terça-feira, 26 de novembro de 2024

Relatório da Polícia Federal que indicia Bolsonaro e mais 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado - Polícia Federal

 O relatório quase completo da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe Tabajara de Bolsonaro e bolsomínions aloprados, liberado pela PF para a PGR e revelado pelo STF.

O relatório investiga a tentativa de golpe de Estado envolvendo Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas, revelando um plano que incluía explosivos e táticas militares. Convidamos vocês a lerem o documento completo para entender melhor os detalhes e as implicações dessa investigação.​

Para quem não o recebeu gentilmente da PF, pode buscar aqui:
https://www.academia.edu/125870776/Relat%C3%B3rio_da_Pol%C3%ADcia_Federal_sobre_a_tentativa_de_golpe_de_Estado_de_Bolsonaroe_outras_34_pessoas

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

MJSP – POLÍCIA FEDERAL

DIRETORIA DE INTELIGÊNCIA POLICIAL

COORDENAÇÃO-GERAL DE CONTRAINTELIGÊNCIA

COORDENAÇÃO DE INVESTIGAÇÕES E OPERAÇÕES DE CONTRAINTELIGÊNCIA


RELATÓRIO N° 4546344/2024

2023.0050897-CGCINT/DIP/PF

Registro Especial: 2023.0050897-CGCINT/DIP/PF (INQUÉRITO POLICIAL nº

2021.0044972)

Processo Judicial nº: Pet. 12.100/DF - INQ nº 4.874-DF

Data da instauração: 26/06/2023

Data do término da investigação: 21/11/2024

Tipos penais: art. 2º da Lei 12.850/2023 e arts. 359-L, 359-M do Código Penal


Sumário


1. DA CONTEXTUALIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO .. 5


2. DAS MEDIDAS PARA DESACREDITAR O PROCESSO ELEITORAL ... 21

2.1. DAS AÇÕES DO ENTÃO DIRETOR DA ABIN, ALEXANDRE RAMAGEM, DO MINISTRO DO GSI AUGUSTO HELENO E SERVIDORES DA ABIN NO PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO DE MEDIDAS PARA DESACREDITAR O PROCESSO ELEITORAL BRASILEIRO. .. 25

2.2. DO PLANEJAMENTO DE EVASÃO E FUGA DE MAURO CID E DO ENTÃO PRESIDENTE DA REPÚBLICA JAIR BOLSONARO ... 71

2.3. DA REUNIÃO MINISTERIAL REALIZADA EM 05 DE JULHO DE 2022 ... 79

2.4. DA DISSEMINAÇÃO DE NOTÍCIAS FALSAS POR INTEGRANTES DAS FORÇAS ARMADAS EM ASSOCIAÇÃO COM OUTROS MEMBROS DO GRUPO PARA DESACREDITAR O PROCESSO ELEITORAL .. 96

2.5. DA DISSEMINAÇÃO DE CONTEÚDO FALSO POR FERNANDO CERIMEDO E OUTROS INVESTIGADOS ..113

2.6. DO RELATÓRIO TÉCNICO DAS FORÇAS ARMADAS SOBRE O SISTEMA ELETRÔNICO DE VOTAÇÃO ...142

2.7. DA REPRESENTAÇÃO ELEITORAL PARA VERIFICAÇÃO EXTRAORDINÁRIA APRESENTADA PELO PARTIDO LIBERAL – PL...151


3. DA PARTICIPAÇÃO DE MILITARES DE FORÇAS ESPECIAIS NA EXECUÇÃO DO GOLPE DE ESTADO..214

3.1. DAS AÇÕES PARA PRESSIONAR O COMANDANTE E O ALTO COMANDO DO EXÉRCITO ..215

3.2. DA REUNIÃO DO DIA 28 DE NOVEMBRO DE 2022 E A ELABORAÇÃO DA CARTA DOS OFICIAIS ..229

3.3. DA EXECUÇÃO DAS AÇÕES FORMALIZADAS NA REUNIÃO DO DIA 28 DE NOVEMBRO DE 2022...284

3.4. DA CIÊNCIA E ANUÊNCIA DE JAIR BOLSONARO ..296

3.5. DE OUTRAS AÇÕES PARA PRESSIONAR O COMANDANTE DO EXÉRCITO À ADERIR AO GOLPE DE ESTADO ...301


4. DA ELABORAÇÃO DO DECRETO DE GOLPE DE ESTADO ...304

4.1. DA IDENTIFICAÇÃO DO VÍNCULO SUBJETIVO ENTRE OS INVESTIGADOS ..306

4.2. DAS REUNIÕES PREPARATÓRIAS PARA ELABORAÇÃO DO DECRETO ...316

4.3. DO CONTEÚDO DO DECRETO DE GOLPE DE ESTADO..343


5. DAS REUNIÕES PARA APRESENTAÇÃO DO DECRETO DE GOLPE DE ESTADO ..367

5.1. DA REUNIÃO COM O COMANDANTE DO COMANDO DE OPERAÇÕES TERRESTRES - COTER ..372

5.2. DA REUNIÃO NO MINISTÉRIO DA DEFESA E POSTERIORES ATAQUES AOS COMANDANTES MILITARES ...395


6. DAS AÇÕES PARA “NEUTRALIZAR” O MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES E 


Página 2 de 884

 

PLANEJAMENTO DE EXECUÇÃO DOS PRESIDENTE E VICE-PRESIDENTE ELEITOS LULA E GERALDO ALCKMIN..425

6.1. DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO PARA O GOLPE DE ESTADO..426

6.2. 6.3. 6.4. 6.4.1. 6.4.2. DO PLANEJAMENTO OPERACIONAL PARA O GOLPE DE ESTADO ...441

DA REUNIÃO DO DIA 12 DE NOVEMBRO DE 2022 ..467

DA AÇÃO OPERACIONAL “COPA 2022” ...487

DA AÇÃO CLANDESTINA DO DIA 15/12/2022 ... 488

DA PARTICIPAÇÃO DE RAFAEL DE OLIVEIRA NA AÇÃO DO DIA 15/12/2022 ...506

6.4.3. DA ANONIMIZAÇÃO DOS DEMAIS TERMINAIS TELEFONICOS UTILIZADOS NA AÇÃO DO DIA 15/12/2022.. 517

6.4.4. DA PARTICIPAÇÃO DE RODRIGO BEZERRA DE AZEVEDO NA AÇÃO DO DIA 15/12/2022 ... 529

6.4.5. DAS AÇÕES REALIZADAS EM NOVEMBRO DE 2022 ... 538

6.4.6. DAS AÇÕES DE MONITORAMENTO NO PERÍODO DE 06 A 10 DE DEZEMBRO DE 2022 ... 559

6.4.7. DA DINÂMICA DAS AÇÕES NO DIA 15 DE DEZEMBRO DE 2022 PARA PRENDER/EXECUTAR O MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES ... 574

6.5. DAS AÇÕES DE MONITORAMENTO DO PRESIDENTE LULA ..594

6.6. DO PLANEJAMENTO PARA CONSTITUIÇÃO DO GABINETE DE CRISE PÓS GOLPE DE ESTADO..616


7. DOS DEMAIS ELEMENTOS RELACIONADOS À ELABORAÇÃO DO DECRETO ..627


8. DAS RAZÕES DA NÃO CONSUMAÇÃO DO GOLPE DE ESTADO NO DIA 15 DE DEZEMBRO DE 2022...653


9. DOS VÍNCULOS COM INFLUENCIADORES e MANIFESTANTES ...659

9.1. DA RELAÇÃO COM LUCAS ROTILLI DURLO – LUCÃO ...662

9.2. DA RELAÇÃO COM RODRIGO YASSUO FARIA IKEZILI...674

9.3. DA RELAÇÃO COM O TENENTE-CORONEL JOSE LUIZ SÁVIO COSTA FILHO ...678

9.4. DA PRODUÇÃO DE MATERIAIS COM CONTEÚDO ANTIDEMOCRÁTICO ..686

9.5. DA A AUDIÊNCIA REALIZADA NO SENADO DIA 30 DE NOVEMBRO DE 2022 E A ESTRATÉGIA DE DISSEMINAÇÃO DO EVENTO..694

9.6. DA RELAÇÃO COM O INFLUENCIADOR PAULO GENEROSO .. 704

9.7. DA RELAÇÃO COM INTEGRANTES DO CANAL HIPÓCRITAS E OSWALDO EUSTÁQUIO ...709

9.8. DA RELAÇÃO COM FINANCIADORES DAS MANIFESTAÇÕES ...718


10. DA EXPECTATIVA DE PERMANÊNCIA NO PODER ...728


11. DAS AÇÕES PARA EMBARAÇAR AS INVESTIGAÇÕES ..741

 

Página 3 de 884

 

11.1. DOS MATERIAIS ENCONTRADOS NA RESIDENCIA DO GENERAL MARIO FERNANDES ...741

11.2. DOS MATERIAIS ENCONTRADOS NA SEDE DO PL ...747

11.3. DAS AÇÕES DO SENADOR MARCOS DO VAL..754

10. DOS INDICIAMENTOS ..807

11. DA CONCLUSÃO...878

 

Para ler por completo, os corajosos (mas o relatório tem revelações surpreendentes, algumas até cômicas, tal a estupidez dos planejadores) podem consultar o arquivo que disponibilizei aqui:

https://www.academia.edu/125870776/Relat%C3%B3rio_da_Pol%C3%ADcia_Federal_sobre_a_tentativa_de_golpe_de_Estado_de_Bolsonaroe_outras_34_pessoas

A questão da Hierarquia e da Disciplina, nas Forças Armadas e na Diplomacia (1a parte) - Paulo Roberto de Almeida

A questão da Hierarquia e da Disciplina, nas Forças Armadas e na Diplomacia (1a parte)

Paulo Roberto de Almeida


Ao retornar, em março de 1977, de um autoexílio na Europa, iniciado no final de 1970, a partir do recrudescimento da máquina repressora do regime militar contra os opositores da ditadura, entre os quais eu me incluía ativamente, retorno decidido depois que o então general-presidente Ernesto Geisel anunciou uma “abertura gradual e flexível”, eu me engajei imediatamente no movimento político pela redemocratização e pela anistia dos exilados. Durante todo o tempo passado na Europa, dedicado, ao lado dos estudos, ao trabalho informativo e analítico de resistência à ditadura, preservei minha identidade, escrevendo e me reunindo sob o disfarce de pseudônimos, preservando assim meu passaporte.

Ao me reintegrar a atividades docentes em faculdades privadas de São Paulo, eu visava iniciar uma típica carreira acadêmica numa das grandes universidades públicas do Brasil, o que só seria possível por concurso. Poucos meses depois, o único concurso anunciado, lido numa curta nota da FSP, foi o de um concurso direto para a carreira diplomática, aberta — à diferença dos vestibulares para o curso de formação de diplomatas pelo Instituto Rio Branco, que exigia somente dois anos de qualquer curso superior — a titulados completos, ou seja, graduados do terceiro ciclo. Eu já tinha graduação e mestrado completos, e estava em meio a um doutoramento em Sociologia Histórica, deixado interrompido ao decidir retornar ao Brasil.

Não pretendia voltar a ser aluno de algum curso de graduação, mas tampouco tinha conhecimento de minha situação junto aos órgãos de segurança e de investigação, bastante ativos inclusive no exterior. O concurso seria, portanto, uma maneira indireta de “testar minha ficha”. Fiz o concurso, entre julho e outubro de 1977 — na terceira e última fase eu me encontrava em Brasília, quando o ministro do Exército, general Sylvio Frota, tentou derrubar Geisel da presidência da República — e, para minha “tranquilidade política” (num ambiente ainda tenso no Brasil) fui chamado para a posse, em 1o. de dezembro, sem qualquer objeção aparente do SNI ou de outros serviços do regime. 

O que não se confirmou em 1977, acabou acontecendo em 1978: fui fichado pelo SNI como “diplomata subversivo”, mas isso só vim a saber bem depois. Minha maior surpresa, ao ingressar no Itamaraty, foi ter sido apresentado a dois conceitos que eu imaginava ter vigência unicamente nos meios militares: Hierarquia e Disciplina. Em praticamente todas as palestras e discursos que ouvíamos nessa fase já agônica do regime militar, eles figuravam de forma recorrente, sobretudo em direção e em intenção dos alunos do IRBr e dos jovens diplomatas, entre os quais eu me incluía. 

Meu horror ao regime militar só era maior do que minha objeção ao autoritarismo implícito a esse tipo de imposição vinda do alto, pois que meu anarquismo sempre foi maior do que o meu marxismo, ambos aprendidos e exercidos precocemente, quando me iniciei nas leituras políticas logo depois do golpe militar de 1964.

(a continuar)

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 26/11/2024


A reunião do G-20 no Brasil - Rubens Barbosa (Estadão)

A reunião do G-20 no Brasil

O atual contexto de polarização e desconfiança e a perspectiva do novo governo Trump tornam difícil um avanço real nos temas tratados

 Opinião  Por Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 26/11/2024 | 03h00


O G-20, que inclui as principais economias globais, foi criado como uma resposta à crise financeira que abalou a economia mundial em 2008. Desenvolvimento sustentável, segurança e resiliência econômica e transformação digital são os principais focos de atenção dos países-membros.

A reunião, que se realizou na semana passada no Rio, ocorreu em um momento de crescente tensão internacional, com a escalada nas guerras na Ucrânia e em Gaza, e de incerteza, com as possíveis repercussões globais da eleição de Donald Trump e de suas políticas econômicas, comerciais e externas. Esses desafios têm como pano de fundo as transformações na economia global, pela polarização política, a desinformação em massa e a persistência da pobreza, em um contexto de grandes avanços tecnológicos e produtivos.

O Brasil colocou como lema do encontro “construir um mundo justo e um planeta sustentável” e definiu como prioridades (1) a inclusão social e o combate à fome e à pobreza; (2) as transições energéticas e o desenvolvimento sustentável em suas dimensões econômicas, sociais e ambientais; e (3) a reforma das instituições de governança global.

A negociação da Declaração dos Líderes do G-20 foi um processo longo que conseguiu superar as dificuldades de última hora sobre a linguagem a ser adotada em diversas passagens, mas em especial no tocante às guerras da Ucrânia e Gaza, que impediram o consenso nas últimas reuniões do grupo. A diplomacia conseguiu minimizar a oposição de alguns líderes nessas e em outras áreas e incluir boa parte da agenda proposta pelo Brasil.

Os diferentes capítulos da declaração versaram sobre a situação econômica e política internacional, a inclusão social e o combate à fome e à pobreza, o desenvolvimento sustentável, a transição energética, a ação climática e a reforma das instituições da governança global.

O documento evitou críticas diretas à Rússia e a Israel, ressaltou a crise humanitária das guerras, sublinhou a necessidade de se chegar ao fim dos conflitos, do aumento da ajuda humanitária, e reafirmou a solução dos dois Estados, com a criação do Estado palestino. No capítulo sobre a fome e a pobreza ressaltou a criação da proposta brasileira de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, para tentar mitigar a situação de cerca de 730 milhões de pessoas que atualmente enfrentam a fome e dos 2,4 bilhões que enfrentam a insegurança alimentar moderada ou severa. Foi também incluída referência à questão de taxação dos mais ricos, numa linguagem indireta, “patrimônio líquido ultra-alto”. Foi dada grande ênfase para o desenvolvimento sustentável, com ênfase no aumento do financiamento aos países em desenvolvimento, em apoio a medidas de preservação ambiental, mudança de clima e transição energética justa, nas dimensões econômicas, sociais e ambientais, respeitadas as circunstâncias locais. Foi reafirmada a importância de serem mantidas e ampliadas as metas de redução de emissões de gás de efeito estufa e de desmatamento previstas no Acordo de Paris, de 2015, e o aumento do financiamento público e privado para o meio ambiente e mudança de clima para os países em desenvolvimento. Foi lançada a Iniciativa de Bioeconomia. O revigoramento das instituições teve apoio dos líderes das principais economias no tocante à governança política, das instituições financeiras e comerciais. Sugeriu-se maior poder à Assembleia Geral da ONU e a ampliação dos membros permanentes e rotativos do Conselho de Segurança, sem fazer menção a países específicos, apenas à América Latina e África. Incluiu-se ainda dar maior voz aos países em desenvolvimento no FMI e no Banco Mundial, e fortalecer a OMC.

A reunião do G-20 tem de ser vista dentro do contexto político-diplomático que tem caracterizado os encontros anteriores do grupo. A declaração chegou ao consenso possível e expressa as principais preocupações das maiores economias do globo, mas não pretende – nem tem esse objetivo – resolver os problemas que afetam os países. O atual contexto de polarização e desconfiança, exacerbado pelos conflitos na Ucrânia e em Gaza, e a perspectiva do novo governo Trump tornam difícil um avanço real na grande maioria dos temas tratados.

No momento em que cada país procura colocar seus interesses em primeiro lugar, a diplomacia brasileira conseguiu incluir na agenda do G-20 preocupações sociais ao lado dos temas geopolíticos, econômicos e comerciais. A implementação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza conta com a efetiva adesão de 82 países, e pode ser considerada como a decisão mais importante do ponto de vista do Brasil. Foram relevantes as menções ao financiamento para o meio ambiente, ao compromisso de metas do Acordo de Paris mais ambiciosas, além da referência de que todas essas questões devem levar em conta as circunstâncias locais, em crítica indireta às decisões tomadas pelos países desenvolvidos, sem levar em consideração as dimensões dos países em desenvolvimento.

A partir de janeiro, com o início do novo governo norte-americano, as questões geopolíticas, ambientais e multilaterais tratadas certamente sofrerão forte influência das mudanças que ocorrerão em Washington, e poucos se lembrarão dos termos da declaração do G-20 no Rio.

 

PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

 

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/a-reuniao-do-g-20-no-brasil/

 

Eastern Europe Is In The Crosshairs: Ukraine and Poland - Michal Kranz (Persuasion)

 Eastern Europe Is In The Crosshairs

A deal in Ukraine seems all but inevitable. That puts Eastern Europe in real danger. 

Polish troops at NATO Multinational Corps Northeast, February 2, 2024. (Photo by Sean Gallup/Getty Images.)

For much of the past year in Warsaw, the first question I’d be asked by Poles and Ukrainians alike when they learned I’d grown up in the United States was who I thought would win the 2024 election. The follow-up, inevitably, was whether a victorious Trump would really let Ukraine and Eastern Europe fall to the Russians.

In the day or two following Trump’s win, this fear was palpable among Polish friends and loved ones. But, after months of warnings of the apocalyptic consequences of Trump’s return to power for Ukraine and NATO’s East, a new narrative has emerged along Europe’s frontier with Russia—don’t panic, but prepare.

The likely conclusion of the war in Ukraine during Trump’s first year in office will only be the tip of the iceberg of the transformations on the horizon for Eastern Europe. States in the region, most notably Poland and the Baltics, are already looking beyond Ukraine to a scenario in which Russia might soon be ready to unleash its war machine on NATO’s East itself, which, without ironclad American security guarantees, would be more vulnerable than ever. And yet, for Eastern Europe, this tense moment offers surprising opportunities. In the absence of America’s guiding and often constraining hand, they will have the chance to redefine their own defense future, reap the rewards of the post-war economic order in Ukraine, and finally force Western Europe to confront the realities of the multipolar world head-on.

What we are looking at, in other words, is a complete shift of the balance of power in Eastern Europe. In the short term, Poland and the Baltics will have no choice but to pick up slack and assume a stronger position in Europe than they have in memory, as they stare down the barrel of a Russia that will only be further emboldened by a de facto triumph in Ukraine and the weakening of the American security blanket in Europe. Meanwhile, Ukraine is facing its worst-case scenario, with the spigot of U.S. support likely to turn itself off—forcing Europe to take the reins of Ukraine’s, and its own, defense for the first time in generations.

The chances of Trump doing an about-face on aid for Ukraine and continuing to fund its defense are, unfortunately, very slim—and Ukraine is expected to be forced to the negotiating table. European efforts, led by Poland, to continue supporting Ukraine’s military, will at best stave off the inevitable, and the Biden administration knows this. Recent changes in policy like the lifting of prohibitions on Ukraine’s use of long-range ATACMS against Russian territory and shipments of anti-personnel mines are, more than anything else, measures meant to help Ukraine secure as favorable a position as possible prior to negotiations and to give it at least a modicum of deterrence against future Russian aggression.

It goes almost without saying that any peace deal is likely to end in the permanent occupation of the territories Russia currently holds and in forcing Ukraine to abandon its NATO ambitions—in short, a win for Russia. But even then, many questions remain about how such a “peace” would be administered in practice, and how Ukraine could avoid being swallowed up by Russia down the line. The leading proposal of the Trump transition team, as reported by The Wall Street Journal, would compel Ukraine to promise not to join NATO for twenty years, while a continuing flow of U.S. armaments deters future Russian aggression and some kind of European peacekeeping force polices the demilitarized zone where the fighting has frozen. 

A proposal along those lines suits Poland well, with Polish president Andrzej Duda last year suggesting that Polish troops could be deployed to Ukraine as part of a peacekeeping effort. Meanwhile, Poland is poised to benefit immensely from post-war reconstruction efforts, with 3,000 Polish companies registering with the Polish Investment and Trade Agency to participate in Ukraine’s reconstruction. Helping to guarantee Ukraine’s security on the ground does of course carry considerable risk—bringing Poland all the closer to a clash with Russia. Nevertheless, this is exactly the sort of role Polish leaders have spent years preparing the country’s military for.

The belief among Eastern Europe’s leaders is that, no matter what they do, they are in Russia’s crosshairs—and the priority must be an active defense. Leaders further west on the continent have tepidly come around to the same conclusion, with recent pledges to invest not only in national defense spending, but also in developing Europe’s military-industrial complex. There is no reason to think that Putin will be placated through a negotiated settlement in Ukraine. Quite the contrary. With, effectively, a win in Ukraine behind him and a U.S. leadership unwilling to engage militarily in Europe beyond the bare minimum, Putin may well decide the time is ripe for further reconstitution of the Soviet sphere of influence. Western Europe has been inching up its readiness, with France for instance on track to bring its defense spending up the 2% GDP mark this year, but Eastern Europeans know that if Russia strikes, it will be up to them to hold the line. Poland at the moment has the third largest military in NATO, and, if Ukraine’s army was able to keep Russian forces at bay for nearly three years, the hope is that Poland’s more robust and technologically advanced military could do the same.

It is hard to overstate just how uncertain the security of Eastern Europe suddenly becomes with Trump’s election. A full-scale American retreat from NATO is less likely than widespread discussion might make it seem—the recent landmark opening of a U.S. base in Poland and efforts to Trump-proof American aid to Ukraine and NATO mean that it will be difficult for Trump to distance himself from the alliance entirely. But, with Russia updating its nuclear doctrine, firing a nuclear-capable ballistic missile at Ukraine, and last week placing the new U.S. base in Poland on its potential target list, Putin clearly believes that he has the upper hand—and that Europe lacks the will or the ability to properly defend its Eastern frontier. 

With Trump on track to alter the entire regional paradigm a few short months from now, NATO’s East is scrambling to mitigate the fallout. That puts Poland, in particular, in the hot seat and in need of not only proving its worth as a rising military powerhouse, but also of working with countries like Romania, Sweden, the Baltic states, and besieged Ukraine to collectively keep Moscow at bay. But this moment is, above all, a crucible for Europe. For decades, Western Europeans have been able to bask in the security blanket the United States offered and to indulge in pacifistic visions. That illusion ended first for the states bordering Putin’s Russia, but Europe is now facing the same fork in the road—either make security a priority and forge an independent path forward on defense, or let Putin continue to have his way.

Michal Kranz is a Warsaw-based journalist who covers Eastern Europe and the Middle East. He has reported from the ground during the war in Ukraine, covered politics and society in Lebanon, and regularly reports on regional developments from Poland.


Diplomacia, diplomatas e política externa: aspectos do processo de institucionalização do Itamaraty - Zairo Borges Cheibub (Biblioteca Digital Funag)

Diplomacia, diplomatas e política externa: aspectos do processo de institucionalização do Itamaraty


A Fundação Alexandre de Gusmão publica o livro Diplomacia, Diplomatas e Política Externa: aspectos do processo de institucionalização do Itamaraty, do professor pesquisador Zairo Borges Cheibub 

O objetivo do autor é demonstrar que o Ministério das Relações Exteriores atingiu um nível elevado de institucionalização devido a um processo gradual de burocratização e racionalização da carreira diplomática, resultando em um grau de autonomia da estrutura organizacional. Essas características conferem ao Itamaraty, na visão do autor, interesses próprios e a estabilidade necessária para manter a continuidade na política externa.  

O autor apresenta uma análise histórica da trajetória do MRE desde a Independência até os anos 1980, destacando os principais pontos de mudança na evolução da instituição e da carreira diplomática.  

O livro está disponível gratuitamente na biblioteca digital da FUNAG e para compra na nossa loja virtual 




Descrição:
O objetivo do autor deste livro é demonstrar que o Ministério das Relações Exteriores atingiu um nível elevado de institucionalização devido a um processo gradual de burocratização e racionalização da carreira diplomática, resultando em um grau de autonomia da estrutura organizacional. Essas características conferem ao Itamaraty, na visão do autor, interesses próprios e a estabilidade necessária para manter a continuidade na política externa.   O autor apresenta uma análise histórica da trajetória do MRE desde a Independência até os anos 1980, destacando os principais pontos de mudança na evolução da instituição e da carreira diplomática.
Detalhes
Autor(a)Zairo Borges Cheibub
EditoraFUNAG - Fundação Alexandre de Gusmão
AssuntoBrasil. Ministério das Relações Exteriores (MRE) - história | Carreira pública | Diplomatas | Elite burocrática | História Diplomática - Brasil | Política externa - Brasil | Relações Internacionais - Brasil
Ano2024

Edição1a. edição

Nº páginas119

IdiomaPortuguês
ISBN978-65-5209-072-0

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Ainda Estou Aqui, de Marcelo Rubens Paiva; Eu já tinha partido: Paulo Roberto de Almeida

 


 Ainda Estou Aqui, Marcelo Rubens Paiva

Eu já tinha partido, Paulo Roberto de Almeida 

Acabo de assistir ao filme de Walter Salles, e ele representou algo especial para mim. Um pequeno mergulho nos horrores dos anos de chumbo da ditadura militar, quando muitos, centenas de oficiais das Forças Armadas se degradaram na repressão aos opositores do regime, o que eu era, desde a precoce politização de meados dos anos 1960 e um impulso a combatê-lo pela via de uma revolução de esquerda.

O deputado Rubens Paiva foi detido para interrogatório em janeiro de 1971, supostamente por poder estar envolvido no sequestro do embaixador suíço, no mês de dezembro anterior (mais tarde trocado por 70 prisioneiros políticos). O regime hesitou ao início, mas logo depois acelerou sua metodologia repressiva.

Quando o embaixador suíço foi sequestrado eu já não me encontrava mais no Brasil: havia decidido partir do Brasil, para evitar a sorte de alguns outros companheiros, e estava navegando no Atlântico, em direção à Europa. Só soube do sequestro em alto mar, informado por um telex de notícias recebido no meio do oceano. Naquele momento, senti que eu havia saído a tempo do Brasil, caso contrário eu também poderia ter sido preso, eventualmente sido torturado, havendo ainda a possibilidade de "desaparecer", como alguns dos quais se soube tarde demais.

Curiosamente, Rubens Paiva foi detido e interrogado – acredito que sua morte foi um "acidente de trabalho", pois ele não tinha envolvimento com a luta armada – pelo fato de ter sido intermediário de cartas vindas do Chile, de brasileiros exilados por lá, eventualmente ex-guerrilheiros no Brasil, enviadas a familiares no Brasil. Eu tinha ido ao Chile no ano anterior, também passando por Uruguai e Argentina, e feito contatos com companheiros de esquerda nos três países, tratando sobretudo de rotas de escape para aqueles que já se encontravam na clandestinidade. 

Eu estava na resistência à ditadura militar desde alguns anos antes, mas ainda não era, digamos, um quadro da resistência armada; era apenas do apoio logístico, conseguindo documentos para aqueles que precisavam mudar de identidade. Entre 1969 e 1970, senti que a repressão seguia aumentando – batidas nos transportes em vias públicas, por exemplo, como mostrado ao início do filme Ainda Estou Aqui – e vários companheiros "caindo" nas teias da repressão. Servia então ao Exército, como conscrito, e o "meu" quartel invadia a "minha" universidade, no caso a Cidade Universitária da USP, onde eu fazia Ciências Sociais. Um colega de classe, o frei dominicano Tito, que com outros fazia ponte com o movimento armado de Carlos Marighella, foi preso, e desapareceu nas catacumbas do regime, aliás defendidas, mais tarde, pelo ex-presidente que ousava elogiar torturadores e dizer que a ditadura havia "matado até de menos". 

Decidi então sair do Brasil, o que não foi o caso de Rubens Paiva, que continuou a fazer seu trabalho puramente humanitário de ajudar os perseguidos, quando poderia ter escolhido um novo exílio, como ocorreu com um dos outros personagens, amigos na mesma arriscada aventura.

Soube de sua prisão, alguns meses depois, ainda no primeiro semestre de 1971, ao me reincorporar ao trabalho de resistência à ditadura militar, já na Bélgica, retomando o meu curso de Ciências Sociais na Universidade Livre de Bruxelas. Passei a colaborar com o Front Brésilien d'Information, que divulgava, justamente, notícias sobre a repressão no Brasil e tentava mobilizar a opinião pública europeia contra o regime. Uma das iniciativas foi tentar fazer um Tribunal Russell – que havia sido feito por iniciativa direta do filósofo inglês contra a guerra dos Estados Unidos no Vietnã – sobre a ditadura brasileira; ele foi organizado, mas no meio do caminho uma ditadura aidna mais cruel tomou a frente do tribunal, a de Pinochet, no Chile. 

Acompanhei todo o manancial de informação sobre a ditadura miitar durante mais de seis anos, até o início de 1977, quando decidi voltar ao Brasil. Vários desaparecidos nunca mais foram encontrados, entre eles Rubens Paiva. Frei Tito, o "colega" de Ciências Sociais na USP, se suicidou na França, em meados da década, consequência provável das torturas bárbaras que sofreu na perseguição a Marighella.

O filme é extremamente realista – na descrição visual dos locais de tortura, por exemplo – e dramaticamente sensível, e aqui cabe louvar o desempenho excepcional das crianças atores, as filhas de Rubens Paiva. Impossível não se emocionar com a angústia de Eunice Paiva e das filhas do "desaparecido", covardemente assassinado, sem qualquer benefício para o regime, por pura sanha dos torturadores desprovidos de qualquer sentimento humano. 

Por isso, é abjetamente insuportável contemplar um militar medíocre como o que nos desgovernou por quatro anos - e ainda tentar se tornar ditador – dizer que está homenageando um dos piores torturadores do regime militar. Mais triste ainda constatar que tantos profissionais diplomados, supostamente liberais, ainda apoiam essas figuras execráveis, as mesmas, ou similares, que produziram tantas "Eunices" Paiva e "Zuzus" Angel. 

Um dia relatarei minha pequena participação no trabalho de resistência à ditadura militar, que pelo visto nos últimos tempos, ainda não cabe considerar terminado.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 25 de novembro de 2024





Ainda estou aqui, o filme, os livros de Marcelo Rubens Paiva

Ainda sobre "Ainda estou aqui", do diretor e produtor Walter Salles, uma obra magistral que retrata anos de chumbo na História brasileira.

Apesar de imensos esforços e da comissão da verdade, ninguém foi preso até hoje pelo assassinato de Rubens Paiva. Eunice morreu em 2018 após lutar 15 anos contra o Alzheimer...

 

Crítica de cinema

“Ainda estou aqui”: testemunho de uma história trágica

Filme baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva conta do desaparecimento e assassinato do ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva pela ditadura militar e coloca Eunice, sua mãe, no centro da narrativa.

por Tais Zago

 

“Ainda Estou Aqui” do diretor e produtor Walter Salles – mais conhecido pelo filme Central Do Brasil de 1998 e que volta à ficção depois de um hiato de 12 anos – é uma adaptação do livro de mesmo nome de Marcelo Rubens Paiva de 2015, na época da publicação Marcelo tinha um filho pequeno de um ano e Eunice Paiva, sua mãe, já estava com 85 anos e com Alzheimer avançado. O livro é uma homenagem à luta de Eunice para tentar desvendar o desaparecimento de seu marido, o político cassado pela ditadura e engenheiro civil Rubens Paiva, em 1971. O fato ocorreu bem no auge da truculência da ditadura, com o exercício do AI 5. Marcelo Rubens Paiva se destacou como escritor em 1982 quando publicou Feliz Ano Velho, livro onde trabalha a sua traumática jornada como tetraplégico após um infeliz acidente em uma lagoa. Ele recuperou, com o tempo, parte dos movimentos de braços e pernas e seguiu com uma carreira literária de sucesso. O filme tem roteiro adaptado por Murilo Hauser, que escreveu A Vida Invisível (2019) e Heitor Lorega.

Para protagonizar essa linda obra, Salles escalou Fernanda Torres e Fernanda Montenegro para assumirem o papel de Eunice Paiva em diferentes momentos de sua vida. Mãe e filha representam a mesma pessoa, um deleite para os fãs das duas atrizes. Também temos no elenco um grupo interessante de jovens atores nos papéis dos 5 filhos de Eunice e Rubens: Valentina Herszage como Vera, Guilherme Silveira como Marcelo, Luiza Kosovski como Eliana, Barbara Luz como Nalu e Cora Mora como Maria Beatriz. Todos representam de forma acurada e comovente (pré)adolescentes que se encontram no fogo cruzado entre a opressão da ditadura e a resistência de parte da classe artística e intelectual da época.

O festejado Walter Salles já tem na sua estante de troféus um globo de ouro, um BAFTA e um urso de ouro de Berlin por Central do Brasil e um Bafta por “Diários de Motocicleta” de 2004, que tem Gael Garcia Bernal no papel de Che Guevara. Salles também fez com Fernanda Torres o lindíssimo filme Terra Estrangeira, de 1996, uma produção luso brasileira toda em preto e branco. Os filmes do diretor sempre nos trazem a temática do exílio, da perseguição e da busca por si e a própria identidade. Walter já acumula mais de 50 premiações nacionais e internacionais por suas obras e é, sem dúvida alguma, um dos diretores brasileiros mais festejados e respeitados no exterior e nacionalmente. Ele inclusive já chegou a ser considerado um dos 40 melhores diretores do mundo pelo The Guardian em 2003. Em 2012, ainda fez a adaptação do livro On The Road de Jack Kerouac para o cinema, com Kristen Stewart no elenco e produção de Coppola. Salles atua também como produtor e coprodutor de trabalhos de jovens diretores brasileiros. Como no filme “Aquarius” de 2016 de Kleber Mendonça Filho (Bacurau – 2019), com Sonia Braga no elenco, foi produtor executivo de Cidade de Deus (2002) de Fernando Meirelles.

Em “Ainda Estou Aqui” a trilha sonora impressiona e é uma das belas ilustrações de todo o contexto, nos fornecendo um panorama atmosférico perfeito da época. Com muitos gênios da MPB na trilha – Caetano Veloso, Gal Costa, Tom Zé, Mutantes, Juca Chaves, Roberto Carlos e um Erasmo Carlos liberto da jovem guarda – e até Serge Gainsbourg e Jane Birkin com a infame “Je T’Aime Moi Non Plus”, vemos 1971 como época de censura e violência imposta aos artistas. A obra, que caminha da luz à completa escuridão, tem música original composta por Warren Ellis – ex-colega de banda do Nick Cave na banda Bad Seeds – pontuando com instrumentais fortes a tensão que se acumula.

No papel de Rubens Paiva, temos o ator Selton Mello, que nos impressiona com uma atuação de pai brincalhão e presente, que faz de tudo para proteger seus filhos, mas que, ao mesmo tempo, atua auxiliando a resistência e compartilhando cartas e informações de exilados para suas famílias e amigos. A semelhança física entre Mello e Paiva é impressionante. Fernanda Torres, dispensa apresentações, é conhecidamente uma das melhores atrizes brasileiras, seguindo os passos de sua mãe Fernanda Montenegro. Ela incorpora Eunice com dor, mas também com nobreza, orgulho e muita força. Eunice é uma mulher que não desiste e não se entrega, e quando se encontra sozinha com cinco filhos para criar, se reinventa em um contexto de machismo onde mulheres não tinham ainda direito de ter contas em banco e dependiam para tudo do aval de seu marido. Mas o que fazer quando esse marido desaparece e todos seus bens ficam bloqueados? A sobrevivência é apenas mais uma batalha entre tantas que Eunice precisa enfrentar diariamente, sob o olhar de delatores, cupinchas e repressores.

“Ainda Estou Aqui” é um filme sobre memórias (boas ou ruins) e sobre o combate à ditadura. Figurinos e cenários são extremamente acurados. A casa de Rubens Paiva no Leblon, que sempre tinha suas portas abertas para todos os amigos, é o coração do convívio familiar e foi recriada com a ajuda e a recordação de seus filhos para a realização do filme. Salles também nos poupa de flashbacks e imagens documentais da época. Ele usa a estética para contextualizar a história, com as imagens feitas com câmera super 8 e que registram o dia a dia dos Paiva em suas aventuras cotidianas, viagens e festas.

Quando pensamos na linguagem, Salles e os roteiristas fugiram de algumas situações do livro de Marcelo Rubens Paiva e substituíram por outras imagens mais eficazes como, por exemplo, a inclusão, logo no início do filme, da cena (fictícia) do dente de Babiu (Beatriz) enterrado na areia da praia. Uma simbologia que remete ao suposto descarte desumano do real do corpo de Rubens Paiva – nunca encontrado – nas areias de treino da marinha na Restinga da Marambaia.  Mesmo assim, o filme é muito fiel ao livro. O que não é surpresa já que os textos de Marcelo Rubens Paiva têm uma característica dramatúrgica muito forte. Marcelo tinha apenas 12 anos quando o pai foi levado pelos torturadores.

Após a prisão de Rubens, a filha Eliana, de 15 anos, e Eunice são levadas para depor 1 dia após Rubens ser preso. Era dia 21 de janeiro de 1971. O dia que também seria o da morte de Rubens Paiva. Enquanto encarcerada, as cenas de Eunice são incrivelmente intensas e dolorosas. A dor da incerteza, o medo da morte, a ausência total da mais simples forma de justiça. Tudo isso vemos no corpo, no rosto e nos movimentos de Fernanda Torres. O ritmo às vezes lento do filme é um artifício necessário para conseguirmos digerir – ou pelo menos lidar – com tudo que nos é mostrado. Em certo momento, Eunice nos fala: “A tática do desaparecimento é a mais cruel, eles somem com uma pessoa e trazem sofrimento sem fim para todos que a amam.”

Eunice Paiva enfrentou problemas reais de dinheiro por não receber um atestado de óbito de Rubens até 1996 durante o governo de FHC (que precisou ser pressionado para reconhecer os desaparecimentos como morte). Somente aí, 25 anos depois do assassinato de Rubens Paiva, é que Eunice pode ter acesso aos bens do marido, como pensão, investimentos, seguro de vida e fazer o inventário do marido. A essa altura, Eunice já era uma advogada prestigiada, advogava em prol das causas indígenas e tinha criado os 5 filhos sem apoio do Estado. Apesar de imensos esforços e da comissão da verdade, ninguém foi preso até hoje pelo assassinato de Rubens Paiva. Eunice morreu em 2018 após lutar 15 anos contra o Alzheimer.

Atuação de Fernanda Torres é uma das melhores de sua carreira. 

“Ainda estou aqui” em está em campanha para se tornar o indicado brasileiro ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Depois do sucesso de sua exibição em Cannes, o filme também brilhou no festival de Toronto. O Hollywood Reporter colocou o filme como forte candidato à premiação americana, e não apenas na categoria de melhor filme internacional. O filme já está na short-list de diversos veículos de imprensa tradicionais de cinema, como a VarietyIndieWireVanity Fair The Guardian para a categoria de filme estrangeiro. Fernanda Torres também tem chances na categoria de Melhor Atriz. A pré-seleção do Oscar será divulgada em dezembro e a lista dos indicados, em janeiro. “Ainda Estou Aqui” ganhou em setembro o prêmio de melhor roteiro no festival de Veneza.  A obra é uma coprodução, entre vários participantes, do canal franco alemão Arte e da produtora Globoplay. Lançado na última quinta-feira, 7, o longa se tornou a segunda maior bilheteria de estreia do Brasil em 2024.

“Ainda Estou Aqui” é um filme maravilhoso, que precisa ser visto por todos os brasileiros. Uma produção lindíssima de uma história trágica. Uma sacudida necessária naqueles que teimam em achar que ditaduras e tortura são coisas do passado, isso quando assumem que realmente existiram. Termino essa resenha com um trecho da página 96 do livro de Marcelo Rubens Paiva que deve sempre nos servir de alerta:

“A tortura é a ferramenta de um poder instável, autoritário, que precisa da violência limítrofe para se firmar, e uma, e uma aliança sádica entre facínoras, estadistas psicopatas, lideranças de regimes que se mantém pelo terror e seus comandados. Não é ação de um grupo isolado. A tortura é patrocinada pelo Estado. A tortura é um regime, um Estado. Não é o agente fulano, o oficial sicrano, quem perde a mão. É a instituição e sua rede de comando hierárquica que torturam. A nação que patrocina, o poder, emanado pelo povo ou não, suja as mãos.”

 

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