisplatina”, objeto de uma primeira guerra na região do Prata entre os dois grandes Estados em formação.

Segundo informou Duarte da Ponte Ribeiro em 3 de abril de 1827 ao ministro brasileiro dos Negócios Estrangeiros, Antonio Luiz Pereira da Cunha (Visconde de Inhambupe), “concluo que este Governo quer ganhar tempo até ver o resultado da guerra com Buenos Aires (que julgam ofensa própria), e a face que tomam os negócios de Portugal [onde D. Pedro poderia assumir como rei, ou então, seu irmão, D. Miguel, de tendências absolutistas]. Mostram o bem que desejam ao Brasil e à S.M.I. [ou seja, D. Pedro], publicando revezes e fazendo continuamente circular notícias desagradáveis e indecorosas. A questão sobre o reconhecimento já foi agitada no Conselho e alguns membros (...) mostraram as vantagens que a Espanha podia tirar do Brasil; [outros] porém (...), apoiados na maior parte, se opuseram...” (Arquivo Diplomático da Independência, op. cit., vol. III, Representação Brasileira em Madrid, Correspondência expedida, p. 384). O enviado brasileiro chegou inclusive a temer pela sua segurança, ao ser considerado um espião a serviço de D. Pedro, segundo relatou no mês de agosto de 1827.

O reconhecimento formal se deu, portanto, doze anos após a independência do Brasil e nove anos depois do tratado de reconhecimento dessa independência por parte de Portugal. O fato de D. Pedro se alinhar aos liberais, e de poder ter sido um eventual pretendente ao reino da Espanha pode não ter sido indiferente ao longo processo de decisão adotado pela monarquia espanhola quanto às relações diplomáticas com o Brasil. Também subsistiam, no âmbito europeu, questões relativas às lutas políticas entre os liberais e os conservadores, tanto em Portugal quanto na Espanha, no contexto das quais a figura política de D. Pedro – imperador no Brasil e sucessor, como D. Pedro IV, de seu pai, falecido em Portugal em 1826 – poderia ter servido à causa liberal na Espanha, como hipotético sucessor de D. Fernando VII. A relevância conjuntural desses fatores explica que o reconhecimento formal da independência brasileira pelo Reino da Espanha somente seja obtido em 1834, após o desaparecimento físico de ambos os soberanos. 

De certa forma, essa história triangular tampouco pode ser separada, por um lado, da história das relações entre cada um dos Estados ibéricos e as grandes potências europeias da época, em primeiro lugar a Grã-Bretanha e a França, e, por outro lado, das relações entre elas e suas velhas colônias da América do Sul, que estavam conquistando sua independência no mesmo período, processo que enquadra e condiciona o estabelecimento de relações formais (isto é, diplomáticas) entre o Estado do Brasil independente e o Reino da Espanha.

Ainda que o estabelecimento de relações diplomáticas oficiais entre o Reino da Espanha e o Império do Brasil tenha ocorrido apenas doze anos depois da independência deste último, em 1834, com a troca subsequente de encarregados de negócios e de ministros residentes entre os governos dos dois Estados, o primeiro tratado formal estabelecido entre eles tardou quase três décadas mais, e foi representado pela Convenção Consular celebrada em 9 de fevereiro de 1863, para regular os direitos, privilégios e imunidades recíprocas dos cônsules, vice-cônsules e chanceleres, bem como as funções e obrigações a que eles ficavam respectivamente sujeitos nos dois países, segundo um modelo que o Brasil já tinha firmado com outros Estados.

O longo ciclo das independências latino-americanas e as formas diversas assumidas pelas diferentes elites nacionais no decorrer do processo – que se estendeu, praticamente, desde a última década do século XVIII, com a independência do Haiti, até a terceira década do século XIX, quando o Peru consolida sua independência, em 1824, mas que a rigor se estende até o final do século, com a luta delongada dos patriotas cubanos –, determinaram modalidades diferenciadas de reconhecimento formal dessas autonomias conquistadas e de estabelecimento de relações diplomáticas normais, com a conclusão de tratados de reconhecimento e, mais frequentemente, de relações comerciais, consulares e de cooperação em setores diversos. No caso do Brasil, o processo foi obviamente distinto, em função não apenas de sua soberania estar afeta ao outro reino ibérico, como também em razão das lutas políticas e conflitos bélicos que opuseram, em ocasiões diversas os dois reinos, tanto na Europa quanto na América do Sul, em especial na região do Prata. 

O estabelecimento de relações “normais” entre o novo Império do Brasil, herdeiro da casa dos Braganças, e os demais países, sobretudo as monarquias europeias, com as quais Portugal e Brasil tinham e mantiveram vínculos familiares e intensas trocas no início do século XIX, foram sendo normalizadas ao longo das Regências e, sobretudo, a partir do Segundo Império, mas sem mais tratados desiguais no plano comercial e sem as cláusulas iníquas impostas pela potência dominante da época. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4288: 15 dezembro 2022, 13 p.

Publicado in: 1822-2022: Bicentenário da Independência, 1822-2022. Brasília: Secretaria Nacional de Economia Criativa e Diversidade Cultural da Secretaria Especial de Cultura do Ministério do Turismo, 2022, p. 602-620; ISBN: 978-65-00-82564-0; disponível na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados (link: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/41362). Relação de Publicados n. 1527.


Hipólito José da Costa, Correio Braziliense, 1808, abertura

Primeiro número e apresentação do Correio Braziliense, o primeiro jornal brasileiro independente.

Um propósito, um dever, uma missão: a de informar, a de formar, a de esclarecer, a de elevar...