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domingo, 11 de fevereiro de 2024

"A Guiana também é nossa?" - Elizeu Santiago (revista Insight Inteligência)

 "A Guiana também é nossa?"

Elizeu Santiago

Sob este curioso e instigante título, a revista Insight Inteligência – certamente a melhor revista de cultura geral existente atualmente no Brasil, dirigida pelo grande cientista político e historiador Christian Edward Cyril Lynch – traz, em seu número 103 (ano XXVI, janeiro de 2024, p. 42-53) um excepcional artigo do internacionalista e cientista político Elizeu Santiago, professor de Ciência Política e Relações Internacionais do CEFET/RJ, e diretor de Ensino e Pesquisa do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, tratando de todos os aspectos (históricos, diplomáticos, geopolíticos) relativos ao conflito deslanchado pela Venezuela com respeito ao território do Essequibo, sob jurisdição reconhecida internacionalmente da vizinha Guiana, objeto da cobiça venezuelana desde longo tempo, em especial no período recente, no contexto da descoberta de recursos minerais (petrolíferos) no seu mar territorial e no dito território.
O assunto é altamente polêmico e a diplomacia brasileira tem um longo histórico de interesse e tratamento da questão, desde a disputa arbitral com o Reino Unido no início do século XX, e mesmo antes, e depois, e também no futuro próximo.
O assunto merece toda a nossa atenção, tendo em vista as implicações diplomáticas e geopolíticas do atual conflito provocado pela Venezuela.
Cabe seguir o assunto, começando pela leitura desse artigo: 

A Guiana também é nossa?

Elizeu Santiago, Internacionalista e cientista político

revista Insight Inteligência, ano XXVI, n. 103, janeiro de 2024, p. 42-53

Um território de 160 mil kmde selva amazônica ameaça colocar a América do Sul no centro da geopolítica mundial. Contestada ao longo da história por Brasil, Inglaterra e Venezuela, o rico território do Essequibo está de volta ao foco das atenções após o governo de Nicolás Maduro realizar um referendo em que 95% dos participantes reivindicam a sua anexação. As reações foram instantâneas. Dona atual do território por herança colonial britânica, a Guiana anunciou exercícios militares conjuntos com os Estados Unidos. Do outro lado da tríplice fronteira, o Brasil tratou de enviar homens e blindados para Roraima. Na Venezuela, uma verdadeira mobilização patriótica. Ao anúncio da criação do Estado venezuelano do Essequibo, o governo de Caracas nomeou um general para a sua defesa e ordenou o deslocamento de tropas para a fronteira.

Acuado domesticamente pelo crescimento da oposição após uma década de débâcle econômica, Maduro é acusado de instrumentalização política justamente a menos de um ano daquela que parece ser a sua mais dura eleição. Some-se à propalada tentativa de união nacional por um líder contestado, a existência de recursos minerais e a descoberta de vastos campos petrolíferos no território vizinho. Em 2019, o consórcio composto pelas petrolíferas norte-americanas Exxon Mobil e Hess e pela chinesa CNOOC iniciaram a exploração de petróleo, sob os protestos de Caracas.

Desde então, a Guiana possui um dos mais expressivos crescimentos econômicos do mundo. Ao longo dos últimos três anos, atingiu a cifra média anualizada de 42%. Em 2022, foi o país que mais cresceu no mundo. De acordo com o Banco Mundial, o número chegou a impressionantes 63,4%. O PIB per capita, estimado em US$ 6.477 em 2019, saltou para US$ 18.199 em 2022, mais do que o dobro registrado no Brasil no mesmo período.1 Os dados econômicos superlativos contrastam com a demografia. Oficialmente República Cooperativa da Guiana, o país é o terceiro menor em extensão e o segundo menos populoso da América do Sul. Sozinho, o Essequibo corresponde a dois terços do território nacional. Ao fim e ao cabo, a sua perda poderia inviabilizar a própria existência do país.

Teme-se que a escalada nas tensões possa significar a militarização da região com a provável instalação de bases estrangeiras, conjuntura esta avessa a qualquer interesse brasileiro. Sede do CARICOM e membro da Commonwealth, a Guiana conta com o apoio expresso de americanos e britânicos. A proximidade venezuelana com o Kremlin e os aiatolás, diga-se de passagem, tem o potencial de causar uma verdadeira confusão global em um continente marcado por relativa estabilidade. O cenário tende a piorar com a perspectiva de um ano marcado por eleições amplamente polarizadas tanto na Venezuela como nos Estados Unidos.

De um lado, o argumento ao redor do oportunismo de um líder populista periclitante; do outro, a reivindicação do que seria um legítimo direito territorial, injustamente ceifado pelo imperialismo britânico. Reivindicado há mais de um século por venezuelanos, a Guiana Essequiba fora, antes de tudo, terra brasilis.

Essequibo, terra brasilis

Embora os espanhóis tenham tido a primazia em chegar no Planalto das Guianas, os holandeses foram os primeiros a ocupar o litoral com a instalação de feitorias na segunda metade do século XVI. Não tardaria, no entanto, para que França e Inglaterra se envolvessem em uma série de escaramuças pelo controle da região. Após décadas de vitórias e derrotas para cada lado, o Congresso de Viena, em 1815, decidiu pela divisão territorial entre as três potências europeias: ao leste, criou-se a Guiana Francesa; ao centro, o Suriname, holandês; a oeste, a Guiana Inglesa, atual Guiana.

Apesar de estar localizada na América do Sul, a geografia se encarregou de isolá-la do restante do continente. A costa virada para o Caribe fez do norte a sua natural orientação. Ainda hoje, a maior parte da população reside no litoral, principalmente na capital, Georgetown. As marcas da colonização britânica ainda são visíveis hoje. A maior parte da população descende de indianos e africanos trazidos para trabalhar nas plantações de café, algodão e cana-de-açúcar. Único país da América do Sul a ter o inglês como idioma oficial, a Guiana é composta por 80% de selva amazônica e um conjunto de cadeias rochosas. Delimitar, pois, as fronteiras sempre fora uma tarefa de difícil precisão.

Com a independência da Venezuela em 1811, o nascente Estado postulou-se como o natural herdeiro da Capitania Geral da Venezuela, cujas fronteiras eram reivindicadas, no eixo Leste-Oeste, até os limites do Rio Essequibo, região pouco habitada e de difícil acesso. A situação era análoga ao recém-independente Império do Brasil, herdeiro direto de Portugal que afirmava a posse dos territórios localizados entre o Estado de Roraima e a margem do Rio Rupunúni.

A área reclamada localizava-se justamente na parte sul do Essequibo. O pleito brasileiro passaria à história como a Questão do Pirara, nome dado a um dos afluentes do Rio Branco. A região era duplamente estratégica para o Brasil. Além de permitir o acesso privilegiado ao Mar do Caribe pelos afluentes do Rio Amazonas, a sua posse impedia que os britânicos acessassem a Bacia Amazônica e o norte do vasto território brasileiro.

A partir da década de 1830, os britânicos enviariam o geógrafo Robert Herman Schomburgk em múltiplas missões à região. O explorador saxão, naturalizado inglês, convence as autoridades a expandir as linhas fronteiriças em ambas as direções: a oeste, em território da Venezuela; ao sul, do Brasil. Em 1835, Schomburgk visita o vale do Rio Pirara pela primeira vez. Para consolidar a posse do então território brasileiro, instala um bispo anglicano na região sob a alegação de proteger comunidades indígenas escravizadas por brasileiros. Em verdade, desde 1829, o reverendo John Armstrong pleiteava ocupar a área do Pirara, fato concretizado na década seguinte com a chegada do reverendo Thomas Youd2.

A intromissão britânica em território brasileiro fora facilitada pela introspecção política e militar que o país experimentava no período regencial. Envolto em múltiplas revoltas internas, entre as quais a Cabanagem, o avanço estrangeiro não encontraria resistência. Não tardaria, no entanto, para que o presidente da província do Grão-Pará, o brigadeiro Francisco José de Souza Soares de Andréia, expulsasse o missionário protestante e deixasse um frade carmelita em seu lugar. Schomburgk receberia ordens de Londres para retomar o controle da região, cenário preocupante que levou o presidente da província a consultar o governo no Rio de Janeiro.

O início da década de 1840 foi marcado pela deterioração no relacionamento bilateral, seja pelo recrudescimento britânico no combate ao tráfico, seja pelas pressões na confecção de um novo tratado comercial.3 Em uma resposta firme, embora cautelosa, o gabinete de São Cristóvão recusava-se a entrar em negociações comerciais enquanto a ocupação militar estrangeira ao norte perdurasse. Após os protestos de Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, chanceler de Dom Pedro II, Brasil e Inglaterra assinavam um acordo em 1842 que neutralizava o território litigioso até que as fronteiras fossem estabelecidas. A ação do futuro visconde de Sepetiba evitara a militarização da região em um contexto de evidente superioridade econômica e militar dos ingleses.4

Dome-se a tais fatos

De fato, a área se manteve estabilizada até o fim do século XIX. No entanto, a diplomacia brasileira assistia com atenção ao desenrolar da história no outro lado da tríplice fronteira. A colonização inglesa não só avançara na direção das fronteiras venezuelanas como passara oficialmente a reivindicar a Linha Schomburgk como limite. Desde 1841, data em que Robert Schomburgk iniciou unilateralmente a demarcação de fronteiras, todas as tentativas de se chegar a um acordo bilateral foram infrutíferas. O imbróglio ganharia importância com a descoberta de ouro na segunda metade da década de 1870.5 Em 1886, o primeiro-ministro britânico, lorde Salisbury, declarava publicamente as suas amplas aspirações territoriais na região. Em 1887, a Venezuela decide romper relações diplomáticas e passa a demandar que a questão anglo-venezuelana seja equacionada por meio de arbitramento.

Após forte insistência norte-americana, os britânicos enfim assinam, em Washigton, no ano de 1897, um tratado por meio do qual submetem o litígio a um tribunal arbitral a se reunir em Paris. Ao constatar-se que a linha divisória entre Venezuela e Guiana Inglesa expandia-se pelo território do Brasil, o governo brasileiro emitiu nota endereçada ao tribunal arbitral ressalvando os direitos do país. Em 1899, os cinco juízes chegaram a um veredicto. O laudo dava vitória à Inglaterra com a incorporação de linha fronteiriça que invadia o espaço brasileiro. Imediatamente, o Brasil apresentou protesto solene através de nota circular endereçada a todos os países com os quais mantinha relações diplomáticas.6

Os lustros finais dos oitocentos foram marcados pela intensificação das disputas imperialistas em todo o mundo. Sob as sombras da Conferência de Berlim, encerrada em 1885, temia-se que a América do Sul passasse a ser alvo da crescente cobiça estrangeira. O resultado da querela anglo-venezuelana deixaria a diplomacia brasileira em alerta. Diante da impossibilidade do entendimento direto, não restaria outro caminho: Brasil e Inglaterra levariam a Questão do Pirara para arbitramento.

Diante da envergadura da missão, a escolha do advogado brasileiro fora ninguém menos do que Joaquim Nabuco, uma das mais notáveis mentes de seu tempo. Líder do movimento abolicionista e da campanha cívica nas décadas finais do Império, fora um dos mais prolíferos agentes na imprensa e no Parlamento imperial. Membro fundador da Academia Brasileira de Letras, legou para a posteridade clássicos como “O Abolicionismo”, “Minha Formação” e “Um Estadista do Império”. Na diplomacia, serviria como ministro na Corte de St. James, a partir de 1900, como enviado extraordinário e ministro plenipotenciário. Fora, a propósito, o último diplomata recepcionado em Windsor pela rainha Vitória. Em 1905, seria nomeado como o primeiro embaixador brasileiro da história. De Washington, posto em que serviria até a sua morte, em 1910, se tornaria um dos intelectuais mais prestigiados de seu tempo. Em 1906, presidiria a 3ª Conferência Pan-Americana no Rio de Janeiro, em cuja companhia estava Elihu Root, o primeiro chanceler norte-americano da história a participar de um evento oficial no exterior.7

Em novembro de 1901, Brasil e Inglaterra assinavam o tratado de compromisso arbitral. A preferência brasileira era pela escolha de um chefe de Estado em detrimento de um tribunal arbitral. Os precedentes eram animadores. Em fevereiro de 1895, a disputa fronteiriça entre Brasil e Argentina, na Questão de Palmas, nos fora favoravelmente solucionada por arbitramento do presidente norte-americano Grover Cleveland; em dezembro de 1900, a Questão do Amapá, litígio entre Brasil e França, era equacionada por laudo arbitral emitido pelo então presidente da Confederação Suíça, Walter Hauser.

Passou-se, então, à deliberação da escolha do árbitro. Joaquim Nabuco e o barão do Rio Branco preferiam o grão-duque de Baden com os seus tradicionais professores de Heidelberg. Nas palavras de Rio Branco, era “um velho respeitável, que, até no físico se parece com o nosso falecido Pedro II”. E acrescentava com a lucidez de um conhecedor da política internacional: “É preciso procurar um árbitro entre os chefes de Estado secundários: quanto aos de primeira ordem, uns não convém ao Brasil, outros não convêm à Inglaterra”.8 Apesar do aval dado pelo lorde de Salisbury, o chanceler brasileiro Olinto de Magalhães vetou-o alegando que, desde a unificação da Alemanha, tratava-se de um suserano e não soberano. Nabuco voltaria a insistir pela escolha do experiente governante-filósofo. A resposta final – e negativa – de Olinto vinha acompanhada da sugestão de três nomes: o presidente dos Estados Unidos, o imperador da Áustria e o rei da Itália.

Convidado para arbitrar a Questão do Pirara, o jovem rei da Itália, Vitor Emanuel III, aceitara o convite em menos de vinte e quatro horas. Não tardaria para emitir o seu juízo. Em 14 de junho de 1904, proferiria a sua decisão. Alegando que ambos Brasil e Inglaterra não tinham logrado êxito em provar direitos inquestionáveis sobre o território em litígio, decidira traçar uma linha intermediária aos dois pedidos. Na prática, dividia a região favoravelmente aos ingleses: 19,6 mil km2 (60%) para a Inglaterra e 13,5 mil km2 (40%) para o Brasil.9 O resultado fora considerado um verdadeiro revés para o país.

Imediatamente, uma série de indagações surgiram. Curiosamente, o rei italiano emitira um laudo arbitral contendo meras duas páginas, tamanho a contrastar, por exemplo, às quase 900 laudas emitidas pelo presidente suíço na Questão do Amapá. Mais do que isso. A leitura e a análise das milhares de páginas contidas nas seis memórias entregues pelos contendentes – três de cada lado – foram empreendidas antes mesmo do prazo mínimo concedido, de 6 meses.

Some-se a tais fatos, os alegados interesses pessoais e geopolíticos possivelmente presentes no caso. Em 1900, o monarca italiano ascendera ao trono após o assassinato de seu pai, Humberto I. O relacionamento entre a Igreja e o Estado atingia elevados níveis de tensão em um momento em que a legitimidade da coroa era contestada. Ao rei interessava fortalecer a Itália como potência europeia. A aproximação com a principal potência mundial era, pois, bem-vinda. Vitor Emanuel, diga-se de passagem, era um anglófilo convicto, cujo cerimonial inspirava-se no exemplo régio britânico.10

No Brasil, corria-se o boato de que o monarca não desejava desagradar a poderosa Inglaterra, narrativa que ganharia um considerável reforço com o relato do historiador italiano Guglielmo Ferrero. Em carta endereçada ao diplomata Graça Aranha, ele confidenciaria uma conversa ocorrida entre um professor da Universidade de Zurique e Giulio Cesare Buzzatti, professor de Direito Internacional Público da Universidade de Pavia e um dos assessores do rei da Itália no arbitramento. Segundo o documento, “o rei recomendou inicialmente aos membros da comissão de dar razão à Inglaterra! Apesar dessa recomendação, o direito do Brasil era tão evidente – é o que teria afirmado Buzzatti – que a comissão chegou a conclusões inteiramente favoráveis às pretensões do Brasil. Mas o rei delas não tomou conhecimento e teria redigido ele próprio a bela sentença que conhecemos, dizendo ‘que não podia fazer uma coisa desagradável à Inglaterra’”.11

De fato, os 18 tomos de defesa redigidos por Joaquim Nabuco foram avaliados por especialistas de várias épocas como de excelência.12 São conhecidas as palavras do lorde Salisbury que, após analisar o “Grandes Atlas” organizado por Rio Branco sobre a Guiana, base inicial da argumentação desenvolvida por Nabuco, afirmara que o trabalho “valia mais do que o terreno litigioso”.13

Em meados dos anos 1940, o diplomata norte-americano Lloyde Gricson, ex-embaixador norte-americano no Rio e em Roma, conta em suas memórias o que teria sido um polêmico diálogo que tivera com o rei Vitor Emanuel III quando da apresentação de suas credenciais.

Segundo a publicação, o rei teria dito que o Brasil “is a wretched place and I don’t like the people. I suppose I ought not to say that. It’s very undiplomatic, but then I’m not a diplomat. I once had to deal with some of those. Brazilians over the boundary between their country and British Guiana, which was referred to me for arbitration. There were five volumes of evidences, and I read every word of them. The Brazilians published lots of maps, which were absolutely false, and then they put in a lot of pictures of Indians in different costumes to make it interesting. Well, it was interesting, but it was a very poor argument. I might have given the whole disputed territory to England, but I gave the Brazilian half, and then I heard they abused me outrageously”.14 Após ler o livro, o então chanceler Oswaldo Aranha indaga oficialmente, em 1941, o governo italiano sobre as supostas falas reais. Como era de se esperar, elas foram negadas pelo conde de Ciano, genro e chanceler de Benito Mussolini.

Seja como for, Brasil e Inglaterra aceitaram integralmente o resultado do laudo arbitral. Quis o destino que o controverso Vitor Emanuel fosse o último rei dos italianos. Aos ingleses, a expansão territorial permitia o acesso à bacia do Amazonas. O Brasil, por outro lado, perdia a parte sul do Essequibo e o acesso fluvial ao Mar do Caribe. A questão fora, assim, definitivamente resolvida. Ou pelo menos é o que se pensava até então.

O espantalho patriótico e a armadilha diversionista

Diferentemente do Brasil, a Venezuela aceitou o resultado do laudo arbitral até o ano de 1962, momento a partir do qual passaria a contestá-lo como nulo e sem efeito. O pretexto fora a declaração póstuma do norte-americano Severo Mallet-Prevost, um dos advogados de defesa da Venezuela, que alegava a existência de negociações escusas nos bastidores. Para começo de conversa, é preciso lembrar que a Inglaterra recusou por anos a sugestão do governo de Washington para a realização de um arbitramento. Ele só seria aceito por Londres após o presidente Grover Cleveland aprovar por unanimidade no Congresso norte-americano a criação unilateral de comissão a determinar a verdadeira linha demarcatória entre Venezuela e Guiana Inglesa.

O anúncio da The United States Boundary Comissioncausou preocupação no Foreign Office. Era evidente que aos norte-americanos não interessava a expansão territorial britânica em pleno continente americano, assim como era temeroso aos interesses ingleses o risco de um crescente envolvimento do Capitólio no lado venezuelano. Foi, pois, dentro desse contexto que, em fevereiro de 1897, as partes concordaram em assinar o acordo arbitral. Ele seria composto por cinco juízes: dois ingleses, dois norte-americanos e um russo. Como é sabido, a Venezuela seria derrotada em outubro de 1899, cujo laudo arbitral fora majoritariamente favorável aos ingleses.

Após a morte de Mallet-Prevost, em 1948, tornou-se público o memorandum em que se narrava os bastidores do tribunal de Paris. Segundo o advogado, os árbitros britânicos e russo haviam entrado em acordo com base nos imperativos da política internacional. Em um encontro de bastidores, Martens – árbitro russo e presidente da corte – desejava a obtenção de um laudo unânime. Segundo o relato, ele oferecera aos juízes norte-americanos uma dupla escolha: uma opinião majoritária de 3 a 2, cuja linha demarcatória adotada – a famigerada Linha Schomburgk
– atenderia integralmente ao pedido britânico com a perda total do Essequibo e da foz do Orinoco por parte da Venezuela; ou a emissão de um laudo unânime, em que o Orinoco fosse mantido venezuelano no que pese a perda majoritária do Essequibo.15

Diante da proposta, os dois juízes norte-americanos realizaram consulta à equipe de defesa, através de Mallet-Prevost. O autor do memorandum teria então repassado o caso ao chefe da equipe de advogados, o ex-presidente dos Estados Unidos Benjamin Harrison. Ele teria dito: “Mallet-Prevost, if it should ever be known that we had it in our power to save for Venezuela the mouth of Orinoco and failed to do so we should never be forgiven. What Martens proposes is iniquitous but I see nothing for Fuller and Brewer to do but agree”.16Com os votos de Fuller e Brewer, os dois juízes norte-americanos, o laudo arbitral decretava, unanimemente, a perda do Essequibo.

O outro lado da contenda nega os relatos contidos no memorandum, assim como aponta uma série de inconsistências. Curiosamente, a redação do texto fora realizada após a reaproximação entre Mallet-Prevosto e o governo venezuelano mediante a outorga da máxima distinção nacional, a gran cruz de la Orden del Libertador. Mais curioso ainda, é notar que, entre 1948 – data da morte e publicação do documento – e 1962 – momento em que o governo venezuelano passa a contestar o laudo arbitral nos fóruns da ONU –, o caso manteve-se sem grandes questionamentos.

Oficialmente, o país acusa o que seria “Un Laudo Arbitral viciado”. O argumento é o de que “Venezuela fue excluida del equipo de jueces, que estuvo integrado por dos británicos, dos estadounidenses y un ruso, que se anunciaba como ‘terceroimparcial’”O argumento prossegue diante da afirmativa de que “solo un nacional venezolano participó directamente en el proceso, formando parte del equipo de defensa de su país, que estaba integrado, además, por otros cuatro abogados de EEUU”. Arrematando o raciocínio, o governo de Caracas conclui que “siendo que Venezuela no estuvo representada directamente, ya que los dos representantes de Venezuela, fueron nombrados por los Estados Unidos, no representando al Estado venezolano, ésta declaró la nulidad de la sentencia”.17

De fato, os representantes venezuelanos ao tribunal arbitral foram nomeados pelos Estados Unidos após a acordância expressa por parte do governo de Caracas. A bem da verdade, é preciso lembrar que o rompimento de relações diplomáticas entre Venezuela e Inglaterra não apenas inviabilizou as negociações diretas como produziu a recusa do último em aceitar a indicação de venezuelanos na composição do tribunal.

Do ponto de vista substantivo, a narrativa histórica oficial denuncia o que teria sido uma usurpação territorial, iniciada em 1839 “cuando el naturalista prusiano Robert Schomburgk, desconociendo la frontera entre Venezuela y Guayana Británica en el Río Esequibo, presentó su línea que abarcó 142.000 km2 al occidente de esta arteria fluvial, en suelo venezolano de la provincia de Guayana. Sin embargo este territorio le pertenece a Venezuela desde la fundación de la Capitanía General de nuestro país por el imperio español en 1777.18

Como se nota, o argumento venezuelano possui como base a doutrina do uti possidetis juris, princípio jurídico cuja principal característica “resulta que, quando um ou mais Estados se tornam independentes, as antigas divisões administrativas constituem o elemento primário para o estabelecimento das fronteiras do novo Estado”.19 Nas palavras da Corte Internacional de Justiça, “[…] a aplicação do princípio uti possidetis resulta em limites administrativos sendo transformados em fronteiras internacionais no sentido pleno do termo”.20 Importante pontuar que o uti possidetis juris se distingue daquele que fora utilizado pela diplomacia brasileira ao longo do Segundo Reinado e da Primeira República, o princípio do uti possidetis de facto, “que privilegia a efetiva ocupação do território em vez do título jurídico sobre ele”.21

Diante dos seguidos questionamentos venezuelanos na ONU no contexto da descolonização britânica no Caribe, os envolvidos decidem firmar o Acordo de Genebra, oficialmente estabelecido com o intuito de “resolver a controvérsia entre Venezuela e o Reino da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte sobre a fronteira entre Venezuela e Guiana Britânica”. Meses após a sua assinatura, a Guiana Britânica tornava-se independente de posse de um imbróglio que se arrastaria até a contemporaneidade.

Assinado em 1966, o documento – em vigor até os dias atuais – reconhece a existência da controvérsia, sem, no entanto, anular o resultado do laudo arbitral de Paris. Na prática, o mecanismo jurídico estabeleceu uma “Comision Mixta con el encargo de buscar soluciones satisfactorias para el arreglo practice de la controvérsia”, assim como delegou ao Secretário Geral da ONU a escolha final do meio de solução de controvérsia a ser adotado diante do hipotético malogro por parte da Comissão. Seguindo o espírito da Carta da ONU, a utilização da força é expressamente vedada no acordo.22

Entre idas e vindas, as partes jamais chegaram a um acordo. Em 2018, após diversas tentativas de bons-ofícios e negociações diretas, o Secretário Geral da ONU Antônio Guterres, diante do pedido de seu predecessor, Ban Ki-Moon, submeteu o caso à apreciação da Corte Internacional de Justiça, o principal órgão judicial do mundo. Com base no artigo IV do Acordo de Genebra de 1966,23 a Corte reconheceu a jurisdição sobre o caso. A Venezuela, no entanto, discorda e alega que o órgão não possui jurisdição para julgar o que seria um pedido unilateral. Não tardaria para que Nicolás Maduro acusasse a Corte de estar agindo em nome do imperialismo, mais especificamente a mando da petrolífera ExxonMobil.

No processo aberto em Haia, a Guiana solicita que a Corte confirme “the legal validity and binding effect of the Award regarding the Boundary between the Colony of British Guiana and the United States of Venezuela, of 3 October 1899”.24 Como se nota, a validade jurídica do laudo arbitral de 1899 tornou-se o grande pomo da discórdia. De um lado, argumenta-se por sua validade integral; do outro, aponta-se a sua completa nulidade.

É preciso questionar em que medida a reabertura das discussões poderia ou não impactar os direitos brasileiros sobre o Pirara. A anulação do laudo arbitral de 1899 – base da contestação venezuelana – poderia, em tese, ensejar a volta das reivindicações brasileiras sobre a área. É, no entanto pouco provável que a diplomacia brasileira embarque no questionamento da ordem vigente. Além do risco de desestabilização regional, a ação abriria um perigoso precedente que poderia ser usado contra o próprio país, vencedor de dois difíceis processos de arbitramento contra Argentina e França. É ainda questionável em que medida a prática reiterada do Estado brasileiro na aceitação do resultado arbitral não haveria criado uma norma costumeira. O costume, assim como os tratados e os princípios gerais de direito, é fonte primária do direito internacional.

Seja como for, no dia 1º de dezembro de 2023, véspera do referendo anunciado por Maduro, a Corte Internacional de Justiça emitiu ordem contendo medidas provisórias que proíbem qualquer medida que possa alterar a situação na área.25 O governo de Caracas seguiu adiante. Segundo as autoridades locais, 95% dos eleitores aprovaram as cinco questões elaboradas, entre elas a recusa da jurisdição da Corte de Haia e o apoio à criação do Estado de Essequibo, efetivado ficticiamente por uma maioria de 257 entre 277 deputados na Assembleia Nacional. Rapidamente, o governo anunciou o general Alexis Rodríguez Cabello como seu governador.

No poder desde 2013, Maduro assiste a uma verdadeira década de recessão política, econômica e social. Estima-se que mais de seis milhões de venezuelanos tenham deixado a Venezuela diante da rápida deterioração nas condições de vida.26 Calculadamente, ele instrumentaliza a questão do Essequibo – pleito histórico e altamente popular entre os venezuelanos – mirando o conturbado cenário doméstico. A meses das eleições, a possibilidade de derrota é compatível com o desastre econômico e humanitário do país.

O líder populista segue a contento a cartilha do diversionismo. Cria-se o espantalho do imperialismo na esperança de que o clamor de união nacional produza uma ilusão de ótica, uma espécie de grande distração patriótica.

A confusão criada por Caracas tem, no entanto, elevadas doses de racionalidade. Se bem-sucedida, a tática diversionista permitirá ao regime desidratar a crescente oposição ou mesmo encarcerá-la sob acusações de antipatriotismo ou entreguismo. No limite, o regime poderia até mesmo adiar indefinidamente as eleições em nome do Estado de Defesa.

No plano externo, ganha-se repertório negocial na barganha pelo alívio de sanções e do alto endividamento venezuelano. É mesmo possível que a divisão na exploração dos vastos recursos offshore ou a reinvindicação de royalties seja um dos preços a serem pagos pelo vizinho. Trocando em miúdos, Maduro vai para a mesa de negociação em busca de compensações com uma vantagem superior ao que se supunha.

É, no entanto, pouco provável que a invasão da Guiana seja posta em marcha. A ação não apenas redundaria em fracasso militar como significaria o próprio fim do regime chavista.

Note-se que a maior parte das riquezas do Essequibo localiza-se no litoral de rios e do Mar do Caribe, em cujas áreas marítimas e submarinas são estimadas a presença de 11 bilhões de barris, valor superior a países como Angola (7,8 milhões) e Noruega (8,1 milhões).27 A Guiana, diga-se de passagem, contaria muito provavelmente com a supremacia aeronaval britânica e norte-americana diante de um hipotético ataque. Por terra, a inexistência de estradas e o duro determinismo da selva impediria um rápido deslocamento, exceto através da passagem por território brasileiro, cenário de difícil materialização.

Embora o governo de Caracas conte com a simpatia russo-iraniana, para quem a ideia de uma frente de batalha no Ocidente soe um tanto quanto simpática, a ação seria reprovada majoritariamente pela comunidade internacional, incluindo aqui a China, simplesmente a maior investidora internacional da Guiana. Parece-nos, pois, pouco provável que Maduro embarque na aventura intervencionista, uma espécie de malvinización venezuelana. Mas nada garante que ele não venha a tentar.

Apenas o status quo nos interessa

Em nome do fantasma do imperialismo, a contestação de laudos arbitrais pode abrir um perigoso precedente. Desde o século XIX, um sem-número de tratados de arbitramento foram pactuados pelos países no continente como forma de dirimir problemas fronteiriços. Os vinte países da América Latina conformam, atualmente, quarenta linhas de fronteiras entre si,28 muitas das quais equacionadas por meio da arbitragem de juízes europeus ou norte-americanos, tais como nos casos entre Argentina e Chile, Argentina e Paraguai, Colômbia e Venezuela, Argentina e Brasil, Brasil e França, Brasil e Inglaterra.29

A demarcação de dez dessas linhas segue ainda hoje em disputa, a maior parte das quais submetidas à apreciação da Corte Internacional de Justiça ou em discussão em órgãos internacionais. A reabertura de pleitos concluídos, perigosos instrumentos reavivados em campanhas eleitorais, pode abrir uma verdadeira caixa de Pandora em um continente marcado pela estabilidade entre os Estados.

A exitosa conservação territorial brasileira sob o reinado de Pedro II veio acompanhada de um Estado satisfeito geopoliticamente. As décadas posteriores à Guerra do Paraguai assistiram à transformação do Brasil em uma espécie de potência do direito internacional. Liderados por Rio Branco, o país não apenas consolidou os 16 mil km de fronteiras de forma pacífica, como atuou ativamente para a solução de controvérsias no continente. Nomes como Joaquim Nabuco e Rui Barbosa passaram à história como símbolos da cooperação hemisférica e do direito internacional.

Em 1968, ao analisar a contestação venezuelana, o chanceler brasileiro José Magalhães Pinto comentava que se “a Venezuela for vitoriosa no pleito citado assestará sério golpe às bases da teoria jurídica em que assenta a incolumidade de nossas fronteiras e poderá desencadear, na América do Sul, uma onda de revisionismo territorial difícil de prever”.30

Anos mais tarde, conta-nos o presidente José Sarney que “O Ministro Gibson Barbosa, em suas memórias, fala de uma proposta venezuelana ao Brasil para reabrirmos a questão do Essequibo e ficarmos com uma parte do território conquistado. O Brasil teria se recusado a tratar do assunto, em nome da paz no continente e a estabilidade de nossas fronteiras”.31

Ao Brasil, interessa esvaziar a agenda o quanto antes. Ao risco da escalada militar em nossas fronteiras, a hipotética aventura venezuelana nos obrigaria não apenas a aumentar consideravelmente o gasto das forças armadas como acirraria ainda mais a polarização política doméstica.

Em recente pesquisa sobre a política externa brasileira publicada pela Atlas Intel, a Venezuela aparece como o país com o pior saldo de imagem. 61% da população diz ter uma imagem negativa do país. A título de comparação, esse número é 16% para os Estados Unidos, 19% para Israel, 27% para a China, 52% para Cuba e 53% para o Irã. Analogamente, Nicolás Maduro é o líder internacional com a pior avaliação entre os brasileiros, com 72% da população nutrindo uma imagem negativa pelo líder venezuelano. Esse número é de 23% para Barack Obama – o mais bem avaliado entre os líderes mundiais –, 29% para Benjamin Netanyahu, 40% para Xi Jinping, 47% para Donald Trump, 61% para Kim Jong Un e 67% para Vladimir Putin.32

A tibieza da ação brasileira ou mesmo a permissividade na direção da internacionalização na resolução do conflito representaria um duro golpe a um país que demonstra pretensões globais da Ucrânia à Palestina. Seja por seus atributos geográficos, seja por sua capacidade diplomática e capilaridade internacional, o Brasil é o mais natural e importante interlocutor regional.

Se realizada, a ambição venezuelana não apenas inviabilizaria a Guiana como país mas também traria instabilidade a uma região que vem recebendo constantes fluxos de investimentos internacionais. Mais do que isso. É pouco provável que os Estados Unidos assistam incólumes a qualquer aventura dessa natureza, sobretudo em um ano marcado pelas também duras eleições nacionais norte-americanas. Não interessará a Joe Biden a projeção doméstica de uma imagem vacilante diante do duro histórico de Donald Trump contra o regime venezuelano.

Não tardará para que a instalação de bases militares estrangeiras seja aventada. Embora represente uma legítima tentativa dissuasória de salvação nacional, ela seria um duro revés à diplomacia brasileira. A militarização de nossas fronteiras – com uma maior presença estrangeira na Amazônia – significaria o extremo oposto de tudo o que foi praticado ao longo de dois séculos por nossos melhores diplomatas. O acirramento nos ânimos poderá levar a uma escalada de tensões sem precedentes na região, cenário diametralmente oposto a qualquer interesse brasileiro. Apenas a manutenção do status quo nos interessa.  

O autor é professor de Ciência Política e Relações Internacionais do CEFET/RJ e diretor de Ensino e Pesquisa do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
elizeu.sousa@cefet-rj.br

BIBLIOGRAFIA

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NOTAS DE RODAPÉ

1. THE WORLD BANK. The World Bank In Guyana, 2023. Disponível em https://www.worldbank.org/en/country/guyana/overview#1.

2. MENCK, José Theodoro Mascarenhas. A Questão do Rio Pirara (1829-1904). Brasília: FUNAG, 2009, p. 41.

3. Idem, p. 146.

4. Idem, p. 52.

5. Idem, p. 359.

6. Idem, p. 363.

7. A vida de Joaquim Nabuco foi descrita e analisada em diversas biografias, tais como VIANA FILHO, Luiz. A vida de Joaquim Nabuco. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1952; NABUCO, Carolina. A vida de Joaquim Nabuco por sua filha Carolina Nabuco. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1929; ALONSO, Angela. Joaquim Nabuco. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

8. VIANA FILHO, Luís Viana Filho. A Vida do Barão do Rio Branco. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2016, p. 24-25.

9. SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 354.

10. MENCK, op. cit., p. 271.

11. MENCK, op. cit., p. 274 e p. 586-588.

12. NABUCO, Joaquim. O Direito do Brasil. Obras completas de Joaquim Nabuco (Volume 8). São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949.

13. MENCK, op. cit., p. 196.

14. Idem, p. 276.

15. SCHOENRICH, Otto. The Venezuela-British Guiana Boundary Dispute. The American Journal of International Law, vol. 43, no. 3, 1949, pp. 523–30.

16. Idem, p. 529-530.

17. ARIZA, Joselyn. A 55 años del Acuerdo de Ginebra, Venezuela reafirma su derecho soberano sobre el Esequibo. Ministerio del Poder-Popular para Relaciones Exteriores. Gobierno Venezuelano de Venezuela, 2021. Disponível em https://mppre.gob.ve/2021/02/17/acuerdo-ginebra-venezuela-derecho-soberano-esequibo/.

18. Idem.

19. LIMA, Lucas Carlos. Uti possidetis juris e o papel do direito colonial na solução de controvérsias territoriais internacionais. Sequência Estudos Jurídicos e Políticos, [S. l.], v. 38, n. 77, 2017, p. 122.

20. Idem, p. 122.

21. Idem.

22. UNITED NATIONS. Acuerdo para resolver las controvérsias entre Venezuela y el Reino Unido de Gran Bretaña e Irlanda del Norte sobre la frontera entre Venezuela y Guayana Británica. 1966. Disponível em http://www.consulvenevigo.es/subido/ACUERDO%20GINEBRA%20ONU%201966.pdf.

23. O texto estabelece o seguinte dispositivo: “(1) Si dentro de un plazo de cuatro años contados a partir de la fecha de este Acuerdo, la Comisión Mixta no hubiere llegado a un acuerdo completo para la solución de la controversia, referirá al Gobierno de Venezuela y al Gobierno de Guayana en su Informe final cualesquiera cuestiones pendientes. Dichos Gobiernos escogerán sin demora uno de los medios de solución pacífica previstos en el Articulo 33 de la Carta de las Naciones Unidas. (2) Si dentro de los tres meses siguientes a la recepción del Informe final el Gobierno de Venezuela y el Gobierno de Guyana no hubieren llegado a un acuerdo con respecto a la elección de uno de los medios de solución previstos en el Articule 33 de la Carta de las Naciones Unidas, referirán la decisión sobre los medios de solución a un órgano internacional apropiado que ambos Gobiernos acuerden, o de no llegar a un acuerdo sobre este punto, al Secretario General de las Naciones Unidas. Si los medios así escogidos no conducen a una solución de la controversia, dicho órgano, o como puede ser el caso, el Secretario General de las Naciones Unidas, escogerán otro de los medios estipulados en el Articulo 33 de la Carta de las Naciones Unidas, y así sucesivamente, hasta que la controversia haya sido resuelta, o hasta que todos los medios de solución pacifica contemplados en dicho Artículo hayan sido agotados.”

24. ICJ. Arbitral Award of 3 October 1889 (Guyana x Venezuela). Disponível em https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/171/171-20180329-APP-01-00-EN.pdf.

25. ICJ. Arbitral Award of 3 October 1889 (Guyana x Venezuela) – Provisional Measures. Disponível em https://www.icj-cij.org/sites/default/files/case-related/171/171-20231201-pre-01-00-en.pdf.

26. ALVAREZ, Priscilla. ONU: Número de refugiados fugindo da Venezuela é similar ao da guerra na Ucrânia. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/onu-numero-de-refugiados-fugindo-da-venezuela-e-similar-ao-da-guerra-na-ucrania/.

27. COBB, Julia Symmes. Explainer: What is the border dispute between Venezuela and Guyana? Reuters, 2023. Disponível em https://www.reuters.com/world/americas/what-is-border-dispute-between-venezuela-guyana-2023-12-06/.

28. VARGAS, Fábio A. Formação das fronteiras latino-americanas. Brasília: FUNAG, 2017, p. 29.

29. Idem, p. 486-494.

30. CAVLAK, Iuri. As Relações Diplomáticas da Guiana e o Brasil: Do Surgimento à Consolidação (1966-1976). Diálogos, Maringá-PR, Brasil, v. 24, n. 3, p. 331-350, set./dez. 2020, p. 335.

31. SARNEY. José. O Essequibo. Disponível em https://www.academia.org.br/artigos/o-essequibo.

32. ATLAS INTEL. Pesquisa Atlas para a CNN Brasil sobre a política externa brasileira. Disponível em https://x.com/atlaspolitico/status/1727493765286277283?s=20.

Livro: Uma breve história da igualdade", de Thomas Piketty - resenha de Pedro H.G. Ferreira de Souza

 Creio que o autor começa se enganando de objeto e tropeça no titulo. Uma “história” da igualdade não pode ser breve, e não Uma breve história da igualdade", de Thomas Piketty ( resenha de Pedro H.G. Ferreira de Souza, é propriamente um assunto econômico, e sim social. O que mereceria uma análise séria, e realmente enriquecedora das reflexões econômicas, seria um livro com este titulo:

“Uma longa e complicada história das desigualdades sociais”

Paulo Roberto de Almeida 


Dica de leitura : Uma breve história da igualdade, de Thomas Piketty ( resenha de Pedro H.G. Ferreira de Souza, da FGV) 

Desigualdades

A volta do socialismo utópico

Livro oferece panorama acessível do pensamento atual de Piketty, embora conteúdo continue grandiloquente

Pedro H. G. Ferreira de Souza


Thomas Piketty

Uma breve história da igualdade

Tradução de Maria de Fátima Oliva do Coutto

Intrínseca • 304 pp • R$ 69,90 / R$ 46,90


É impossível superestimar a influência de Thomas Piketty sobre os estudos recentes acerca da desigualdade. Até o fim dos anos 90, a abordagem predominante se concentrava nos diferenciais salariais associados ao capital humano dos trabalhadores, interpretando-se as mudanças na desigualdade como resultado da interação entre oferta e demanda por trabalho qualificado — a chamada “corrida entre educação e tecnologia”.

Uma breve história da igualdade oferece um panorama acessível do pensamento do intelectual público Thomas Piketty

Esse debate não morreu, mas perdeu espaço desde que Piketty e seus colaboradores recuperaram o uso de dados tributários e recolocaram os ricos na conversa, propondo explicações históricas e institucionais para a concentração de renda e propriedade no topo da distribuição. O quiproquó transbordou da academia há cerca de uma década, com a publicação do ótimo (e, convenhamos, pretensioso) O capital no século 21, que virou sucesso editorial global com sua mistura de história, economia, referências literárias e previsões apocalípticas.

De lá para cá, Piketty abraçou o papel de intelectual público como um bom francês, inclusive ecoando Sartre, Beauvoir e Camus na recusa à condecoração da Legião de Honra. Sem esmorecer na esfera acadêmica, o economista tornou-se ainda mais ativo no Partido Socialista francês, participou da adaptação do seu best-seller para o cinema e, em 2019, voltou às livrarias com Capital e ideologia, um calhamaço ainda mais longo e ambicioso do que o anterior. No livro, Piketty abandonou sua tentativa anterior de formular “leis fundamentais do capitalismo” para mergulhar numa análise histórica que reduzia a desigualdade inteiramente à política e à ideologia — “Marx invertido”, como escreveu Paul Krugman em sua resenha no New York Times. Crítica e público não se convenceram, e a recepção ao livro foi tépida. Na prática, sua maior repercussão foi obrigar todos os resenhistas a fazer troça com a verborragia do autor.

Não à toa, é o próprio Piketty quem apresenta seu último livro, Uma breve história da igualdade, como uma espécie de resumo atualizado das suas obras anteriores, condensando em cerca de trezentas páginas o que chama de uma nova perspectiva histórica baseada na marcha rumo à igualdade. Hipérbole à parte — e Alexis de Tocqueville certamente teria algo a dizer sobre a originalidade do argumento —, o novo livro oferece um panorama acessível do pensamento atual do autor, embora o conteúdo continue mais grandiloquente do que nunca. Como o intelectual público Piketty é hoje muito mais “tudólogo” do que economista, e seu ativismo político é explícito, é muito provável que as reações ao livro simplesmente espelhem as preferências ideológicas prévias dos leitores.

A grande redistribuição

No Uma breve história, a perspectiva histórica é frouxamente amarrada nos primeiros seis capítulos, que recontam a ascensão da modernidade a partir da evolução de diversos tipos de desigualdade. Piketty reitera o progresso generalizado na redução das desigualdades desde o século 18, passa pela desconcentração da propriedade que deu origem à “classe média patrimonial”, discorre sobre colonialismo e escravidão, examina o declínio da aristocracia e, finalmente, chega à “grande redistribuição”, isto é, a redução significativa das desigualdades materiais em boa parte do mundo entre 1914 e 1980.

Os melhores trechos tratam dos temas mais próximos à pesquisa do próprio autor, principalmente no que diz respeito à evolução da desigualdade de patrimônio e renda nos países desenvolvidos, como nos capítulos 1, 2 e 6. A invenção do estado de bem-estar social e o potencial redistributivo da tributação progressiva são pontos altos, e a transição sueca de uma sociedade incrivelmente desigual para o expoente do igualitarismo é contada de forma sucinta, mas merece ser conhecida.

Em vez do que se observa em trabalhos anteriores, Piketty também mostra muito mais sensibilidade à importância de lutas e conflitos sociais como motores de mudanças, chamando a atenção para a não linearidade dos processos e para momentos críticos provocados por grandes crises políticas. Ao mesmo tempo, é persuasivo ao argumentar que nada disso basta sem a construção sólida de instituições inclusivas, cujo funcionamento e resultados nem sempre são previsíveis.

Piketty é hoje muito mais ‘tudólogo’ do que economista e seu ativismo político é explícito

No fundo, quase todos os capítulos apresentam alguma informação ou análise instigante. O problema é que o livro não se detém por tempo suficiente nas partes mais legais, mudando selvagemente de assunto a cada poucas páginas. O efeito é cansativo, e alguns capítulos dão a sensação de serem narrados pelo falecido Ernani Pires Ferreira, lendário locutor de turfe carioca que entrou para o Guinness nos anos 80 por conseguir falar mais de trezentas palavras por minuto.

O espaço alocado a cada tema também não segue critérios muito intuitivos. Por exemplo, a guerra civil e a abolição da escravidão nos Estados Unidos merecem menos espaço do que uma discussão surreal sobre a conveniência ou não de incluir perguntas sobre etnia, cor e/ou raça em censos demográficos, o que, de quebra, trai o francocentrismo do autor. Por sinal, os argumentos sobre ações afirmativas ignoram completamente a bem-sucedida experiência brasileira e, com efeito, parecem estar quinze ou vinte anos atrasados em relação ao nosso debate público.

Em outros trechos, Piketty faz leituras altamente seletivas da bibliografia, apresentando as conclusões que mais o agradam como se fossem consensuais, o que definitivamente não é o caso. A discussão sobre a Revolução Industrial nem sequer menciona a palavra “produtividade”, e a “grande divergência” entre a Europa e o resto do mundo é quase inteiramente reduzida à opressão e à dominação. É uma opção conveniente para a tese do livro, mas ao apresentar a discussão de forma tão unilateral o autor acaba alienando até leitores simpáticos. Uma breve história da igualdade fica mais perto da pregação aos convertidos do que da persuasão dos indecisos.

Da política à ficção

A tendência persiste nos últimos capítulos do livro, quando o francês sai do passado para especular sobre o futuro. Depois de defender a existência de uma propensão secular para a igualdade e de celebrar as transformações promovidas pelo estado de bem-estar social e pela tributação progressiva, o autor se coloca a pergunta central: o que fazer para voltarmos a progredir?

O livro é pródigo em propostas que, se implementadas, fariam os países nórdicos parecerem o cúmulo do neoliberalismo. Afinal, Piketty não tem, felizmente, nenhum interesse em apenas ressuscitar a Europa do pós-guerra. O que ele oferece é um longo cardápio de reformas institucionais para revigorar a marcha rumo à igualdade nos levando a um socialismo com muitos adjetivos — democrático, federativo, participativo, autogestionário, ecológico, multicultural etc.

No plano doméstico, o autor diagnostica a concentração de propriedade como grande problema e sugere contornos gerais para um conjunto de políticas difíceis de implementar até em videogame. Para ele, seria vital combinar programas generosos de renda mínima com programas de herança mínima — ele sugere que cada cidadão europeu poderia receber 120 mil euros ao completar 25 anos — e políticas de emprego garantido em atividades de interesse público com salários modestos mas decentes.

O autor é relutante em nomear quem levantaria a bandeira desse socialismo democrático

Esses programas não substituiriam as políticas sociais já existentes, pelo contrário: seriam acrescentados a uma concepção maximalista de benefícios e serviços públicos, inclusive com legislação para limitar o poder decisório de acionistas e garantir a representação paritária dos empregados na direção das grandes empresas. O financiamento se daria por um sistema unificado e progressivo de tributação de renda, patrimônio, emissões de carbono e contribuições sociais, que, nos cálculos do autor, corresponderia a 50% da renda nacional. O objetivo das propostas é reduzir gradualmente o setor privado da economia, que em última instância seria limitado a poucas atividades, como moradia e pequenas empresas.

Evidentemente, trata-se de um programa inviável no arranjo atual da economia global, e Piketty deixa clara sua oposição à livre circulação de bens e capitais. Consequentemente, ele parte para revolucionar também o plano internacional, propondo mecanismos de governança global que nos levem a um federalismo democrático com objetivos sociais em nível planetário.

Se você desconfia de quem tem solução para tudo, Uma breve história da igualdade não é para você. De fato, uma olhadela no mundo atual desperta a suspeita de que o autor saiu da política para entrar na ficção — e, se é esse o caso, por que não pularmos logo para o mundo pós-escassez de Star Trek, que pelo menos tem alienígenas e naves espaciais? Ao mesmo tempo, o esforço de Piketty é justamente para ir na contramão desse sarcasmo fácil e acomodado. É bonito ver alguém de primeiro escalão dando a cara a tapa com propostas à esquerda que vão além tanto do apego ao estado de bem-estar social perdido quanto do incrementalismo tecnocrático. O saudoso Anthony Atkinson já havia dado passo semelhante e até mais bem-sucedido em Desigualdade: O que pode ser feito?, mas é muito bom que seu discípulo mantenha esse foco.

Palavras mágicas

O que incomoda em Uma breve história da igualdade é que as prescrições políticas são tecnocráticas demais para serem inspiradoras e idealistas demais para influenciarem políticas públicas. Mais uma vez, Piketty descarta com facilidade excessiva as muitas objeções possíveis e ignora a longa lista de fracassos do alto modernismo, como se ele só precisasse enunciar com clareza seu programa para dissolver a falsa consciência dos opositores. Os muitos adjetivos do seu socialismo são brandidos como se tivessem poderes mágicos, dando a impressão de que basta dizer que alguma coisa é democrática para que isso se torne realidade. Evidentemente, não se trata de ingenuidade do autor, que inclusive vaticina contra isso em outros trechos do livro, mas é uma opção infeliz — nesse sentido, o velho Marx foi muito mais esperto em deixar os contornos das futuras sociedades comunistas tão vagos quanto previsões astrológicas.

No caso de Piketty, o cerne do problema está numa lacuna comum em muitos livros reformistas, mas surpreendente num título que repetidamente paga pedágio à centralidade dos conflitos sociais: Uma breve história da igualdade é inaceitavelmente relutante em nomear quem seriam os grupos ou forças sociais que levantariam a bandeira desse socialismo democrático. O livro se abstém de apontar sua própria base social, talvez porque ela não seja capaz nem de encher o Stade de France. Como diriam os anglófonos, não é possível ter o bolo e comê-lo: para um autor que reconhece a complexidade das clivagens sociais, com seu emaranhado de interesses, Piketty acaba por tratar o eleitorado de maneira amorfa, passível de ser persuadido só por belas palavras.

Infelizmente, nada indica que isso seja possível. É difícil crer que haja uma demanda pelo socialismo reprimida e prestes a explodir. Como diz o economista Branko Milanovic, a despeito de todo o discurso sobre a crise do capitalismo, a lógica de mercado penetra cada vez mais áreas da vida pública e privada. Sem a disciplina imposta pela necessidade de levar em conta os interesses de alguma base social, não é surpreendente que as propostas do livro se descolem da realidade para adquirir caráter firmemente fantasioso. Isso fica ainda mais evidente no plano internacional, em que o socialismo utópico de Piketty parece tão provável quanto a letra de “Imagine”.

No fundo, é uma pena. O projeto político do economista francês é mais uma manifestação do projeto sisífico do iluminismo de tornar a vida social transparente para si mesma, submetida à deliberação coletiva da humanidade. É uma ambição nobre e difícil de abandonar, mesmo para cínicos como certos resenhistas, que adorariam ver as propostas de Piketty testadas em algum lugar — de preferência em algum país longe do nosso, porque o papel aceita tudo e nós já fomos cobaias de coisas demais.


Cúpula bolsonarista tentou dividir Exército para dar golpe, mas fracassou - MARCELO GODOY (O Estado de S. Paulo)

Cúpula bolsonarista tentou dividir Exército para dar golpe, mas fracassou

MARCELO GODOY 

O Estado de S. Paulo, 08 FEVEREIRO 2024 

A tentativa de desacreditar o Alto Comando do Exército (ACE) era parte fundamental da conspiração nascida dentro do Palácio do Planalto para dividir a corporação, colocar a tropa contra os comandantes que resistiam à ideia, e consumar o golpe de Estado tramado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros militares como expôs a operação realizada pela Polícia Federal.

Após a ação dos policiais nesta quinta-feira, 8, a coluna apurou que generais e coronéis concordaram que houve “traição” e “deslealdade” na atuação da cúpula bolsonarista, formada pelos ex-ministros militares Walter Braga Netto e Augusto Heleno, e do general Estevam Theóphilo, que segundo a PF seria o responsável por operacionalizar o golpe.

Ressaltam, no entanto, que a tentativa de divisão do Exército fracassou e que a instituição não se corrompeu, embora admitam que autoridades importantes foram seduzidas pelo “canto da sereia golpista”.

Dos 16 integrantes do ACE, 11 eram contrários ao golpe e de quatro a cinco, entre eles Theóphilo, tido como o mais bolsonarista dos generais da ativa, eram favoráveis. Dois outros generais que ainda estão na ativa expressaram opiniões favoráveis ao golpe, mas não agiram para que ele se concretizasse.

Sem a adesão do Alto Comando, a conspiração golpista seguiu para o plano B, a “festa da Selma”, como os bolsonaristas chamavam o ato que depois se tornou o 8 de Janeiro: assim como no ocorreu no Sri Lanka, a ideia passou a ser colocar a população na rua, mais especificamente em frente aos quartéis, para incitar uma rebelião nas fileiras do Exército e fazer com que a tropa passasse por cima dos generais.

Uma das frentes dessa estratégia era desacreditar os comandantes os acusando, por meio do gabinete do ódio nas redes sociais de serem “melancias”, verdes e patriotas por fora, mas vermelhos e comunistas por dentro. A investigação da Polícia Federal expôs o bastidor deste processo de fritura ao encontrar mensagens nas quais Braga Netto relata que o então comandante do Exército, Freire Gomes, estava omisso e indeciso sobre o golpe

“Então vamos continuar na pressão e se isso se confirmar vamos oferecer a cabeça dele aos leões”, respondeu o capitão reformado Ailton Barros, que depois foi preso na investigação sobre as fraudes nos cartões de vacina. “Oferece a cabeça dele. Cagão”, determinou Braga Netto em seguida.

Também não passou despercebida a pressão sobre as famílias dos militares. Em dezembro do ano passado, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, então comandante da  Marinha, procurou interlocutores para dizer que não iria trair os valores militares.

Nas conversas, ele fazia coro ao cientista político Samuel Huntington no livro O Soldado e o Estado: “Sobre os soldados, defensores da ordem, recai uma pesada responsabilidade. Se abjurarem o espírito militar, destroem primeiro a si mesmo e, depois, a Nação”, diz a conclusão da obra.

A coluna apurou que foi Baptista Júnior o responsável por vazar a informação que os comandantes das Forças Armadas pretendiam entregar os cargos antes do fim do governo Bolsonaro para não se submeterem, ainda que brevemente, ao governo Lula. O vazamento acabou frustrando a iniciativa.

“Senta o pau no Batista Júnior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feitas e ele fechado nas mordomias, negociando favores. Traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família”, escreveu Braga Netto em uma mensagem obtida pela Polícia Federal.

O descrédito do Alto Comando permitiria o passo seguinte: a quebra de hierarquia tão cara aos militares para consumar o golpe. Então chefe do Comando de Operações Terrestres, o terceiro escalão da corporação, o general Theóphilo passou por cima do comandante do Exército e do ministro da Defesa ao se reunir diretamente com Jair Bolsonaro.

De acordo com a investigação, ele prometeu ao presidente mobilizar seus comandados, conhecidos como “kids pretos”, para prender o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira integra uma das famílias mais tradicionais do Exército brasileiro, responsável por produzir quatro generais. Entre eles, César Cals, governador do Ceará durante a ditadura, no início dos anos 70, e depois ministro de Minas e Energia no governo de João Figueiredo.

Já Guilherme Teóphilo, irmão de Estevam, chefiou o Comando Militar da Amazônia, se candidatou ao governo do Ceará pelo PSDB em 2018 e depois atuou como secretário nacional de Segurança Pública no governo Bolsonaro.

Estevam Theóphilo foi responsável por causar rusgas entre o governo Lula e o Exército mesmo após o 8 de Janeiro. Após ouvir de Mauro Cid que ele temia ser preso nas primeiras semanas de 2023, o general disse que conversaria com o então comandante do Exército, Júlio César de Arruda. O comandante insistiu em manter Cid na chefia de um batalhão de Operações Especiais após os atos golpistas, o que foi a gota d’água para Lula demiti-lo.

Theóphilo também foi um dos defensores da venda de 450 viaturas do blindado Guarani para a Ucrânia utilizar na guerra contra a Rússia. A negociação opôs o poder civil, por meio do Itamaraty, que defendia a neutralidade no conflito, e os militares, já que o Exército ficaria com parte do valor da venda. Ao fim, a operação foi vetada.

Também no início do ano passado, o Coter, então comandado pelo general Theóphilo, promoveu o 1.º Seminário Internacional de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro para o qual foram convidados EUA, Alemanha, Reino Unido, França, além de outros países da Otan, dos Brics e do Mercosul. Duas ausências, entretanto, eram notáveis: a Rússia e a China.

Novamente, a diplomacia militar se aproximava do polo liderado pelos EUA, na contramão da neutralidade pregada pelo Itamaraty e pelo assessor especial da Presidência, o ex-chanceler Celso Amorim, que se queixou diretamente com Lula sobre a atuação dos militares na política externa.


Blog Diplomatizzando: O sentido do trabalho de resistência intelectual - Paulo Roberto de Almeida

 O sentido do trabalho de resistência intelectual 

Paulo Roberto de Almeida

Nota no blog Diplomatizzando sobre a essência de meu trabalho solitário.

   

A resistência puramente “literária”, conduzida solitariamente no âmbito de uma reclusão reflexiva, no isolamento de um limbo, ou no contexto de uma longa travessia do deserto, pode ser a menos eficiente de todas: ela não pertence a nenhum movimento, não está ligada a nenhum partido, não tem vínculos organizacionais nem pretende ter seguidores próprios.

Ela se sustenta em si mesma, na convicção de defender uma causa legítima, a preservação das liberdades, a necessidade de pensar com sua própria cabeça, a vontade de não fazer parte de nenhum rebanho, a certeza de que não se pode jamais renunciar à reflexão independente, ao espírito crítico, à contestação eventual das idées reçues, das verdades estabelecidas.

Isolada no seu canto, ela pode ter de se instalar numa pequena fortaleza feita de cadernos e livros, de se refugiar num humilde e obscuro quilombo de resistência intelectual, tendo como “armas” unicamente a palavra e a escrita, raramente um megafone, simplesmente pequenas mensagens, em garrafas, lançadas em um mar desconhecido.

Dificilmente, essas “pílulas” de resistência obstinada alcançam repercussão. Elas se perdem, na voragem do entusiasmo pelos novos tempos, na promessa dos lendemains qui chantent, nas mentiras confortáveis que satisfazem os ingênuos e os espíritos incautos.

Mas é preciso persistir, por um simples dever de consciência, individual e, no mais das vezes, solitária, cidadã se for o caso. Não importa: o que se faz não tem intenção de criar nenhum movimento, de mobilizar nenhuma força organizada, apenas tem a pretensão de alertar os demais membros da comunidade, a partir do conhecimento do passado, de uma atenta observação do presente e de alguma percepção quanto ao que pode vir pela frente.

Tive essa percepção, precocemente, em 2003, adquiri plena certeza em 2004, e vi confirmados meus piores temores nos dois anos seguintes. Mas aí já era tarde: eu já estava no limbo. E permaneci na minha longa travessia do deserto pelos dez anos seguintes, só cercado de meus livros e cadernos, refugiado em meu quilombo de resistência intelectual, de onde eu eventualmente lançava uma garrafa ao mar.

Não foi suficiente: o problema cresceu, o câncer da inépcia e da corrupção se agigantou, e terminou por engolfar o país na Grande Destruição, a maior de toda a nossa história.

Tive novamente a mesma percepção em meados de 2018, antes mesmo que a possibilidade se confirmasse. Imaginei que o desastre pudesse ser contido em algum momento, pelo temor de um novo desastre, por alertas que pudessem ser feitos em apelo à consciência cidadã – abafada, porém, pela ignorância eleitoral –, pela ilusão de que, uma vez consumada a escolha, as necessidades práticas da administração corrigissem as piores perspectivas de gestão.

Não foi suficiente: adquiri a certeza de estávamos embarcando numa viagem para o desconhecido logo nos dois primeiros dias da nova aventura, e obtive todas as confirmações nas semanas seguintes. A partir de 2019, as etapas e sinais construtores da nova caminhada ao precipício foram se acumulando.

Fui levado novamente ao ostracismo, ao que eu chamo de limbo de resistência intelectual, e iniciei nova jornada de uma penosa viagem pelo deserto de minha solidão, cujo percurso e duração são ainda indeterminados. Não importa, eu me disse: persistirei, como da outra vez, embora não deseje um novo desastre para a comunidade. Foram quatro longos anos de desvarios, de bizarrices e de loucuras. 

No final de 2022, tive a percepção de que havia a possibilidade real de um novo mergulho no desconhecido, tantas foram as paixões desatadas. 

De novo senti a necessidade de lançar novas garrafas ao mar. Assim o fiz...

O desastre poderia ter sido maior, dadas as revelações feitas recém em 2024, por externalidades que nada têm a ver com as inconsistências da dinâmica interna, própria à inépcia e à corrupção embutidas no pacote adquirido lá atrás.

Só fomos salvos porque os conspiradores eram incompetentes, burros demais para implementarem um golpe com todos os requisitos de um golpe efetivo. E isto apenas porque os militares não toparam entrar numa nova aventura. Não porque fossem democratas, apenas porque a situação lhes era confortável para embarcar num novo itinerário que lhes trouxesse tantos desastres quanto a ditadura do regime militar de 1964 a 1984. Não foram conscientes e democratas, pois se o fossem teriam denunciado os golpistas. Apenas ficaram calados e parados.

Tenho confiança de que expresso o que efetivamente ocorreu no Brasil nos últimos cinco anos: nossa democracia ainda é frágil.

Persistirei no meu quilombo de resistência intelectual, este meu blog.

Como disse, não tenho movimento, nem partido, nem seguidores. Apenas minha liberdade, minha consciência, minha pluma, de vez em quando a palavra, quase inaudível.

Não importa!

Persistirei...

 

Brasília, 11 de fevereiro de 2024


sábado, 10 de fevereiro de 2024

Onde o golpe começou a dar errado - Celso Rocha de Barros (FSP)

 Onde o golpe começou a dar errado:

Bolsonaristas organizaram levante contra chefe do Exército

General Freire Gomes teria se recusado a participar de golpe com Bolsonaro

Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo, 10/02/2024

Com a operação da Polícia Federal na última quinta-feira (8), começamos a entender as disputas ocorridas dentro das Forças Armadas durante a ofensiva golpista de Jair Bolsonaro.

O golpismo se torna mais aberto quando morre a desculpa das urnas eletrônicas. A PF tem prints de conversa de Mauro Cid, ajudante-de-ordem de Bolsonaro, em que ele admite que nada de consistente foi encontrado pelas auditorias nas urnas eletrônicas.

Seu interlocutor, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, conclui que, nesse caso, será necessária uma quebra institucional. Se a preocupação com as urnas fosse legítima, a conclusão seria o exato contrário. Ferreira Lima encerra a conversa dizendo: "O povo está onde ele pediu. Ele prometeu, Cid".

O “ele" que prometeu era Bolsonaro. E o ex-presidente tentou, sim, cumprir sua promessa golpista.

Segundo Cid, o ex-presidente levou uma minuta de golpe aos três chefes militares. A minuta foi redigida por Filipe Martins, assessor de Bolsonaro e moleque burro do Olavo que foi em cana na quinta-feira.

Bolsonaro, sempre segundo Cid, apresentou a minuta aos chefes das três Forças: O almirante Almir Garnier, da Marinha, teria apoiado o golpe (tornando-se, nesse caso, desertor). Os chefes do Exército (general Freire Gomes) e da Aeronáutica (brigadeiro Baptista Jr.) teriam recusado.

Essa versão é consistente com as evidências. A Polícia Federal já tem prints do general Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro, ordenando uma campanha de ódio contra Freire Gomes e Baptista Júnior, bem como uma campanha de exaltação de Garnier.


Braga Netto chama Freire Gomes de "cagão" e dá a ordem: "Elogia o Garnier e fode o BJ".

Os militares bolsonaristas organizaram um levante contra o chefe do Exército. Publicaram um documento, "Carta ao comandante do Exército de oficiais superiores da ativa do Exército Brasileiro" (pág. 31), que é: (a) um raríssimo manifesto político de oficiais da ativa, (b) uma exortação ao golpe e (c) uma ameaça a Freire Gomes e aos oficiais legalistas.

O texto não está incluído na decisão de Alexandre de Moraes, mas é possível achá-lo no site "Defesa.net". Após ataques ao STF e à mídia, consta, em negrito: "Covardia, injustiça e fraqueza são os atributos mais abominados para um Soldado".

No site Defesa.net há a informação de que "ao publicarmos essa carta, havia 1.093 assinaturas no documento". Pode ser mentira, obviamente. Os golpistas tinham todo o interesse em inflar os números. Mas todos nós gostaríamos de ver essa lista de assinaturas.

A carta foi lida pelo bolsonarista Paulo Figueiredo na Rádio Jovem Pan (onde mais?) em 29 de dezembro de 2022. Figueiredo também "denunciou" na Jovem Pan (onde mais?) nomes de generais que resistiam ao golpe. A PF tem prints que mostram que os golpistas já sabiam, antes da transmissão, que militares seriam "denunciados" por Figueiredo.


Ainda há muito a descobrir, e no fim o golpe deu errado.

Mesmo assim, é triste que o reflexo dos militare s brasileiros diante de um golpista ainda não seja abrir fogo. Todo militar golpista é um desertor que planeja roubar as armas da República para entregá-las a sua facção política em troca de boquinha. Esse foi o sonho da vida de Jair Bolsonaro. É triste que ele tenha inspirado mais militares brasileiros a buscá-lo.”

Celso Rocha de Barros

Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de "PT, uma História".

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros/2024/02/bolsonaristas-organizaram-levante-contra-chefe-do-exercito.shtml?utm_source=sharenativo&utm_medium=social&utm_campaign=sharenativo 

Fechamento da era golpista no Itamaraty? - Paulo Roberto de Almeida

Fechamento da era golpista no Itamaraty?

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a era bolsolavista no Itamaraty

 

Perguntar não ofende: o patético ex-chanceler acidental Ernesto Araujo já expediu uma nota de solidariedade a seu ex-chefe, hoje preso, Filipe Martins, ex-assessor internacional do golpista Bozo? 

O Robespirralho antiglobalista mandava e desmandava num Itamaraty acuado e submisso. Ernestinho fazia tudo o que o também chamado de Sorocabannon lhe ditava, inclusive soltar notas redigidas num português deplorável, que ofendiam não só valores e princípios tradicionalmente defendidos pela diplomacia profissional do Itamaraty, como também normas elementares do Direito Internacional. 

O período marcado pela dominação direta da política externa brasileira pela dupla de ignorantes em política internacional Filipe Martins e Eduardo Bolsonaro, o Bananinha 02, foi um dos mais tenebrosos na história do Itamaraty, fase lamentável da Casa de Rio Branco, cuja crônica eu tracei de modo sistemático numa série de cinco livros digitais, um último impresso, começando por Miséria da Diplomacia (2019) e por O Itamaraty num Labirinto de Sombras (2020), passando por O Itamaraty Sequestrado (2021) e culminando por Apogeu e Demolição da Política Externa (Appris, 2021). 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4579, 10 fevereiro 2024, 1 p.


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1) - Paulo Roberto de Almeida (Crusoé)

Recém publicado na Crusoé: 

 1546. “Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)”, revista Crusoé (n. 301, 9/02/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/301/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido/). Relação de Originais n. 4509.


Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)

 

Paulo Roberto de Almeida

 

Nove décimos da História foram feitos de muitos sofrimentos para a maioria da humanidade. Desnutrição, inanição, morte precoce, pela fragilidade alimentar, pela intervenção de fatores naturais ou daqueles criados pelas mãos dos homens: invasões, guerras, dominação, escravidão, quando não matanças e apropriação das riquezas de outras tribos. Durante milhares de anos, a escravidão foi um fato corriqueiro na vida dos povos, seja como escravocratas, seja como objetos da servidão forçada, pela dominação, pelas dívidas, pela submissão sob qualquer pretexto. Sobrevieram melhorias na agricultura, a revolução tecnológica mais importante na trajetória das sociedades humanas, antes da segunda, milhares de anos depois: a revolução industrial, no século 18. O crescimento agrícola e a domesticação de espécies vegetais e animais representaram a superação da insegurança alimentar, que sempre pairou sobre todos. 

Historiadores retraçaram o destino das sociedades humanas e a transmissão das novas técnicas e variedades vegetais e animais ao longo do espaço euroasiático do hemisfério setentrional, liberto das barreiras que se interporiam a essa disseminação no eixo Norte-Sul, na faixa tropical. Tais barreiras estão na origem das divergências entre o norte temperado e as latitudes tropicais, uma das razões do lento desenvolvimento, ou da preservação do atraso, no hemisfério meridional (exceto Austrália e Nova Zelândia, situadas na zona temperada, e que se beneficiaram da colonização britânica).

Dez mil de anos se passaram entre a primeira, a agrícola, e a segunda revolução econômica da espécie humana, a industrial. A do século 18, na Europa ocidental, foi a primeira de um ciclo cada vez mais rápido de mudanças nos padrões industriais, criando a grande divergência entre as nações mais ricas e as outras, que permaneceram pobres. No intervalo, a humanidade conheceu progressos econômicos muito lentos, com avanços tecnológicos sendo neutralizados pela armadilha malthusiana, a geométrica expansão das populações exercendo uma pressão constante sobre o aumento aritmético da oferta alimentar. 

(...)

Se pudéssemos resumir as diferenças fundamentais entre as sociedades ibéricas e as sociedades anglo-saxãs, elas seriam estas: tudo o que não fosse expressamente concedido, permitido, alocado, atribuído pelo poder soberano – sob a forma de alvarás régios, mandato ou concessão especial – estava ipso facto proibido à iniciativa privada, devendo portanto aguardar que a atribuição régia ou burocrática se fizesse pelo Estado centralizado; do outro lado, tudo o que não fosse expressamente proibido por alguma legislação emitida legalmente poderia ser objeto da iniciativa individual ou coletiva por parte de particulares, sem a necessidade de um ato concessivo por parte do soberano. As primeiras, obviamente, foram as nações de tradição ibérica, as segundas, as anglo-saxãs. 

A outra diferença é que o povoamento em bases familiares na América do Norte, com famílias camponesas trazendo avanços tecnológicos já adquiridos ex-ante, não tinham correspondência nas colônias de exploração de recursos locais, em bases senhoriais, apoiadas na servidão das populações originais ou na escravatura africana, com reflexos nos modos de organização política e social em cada lado. A colonização anglo-saxã se faz a partir de instituições similares às que existiam nas comunidades de origem, com uma democracia de base simbolizada na eleição local dos xerifes de aldeia e dos juízes de condado, ao passo que no mundo ibero-americano a representação política sempre obedeceu aos ritos do mandonismo dos senhores de terras, secundados por oficiais da metrópole encarregados de um sistema amplamente disseminado de extração de recursos em favor da metrópole colonial. Esta é a base histórica da diferenciação. Veremos a continuidade desse processo no próximo artigo.


Paulo Roberto de Almeida (Brasília, 13 de novembro de 2023)


A seguir.