O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

George Orwell reviews Hitler’s Mein Kampf - Jonathan Crow (Open Culture)

 George Orwell Reviews 

Mein Kampf: “

He Envisages a Horrible 

Brainless Empire” (1940)

https://www.openculture.com/2024/08/george-orwell-reviews-mein-kampf-he-envisages-a-horrible-brainless-empire-1940.html

Christopher Hitchens once wrote that there were three major issues of the twentieth century — imperialism, fascism, and Stalinism — and George Orwell proved to be right about all of them.

Orwell displays his remarkable foresight in a fascinating book review, published in March 1940, of Adolf Hitler’s notorious autobiography Mein Kampf. In the review, the author deftly cuts to the root of Hitler’s toxic charisma, and, along the way, anticipates themes to appear in his future masterpieces, Animal Farm and 1984.

The fact is that there is something deeply appealing about him. […] Hitler … knows that human beings don’t only want comfort, safety, short working-hours, hygiene, birth-control and, in general, common sense; they also, at least intermittently, want struggle and self-sacrifice, not to mention drums, flags and loyalty-parades. However they may be as economic theories, Fascism and Nazism are psychologically far sounder than any hedonistic conception of life.

Yet Orwell was certainly no fan of Hitler. At one point in the review, he imagines what a world where the Third Reich succeeds might look like:

What [Hitler] envisages, a hundred years hence, is a continuous state of 250 million Germans with plenty of “living room” (i.e. stretching to Afghanistan or there- abouts), a horrible brainless empire in which, essentially, nothing ever happens except the training of young men for war and the endless breeding of fresh cannon-fodder.

The article was written at a moment when, as Orwell notes, the upper class was backpedaling hard against their previous support of the Third Reich. In fact, a previous edition of Mein Kampf — published in 1939 in England — had a distinctly favorable view of the Führer.

“The obvious intention of the translator’s preface and notes [was] to tone down the book’s ferocity and present Hitler in as kindly a light as possible. For at that date Hitler was still respectable. He had crushed the German labour movement, and for that the property-owning classes were willing to forgive him almost anything. Then suddenly it turned out that Hitler was not respectable after all.”

By March 1940, everything had changed, and a new edition of Mein Kampf, reflecting changing views of Hitler, was published in England. Britain and France had declared war on Germany after its invasion of Poland but real fighting had yet to start in Western Europe. Within months, France would fall and Britain would teeter on the brink. But, in the early spring of that year, all was pretty quiet. The world was collectively holding its breath. And in this moment of terrifying suspense, Orwell predicts much of the future war.

When one compares his utterances of a year or so ago with those made fifteen years earlier, a thing that strikes one is the rigidity of his mind, the way in which his world-view doesn’t develop. It is the fixed vision of a monomaniac and not likely to be much affected by the temporary manoeuvres of power politics. Probably, in Hitler’s own mind, the Russo-German Pact represents no more than an alteration of timetable. The plan laid down in Mein Kampf was to smash Russia first, with the implied intention of smashing England afterwards. Now, as it has turned out, England has got to be dealt with first, because Russia was the more easily bribed of the two. But Russia’s turn will come when England is out of the picture — that, no doubt, is how Hitler sees it. Whether it will turn out that way is of course a different question.

In June of 1941, Hitler invaded Russia, in one of the greatest strategic blunders in the history of modern warfare. Stalin was completely blindsided by the invasion and news of Hitler’s betrayal reportedly caused Stalin to have a nervous breakdown. Clearly, he didn’t read Mein Kampf as closely as Orwell had.

You can read Orwell’s full book review here.

Related Content:

George Orwell’s Political Views, Explained in His Own Words

T.S. Eliot, as Faber & Faber Editor, Rejects George Orwell’s “Trotskyite” Novel Animal Farm (1944)

Aldous Huxley to George Orwell: My Hellish Vision of the Future is Better Than Yours (1949)

Hear the Very First Adaptation of George Orwell’s 1984 in a Radio Play Starring David Niven (1949)

Jonathan Crow is a writer and filmmaker whose work has appeared in Yahoo!, The Hollywood Reporter, and other publications. You can follow him at @jonccrow

Pedro Rodrigues: soyez le bienvenu

 Vamos começar do começo: depois de meses tentando, inutilmente, recuperar minha primeira e única página no FaceBook — perdida por artes de não sei qual demônio da internet —, decidi entrar sob um nom de plume, ou nome de guerra, um dos vários que usei durante a ditadura e em tempos menos amenos para um contrarianista como eu. Pedro Rodrigues assinou vários artigos contra a ditadura e regimes mentirosos. Vou recuperar toda a produção intelectual assinada por esses personagens de ocasião. Foram úteis, enquanto serviram a certas causas. Um deles ainda está sendo útil no bloqueio desta ferramenta.

Pedro Rodrigues

Brasília, 23/08/2024

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Eleições na ADB: diplomatas ganham direção representativa e combativa - Nota do presidente, Arthur Nogueira

 Recebido no E-ADB: 

Queridas amigas e queridos amigos.

 

As eleições que se encerraram hoje constituíram um passo histórico na nossa organização. Pela primeira vez tivemos duas chapas em verdadeira disputa eleitoral.

 

Também temos tido, nas últimas semanas, assembleias gerais com participação nunca registrada anteriormente: mais de 400 presentes. E nossa eleição contou com votos de 744 diplomatas.

 

Toda essa novidade representa verdadeira revolução no nosso meio, até aqui pacato como uma herdade inglesa. Com essas transformações, o Itamaraty ensaia seus primeiros passos em direção à modernidade e à renovação verdadeira, profunda, para além de uma frase de efeito.

 

As duas chapas tinham mais em comum do parecia à primeira vista. O programa de trabalho era essencialmente o mesmo; o equilíbrio entre novas e antigas gerações era preservado; o comprometimento com os objetivos da ADB e com os justos interesses de seus membros era igual.

 

Ganhou a MRENOVA.

 

Temos confiança nos colegas que liderarão a ADB neste momento crítico de nossa evolução como carreira de diplomatas. Os desafios serão grandes. Basta mencionar a reforma da carreira, que tem um ano para transformar-se em projeto de Lei do Serviço Exterior; a valorização do diplomata e de sua atividade perante a sociedade brasileira; o aprimoramento das condições de trabalho no Brasil e no exterior; a luta contra o assédio e o etarismo e em favor da diversidade de gênero e de raça no Itamaraty; o pleno apoio aos colegas aposentados, entre outros temas, todos eles prioritários, todos eles urgentes.

 

Cumprimentamos a MRENOVA pela vitória que colheram hoje e desejo à nova Diretoria Executiva o máximo sucesso, que, naturalmente, reverterá em benefício de todos os membros.

 

Como candidato à presidência, agradeço meus colegas de chapa, que aceitaram lançar-se nessa aventura comigo, num voto de confiança que nunca poderei agradecer suficientemente:

 

Alexandre de Pádua Ramos Souto, Débora Pereira da Silva, Hayle Melim Gadelha, Luís Ivaldo Villafañe Gomes Santos, Manuel Innocêncio de Lacerda Santos Júnior, Patrícia Maria Oliveira Lima, Rafaela Pinto Guimarães Ventura e Roberto Aldo Salone.

 

A eles, meu muito obrigado pelo apoio, pelos esforços incansáveis, pela dedicação, pelo brilho, pelo encanto pessoal e pelo carinho, que nos tornaram amigos por todos os anos que temos pela frente.

 

Agradeço, igualmente, a Jacqueline e Danielle, da secretaria da ADB, pela colaboração, pela dedicação, pela amizade e pela paciência que tiveram comigo.

 

Duas lições da presidência ficam gravadas:

 

a)    Agora todo mundo sabe onde fica Lusaca;

b)   A Diretoria foi instituída para servir a Assembleia; a Assembleia não foi instituída para servir a Diretoria.

 

Desejo a todos nós, diretoria e membros, muitas felicidades. Mantenhamos a União, o Diálogo e a Participação!

 

Abraço do

 

Arthur


22/08/2024

Carta aos Internacionalistas do Brasil - Francisco Rezek

 CARTA AOS INTERNACIONALISTAS DO BRASIL 2024

FRANCISCO REZEK

Presidente de honra do Congresso Brasileiro de Direito Internacional

Carta aos Internacionalistas do Brasil 2024


Apresentação da

“Carta aos Internacionalistas do Brasil


Prezada Comunidade Acadêmica,

É com grande satisfação que apresento a vocês o excerto que, a partir desta data, foi institucionalizado como parte integrante de nossas reflexões e discussões acadêmicas: a “Carta aos Internacionalistas do Brasil”, escrita pelo eminente Ministro Francisco Rezek. Este importante documento passará a ser publicado em todas as edições do Congresso Brasileiro de Direito Internacional, em formato de separata, e servirá como uma referência para a comunidade jurídica.

A Carta é um testemunho do pensamento do jurista Francisco Rezek sobre os desafios da contemporaneidade no Direito Internacional. Ela sintetiza a essência de suas reflexões e perspectivas, servindo como um chamado à reflexão para todos os pesquisadores e estudiosos dessa disciplina. O Ministro Rezek, com sua vasta experiência e profundo conhecimento, oferece uma análise que nos convida a reconsiderar e questionar as bases e as direções do Direito Internacional no cenário atual.

Convido a todos a se debruçarem sobre este documento, utilizando-o como uma ferramenta de inspiração e crítica em suas investigações e debates.

Atenciosamente,

Wagner Menezes

Presidente do Congresso Brasileiro de Direito Internacional



Carta aos Internacionalistas do Brasil, em 20 de Agosto de 2024


Francisco Rezek


Há pouco mais que cinquenta anos, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, nossos diplomatas inauguravam em Estocolmo o discurso que daria o tom, em 1992, à Conferência do Rio de Janeiro, lembrando a necessária irmandade entre a proteção ambiental e o desenvolvimento, e afirmando ante o concerto das nações que a pior das formas de poluição é a miséria

Será amanhã, em Natal, a abertura do 22º Congresso de nossa Academia, e o tema, desta vez, é o direito internacional ante os objetivos do desenvolvimento sustentável.

Sob pena de que a História nos venha a julgar por condescendência, e pelo abandono da causa da humanidade a que juramos não faltar quando de nossa formatura, temos algo a reconhecer e proclamar agora. Nada existe de mais insustentável, sob todas as óticas, que a catástrofe que se abate faz quase um ano sobre a Palestina ___ por obra e graça do Ocidente, cuja lenda civilizatória e cujo teatro humanitário desmoronam com as edificações de Gaza e da Cisjordânia ocupada, em meio ao sangue e às lágrimas de toda uma raça, de uma nação cuja identidade foi roubada, de uma cultura que florescia altiva até a primeira metade do século XX.

Uma rosa, no drama de Shakespeare, não perderia seu perfume se fosse chamada por outro nome. Um muro, segundo a Corte da Haia, não é menos muro se seus construtores lhe dão o codinome de barreira defensiva. Um genocídio, nos exatos moldes da tipologia da Convenção de 1948, não se redime pela indulgência de uma imprensa que não se envergonha de mostrar as imagens da destruição e do massacre, edulcorando sua linguagem ao gosto de seus mandantes, e dando àquilo o nome de guerra ___ uma guerra em que um dos exércitos mais armados e violentos do planeta investe contra a população civil, e contra escolas, hospitais, instalações humanitárias, jornalistas e agentes das Nações Unidas, a pretexto de eliminar terroristas. Quem contra isso se insurge, ainda que com o simples uso da palavra, é cúmplice do terrorismo: foi essa a imputação feita à pátria de Nelson Mandela, e a todos os que tentam de algum modo salvar a decência coletiva.

Atribui-se a Josef Stalin a ideia cínica de que algumas dezenas de mortes são uma tragédia, ao passo que algumas dezenas de milhares de mortes são apenas uma estatística. Assim devem enxergar o cenário os seus principais financiadores e patronos: como uma estatística, a perder-se, a diluir-se na história de outras tantas, aquelas do próprio Stalin, as de Leopoldo II da Bélgica, as de Adolf Hitler. Esses, de todo modo, não agiram com tanta arrogância e estardalhaço, nem tiveram cúmplices de tão variadas bandeiras fora do círculo fechado das respectivas claques.

A Corte das Nações Unidas, as agências especializadas da Organização, o Secretário-Geral, todos são alvos do mesmo descaso, da mesma humilhação e dos mesmos insultos, sem ouvir-se uma palavra de solidariedade dos países comprometidos, pela Carta, a prestigiar a organização e cooperar com ela. 

Como foi possível chegarmos a esse ponto, a essa perda total de nossa sensibilidade, de nossa humanidade, de nossos escrúpulos? A banalidade do mal, disse Hannah Arendt, é a mediocridade do não pensar, e não exatamente o desejo demoníaco ou a premeditação do mal. É imperativo que a sociedade internacional volte à razão, volte a aprender com o passado, recupere a autocrítica, abandone a indolência e o não pensar que ameaçam levá-la de volta a um estágio primitivo, devolva a autoridade perdida das Nações Unidas.

Presenciamos, neste momento, bem mais que uma crise de identidade e de autoridade da organização responsável pela paz e pela segurança coletivas. É o eclipse do próprio direito internacional, cuja virtude nos fascinou a todos, há alguns anos, no caso dos mais jovens, há tantas décadas, no caso dos que se aproximam do fim. Sua sustentabilidade ética foi posta em risco. A Organização das Nações Unidas – mais uma vez na linguagem da diplomacia do Brasil – foi fundada para prevenir a violência, o confronto, o derramamento de sangue humano; não para administrar as ruínas das guerras que ela não consegue evitar

Não sei se as gerações próximas da minha conseguirão viver o novo tempo com que sonhamos todos. Mas os operadores mais jovens do direito internacional por certo chegarão lá. E ainda que só por esta, se não houvesse tantas outras razões, faz sentido que encarem o futuro com justificada esperança.


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Meu comentário ao ex-ministro Francisco Rezek: 


Caro chanceler, e digníssimo ministro do STF e ministro da CIJ,

Compartilho inteiramente de seu horror e indignação em face da situação na Faixa de Gaza e na Palestina em geral, constatada a impotência da ONU e de outras instâncias internacionais quanto à tragédia que se desenrola abertamente aos ohos do mundo.
Acredito que nossa indignação deveria inclusive recuar não só a 2022, em face da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia,  mas também a 2014, quando o próprio governo brasileiro ficou completamente indiferente em face da ocupação ilegal da península da Crimeia.
O fato é que nossos horrores, nossos próprios e das autoridades, têm sido seletivos aos problemas que nos tocam mais de perto.
A tragédia do povo palestino é certamente inédita como massacre deliberado de toda uma população, embora já tenhamos visto esse tipo de atrocidade em casos não semelhantes, mas talvez similares, na África e em outros lugares também. Agora na Europa também.
A humanidade, e dentro dela certos governos, entre os quais eu colocaria o de Netanyahu e o de Putin, desceram muito baixo na escala da desumanidade. Não sei se conseguiremos reverter esses horrores sem o uso da força em reação.
Mas fico grato por ler sua mensagem lancinante e de uma pertinência impar quanto ao problema crucial de nossa época: o Direito Internacional já não recolhe o mesmo respeito que antigamente, se é que alguma vez recolheu.
O abraço do

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Paulo R. de Almeida

O Estado, sempre arrogante, zomba dos cidadãos ao esconder horrendo patrimonialismo - Malu Gaspar (O Globo)

A aristocracia do serviço público, nos três poderes e nas suas agências, continua a tripudiar com odinheiro extorquido da cidadania. PRA

Transparência nos olhos dos outros

Malu Gaspar

O Globo (22/08/2024)

Fazia tempo que não se falava tanto de transparência em Brasília como nos últimos dias, durante a queda de braço em torno das emendas Pix, que por pouco não desandou em conflito aberto entre Congresso, Supremo Tribunal Federal (STF) e Executivo.

Para quem ainda não se familiarizou com o tema, trata-se de uma fatia de pouco mais de R$ 8 bilhões do Orçamento que os parlamentares enviam direto para as contas de estados e municípios de forma automática, sem ter de dizer como o dinheiro é gasto nem antes nem depois de sua aplicação.

Na decisão que suspendeu a liberação dos recursos, o ministro do Supremo Flávio Dino foi claríssimo ao dizer que as emendas Pix ferem a Constituição por não obedecerem a critérios de eficiência, transparência e rastreabilidade.

Lógico que, na origem dessa discussão, está o Executivo tentando retomar o controle do Orçamento, de que o Parlamento capturou um naco na gestão Jair Bolsonaro. Ainda assim, em meio à troca de farpas entre os Poderes, o único princípio que ninguém contestou foi a transparência.

De Arthur Lira (PP-AL) a Rodrigo Pacheco (PSD-MG), passando pelos ministros do STF e pelos de Lula, todos se disseram favoráveis a critérios que obriguem os parlamentares a dizer com que e por que o dinheiro será aplicado e a prestar contas depois que ele for gasto.

Foi este o consenso que se produziu na terça-feira, depois de dias de ameaças e indiretas nos bastidores: em dez dias, o Congresso deverá apresentar uma proposta de regulamentação das emendas. Uma ideia é que o dinheiro seja enviado prioritariamente para obras inacabadas.

Parece um final feliz, mas, antes de comemorar, é preciso ver se nos próximos dias não surgirá nenhum duplo twist carpado mudando o rumo da conversa. As emendas Pix já são elas mesmas uma gambiarra para contornar o cerco ao orçamento secreto, e o próprio Flávio Dino afirma em sua decisão que o Poder Executivo tinha o “poder-dever” de barrar o envio de recursos que não seguissem critérios técnicos, o que não aconteceu. Esse é só um exemplo de que é fácil exigir transparência do vizinho, difícil é aplicar no próprio quintal.

O mesmo Supremo que exige (corretamente) do Congresso que exponha ao público como usou as emendas frequentemente se recusa a informar ao público quem paga as viagens de seus ministros para eventos de empresas no exterior e costuma não responder se eles recebem cachê para realizar suas palestras. As agendas dos ministros, que em tese deveriam ser públicas, também nem sempre estão disponíveis no site da instituição.

O presidente Lula se elegeu pregando contra o sigilo de cem anos imposto por Bolsonaro a documentos públicos, mas só no primeiro ano de mandato seu governo negou 1.339 pedidos de informação, praticamente o mesmo número do último ano de Bolsonaro no Planalto.

O levantamento a esse respeito feito em maio mostrou que, no balaio do sigilo secular, estão dados tão diversos como a agenda da primeira-dama Janja, o documento sobre possíveis conflitos de interesse do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e a lista de autoridades que usam os aviões da FAB para seus deslocamentos.

Nesse ponto, o governo contou com a boa vontade do Tribunal de Contas da União (TCU), que autorizou segredo “eterno” para os deslocamentos do presidente da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e ainda dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do procurador-geral da República. O motivo: razões de segurança, mesmo argumento tantas vezes usado por Bolsonaro.

Em termos de transparência, o TCU produziu uma pérola: desde o ano passado, tirou do ar as sessões de julgamento que transmite ao vivo pelo YouTube. Quem quiser conferir o que foi falado numa sessão específica precisa pedir o vídeo via Lei de Acesso à Informação e aguardar até 60 dias.

Questionados por um cidadão inconformado, os ministros decidiram por unanimidade que não são obrigados a deixar o material na rede para todo mundo ver.

Olhando em perspectiva, nem parece que faz tão pouco tempo os órgãos de imprensa tiveram de montar um consórcio para garimpar na marra os dados sobre a quantidade de brasileiros mortos por Covid-19, em resposta a um governo negacionista e antitransparência por princípio.

Felizmente, não é preciso mais brigar por esse tipo de informação. Mas o caso das emendas Pix mostra que ainda falta muito para que se possa dizer que a transparência se tornou um valor universal e incontestável no Brasil. Pelo contrário. Em Brasília, transparência só é um refresco nos olhos dos outros.

A dependência brasileira dos mercados chineses como prenúncio de totalitarismo, na visão da direita burra

 O chanceler acidental da primeira fase do bolsonarismo diplomático se exclama contra s dependência do agronegócio brasileiro das compras chinesas, achando que isso vai levar a nossa política a ser totalmente dominada pelo PCC:

“ A progressiva destruição da democracia no Brasil e a consolidação de uma oligarquia corrupta e autoritária vieram acompanhadas, não por coincidência, pela crescente dependência comercial e econômica brasileira frente à China. A associação preferencial a uma potência totalitária reforça o desenvolvimento de um modelo totalitário no Brasil. O Brasil não voltará a ser um país livre e decente enquanto não for desmantelada a imensa máquina de influência e controle que o Partido Comunista Chinês exerce no Brasil principalmente através de políticos corruptos brasileiros. O excelente e oportuno texto do Instituto Democracia e Liberdade mostra claramente o problema da dependência do agro brasileiro frente à China e a necessidade de desconstruí-la.”

Ernesto Araujo

A Perigosa Dependência do Agronegócio Brasileiro em Relação à China Comunista

https://t.co/nQKj8c6O8j 


quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Rubem Valentim: artista afro-brasileiro - Semana do Patrimônio Histórico e Artístico no Itamaraty

Semana do Patrimônio Histórico e Artístico no Itamaraty

Rubem Valentim


(Salvador/BA, 1922 – São Paulo/SP, 1991) 

 

Escultor, pintor e gravador. Nasceu em 1922 em Salvador, numa família de poucos recursos, e foi o primeiro de 6 filhos. Cresceu tendo contato íntimo com a religiosidade sincrética afro-brasileira: sua família era católica, e Rubem Valentim fez primeira comunhão, e também frequentava terreiros de candomblé. Com o pai, participava de cerimônias em diversos terreiros de candomblé, tanto da tradição nagô-jeje quanto candomblés de caboclo: o de Tia Maci, no Engenho Velho, o de Mãe Menininha, no Gantois, o de Júlio Branco, no Bate-Folha, e o da Sabina. O artista relatou seu duplo deslumbramento e seu envolvimento estético tanto com o rito afro-brasileiro quanto com a imaginária católica das igrejas, das quais ele se lembrava especialmente dos santos barrocos. 

Suas primeira experiências artísticas se deram ainda na infância, quando ele fabricava balões e pipas, algumas das quais vendia para obter dinheiro. Também auxiliava a mãe na preparação de presépios de natal e de altares de Santo Antônio, São Cosme e Damião e do Senhor do Bonfim. Foi nessa época que começou a praticar a pintura, compondo os fundos dos presépios. Com um pintor chamado Artur "Come Só", amigo da família que fazia periodicamente a decoração da casa, aprendeu técnicas de pintura e produziu sua primeira têmpera: cola de marceneiro, água de cola e pigmento xadrez. Começou a pintar em papel, de forma mais espontânea, e só tomou contato com uma instrução artística mais formal e acadêmica durante o ginásio, quando começou a frequentar a Escola de Belas Artes. 

Vendeu agulhas e óleo de costura, trabalhou em um cartório e prestou serviço militar durante a II Guerra Mundial, estudando na escola militar. Tomou contato com ideias do marxismo e travou amizade com diversos integrantes do Partido Comunista. Pensando em conciliar a produção artística, à qual começou a se dedicar ainda de forma amadora, com outra profissão, Estudou Odontologia entre 1940 e 1944 (período em que trabalhou na Ordem dos Advogados organizando a biblioteca) e exerceu a profissão por dois anos, com o intuito de subvencionar sua pintura. Chegou a participar de um consultório odontológico, mas optou por abandonar a profissão para se dedicar à arte, mesmo com o desapontamento da família. 

Em 1948, aproximou-se de um grupo de artistas agrupados em torno da revista Caderno da Bahia, incluindo Mário Cravo Jr., Carlos Bastos, Raymundo de Oliveira, Jenner Augusto e Lygia Sampaio, além dos escritores Wilson Rocha, Cláudio Tavares e Vasconcelos Maia. Juntos, deram início a um movimento de renovação modernista nas artes plásticas na Bahia. Foi também nesse ano que teve seu primeiro contato importante com a arte moderna, por ocasião de uma exposição na Biblioteca Pública de Salvador. Passou a praticar a pintura, elaborando composições próprias e realizando cópias de obras europeias - o artista ressaltou como as cópias de Cézanne o ajudaram a compor. 

Matriculou-se em 1949 um curso de Jornalismo na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Federal da Bahia. Não visava a seguir carreira jornalística, mas procurava uma formação humanista mais abrangente. Formou-se em 1953. Começou a realizar experimentações com o abstracionismo, no que foi criticado por alguns amigos ligados ao Partido Comunista na Bahia, que afirmavam que o abstracionismo seria um estilo "burguês" e "decadente". O artista contou ter passado ao abstracionismo a partir de exercícios de desenho sobre veios da madeira. Em 1949, participou de sua primeira exposição no I Salão Baiano de Belas Artes, inclusive com uma tela abstracionista que foi selecionada por um membro do júri. Chegou a destruir completamente o ateliê em 1951, mas logo voltou a pintar. 

Juntamente com os demais artistas do grupo em torno do Caderno da Bahia, começou a questionar a tradição brasileira de copiar os modelos e estilos europeus, e então passou a extrair da cultura popular e do candomblé um fundamento para uma linguagem artística nacional. Começou a incorporar os signos do candomblé em sua pintura por volta de 1953/1954. Seu primeiro prêmio foi obtido no VII Salão Baiano de Belas Artes. A transferência para o Rio de Janeiro, em 1957, consolidou o amadurecimento de sua obra. Sua obra abstrata e geométrica e seus escritos sobre arte no jornal não tinham muita aceitação na Bahia, sendo condenados pelos marxistas baianos. Porém, foi bem recebida no Rio de Janeiro, pelo crítico marxista Mário Pedrosa e por outros. 

Casou-se em 1961 com Lúcia Alencastro, artista plástica pioneira em arte-ecudação e fundadora da Escolinha de Arte do Brasil. Em 1962, recebeu dois importantes prêmios: o prêmio de Melhor Exposição do Ano da Associação Brasileira de Críticos de Arte, e o prêmio de Viagem ao Exterior do XI Salão de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Viajou à Europa no ano seguinte e, antes de se fixar em Roma, viveu em Bristol (Inglaterra) acompanhando a mulher, bolsista da Bath Academy of Art de Londres. Viajou ainda pela França, Holanda, Bélgica, Alemanha, Áustria, Espanha e Portugal antes de se fixar em Roma, onde participou das bienais de Veneza entre 1964 e 1966. Em visitas aos museus europeus, interessou-se especialmente pela arte africana, e participou em 1966 do I Festival Mundial de Arte Negra de Dacar (Senegal). 

Retornou ao Brasil em 1966 e fixou-se em 1967 Brasília, aceitando o convite do Instituto Central de Artes da Universidade de Brasília para lecionar pintura. Não se adaptando à burocracia da função docente, desligou-se da Universidade mas permaneceu na cidade, onde sua arte sofreu um grande desenvolvimento que levou à elaboração de suas esculturas. Sua carreira ganhou grande projeção nacional e internacional. Em 1972, realizou sua primeira obra pública, um mural de mármore no edifício-sede da Novacap, em Brasília. 

Em 1977, criou o Centro Cultural Rubem Valentim em Brasília. O objetivo da instituição era constituir um espaço para a produção, a divulgação, a exposição e a discussão de uma visualidade brasileira nas artes plásticas. O própri artista afirmou: "o Centro Cultural dará enfase às manifestações artísticas e culturais ligadas às nossas tradições, encaradas dinamicamente. Será um centro de cultura resistente, aglutinador dos fluxos e influxos vindos de todo o Brasil. Debateremos a arte brasileira sem dogmatismos ou sectarismos, mas vamos ver se é viável uma teoria da arte brasileira." Contudo, problemas burocráticos dificultaram a realização desse projeto. Em 1982, sentindo-se distante dos grandes centros culturais do Brasil e desiludido com as dificuldades relativas ao seu centro cultural, passou a dividir residência entre a capital federal e São Paulo. Continuou produzindo até sua morte, ocorrida em São Paulo em 1991.

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MANIFESTO AINDA QUE TARDIO


Depoimentos redundantes, oportunos e necessários.
Pensamentos do artista expressos ao longo de sua vida de trabalho, em entrevistas, depoimentos, textos e falas.

LIBERTAS QUAE SERA TAMEM


- Minha linguagem plástico-visual-signográfica está ligada aos valores míticos profundos de uma cultura afro-brasileira (mestiça-animista-fetichista). Com o peso da Bahia sobre mim - a cultura vivenciada; com o sangue negro nas veias - o atavismo; com os olhos abertos para o que se faz no mundo - a contemporaneidade; criando seus signos-símbolos procuro transformar em linguagem visual o mundo encantado, mágico, provavelmente místico que flui continuamente dentro de mim. O substrato vem da terra, sendo eu tão ligado ao complexo cultural da Bahia: cidade produto de uma grande síntese coletiva que se traduz na fusão de elementos étnicos e culturais de origem européia, africana e ameríndia. Partindo desses dados pessoais e regionais, busco uma linguagem poética, contemporânea, universal, para expressar-me plasticamente. Um caminho voltado para a realidade cultural profunda do Brasil - para suas raízes - mas sem desconhecer ou ignorar tudo o que se faz no mundo, sendo isso por certo impossível com os meios de comunicação de que dispomos, é o caminho, a difícil via para a criação de uma autêntica linguagem brasileira de arte. Linguagem plástico-sensorial: O Sentir Brasileiro.

- Uma linguagem universal, mas de caráter brasileiro com elementos de diferenciação das várias, complexas e criadoras tendências artísticas estrangeiras. Favorável ao intercâmbio cultural intensivo entre todos os povos e nações do mundo; consciente de que as influências são inevitáveis, necessárias, benéficas quando elas são vivas, criadoras, sou entretanto contra o colonialismo cultural sistemático e o servilismo ou subserviência incondicional aos padrões ou moldes vindos de fora.

- A arte é um produto poético cuja existência desafia o tempo e por isso liberta o homem. Isso me afeta de uma maneira total porque sou um indivíduo tremendamente inquieto e substancialmente emotivo. Talvez precisamente por isso busco, ávido, na linguagem plástica visual que uso, uma ordem sensível, contida, estruturada. A geometria é um meio. Procuro a claridade, a luz da luz. A arte é tanto uma arma poética para lutar contra a violência como um exercício de liberdade contra as forças repressivas: o verdadeiro criador é um ser que vive dialeticamente entre a repressão e a liberdade.

- O tempo é a minha grande preocupação - uma das minhas angústias é ver chegar o tempo final sem poder realizar tudo o que imaginei. Se nasce em conflito com o mundo e ou o enfrentamos e o deglutimos ou perecemos. Creio que os artistas Sensitivos, obviamente resultam disso e da maneira específica como reagem, criam essa coisa que se convencionou chamar arte - ou como querem atualmente, antiarte, resulta o mesmo - e desafiam o tempo, este sua maior preocupação, já que vê fluir, ir-se embora, aproximar-se a morte. Sentindo na carne uma triste solidão, fiz do fazer minha salvação. Artista liberto, libertador, faço meus exercícios plástico-visuais, lutando com todas as minhas forças para ser mais humano, mais tolerante neste época de insólita violência.

- Tudo que foi dito acima é o meu pensamento há cerca de 20 anos. Hoje vejo com satisfação que artistas criadores maduros e jovens inquietos voltam-se, buscam, tomam consciência mais profunda da cultura de base, das raízes culturais da Nação Brasileira. Esse mundo mítico e místico, poético, às vezes ingênuo, puro e profundo porque entranhado nas origens do ser brasileiro. Transpor criando, no plano da linguagem e dar o salto para o universal, para a contemporaneidade de toda essa Poética, sem se recorrer a intelectualismo estéreis, é que é o X do Problema.

- A iconologia afro-ameríndia-nordestina-brasileira está viva. É uma imensa fonte - tão grande quanto o Brasil - e devemos nela beber com lucidez e grande amor. Porque os perigos existem: como o modismo; as atitudes inconsequentes, inautênticas; os diluidores com mais ou menos talento, mais ou menos honestidade, pouca ou muita habilidade, sendo que os mais habilidosos e vazios são os mais danosos porque são geradores de equívocos; as violentações caricatas do folclore e do genuíno; as famigeradas "estilizações" provincianas e o fácil pitoresco que levam a um sub-kitsch tropicalizado e ao enfeitismo subdesenvolvido.

- Atualmente a minha arte busca o Espaço: a rua, a estrada, a Praça - os conjuntos arquitetônico-urbanísticos. Ainda sou pela síntese das artes: caminho para a humanização das comunidades. Integração arte-ecologia-urbano-arquitetural. Como poderei realizar isso? Deixo a pergunta, cuja resposta poderá ficar somente em protótipos.

- Intuindo meu caminho entre o popular e o erudito, a fonte e o refinamento - e depois de haver feito algumas composições, já bastante disciplinadas, com ex-votos -, passei a ver nos instrumentos simbólicos, nas ferramentas do candomblé, nos abebês, nos paxorôs, nos oxês, um tipo de "fala", uma poética visual brasileira capaz de configurar e sintetizar adequadamente todo o núcleo de meu interesse como artista. O que eu queria e continuo querendo é estabelecer um design (RISCADURA BRASILEIRA), uma estrutura apta a revelar a nossa realidade - a minha, pelo menos - em termos de ordem sensível. Isso se tornou claro por volta de 1955-56, quando pintei os primeiros trabalhos da sequência que até hoje, com todos os novos segmentos, continua se desdobrando.

- Não pertencendo ou me filiando a nenhum dos movimentos ou correntes artísticas das muitas que surgiram e surgem no estrangeiro e aqui chegavam e chegam e são mais ou menos diluídas - tenho a impressão de que criei uma estrutura totêmica, um ritmo, uma simetria, uma emblemática, uma heráldica, um hieratismo, uma SEMIÓTICA/SEMIOLOGIA NÃO VERBAL, VISÍVEL. Isso tudo partindo das formas vivas da "fala" não verbal do nosso povo, de uima poética visual brasileira, da iconologia afro-ameríndia-nordestina. Enquanto muitos dos nossos artistas criadores se voltavam para os Ismos internacionais, cosmopolitas, eu defendia (nem sempre compreendido ou ouvido) uma tomada de consciência cultural da Nação Brasileira, do Povo Brasileiro. Eu defendia e falava sobre a Cultura do Nordeste, sobre a Cultura do Índio, a Cultura Negra (e mulata, mestiça e cabocla), eu defendia o barroco como um produto da nossa criatividade mulata, eu defendia um sentir brasileiro manifestado nas carrancas do Rio São Francisco, nos ex-votos, na cerâmica popular, nos signos litúrgicos dos rituais afro-brasileiros, na xilogravura de cordel, nos humildes e inventivos brinquedos populares. Achava e continuo achando que o Brasil tem de fazer uma arte mestiça como a do Aleijadinho, como a dos santeiros e ferreiros da Bahia. Reconheço que sou um obcecado por uma cultura genuinamente brasileira, apesar da famigerada aldeia Global. Eu não nasci na Europa (óbvio), não tive educação europeia. Não sou punhos de renda, não nasci para ser diplomata. Não sou bem nascido, pelo contrário, sou homem áspero, agressivo, sou um homem desesperado que procura a Divindade, o Ser dos Seres. Assim, o que eu tinha para me apegar era o Brasil.

- Minha arte tem um sentido monumental intrínseco. Vem do rito, da festa. Busca as raízes e poderia reecontrá-las no espaço, como uma espécie de ressocialização da arte, pertencendo ao povo. É a mesma monumentalidade dos totens, ponto de referência de toda a tribo. Meus relevos e objetos pedem fundamentalmente o espaço. Gostaria de integrá-los em espaços urbanísticos, arquitetônicos, paisagísticos.

Meu pensamento sempre foi resultado da uma consciência de terra, de povo. Eu venho pregando há muitos anos contra o colonialismo cultural, contra a aceitação passiva, sem nenhuma análise crítica, das fórmulas que nos vêm dos exterior - em revistas, bienais etc. E a favor de um caminho voltado para as profundezas do ser brasileiro, suas raízes, seu sentir. A arte não é um apanágio de nenhum povo, é um produto biológico vital.

Eu acho que a nação brasileira continua, por isso trato sempre em termos de povo brasileiro. Estou consciente de que os sistemas políticos passam, os problemas econômicos são substituídos por outros, a dialética da existência é um fato. Portanto, essas coisas são efêmeras se nós as encaramos em termos de perenidade de povo, de continuidade de Nação, de continuidade histórica, no tempo e no espaço. Como dizia Rui Barbosa (a citação não é literal), um povo pode ser dominado economicamente, o seu território pode até ser ocupado e conquistado pelas armas. Mas o que ele não pode fazer é entregar a sua alma, seu sentir, sua poética, sua razão de ser. Se isto acontecer, ele deixará de existir historicamente como Nação, como povo. Assim eu acho que no Brasil, hoje, temos de defender nossa alma. É o que faço, transpondo todo este sentir, esta poética, para uma linguagem contemporânea, evitando cair nas coisas caricatas, nos "tropicalismos", no nefando kitsch, como tantos outros artistas brasileiros.

- Concluindo, gostaria de citar um trecho escrito pelo crítico Mário Pedrosa para o catálogo da minha exposição individual na Galeria Bonino, realizada em julho de 1967, no Rio: "Há algo de antropofágico na sua arte no sentido oswaldiano - ser produto de deglutições culturais. Ao transmudar fetiches em imagens e signos litúrgicos em signos abstratos plásticos, Valentim os desenraíza de seu terreiro e, carregando-os de mais a mais de uma semântica própria, os leva ao campo da representação por assim dizer emblemática, ou numa heráldica, como disse o professor Giulio Carlo Argan. Nessa representação, os signos ganham em universalidade significativa o que perdem em carga original mágico-mítica. O artista projeta mesmo, abandonando também a fatalidade da tela, organiza seus signos no espaço, talhados como emblemas, brasões, broquéis, estandartes, barandões de ma insólita procissão, procissão talvez de um misticismo religioso sem igreja, sem dogmas, a não ser a eterna crenças das raças e povos oprimidos no advento do milênio, na fraternidade das raças, na ascensão do homem".


Rubem Valentim  
Bahia, Rio, São Paulo e Brasília 
Janeiro 1976

In: FONTELES, Bené; BARJA, Wagner, Rubem Valentim: artista da luz. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2001, p. 27-31 (catálogo de exposição).

 

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia: resumo dos resultados

 Como diriam os hermanos, se le pasó todo al revés…

A RECAP on Putin's invasion of #Ukraine. 

1: Finland joined #NATO.

2: Sweden joined NATO.

3: Outdated Russian military tactics exposed as unchanged since WW2.

4: Russian military exposed as poorly equipped & disastrously led.

5: Russian army decimated with losses & casualties reported between 500,000 to 700,000. It now largely depends on poorly trained conscripts & volunteers.

6: Putin's endless red lines exposed as written in washable paint.

7: Medvedev's daily nuclear threats exposed as the drunken ramblings of a man-child.

8: Russia's Black Sea fleet driven from occupied #Crimea. Now barely operates in the Black Sea due to Ukrainian attacks. Ukraine's also sunk its flag ship the Moskva (Moscow).

9: Ukraine's grain & other sea exports keep growing. Russia aimed to capture all of Ukraine's Black Sea ports back in Feb 2022. 

10: Proving Putin wrong, Western countries support for Ukraine remains steadfast.

11: Massive sanctions imposed on Russia and they keep coming. Sanctions include banning Putin's vast propaganda media from the EU. 

12: Putin's planned 3 day invasion of Ukraine has now lasted well over 2 years and counting.

13: Russia hasn't achieved any of its military objectives. It still doesn't control all of eastern or southern Ukraine. 

14: Things are going so bad, Russia banned its soldiers from using mobile phones in occupied Ukraine - as too much bad news getting seen in Russia.

15: August 6th 2024: Ukraine invaded Russia's Kursk region - in BROAD DAYLIGHT. With the majority of Russia's army in Ukraine, Russia foolishly relied on young conscript soldiers to defend its border. 

As a consequence, large numbers of Russian soldiers have surrendered & Ukrainian troops continue to capture large swaths of the Kursk region. 

16: Putin claimed 😉 he invaded Ukraine to make Russia safer. And he's achieved the exact opposite. 

17: DID I MENTION UKRAINE'S INVADED RUSSIA? 😀

Venezuela: Luzes e Sombras - Ricardo Seitenfus

 Luzes e sombras

Ricardo Seitenfus

(Recebido: 19/08/2924)

Na atual tragicomédia venezuelana sobressaem-se dois atores. O primeiro, Nicolás Maduro Moros, iluminado sob as luzes da ribalta, brilha intensamente. O segundo, o governo cubano, sabe que seu futuro depende do desenlace da crise, escolheu as sombras dos bastidores e o silencio como tática de guerra.

Embora fraudadas, Maduro sofre derrota eleitoral acachapante cujos resultados incontestes foram tornados públicos pela sociedade civil organizada. Inclusive governos, como o brasileiro, que não reconhecem publicamente os resultados, estão cientes de que a oposição venceu.

Para Maduro a equação é simples. Para conservar o poder ele poupa o seu Conselho Eleitoral e ataca seus adversários. Tanto os internos quantos os externos. Se trata de uma típica manobra diversionista para desviar, com efeitos de cena secundários, a atenção sobre o principal. Até o momento esse espichar da corda deu excelentes resultados e já aparecem vozes preconizando que ninguém deve se intrometer no domínio reservado venezuelano.

O Brasil busca uma saída para a enrascada em que se meteu. Entre idas e vindas caóticas e dos erros de uma falida estratégia, Lula declarou, em 20 de julho passado, que não cabe interferência externa no processo eleitoral de outros países. Apesar de fiador dos Acordos de Barbados, Lula abre uma fresta para o Brasil tentar escapulir do imbróglio.

Contrastando com uma crise exposta em praça pública, com uma esquerda dividida entre democratas e golpistas, e um Maduro malandro e, segundo um ditado gaúcho, mais liso que muçum ensaboado, escondido nos recônditos mais sombrios do cenário deste drama kafkiano, está o ator cubano.

Maduro se beneficia da proteção brasileira e cubana. A nossa decorre de fronteiras comuns, da migração venezuelana e de interesses econômicos. Outra é a natureza do interesse cubano.

A lenta agonia de Hugo Chávez, escondida de todos pelos médicos cubanos, demonstrou aos olhos do mundo a profundidade dos laços entre os dois regimes.

Ao escolher Maduro em 2013 para substituir Chávez, Cuba reforça sua presença na estrutura do Estado bolivariano. Do apoio de Maduro depende a sobrevivência da própria revolução castrista que enviou a Venezuela aproximadamente 30.000 colaboradores. Serviços de inteligência, policial e de segurança, de informática, programas sociais, cooperação militar, fornecimento de petróleo e concessão de empréstimos e a fundo perdido.

Portanto, os que se esforçam em salvar Maduro estão, por ricochete, fornecendo oxigênio e sobrevida a revolução cubana. Sob a bota do casal Ortega-Murillo, não é outro o significado da advertência nicaraguense quando ousa expulsar o embaixador brasileiro de Manágua. Nenhuma mediação será bem-vinda caso resulte na queda de Maduro.

O atual governo brasileiro é resultado de uma frente republicana formada para impedir a recondução de um desqualificado. Os setores que permitiram a vitória de Lula são sensíveis ao respeito das regras democráticas. O que, comprovadamente, não ocorre na Venezuela. Produto da malandragem de alguns, da incompetência de outros e da prepotência de muitos, não há margem de erro. Lula e seu todo-poderoso assessor internacional estão frente ao dilema da quadratura do círculo. Quem viver, verá.

                  

  Ricardo Seitenfus, Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Genebra, autor de vários livros, foi Vice-Presidente da Comissão Jurídica Interamericana, representante da OEA no Haiti (2009-2011) e na Nicarágua (2011-2013).