quinta-feira, 27 de março de 2025

Os maus jogadores da Nova República e os 40 anos de redemocratização - Vinicius Muller sobre o livro de Alberto Aggio

Os maus jogadores da Nova República e os 40 anos de redemocratização

Em novo livro, Alberto Aggio lança luz sobre os itens e personagens fundamentais desse que, embora seja o mais longevo período democrático brasileiro, enfrenta o aumento da desconfiança em relação ao seus próprios fundamentos.

O Estado da Arte

Uma das maiores complexidades da história se revela na dificuldade de estabelecermos certo consenso sobre quais itens e personagens de um determinado período merecem ser considerados fundamentais ou mais relevantes para quem, no futuro, tenta capturar a essência daquela conjuntura. Essa dificuldade se acentua quando a história a ser compreendida é suficientemente atual para que possamos chamá-la de ‘história do tempo presente’, afinal não podemos contar, nesse caso, com o distanciamento temporal como um aliado daqueles que se dedicam a decifrar o passado. Por isso, uma das maneiras de mitigar essa dificuldade reside no uso das efemérides como um auxílio para a definição de parâmetros, criando um espaço que, ao mesmo tempo, limita e possibilita nosso entendimento sobre a história. E apenas com essa limitação dada pela efeméride é que podemos identificar os itens persistentes e personagens ainda vivos que tornam essa história não só inteligível, mas própria ‘do tempo presente’. 

Neste ano de 2025 temos uma chance maiúscula de usarmos uma efeméride para reconstruirmos uma história que ainda nos define como sociedade. Há 40 anos, o colégio eleitoral escolhia Tancredo Neves como presidente da República, formalizando a ascensão de um civil ao cargo maior do País após 21 anos de ditadura militar. Esse é o recorte histórico estabelecido por Alberto Aggio em seu novo livro A Construção da Democracia no Brasil, 1985-2025: mudanças, metamorfoses, transformismos (Fundação Astrojildo Pereira/Editora Annablume). Aggio, professor de História na Unesp e intelectual com longa contribuição ao entendimento da história política do Brasil e da América Latina, não apenas descortina a origem da Nova República brasileira, cuja fundação ocorreu exatamente no episódio da eleição de Tancredo, mas lança luz sobre os itens e personagens fundamentais desse que, embora seja o mais longevo período democrático brasileiro, enfrenta nos últimos momentos o aumento da desconfiança em relação aos seus próprios fundamentos. Ou seja, reconstrói aquela que se apresenta como a mais urgente ‘história do tempo presente’ para uma geração, da qual Aggio faz parte, que vivenciou a transição do poder militar para os civis e que inaugurou a redemocratização brasileira.

O professor Alberto Aggio. Foto: Felipe Rau/Estadão.

Transições e rupturas na redemocratização brasileira

O modo como essa história nos é revelada se relaciona à uma série de leituras que temos sobre nosso passado. Essa variedade é a janela que possibilita o entendimento das origens não só da Nova República, mas também — e principalmente — dos motivos que nos levaram a pensar que ela está em risco desde, ao menos, 2013. 

Explicitamente, três questões se impõem a partir da escrita de Aggio. Uma delas é o uso, caro ao autor, da abordagem do italiano Antonio Gramsci, teórico que cunhou a tese da revolução passiva. Nesse caso, a transformação operada pela redemocratização que caracteriza a Nova República não deve ser vista pela ruptura, mas sim por uma transição cujos elementos da mudança são tão visíveis quanto os elementos da continuidade, embora a direção dessa transformação aponte para certa predominância dos primeiros sobre os últimos. Dessa forma, há uma espécie de sentido da história que, entre avanços e obstáculos, se consolidou majoritariamente como uma transformação cujos itens constitutivos devem ser vistos ao longo da trajetória. Tais itens são inegavelmente aqueles que formam uma estrutura que, mesmo insuficiente, dá coerência ao período: eleição de Tancredo Neves; Constituição de 1988, Plano Real e avanço das questões sociais sob os dois primeiros governos de Lula. 

A segunda questão, de certa forma complementar à primeira, é a leitura da Nova República a partir da obra de Luiz Werneck Vianna e sua citada frase de que o Brasil “tem horror à linha reta, uma vez que o traço de preferência nacional é o ziguezague”. Esse vai e vem tem se revelado nas últimas quatro décadas por aparentes contradições entre a modernização e o arcaísmo que, de tempos em tempos, ganha nova roupagem. No caso da Nova República esse conflito pôde ser visto de forma mais nítida na contingência da presidência de José Sarney. Eleito como vice na chapa de Tancredo, Sarney carregava a contradição de ter sido aliado da ditadura militar e o primeiro presidente, de fato, da Nova República. Mais do que isso, de ter operado seu governo a partir de elementos contidos no ambiente democrático, mas ainda carregando o ‘entulho autoritário’ do período anterior. Em uma leitura que desconsidera a ‘revolução passiva’ e seu andar em ziguezague que, com temporalidades diversas, ao fim e ao cabo, garantiu avanços significativos e democráticos à Nova República, Sarney e seu governo foram e ainda são vistos por certos segmentos da esquerda brasileira como muito pior do que realmente foram. Cabe aqui, portanto, a proposta de que sem uma revisão dos primeiros anos da Nova República que reposicione, sob um olhar amplamente positivo sobre o que significou o governo de Sarney para a redemocratização brasileira, não teremos a dimensão necessária para compreendermos o debate sobre uma possível crise que nossa democracia estaria vivendo desde 2013. Ou seja, o destaque ao governo Sarney não deve ser dado ao seu passado de aliado aos militares, e sim à sua relação fortemente amparada em valores democráticos junto à Constituinte de 1988, criadora da principal sustentação da Nova República. 

E a aproximação entre a abordagem da revolução passiva e o ziguezage de Werneck Vianna possibilita transparecer o terceiro item fundamental da obra de Aggio. Parcelas significativas entre aqueles que se diziam os restauradores da democracia, notadamente entre as esquerdas brasileiras, têm uma histórica dificuldade em compreender para além da perspectiva do conchavo, a possibilidade de um avanço democrático, em sentido amplo, e, portanto, uma transformação verdadeira, a partir da política da conciliação. Tal dificuldade revela um olhar maniqueísta sobre a história brasileira e que, de certa forma, justificou a equivocada percepção de que a verdadeira redemocratização só ocorreria por ruptura. Embora a obra de Aggio concentre a análise no período da Nova República, essa percepção se repete em outras leituras sobre momentos variados de nossa história, como a Independência, a conciliação do Império, a Proclamação da República e a lei da Anistia. 

O resultado dessas diferentes leituras de nossa história foi a criação de ao menos dois grandes rompimentos. Um deles, interno à esquerda, foi a cisão entre aqueles que rapidamente se posicionaram não só como democratas, mas que também reconheceram a legitimidade dos itens que formam o escopo da democracia brasileira. De outro lado, aqueles que se disseram democratas, mas se posicionaram contrariamente aos itens que constituem a institucionalidade da Nova República. O problema é que, passados 40 anos, está evidente que foi o segundo grupo que se destacou e se transformou numa das forças hegemônicas no País. 

Sessão Parlamentar final do Congresso Constitucional de 1988 que estabeleceu a atual Constituição do Brasil. Foto: Agência Brasil.

A regra do jogo e os jogadores

Em certa medida, a repactuação do federalismo contemplada pela Constituição de 1988 potencializou certa hegemonia sobre o jogo eleitoral da Nova República ao PMDB. Oriundo do antigo MDB, de oposição ao regime militar, o partido teve três presidentes (Sarney, Itamar e Temer), mas inúmeros poderes subnacionais, além de figurar tanto no Congresso quanto na divisão ministerial dos governos nacionais como protagonista durante quase todos os quarenta anos de redemocratização. Teve também sua dissidência à esquerda, o PSDB, como responsável por um dos pilares fundamentais do período, o Plano Real, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso. Contudo, a cultura política que após as quatro décadas ainda se revela majoritária é aquela identificada na intersecção entre o petismo e o papel de seu líder máximo, Lula da Silva, e sua ideologia, o lulismo. Com cinco vitórias eleitorais ao cargo majoritário do País — e mais tantas outras derrotas, quase todas em segundo turno — o petismo e o lulismo estiveram sempre como um dos dois protagonistas no plano eleitoral e político do País. Aggio acerta ao concentrar parte significativa de sua análise sobre a Nova República na cultura petista e, por isso, insinua o que pode ser o cerne de certa dicotomia que, depois de quatro décadas, nos deixa apreensivos quanto à crise da nossa democracia. 

Não é novidade na história brasileira o embate entre as regras do jogo e seus elementos fundamentais de construção institucional, de um lado, e os principais jogadores, de outro. Como se houvesse um limite, testado sob forte pressão feita por alguns jogadores que oscilam, calculadamente, entre a aderência às instituições a partir de certa posição organicamente forjada e o descrédito dessas mesmas instituições a partir da construção de uma narrativa que se ampara no confronto, nunca na conciliação. A cultura petista e lulista que parcialmente se confunde com a trajetória desses quarenta anos de redemocratização apostou, ao longo de sua construção, no descrédito dos processos e eventos que deram, ao fim, a sustentação da Nova República. Embora tenha usado todos esses itens como trampolim não só para a sua contribuição mais acertada — o avanço das pautas sociais — mas também e, oportunamente, na defesa de alguns dos itens que estruturam a Nova República, o petismo se opôs à eleição de Tancredo (chegou a expulsar membros do partido que votaram em Tancredo no Colégio eleitoral), fez feroz oposição a Sarney, não chancelou a Constituição de 1988, foi contra a modernização econômica iniciada de modo atrapalhado por Collor,  não aceitou compor o governo Itamar, chegando a desligar membros do partido que aceitaram cargos no governo (como ocorreu com Luiza Erundina), se opôs ao Plano Real — o qual acusava, infantilmente, de ser neoliberal — e contribuiu decididamente para a polarização que antecipa a tragédia atual ao associar sem nenhum pudor o governo FHC à direita ideológica. 

Portanto, uma trajetória na qual o principal jogador usa as regras do jogo, no limite de sua violação, mas sem violá-la, para desacreditar os próprios marcos de criação e legitimidade das instituições. Essa aparente contradição não é novidade e nem exclusividade da Nova República. Infeliz e coincidentemente, ocorreu em certa medida no início da década de 1930, no período que imediatamente antecede ao golpe do Estado Novo varguista e na década que antecede o golpe militar de 1964. Não à toa, a última eleição presidencial foi disputada entre um saudosista do varguismo e um apologista da ditadura militar. 

Entre os avanços e obstáculos da Nova República, a sociedade mostrou que identificava que parte das dificuldades desse período histórico vinha do confronto entre o ‘espírito’ das instituições e o modo como os jogadores se comportavam. A resposta foi a ampliação da recusa de um e outro, que significou a radicalização de alguns contra as instituições democráticas e a desconfiança em relação à honestidade e integridade dos agentes políticos. Ou seja, uma avenida para a ascensão da direita (essa sim, de verdade!) que estressou ainda mais a polarização e seriamente se comprometeu com a ruptura institucional. 

Se a Nova República e a democracia brasileira estão sob risco, o livro de Aggio é esclarecedor na medida em que identifica e explica sem moralismos e vulgaridades a trama que, nas últimas quatro décadas, nos levou até essa situação. Se, de fato, não estão sob risco, é exatamente pela força das instituições que foram criadas e sustentaram o maior período democrático da história brasileira. Mesmo sob forte descrédito de alguns seus principais jogadores. 



Vinícius Müller é doutor em História Econômica, professor do INSPER, da Faculdade Belavista, da IBMEC, da FECAP, da Fundação Dom Cabral e do CLP-FAAP.


O processo do ano: STF julga os golpistas: seleção de vídeos por Airton Dirceu Lemmertz

 O vídeo exibido no julgamento da Petição número 12100 (da denúncia da PGR acerca dos chamados "atos de 8 de janeiro") na Primeira Turma do STF em 26/03/2025: https://www.youtube.com/watch?v=kFzqe71RpmQ (STF); https://www.youtube.com/watch?v=p55kxFG_e7Q(SBT); https://www.youtube.com/watch?v=j7oPHaKxkow (G1)


O ministro Alexandre de Moraes disse que o '8 de Janeiro' não foi "um passeio no parque", enquanto lia o voto: https://www.youtube.com/watch?v=hrKTEcEudDk (Band TV)

Após se tornar réu com os votos da Primeira Turma do STF, o ex-presidente Jair Bolsonaro fala em coletiva se defendendohttps://www.youtube.com/watch?v=-YoygwqUvR8 (Rádio Bandeirantes); https://www.youtube.com/watch?v=Q85CxJTFcdI (Jornal da Record)

Jair Bolsonaro vira réu por tentativa de golpe de Estado: https://www.youtube.com/watch?v=HuZQ60FIdn8 (Euronews); https://www.youtube.com/watch?v=66VY85PhmcY (DW Brasil); https://www.youtube.com/watch?v=89RTi6bePtM (Record News); https://www.youtube.com/watch?v=taRTBQFkE-o (BBC News Brasil); https://www.youtube.com/watch?v=SEvIH17DYQA (Jornal da Record)

A primeira turma do Supremo Tribunal Federal tornou réus o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete aliados por tentativa de golpe de estado depois das eleições de 2022. Agora, o STF planeja o julgamento dos outros núcleos de investigados. Veja os próximos passos da ação penal de tentativa de golpe: https://www.youtube.com/watch?v=YpgGzJeKW4Y (CNN Brasil); https://www.youtube.com/watch?v=4UWOZdXrse4 (G1); https://www.youtube.com/watch?v=XvbUI7Dqu28 (SBT)

Os próximos passos do julgamento do ex-presidente: https://www.youtube.com/watch?v=OMjRvnK51ZE (GZH)

Jamil Chade fala sobre a repercussão mundial do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF por tentativa de golpe: https://www.youtube.com/watch?v=mqW6umvfrM8 (UOL)

As consequências para Bolsonaro: https://www.youtube.com/watch?v=Jm3V5bO5kTo (Flow News)

Jair Bolsonaro falou com a imprensa logo após a decisão da primeira turma do STF. Agora réu, o ex-presidente se diz perseguido e alega inocência. Vera Magalhães e Dimas Ramalho repercutem as falas de Bolsonaro sobre a decisão. Ambos acreditam que o posicionamento do ex-presidente é criar uma narrativa de vítima e instigar a polarização nos debates políticos. https://www.youtube.com/watch?v=Addvc7Co8tA (TV Cultura)

Josias de Souza analisa a entrevista coletiva do ex-presidente Jair Bolsonaro após julgamento que o tornou réu no STF: https://www.youtube.com/watch?v=o50b9w6eFYs (UOL)

"Até agora está sem explicação porque Bolsonaro reúne no Alvorada os comandantes militares", diz Octavio Guedeshttps://www.youtube.com/watch?v=C2PxLjyetZc (G1)

Reinaldo Azevedo: "Bolsonaro faz discurso golpista para provar que não é golpista. Coisa de gênio…". https://www.youtube.com/watch?v=5RsxJzwOdLs (Rádio BandNews)

Lula comentou a decisão do STF de aceitar denúncia contra o ex-capitão e afirmou que não adianta o rival fazer 'bravata': 'Ao invés de chorar, caia na realidade'. https://www.youtube.com/watch?v=UyGisyy8ZG4 (Veja+)

 Boris Casoy comenta o julgamento pela primeira turma do STF que torna o ex-presidente Bolsonaro réu por tentativa de golpe de estado: https://www.youtube.com/watch?v=6rs9AJfu-3s (Boris Casoy)

 Paulo Alceu: "O que vai ocorrer no âmbito do STF já se sabe, mas as atenções se voltam agora para os reflexos no âmbito político/eleitoral. No Planalto já se fala que Bolsonaro é 'carta fora do baralho': desejo ou realidade?". https://www.youtube.com/watch?v=Chs2KcIrVnc (Programa ND Notícias)

 Julgamento na turma ou no plenário? https://www.youtube.com/watch?v=r-74_T0mxOQ (ANCAPSU)

 E a dosimetria das penas? https://www.youtube.com/watch?v=NtF7M2YUlsY (ANCAPSU)

Anistia [que Bolsonaro defende] é possível? https://www.youtube.com/watch?v=JaJFqDAjQPk (G1)

STF e o processo do golpe: videos disponiveis (via Airton Dirceu Lemmertz)

Agradeço a Airton Dirceu Lemmertz a remessa do material

Para registro histórico e para quem não assistiu o julgamento diretamente:

Vídeos [no canal do STF no Youtube] de: a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) analisa a denúncia contra o primeiro grupo de acusados de “tentativa de golpe de Estado”; a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR) envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-ministros e militares:

 

25/3/2025 [terça-feira] – a análise:

- Parte 1 [manhã, às 9h30min]: https://www.youtube.com/watch?v=t5siMdJcLkY (2:49:27);

- Parte 2 [tardeàs 14h]: https://www.youtube.com/watch?v=cWgJsltJ6Cc (3:07:04).

 

26/03/2025 [quarta-feira] às 9h30min – a continuação da análise e os votos:

vídeo com detalhes dos atos de 8 de janeiro de 2023, exibido no julgamento do recebimento da denúncia do núcleo 1 da Petição 12100. O relator do caso solicitou a veiculação deste vídeo durante seu voto: https://www.youtube.com/watch?v=kFzqe71RpmQ (5:06);

- o ministro Alexandre de Moraesvotou pelo recebimento integral da denúncia. Ele concluiu pela existência de materialidade e gravidade dos crimes e de indícios suficientes de autoria pelos acusados, com descrição dos fatos que possibilita contraditório e ampla defesa. https://www.youtube.com/watch?v=ziOJBWhtR4M (1:50:07);

- a ministra Cármen Lúcia votou para receber a denúncia contra os oito acusados. A seu ver, a peça de acusação da PGR descreve uma tentativa contínua de desmontar a democracia, que culminou nos atos do dia 8 de janeiro de 2023. https://www.youtube.com/watch?v=qXNQqJVI6Qs (17:42);

- o ministro Cristiano Zaninafirmou que a PGR apresentou uma série de elementos para amparar os fatos apontados na denúncia e ressaltou que as provas levantadas nessa fase mostram fatos extremamente graves. Ele também destacou que a acusação não está baseada exclusivamente em colaboração premiada. https://www.youtube.com/watch?v=AKRV8-BdJR4 (5:21);

- o ministro Luiz Fux acompanhou integralmente o voto do relator pelo recebimento da denúncia. Ele ressaltou que a materialidade dos crimes foi demonstrada pela PGR e que não se pode ficar indiferente às ameaças à democracia. https://www.youtube.com/watch?v=7hCrsbMlScs (19:18);

- o ministro Flávio Dinoacompanhou o voto do relator e ressaltou que atentar contra o Estado Democrático de Direito ou contra o governo eleito é punível por lei. Ele contestou o raciocínio de que, por não resultar em morte, a tentativa de golpe teria menor potencial ofensivo. “Golpe de Estado mata, não importa se no dia, no dia seguinte ou alguns anos depois”. https://www.youtube.com/watch?v=Fd8gt8xW2w4 (24:35).

O duplo desafio do século XXI - Paulo Roberto de Almeida

O duplo desafio do século XXI

Paulo Roberto de Almeida


Depois de séculos e séculos de guerras, massacres e hostilidades, o mundo caminhava para certa tranquilidade sob as regras mais ou menos aceitáveis do multilateralismo onusiano, quando irrompe a vontade reconquistadora de um cleptocrata frustrado com a diminuição do velho império das estepes e começa a avançar sobre terras vizinhas, as da Europa central e oriental. Os modos são os mais violentos jamais vistos desde a IIGM. É a morte novamente.

Não bastasse a violência armada, irrompe do outro lado do cenário um touro desembestado que começa a disparar mísseis tarifários contra antigos aliados e grandes parceiros comerciais, causando grande caos na economia mundial, destruindo as bases do multilateralismo comercial criado simultaneamente à ONU.

Nenhum dos dois autocratas respeita as regras penosamente costuradas ao cabo do maior conflito global da história da Humanidade. Ambos continuam a se guiar mais por seus instintos agressivos do que pelas normas mais elementares de um Direito internacional dificilmente erigido sobre os escombros da IIGM.

Atento à espreita, medindo as ações, está um velho império do passado que se prepara para recolher os ganhos de oportunidade que os dois impérios turbulentos do presente lhe estão oferecendo praticamente de graça.

À margem, sem qualquer capacidade de reação coordenada, contemplam o cenário desolador atores médios e pequenos que observam a luta dos dois gigantes, não um contra o outro, mas ambos contra a racionalidade, a paz e a segurança da humanidade. 

Tempos difíceis e imprevisíveis, mas não haverá um novo conflito global, apenas a autodestruição irracional do que foi construído nos últimos 80 anos de uma paz precária, indefesa em face de déspotas egocêntricos.

Não sabemos ainda a extensão do desastre e o que perdurará a despeito da ação dos elefantes loucos. Cabe apenas recomendar resiliência e cautela, até que eles se esgotem em suas iniciativas autodestruidoras.

Ao Brasil não cabe escolher nenhum dos lados irracionais, apenas manter valores e princípios de sua postura diplomática tradicional. 

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 27/03/2025


quarta-feira, 26 de março de 2025

Clássicos revisitados: uma série em plena continuidade - Paulo Roberto de Almeida

 Clássicos revisitados: uma série em plena continuidade 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre os clássicos revisitados já feitos e uma em preparação. 

 

        Leitor compulsivo da boa literatura nas ciências sociais e nas humanidades, adquiri o hábito, desde as comemorações dos 150 anos do Manifesto Comunista, em 1998, de proceder a uma releitura dos grandes clássicos nessas áreas, revisitando os argumentos originais, mas adaptando-os ao ambiente contemporâneo. Assim, a primeira produção da minha série de “clássicos revisitados” foi exatamente a obra fundadora do “socialismo científico”, reescrevendo o panfleto do Marx e Engels sob o título de “Manifesto do Partido Comunista (atualizado para o século XXI)”, texto publicado no periódico então dirigido por Murillo de Aragão, Política Comparada, Revista Brasiliense de Políticas Comparadas (ano II, vol. II, nº 1, janeiro-junho 1998, p. 43-78). Nesse primeiro experimento de releituras atualizadas de grandes obras do passado eu retomava integralmente a estrutura e o estilo do texto original, operando uma transcriação-recriação do Manifesto de Marx e Engels, de 1848, adaptando-o às circunstâncias daquele final de século XX, já num ambiente de globalização triunfante. 

        A recepção parece ter sido satisfatória, pois que recebi o convite para republicar o texto, numa versão ampliada, em formato de livro, o que foi feito desde o ano seguinte: Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999), incorporando ainda um “Elogio da Exploração”, mais uma releitura de um discurso de Marx sobre as virtudes do livre comércio no caminho ao socialismo e, por último, um ensaio sobre a parábola do marxismo no século XX, compulsando toda a literatura a esse respeito. Esse livro, ao lado de vários outros esgotados ou fora do mercado de editoras comerciais, passou a estar disponível na plataforma acadêmica Academia.edu (link: https://www.academia.edu/41037349/Velhos_e_Novos_Manifestos_o_socialismo_na_era_da_globalizacao_1999_).

        Tomei gosto pela trouvaille de revisitar obras do passado, engajando em seguida numa longa reescritura do clássico de Maquiavel, daí resultando O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado), publicado em duas edições: uma digital (Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2009, 191 p.), outra impressa (Brasília: Senado Federal, 2010, 195 p.; disponível: https://www.academia.edu/5547004/16_O_Moderno_Pr%C3%ADncipe_Maquiavel_revisitado_2010_).

        O divertissement continuou, por meio de uma adaptação de um outro clássico do passado, Tocqueville, mas fazendo-o “trabalhar”, hipoteticamente, para uma nova missão de prospecção, a serviço do Banco Mundial, revisitando nosso desempenho político na atualidade: “De la Démocratie au Brésil: Tocqueville de novo em missão” (Brasília, 10 agosto 2009, 10 p.). O resumo desse trabalho, publicado numa revista tipicamente universitária, pode ser aqui reproduzido: 

        O francês Alexis de Tocqueville vem ao Brasil, a serviço do Banco Mundial, para examinar a situação do país do ponto de vista do funcionamento das instituições democráticas e da economia de mercado. Tendo chegado bem-intencionado, ele constata irregularidades e aspectos disfuncionais em praticamente todas as instituições que visitou e nos mecanismos políticos e econômicos que examinou. Constata a deterioração da democracia e os avanços do estatismo, aliás apreciado e valorizado no Brasil. Parte de volta a Washington frustrado. (Espaço Acadêmico (9, 103, 2009, link: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8822/4947; acesso em 13 mar 2025).

 

        Depois de Maquiavel e Tocqueville, dois gigantes da sociologia política, decidi fazer percursos por dois pensadores, um da antiguidade chinesa, outro da modernidade francesa, com conexões para a política brasileira: “Formação de uma estratégia diplomática: relendo Sun Tzu para fins menos belicosos” (Espaço Acadêmico, 10, 118, mar. 2011, 155-161; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/12696/6714); “Da diplomacia dos antigos comparada à dos modernos”, a partir do modelo de Benjamin Constant, “De la liberté des anciens comparée à celle des modernes”. Academia.edu (link: http://www.academia.edu/12507205/2822_Da_diplomacia_dos_antigos_comparada_%C3%A0_dos_modernos_2015_; blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2015/10/da-diplomacia-dos-antigos-comparada-dos.html).

        Ao considerar novos pensadores, como “vítimas” dessas releituras atualizadas (e George Orwell, com o seu Animal Farm, estava certamente na primeira fila, muitos anos atrás), eu já tinha imaginado, retomar as lições básicas de Milton Friedman em seu famoso livro de 1962, e aplicar os seus argumentos ao caso brasileiro, com as devidas adaptações e considerações específicas ao nosso itinerário histórico e econômico. O fato é que, em 2006, imediatamente após sua morte, em 16 de novembro desse ano, imaginei um diálogo possível, em algum lugar do céu ou do limbo, dele com sua alma gêmea Roberto Campos, num artigo intitulado “Milton Friedman meets Bob Fields: o reencontro de dois grandes economistas”; ele foi publicado no dia 26 pelo Instituto Millenium (hoje apenas disponível em meu blog: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/01/milton-friedman-meets-bob-fields-o.html). 

        Roberto Campos tinha imensas afinidades eletivas com Milton Friedman, e sobre ele e seu pensamento já escrevi muitos artigos, incluindo dois livros. O primeiro, organizado e em grande parte escrito por mim: O Homem Que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris, 2017; do qual está disponível uma apresentação em meu blog: https://diplomatizzando.blogspot.com/2017/04/o-homem-que-pensou-o-brasil-roberto.html) constituiu uma homenagem no centenário do seu nascimento. O outro coletou todos os textos “constitucionais” de Roberto Campos, sua participação na Constituinte e as análises que ele fez sobre os impactos da Carta de 1988 sobre a economia e a política do Brasil: A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM, 2018; apresentação disponível neste link: https://www.academia.edu/37324704/A_Constituicao_Contra_o_Brasil_Ensaios_de_Roberto_Campos_sobre_a_Constituinte_e_a_Constituicao_de_1988). Ambos tinham uma inequívoca convicção de que a condição essencial da liberdade política era a liberdade econômica, e é por essa questão que podemos dar início à nossa releitura da obra clássica de Friedman. 

        Efetuei há dois anos um esquema, unicamente focado na “versão brasileira” dessa obra interessante, conceitualmente ainda válida, mas datada em seus capítulos operacionais. Reproduzo esse esquema, mas precedido pelos títulos dos treze capítulos da obra original, para que se possa pelo menos ter uma ideia de quais questões Friedman tratou, aqui com a indicação sobre os problemas correlatos que caberia tratar no caso do Brasil. Já escrevi metade da obra, mas ainda vou demorar mais algumas semanas, com diversos outros trabalhos no pipeline, para terminar o conjunto dos capítulos, e depois preparar prefácio e apresentação, antes de publicar a obra, que é, como as precedentes da série, uma homenagem ao autor do clássico escolhido. Tenho vários outros na minha “lista de desejos”, mas não pretendo revelar agora as próximas “vítimas” dessas minhas intrusões no passado. Pelo menos, não tenho nada a temer dos autores, pois geralmente são autores do passado (o que é o requerimento para se tornar um clássico, embora alguns já o sejam em carne e osso).

 

(segue o esquema)

 


Capitalismo e Liberdade: uma releitura de Friedman ajustada ao Brasil


 

Capitalism and Freedom (1962)

Capitalismo e democracia no Brasil: releitura de um clássico


Prefácio (com referências aos prefácios das edições de 1982, 2002 e 2020)

 

Introduction

Introdução


1. The relation between economic freedom and political freedom

A difícil conexão entre liberdade política e liberdade econômica no Brasil

 

2. The role of government in a free society

O peso do Estado em uma sociedade parcialmente livre

 

3. The control of money

Moeda e finanças num ambiente altamente volátil

 

4. International financial and trade arrangements

Acordos financeiros e comerciais internacionais: a longa dependência

 

5. Fiscal policy

As contas públicas: raramente em equilíbrio

 

6. The role of government in education

O papel insuficiente do Estado na educação

 

7. Capitalism and discrimination

A persistência do escravismo e do corporativismo 

 

8. Monopoly and the social responsibility of business and labor

Monopólios, carteis e o sindicalismo tutelado pelo Estado

 

9. Occupational licensure

O cartorialismo regulatório ultra exacerbado 

 

10. The distribution of income

A não distribuição de renda: uma tendência persistente ao longo da história

 

11. Social welfare measures

Políticas de bem-estar social: entre o foco e a abrangência

 

12. Alleviation of poverty

Redução da pobreza: uma tarefa nunca completada

 

13. Conclusion

Conclusão: o que nos separa de uma sociedade desenvolvida?

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4881, 26 março 2025, 4 p.

Book Review, Thomas Larkin on China: na origem da dominação ocidental: guerras do ópio e colônia britânica de Hong Kong, by Richard J. Grace

 Book Review: 

H-Diplo Review Essay 622

Thomas M. Larkin. The China Firm: American Elites and the Making of British Colonial SocietyColumbia University Press, 2024. ISBN: 9780231210676 (paperback).

25 March 2025 | PDF: https://hdiplo.org/to/E622 | X: @HDiplo | BlueSky: @h-diplo.bsky.social

Editor: Diane Labrosse 
Commissioning Editor: Kevin Grimm 
Production Editor: Christopher Ball
Pre-Production Copy Editor: Masami Kimura 

Review by Richard J. Grace, Providence College

At the conclusion the First Opium War, in 1842, the Celestial Empire ceded the island of Hong Kong to Great Britain. Prior to the war, British merchants at Canton (Guangzhou) had complained vociferously to their home government that the Chinese authorities had declined diplomatic relations with Britain but imposed regulations that affected the business of foreign merchants. To escape from that uncomfortable situation, British merchants sought an entrepot of their own, separate from Chinese interdictions as in the case of the opium trade. When Commissioner Lin Zexu seized the foreign opium stocks in 1839, the Scottish merchant William Jardine sent a “paper of hints” to Foreign Secretary Lord Palmerston, suggesting that the British naval squadron then in Chinese waters seize a suitable island and initiate a negotiation on such terms as: “You take my opium—I take your islands in return—we are therefore Quits, — & thenceforth if you please let us live in friendly Communion and good fellowship.”[1]

When the Treaty of Nanking was agreed to in 1842, Hong Kong was the island that was ceded to Britain; by that time, it was already in British possession, as British naval forces had taken control of the island in 1841. Almost immediately, British firms had begun setting up their operations there and much of the foreign trade of Canton relocated to the new British colony. The Hong merchants, who had been the required conduit of foreign trade at Canton, quickly recognized that “the island-entrepot meant the end of Canton as they knew it.”[2] American firms followed the initial British establishments at Hong Kong, and they became participants in an evolving China trade that took shape differently from the pre-war commerce. The most prominent American firms in the China trade at Canton prior to the Opium War were Russell & Co., Wetmore & Co., Olyphant & Co., and Augustine Heard & Co.

Thomas Larkin’s monograph is the story of Augustine Heard & Co., which was established by Massachusetts people in 1840 and which was declared bankrupt by 1878. The book concentrates much of its attention on four nephews of Augustine Heard, Sr., the founding father of the company. John Heard, Augustine Heard, Jr., Albert Farley Heard, and George Farley Heard were the directors of the Heard business in its heyday.

For most of its life, Augustine Heard & Co. was at home in Hong Kong, though it had offices in some of the treaty ports, most prominently Shanghai. Accordingly, Larkin’s book devotes much of its attention to the way in which the American firm adapted to the circumstances of commerce and society as established by British firms on the island. The book takes in business history, cultural history, personal biographies, and transnational commercial developments. It is a valuable addition to the growing stock of studies of the mercantile history of East Asia during a period when China was in decline. It is written more for scholars than for general readership, in part because of its style of composition, with a vocabulary that employs terms which are more commonly used in other disciplines. In short, the text is sometimes thick, requiring multiple readings for some sentences. However, that does not subvert the value of the author’s research and organization.

The chapters deal with many interesting facets of the firm’s headquarters in Hong Kong, including, for example, the racial dimension of the relationship between these American businessmen and their Chinese personnel who had a great deal to do with the smooth operations of the business and the domicile (under one roof). As the household served commercial affairs and personal accommodation, the operation of the company headquarters had to satisfy a great number of functions, including transactions and entertaining.

One of the most important elements of the book, one which Larkin handles deftly, is the rapport (or lack thereof) between American merchants in China and their English counterparts. The business practices and social practices were established by the British firms there, and the Americans largely conformed and took advantage of the British model. There was some tension or jealousy evident in the way that Americans regarded the more firmly established British firms and the “elite society” that Larkin describes in his presentation of the merchants from different homelands and their ways of life. 

The book gives some attention to women on the scene in China and in Boston, but mostly the four Heard brothers are the primary figures in this history (with the exception of Mary Livingston, wife of Albert Heard). The social code of the China trade opposed marriages between American or British businessmen and Chinese women, but there were many instances where Western traders held long-lasting relationships with “protected women” and, upon leaving China, set up funds to provide for these women and their Eurasian children, as in the case of John Heard’s son, Richard Howard Heard (178-85).

Although the title of the book refers to the Heard “firm,” the text is as much about the lives of the company’s administrators as it is about business operations. Close observation of company management (cargoes, bills of trade, banking transactions, taxes, bankruptcy settlements, consignment sources, pay for employees, etc.) would have been welcome, at the risk of nitty-gritty, but important, detail. 

The man who gave his name to the firm, Augustine Heard, Sr., a sea captain from Ipswich, Massachusetts, does not occupy a prominent role in Larkin’s account of the firm. The founders who were active in China were Joseph Coolidge (formerly of Russell & Co.) and George Dixwell. They assisted British firms in carrying on a clandestine trade during the period of the Opium War. After the Thirteen Factories (where foreign trade was conducted at Canton) were razed to the ground during the British and French assault on the city at the start of the Second Opium War in December 1856, the operations of Heard & Co. were re-established at Hong Kong, which became the headquarters of the firm for the remainder of its existence. The four brothers (John, Augustine Jr., Albert, and George) ran the firm by turns, but not with even management strategies. Accordingly, Augustine Heard & Co. was not a model of business stability. Larkin’s primary documentary collection is the Heard Family Business Records at the Baker Library, Harvard Business School.

One theme that runs through the book examines the relationship between American merchants in China and the British firms which were on home ground in the new colony. The business practices and social practices were established by British firms there, and the Americans largely conformed and took advantage of the British dominance. To some degree, the neutral status of American trade during the Opium War allowed British firms to keep their businesses alive by trans-shipping their cargoes into China on American ships. But there was a quiet tension between the two national groups after the war that was intensified by the sympathies of some British citizens (in China and in England) for the Confederate side in the American Civil War. Larkin handles this tension smoothly, acknowledging it, but not exaggerating it. Sometimes the fusion of local Chinese ways and British practices, as in the emergence of the “tiffin” as a substitute for the English afternoon tea, reduced such tensions between the English and the Americans. Moreover, the author describes a “sense of white cohesion” by which “the Americans and British found unity by identifying that which they both were not: Chinese” (75).

Larkin’s chapters have varying weight. For example, chapter 2, which deals with the properties that served as domicile and business headquarters, offers a great deal of insight into the somewhat confusing social circumstances of the American merchants. Chapter 3, which describes the roles of women in the colony, and the situations in which American and British merchants and families got together in social rounds, at clubs, and at the horse races, explains the odd functioning of social occasions and practices. Larkin’s work is very good in this field of social history. In contrast, the chapter which describes the Heard brothers’ fortunes after China is somewhat less effective because of the awkwardness of the text bouncing from one brother to another repeatedly.

Jacques Downs’s The Golden Ghetto is a good starting point for readers interested in American commerce in China in the first half of the nineteenth century.[3] The field of the old China trade and the post-1842 burgeoning of Western firms is a hot market these days, and those scholars who are interested in this province of East Asian History would do well to keep attention on the work of Paul van Dyke, John Carroll, Alain LePichon, Elizabeth Sinn, Phyllis Forbes Kerr, and Stacilee Ford.[4]

In his introduction, Larkin states that he has used this case study of Augustine Heard & Co. “to establish a more complete understanding of how Americans abroad interacted with nineteenth-century British colonialism and shaped Sino-foreign contact” (9). In that endeavor, he has been successful.

 

Richard J. Grace is an emeritus Professor of History at Providence College in Rhode Island. He holds a PhD in History from Fordham University and has twice been a visiting fellow at St. Edmund’s College, University of Cambridge. His fields of special interest are British and American history in the nineteenth and twentieth centuries. His study of nineteenth-century China traders, Opium and Empire: The Lives and Careers of William Jardine and James Matheson, was published in 2014 by McGill-Queens University Press. He is currently completing an analysis of the various types of costs of World War II for Great Britain. He is the author of articles and reviews in numerous academic journals.


 


[1] Memorandum from William Jardine to Lord Palmerston, 5 December 1839, Palmerston Papers, University of Southampton, MS 62 PP/ MM/ CH /5.

[2] Jacques Downs, The Golden Ghetto: The American Commercial Community at Canton and the Shaping of American China Policy, 1784–1844 (Lehigh University Press, 1997), 325.

[3] Downs, The Golden Ghetto.

[4] Regarding Chinese migration via Hong Kong, see Elizabeth Sinn, “In-between Place: A New Paradigm for Hong Kong Studies,” in Elizabeth Sinn, Siulun Wong, and Wing-hoi Chan, eds.,Rethinking Hong Kong: New Paradigms, New Perspectives (University of Hong Kong Centre of Asian Studies, 2009). Regarding the field, see Paul Van Dyke, Americans and Macao: Trade, Smuggling, and Diplomacy on the South China Coast (Hong Kong University Press, 2012); John Carroll, Canton Days: British Life and Death in China (Rowman & Littlefield, 2020); Alain Le Pichon, Aux origins de Hong Kong: Aspects de la civilisation commerciale a Canton – Le fonds de commerce de Jardine, Matheson & Co., 1827–1839 (L’Harmattan, 1998); Elizabeth Sinn and Christopher Muss, eds., Meeting Place: Encounters across Cultures in Hong Kong, 1841–1984 (Hong Kong University Press, 2017).

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