Por ocasião do dia 10 de dezembro, celebramos o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Para comemorar a importância desta data, descortinamos um texto inédito de Tobias Barreto, escondido num periódico da Província de Sergipe D’El Rey para revelar um tesouro que já indicava o tamanho que aquele menino iria ter quando atingisse a maturidade intelectual.
Reprodução
Imagem de Tobias Barreto
Tobias Barreto de Menezes nasceu em 7 junho de 1839 na província de Sergipe, na então Vila de Campos do Rio Real. Após os primeiros estudos, tornou-se professor de latim desde tenha idade na cidade de Itabaiana. Após estudar o latim com dom Quirino, depois nomeado bispo de Goiás, logrou ser designado foi professor substituto desta cadeira em Lagarto, quando travou intenso contado na Província com Padre Pitangueira.
Fundador da Escola de Direito do Recife
Após sua formação inicial, passou um período pelo seminário em Salvador, decidindo-se enfim por cursar Direito, para isso foi morar na província de Pernambuco. Na Faculdade de Direito do Recife se formou no ano de 1860. Alguns anos depois fundou um movimento cultural da maior relevância na cultura nacional: a Escola do Recife.
A Escola do Recife, um movimento cultural capitaneado por Tobias Barreto, mas tendo também como um segundo baluarte Silvio Romero, foi responsável pela nova intuição do Direito no Brasil, que Miguel Reale denominou culturalismo jurídico.
O movimento foi além do Direito, fincando fortes alicerces para a sociologia e a filosofia no Brasil.
Se analisarmos os escritos de crítica social e política de Tobias Barreto, lá estão os germes de um grande sociólogo nacional, em que pese o próprio Tobias, rejeitasse a palavra no seu sentido semântico e gramatical, de uma ciência sociológica que dominasse, nos moldes do positivismo, todas as disciplinas e todo o conhecimento humano. E, contra isso, ele parafraseou o termo, chamando-a de pantosofia.
Da Escola do Recife saíram pensadores, filósofos e juristas, como Clóvis Bevilacqua, Fausto Cardoso, Gumercindo Bessa, Graça Aranha, Martins Júnior, Arthur Orlando e muitos outros, que tiveram participação importante na literatura, na filosofia, mas principalmente no Direito, sendo que seus membros fundaram grande parte dos cursos jurídicos no Brasil.
A defesa da igualdade das mulheres no Brasil império
A segunda razão pela qual devemos procurar estudar e conhecer Tobias Barreto é que ele foi um grande defensor da igualdade da mulher na sociedade rurícola do século 19 e principalmente pelo direito à educação ampla, inclusive a educação de nível superior para as mulheres no Brasil.
Assim, Tobias Barreto, quando então deputado provincial pela Assembleia de Pernambuco, defendeu em plenário, por diversas ocasiões, o direito de uma senhora a cursar faculdade de medicina no exterior. Nesses embates, diversas vezes, Tobias Barreto teve que convencer os parlamentares com argumentos jurídicos pela igualdade da mulher, demonstrando um cabedal de conhecimento para além do direito, envolvendo a fisiologia e biologia, para que fosse deferido o pedido de bolsa de estudos para uma brasileira estudar Medicina no exterior.
Anos depois, a senhora Josefa volta ao Brasil, formada em medicina nos Estados Unidos. Em um segundo momento, na Assembleia Provincial de Pernambuco, Tobias Barreto, como deputado, apresenta um projeto de lei que criaria uma instituição de ensino superior para as mulheres em Pernambuco.
Infelizmente, Tobias não foi reeleito e o projeto, após a sua saída do parlamento, foi esquecido. Em um terceiro momento, por ocasião do seu concurso para a Faculdade de Direito do Recife em 1882, Tobias Barreto apresenta, durante as suas teses, o direito à igualdade da mulher perante o marido. Essa sua tese foi posteriormente incorporada no Código Civil de 1916, cujo relator foi seu aluno Clóvis Bevilacqua.
A defesa da abolição da escravatura
A terceira razão para conhecermos melhor, a fundo, não só o Tobias Barreto, grande escritor, autor de vários livros escritos no idioma alemão, mas o Tobias Barreto como defensor do fim da escravidão. Embora não seja tão estudada a sua atuação, Tobias teve um papel importante na defesa da abolição da escravatura no Brasil, porquanto, em Pernambuco, foi orador da sociedade abolicionista.
Somente essas três razões seriam suficientes pelo interesse e pela leitura do primeiro escrito inédito de Tobias Barreto, publicado em 1856, quando Tobias havia completado apenas 17 anos de idade. Ali estão todos os germens de uma inteligência aguda, vasta, universal, de um cientista político de escola.
O artigo, datado de 3 de julho de 1856, mas publicado no Correio Sergipense, nº 40, de 2 de agosto de 1856, pp.3-4, parece ser uma resposta a artigo escrito pelo seu mentor Pe. Pitangueira por ocasião do 2 de julho. Tive acesso ao artigo, sob indicação de meu pai, o historiador Jackson da Silva Lima, e pude compulsar na Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Assim o digitalizamos e ofertamos ao conhecimento dos leitores desta ConJur.
Este achado precioso lança luz sobre os primeiros passos de um pensador cujo impacto transcende gerações, revelando um talento precoce e o embrião de ideias que moldariam o panorama intelectual brasileiro.
Tobias Barreto com seus meros 17 anos escreve como um cientista político humanista, de maneira que esse texto podia ser objeto de uma pesquisa para o enriquecimento, por exemplo, de uma tese de doutorado.
Entretanto, pela sua importância histórica e por estarmos hoje no Dia Internacional dos Direitos Humanos, trazemos digitado esse texto inédito de Tobias Barreto, encontrado em um periódico da província do nosso pequenino Sergipe Del Rey:
“Comunicado
Entre os muitos predicados que formam a inteira felicidade de um povo, e exornam o Estado, sobressai a liberdade, atributo sublime, que nos conduz à sabedoria, à prosperidade e à glória. Ele deve emanar das mãos do Governo e ser acolhida nos braços do povo, porque ambos carecem dela, ambos vivem sob seu auxílio; o Governo para promover o bem daquele, o povo para abraçar o pensamento deste; para segui-lo, para fundamentar sua grandeza, para eleva-lo, e enfim eterniza-lo, como infalível apoio da — liberdade. — A liberdade do povo está posta nas mãos do Governo, e depende de sua sabedoria e complacência; a do Governo está colocada na dedicação e união do povo. Ela deve ser um dos adornos do Trono -, para haver a segurança deste, a glória da Nação e o progresso do País. Quando as coisas se reúnem de modo que o Governo e o povo mutuamente auxiliam-se para torna-la estável e respeitada, eis o a que chamamos garantida a liberdade. Quando um só fito está posto aos olhos deles, quando ambos pensam naquilo, que possa tender à felicidade de ambos, quando todos seguem um caminho reto, eis a ordem mantida, que é indubitavelmente um fruto da liberdade, a qual chegando àquele auge que merece, torna-se um todo composto de partes conducentes à maior prosperidade. Quando entre os Juízes e Magistrados se olham com indiferença as pessoas, mas com deferência os trâmites da lei, quando se obedece, como se deve, no fiel da consciência, quando se seguem suas claras veredas, eis a justiça administrada com igualdade, com que nada há de recear sobre a conservação de nossos direitos civis e políticos; tudo é seguro, e estável.
A razão humana é qual uma lente poliedra, com que observam e distinguem-se os mais pequenos objetos; no princípio suas facetas estão obscurecidas pelas trevas da ignorância; o estado das letras porém vem sacudir-lhe esse pó que a entenebrece, vem esmalta-la de diversas cores, e com o clarão de sua luz torna mais espaçoso e visível o trilho verdadeiro, por onde se deve seguir no momentâneo decurso da transitória vida deste mundo, e assim é a razão o gérmen de toda ação humana. Mas assim como ela tem produções belas e importantes, que nos levam ao bem, e dão-nos uma vida alegre, assim também é muito natural que a fragilidade, de que somos suscetíveis, como que apagando-nos a luz do entendimento, dá-nos às vezes tal digressão, que incorremos em erros indesculpáveis e prejudiciais, que nos ocasionam males. Se nós tentamos exprimir nossos pensamentos na imprensa, assim o fazemos ora bem, ora mal; se pegamos na pena para escrevermos uma qualquer coisa, umas vezes apresentamos ideias agradáveis e de algum proveito; outras, como que conservados em profundo letargo, saímo-nos com pensamentos insulsos e desagradáveis. Ora a que se podem atribuir estes tresvarios de razão? Certamente a nossa frugalidade: logo tudo é digno de desculpa, quando porém não se vai de encontro aos preceitos da lei. Assim pois quando entre um povo há uma condescendência recíproca a certos desvarios, filhos da fraqueza, que não sejam todavia opostos à boa regularidade das coisas, eis a tolerância para as ideias, que muito contribui para a civilização.
Assim definida, como é possível às nossas diminutas forças, os princípios hoje adotados no País, teremos de concluir que eles produzirão efeitos de felicidade, progresso e glória. A liberdade garantida eleva o País; a ordem mantida conserva-o em seu estado de grandeza; a justiça administrada com igualdade torna mais profundos e impenetráveis os alicerces, em que se firmam, as colunas de sua prosperidade; a tolerância para as ideias civiliza-o e cientifica-o a ponto de imitar a nações mais cultas do Orbe.
Campos, 3 de julho de 1856
(In Correio Sergipense, nº 40, de 2 de agosto de 1856, pp.3-4)”
A importância da descoberta do texto por Jackson da Silva Lima reside no caráter histórico, mas é bastante simbólico para um rapaz de apenas 17 anos. As categorias discutidas nele estariam encaixadas no que se considera a primeira categoria dos direitos humanos, que seriam os direitos políticos e civis dos cidadãos.
O texto fala por si só para um jovem de 17 anos, que seria um dos maiores representantes da intelectualidade brasileira no século 19, e é trazido em primeira mão para os pesquisadores brasileiros aqui nesta ConJur.