sexta-feira, 30 de maio de 2025

Uma Argentina dolarizada mataria o Mercosul? - Paulo Roberto de Almeida

 Uma Argentina dolarizada mataria o Mercosul?

Paulo Roberto de Almeida

Já respondo que não, mas vamos refletir conjuntamente.

O que aconteceria com o Mercosul se a Argentina dolarizasse efetivamente (o que ela já já faz na prática e em ampla medida) e com as relações comerciais recíprocas dos países membros?
No estágio atual de NÃO evolução do Mercosul, para um mercado comum de verdade, com convergência de políticas macroeconômicas, não mudaria quase nada, pois os intercâmbios já são saldados em dólar, bem mais do que em moedas locais.
O que sim ocorreria é que o "mini-Maastricht" previsto tempos atrás para o Mercosul, e avanços no sentido de caminhar para uma moeda comum, seriam postos de lado, para continuar o que já existe hoje: duas economias com controles cambiais e monetários, o que aumenta os custos para os agentes econômicos. O Uruguai já tem liberdade monetária e cambial; qualquer pessoa pode usar a moeda que quiser para suas compras, e ninguém vem pedir demonstração de ativos declarados para que o Fisco ou o sistema bancário possam cobrar as suas taxas de comissão e de impostos (como o IOF, por exemplo).
Quem ganha com as restrições atuais são o cambistas, os bancos, e o governo, que mete sua mão peluda em todas as transações.
Registrem que os traficantes, milícias, bandidos em geral (entre os quais gente engravatada) já usam o dólar livremente, compram carros de luxo e passeiam tranquilamente ao exterior.
Quando Brasil e Argentina se converterem em países normais, o Mercado Comum do Sul poderá, talvez, opositor.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30/05/2025

Perigo de confrontação com os EUA deve ser evitado - Rubens Barbosa (Portal Interesse Nacional)

Perigo de confrontação com os EUA deve ser evitado

Rubens Barbosa
Portal Interesse Nacional, 30/05/2025


A crescente pressão do governo Trump sobre o Brasil, impulsionada por aliados bolsonaristas e agravada pela resposta do governo Lula ao que vê como ameaças à soberania nacional, expõe a ausência de diálogo direto entre os dois países. Com sanções iminentes e riscos à relação bilateral, o Itamaraty tenta, nos bastidores, evitar o isolamento diplomático e proteger interesses comerciais estratégicos.

https://interessenacional.com.br/portal/perigo-de-confrontacao-com-os-eua-deve-ser-evitado/

A falta de canais de comunicação de alto nível entre o governo Lula e o governo Trump continua a ter impacto no relacionamento bilateral. As divergências ideológicas entre Lula e Trump justificam a falta de contato em nível presidencial.

Enquanto isso, desde a eleição em novembro, a oposição bolsonarista tem atuado, junto ao candidato e agora presidente republicano e junto ao secretário de Estado, Marco Rubio, contra o governo Lula, sobretudo pedindo a aplicação de lei norte-americana que pune autoridades de outros países que impedem a liberdade de expressão de cidadãos americanos.

O pedido contra Moraes começa com as demandas contra Elon Musk quando o STF examinava a regulamentação das redes sociais. O assunto – que deveria ficar restrito ao Judiciário – ganhou dimensão política no momento em que o presidente Lula decidiu assumir a reação do governo brasileiro, considerando que a sanção seria uma tentativa de interferir em decisões internas do Judiciário brasileiro é uma afronta à soberania nacional.

‘O Itamaraty foi instruído pela Presidência a conversar discretamente, através da embaixada em Washington para, de maneira pragmática, esclarecer a força da democracia no Brasil’

Nesse contexto, o Itamaraty foi instruído pela Presidência a conversar discretamente, através da embaixada em Washington, com as autoridades norte-americanas (Western Hemisphere Dept ou o Assessor de Segurança Nacional), para, de maneira pragmática, esclarecer a força da democracia no Brasil, a importância do relacionamento bilateral e as implicações caso essa sanção seja aplicada.

Algum tipo de sanção (moderada) contra Alexandre de Morais deverá ser anunciada pelo governo norte-americano. Na quarta-feira (28), Marco Rubio anunciou a restrição de visto contra autoridades estrangeiras que possam ser consideradas como responsáveis por uma suposta censura contra cidadãos ou empresas norte-americanos, como antecipado pelo secretário de Estado em depoimento no Senado dos EUA, ao afirmar que “hå grande possibilidade” de o ministro do Supremo ser penalizado pelas alegadas restrições à liberdade de expressão contra um cidadão norte-americano. Teria sido preferível que o Executivo não tivesse interferido nessa matéria, que diretamente afeta ao Judiciário.

‘Dados a imprevisibilidade das decisões do governo Trump e os interesses de preservar os interesses nacionais, seria importante evitar uma confrontação com Washington’

Dados a imprevisibilidade das decisões do governo Trump e os interesses de preservar os interesses nacionais, seria importante evitar uma confrontação com Washington.

Em vista dos precedentes políticos e diplomáticos entre Lula e Trump, ocorrendo a sanção, o governo Lula não terá alternativa senão minimizar o fato para evitar uma crise diplomática, que poderá afetar outras negociações em curso, em especial os entendimentos sobre as restrições comerciais sobre o aço e o alumínio, além dos 10% de tarifas sobre todos os produtos exportados para os EUA.

Para complicar ainda mais a situação, Alexandre de Moraes, acolhendo pedido da PGR, decidiu abrir inquérito para investigar o deputado Eduardo Bolsonaro pelos crimes de coação no curso do processo e obstrução de investigação. Essa medida – que será utilizada internamente na narrativa de perseguição política – é um equívoco por agravar a crise com o governo de Washington e precipitar a decisão do governo de Washington contra Moraes.

‘Desde o início do governo Trump está crescendo gradualmente o número de reparos ao Brasil. Essas questões poderão evoluir contrariamente aos interesses brasileiros com a imposição de sanções ao país’

Desde o início do governo Trump está crescendo gradualmente o número de reparos ao Brasil. Essas questões poderão evoluir contrariamente aos interesses brasileiros com a imposição de sanções ao país, sobretudo se levarmos em conta as recentes declarações do secretário da Defesa de que a América Latina é o quintal dos EUA e do presidente Trump de que os países da região talvez tenham de optar entre os EUA e a China.

O encontro da CELAC com a China em Pequim, a visita de Estado de Lula e os 30 acordos assinados poderão ser munição utilizadas por Trump. A reunião do Brics em julho poderá adicionar novos elementos de pressão dos EUA.

O resgate dos exilados venezuelanos na embaixada da Argentina, sob a guarda do Brasil, foi feito sem qualquer comunicação ao Itamaraty, que por nota oficial declarou apenas ter tomado conhecimento da ação dos EUA e que solicitou salvo conduto inúmeras vezes sem ter sido atendido pelo governo Maduro.

Por nota do Departamento de Estado, o governo de Washington informou estar oferecendo US$ 10 milhões por informações sobre transferência de recursos para o Hezbollah oriundos da tríplice fronteira entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai.

‘Em outra declaração problemática, o governo americano disse que o Paraguai não teria de vender ao Brasil o excedente de energia gerado por Itaipu, mas aos EUA’

Em outra declaração problemática, o governo americano disse que o Paraguai não teria de vender ao Brasil o excedente de energia gerado por Itaipu, mas aos EUA.

Finalmente, a recente eleição de membros do Congresso venezuelano pela região do Essequibo na Guiana poderia representar uma escalada na crise com a Guiana com a interferência militar norte-americana e o estabelecimento de uma base norte-americana na América do Sul, que sempre contou com a posição contrária do governo brasileiro.

Outras medidas e declarações de membros do governo norte-americano mostram a maneira como o Brasil está sendo tratado. Depois de quase seis meses desde a eleição, o secretário de Estado, Marco Rubio, ligou para mais de 80 ministros do exterior, mas não achou necessário chamar o ministro Mauro Vieira. Celso Amorim não abriu um canal de comunicação com o Assessor de Segurança Nacional de Trump. O governo de Washington ainda não designou embaixador em Brasília.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional


Marcos Azambuja: morre um dos últimos barões da diplomacia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

Marcos Azambuja: morre um dos últimos barões da diplomacia brasileira

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota afetiva sobre o embaixador Marcos Castrioto de Azambuja.
A diplomacia imperial – que também conheceu um diplomata de nome Azambuja, talvez um hoje ignorado ancestral do embaixador Marcos Castrioto de Azambuja, falecido em 28 de maio de 2025, aos 90 anos completos – teve muitos barões, título fartamente distribuído pelo protocolo do Segundo Império para aliciar seus protetores e financiadores voluntários. O título de barão não era transmissível, mas era escalável na distinção, podendo por exemplo chegar a duque, como foi Caxias, um dos condestáveis do regime imperial, vindo de Pedro I e elevado sob Pedro II, na guerra do Paraguai.
A diplomacia republicana, jacobina em seu início, extinguiu todos os títulos de nobreza, mas não conseguiu impedir que um deles sobrevivesse, respeitadíssimo, nas três primeiras décadas de sua turbulenta consolidação: o Barão do Rio Branco, filho do Visconde da mesma designação, grande diplomata e estadista de um dos raros gabinetes longevos do Segundo Império, negociador no Prata e autor da Lei do Ventre Livre, um dos tímidos passos dados em direção à completa abolição da escravatura (quando o filho já tinha herdado o título, embora num degrau inferior). José Maria da Silva Paranhos Júnior, ao ser confrontado com a eliminação geral dos títulos nobiliárquicos na fase radical da República positivista, foi esperto o suficiente para agregar o sobrenome Rio-Branco (assim, com hífen, ao início) aos expedientes que enviava ao Rio de Janeiro desde Liverpool. Num dos mais ativos portos do Reino Unido, ainda na vanguarda da revolução industrial, sob o capitalismo manchesteriano tão bem analisado (quanto repudiado) por Marx, Juca Paranhos se exercia, não como diplomata, uma carreira acima da sua simples designação como cônsul (separada da dos nobres diplomatas), mas num dos postos mais cobiçados da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, pelos ricos emolumentos consulares que caiam na conta do chefe do posto, elevando sua renda quase ao nível dos vencimentos percebidos pelos diplomatas servindo nas legações mais distinguidas do Serviço Exterior do Império.
Os demais barões do Império, que ousaram continuar ao serviço da diplomacia republicana, mesmo perdendo o nobre título, miravam com inveja para o esperto Rio-Branco, que podia impunemente exibir a sua glória nobiliárquica, ao assinar os expedientes despachados por navio ou remetidos telegraficamente ao Rio de Janeiro, depois de agregar o ritualístico “Saúde e Fraternidade” exigido pelos novos costumes quase termidorianos. Com o passar do tempo, só havia sobrevivido um Barão, com B maiúsculo, e nem era preciso acrescentar o designativo Rio Branco quando alguém a ele se referia corriqueiramente, ou até cerimoniosamente, já na segunda década da República, quando o antigo cônsul, enobrecido funcionalmente pelas glórias conquistadas como árbitro brasileiro em dois grandes litígios fronteiriços herdados do Império, alcançou, em 1902, o posto de chanceler da República oligárquica, e a ela serviu sob quatro presidentes, que não ousaram destituí-lo até a sua morte, no próprio palácio do velho Itamaraty, em 1912. Um funeral apoteótico, obrigando o regime a deslocar o Carnaval para mais tarde, o que não serviu para nada, pois naquele ano o povo folgazão teve direito a dois carnavais.
Depois disso não houve mais nenhum barão na carreira, embora alguns, a exemplo de Juca Paranhos, agregassem o nome, sem o título, ao seu próprio, como o fizeram os sucessores de Ouro Preto, o último presidente de um gabinete imperial. Ao início da carreira, já nos anos 1980, cheguei a trabalhar com o embaixador Miguel do Rio Branco, irmão de um outro, João Paulo do Rio Branco, ambos netos do Barão, e visitei um dos embaixadores Ouro Preto em Roma ou em Helsinque. Ainda existem esses descendentes das nobres famílias da aristocracia imperial, mas se tornaram cada vez mais raros, com a democratização iniciada com a transferência da capital da República para o cerrado central.
Curiosamente, depois do Estado Novo, tão positivista quanto a República jacobina da sua primeira década, começaram a proliferar os barões da diplomacia, não pelo título, mas pelo poder exercido sobre os jovens mandarins do Serviço Exterior, já na rotinização do carisma suscitado pela criação do Instituto Rio Branco em 1945, centenário do próprio, cujo exame de seleção, rigorosíssimo, passou a ser única porta de entrada no Serviço Exterior. Os novos barões foram aqueles que, nascidos sob o Estado Novo ou ao início da República de 1946, foram galgando reconhecimento e ascendência funcional, ao acumularem experiência nos postos “nobres” da carreira – o famoso circuito “Elizabeth Arden”, ou “Helena Rubinstein” – e nas mais ambicionadas chefias da Secretaria de Estado. Marcos Azambuja foi um desses, já distinguido nos bancos do Instituto Rio Branco, quando nele ingressou em 1956, e depois nos postos onde serviu, sempre com vivacidade e exímio espírito de humor.
Quando ingressei na carreira, sob o último general presidente, ele já era um “barão” do Itamaraty, respeitado e muito vigilante em relação às nobres tradições da carreira, tanto que corrigiu uma afirmação um tanto abusada que dirigi à diplomacia da era Vargas numa resenha que havia submetido – no ritual obrigatório da autorização para publicação – em um livro que tratava da diplomacia dos anos 1930. Tornei a encontrá-lo já como representante brasileiro na Comissão do Desarmamento, em Genebra, onde eu me encontrava no final dos anos 1980, mas, como “barão”, ele carregou a sua própria corte, assim que fui deslocado para a Delegação junto aos demais organismos das Nações Unidas, passando a servir sob a ordens do embaixador Rubens Ricupero, este sem qualquer espírito baronial, uma espécie de George Kennan da diplomacia brasileira.
Cruzei novamente com Azambuja já em Brasília, ao início do governo Collor, ele como Secretário das Relações Exteriores, eu como simples conselheiro na área da integração, tendo tido a ousadia de aparteá-lo numa reunião de coordenação sobre o Mercosul, preparatória a uma importante conferência sobre o ainda incerto bloco de integração. Creio que, como barão de fato, ele não deve ter apreciado meu registro factualmente corretivo sobre uma minúcia qualquer do processo de construção do bloco do Cone Sul, em face do silêncio obsequioso de todos os demais chefes da Casa, que me olhavam espantado pelo atrevimento da retificação, quando eu estava ali apenas representando o meu chefe, o embaixador Rubens Barbosa, justamente em viagem a serviço da Comissão do Mercosul. Nunca fui da sua corte, aliás de nenhuma, mas sempre soube apreciar sua excepcional versatilidade diplomática, a acuidade de suas sínteses perfeitas sobre os mais complexos problemas, tudo envelopado numa ironia cativante, sempre com alguns mots d’esprit de um surpreendente bom humor em meio às difíceis decisões que o Itamaraty necessitava tomar numa das mais fases mais inovadoras, e desafiantes, da política externa.
Seu domínio perfeito sobre vários dossiês complicados desse período o habilitou a ser o coordenador geral da segunda conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, quando o Brasil inovou em relação à postura restritiva que havia exibido na primeira (Estocolmo, 1972), onde havíamos acintosamente defendido nosso “direito a poluir” – isto é, a continuar na trilha do desenvolvimentismo acelerado do regime militar –, felizmente aderindo então aos conceitos de sustentabilidade, de preservação dos recursos naturais, mas também afirmando o sacrossanto princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, em favor das nações ainda pouco industrializadas. A capacidade de dialogar com os erráticos hermanos também lhe abriu a porta de uma das mais importantes embaixadas brasileiras, apenas depois de Washington, a de Buenos Aires, onde, por incrível que pareça, cativou os argentinos de 1992 a 1997.
Logo em seguida, seguiu como embaixador em Paris, entre 1997 e 2003, onde eu havia servido pouco tempo antes, como conselheiro econômico, ele iniciando sob o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e terminando ao início do primeiro mandato de Lula. Seu estilo radioso, até mesmo esfuziante, talvez não tenha combinado com o perfil mais militante do lulopetismo diplomático, pois que já quase septuagenário, não voltou a ocupar, sob o novo regime, outros cargos de chefia de missões diplomáticas. Mas foi justamente a partir daí que passou a brilhar mais intensamente como conferencista, articulista, autor de muitos artigos e ensaios sobre os mais diversos temas de relações internacionais e de política externa brasileira, sempre com sua fina ironia e seu bom humor indissociável de suas belas tiradas, feitas justamente para encantar a audiência e os jornalistas. Associou-se a uma plêiade de instituições – IHGB, IPHAN – e notadamente ao Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), do qual foi vice-presidente.
Sempre com alguma frase impactante em cada entrevista concedida à mídia, também encantava o público mais circunspecto dos seminários acadêmicos, pois sabia como poucos enfatizar onde estava o interesse brasileiro nas mais diversas questões e problemas da agenda internacional, preservando aquele equilíbrio de posições que sempre distinguiram os grandes “barões” da Casa de Rio Branco. Numa época em que a carreira se tornou excessivamente burocratizada, uma figura irreverente como a dele já pertence a um ambiente diplomático que ficou num passado em que o Itamaraty era respeitado não só na Esplanada dos Ministérios, mas no entorno regional, tanto quanto entre as mais respeitadas diplomacias estrangeiras.
Na época dos “barões” era comum ouvir-se, entre os vizinhos continentais, o famoso mote segundo o qual “el Itamaraty no improvisa”. Azambuja certamente não improvisava, mas sempre tinha alguma surpresa conceitual com a qual deliciava seus interlocutores, aquela maneira de agradar outros negociadores em difíceis embates diplomáticos. Barões como ele, foram forjados num Itamaraty quase que familiar, o do Rio de Janeiro, para se sobressair na diplomacia da Nova República, deixando marcas indeléveis num cenário agora transformado, o das improvisações seguidas, num sistema político visivelmente em carência de estadistas.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4941, 30 maio 2025, 4 p.

A longa e dura luta da Ucrânia pela liberdade e pela vida - Timothy Garton Ash (El País)

 UCRÂNIA: LONGA LUTA 

A Ucrânia tem uma longa luta pela frente

Em Kiev e Lviv, os ucranianos são tristemente realistas e nós também devemos ser.

Timothy Garton Ash* - El País - 28/05/2025 

Da próxima vez que um apresentador agitado mencionar a possibilidade de um “acordo” para acabar com a guerra em que a Ucrânia “ceda território em troca de paz”, vou dizer-lhe que se sente e conversar com Adeline. Na semana passada, em Lviv, Adeline mostrou-me no mapa do telemóvel a casa que perdeu em Nova Kajovka, uma área ocupada pela Rússia na outra margem do Dniéper, bem do outro lado do território libertado pela Ucrânia em torno de Jérson. “Olha, aqui, nesta imagem de satélite, dá para ver o desastre ecológico depois que a Rússia destruiu a barragem de Kajovka em 2023. E aqui é onde eu sonhava em montar uma pequena galeria de arte. Por que eu tenho que desistir da minha casa? “, disse em lágrimas. Porquê, de fato?

O território ocupado pela Rússia é do tamanho de Portugal e Eslovênia juntos. É difícil saber números exactos, mas lá vivem cerca de cinco milhões de pessoas, enquanto outros dois milhões, pelo menos, tiveram de ir embora e estão refugiados noutros lugares. Dentro dos territórios ocupados, os ucranianos sofrem uma repressão brutal e uma russificação sistemática. Lá fora, refugiados como Adeline não têm nada além de suas memórias, fotos antigas e chaves da casa que lhes foram tiradas. Não devemos branquear este monstruoso crime de ocupação com palavras tranquilizadoras como “paz por territórios”.

Na Ucrânia, ninguém acredita que nenhum "acordo" seja o fim definitivo da guerra, mesmo que as negociações levem a um frágil cessar-fogo. O que a Rússia ocupou brutalmente não foi apenas “território”, mas também o lar, a história familiar, a vida e os meios de subsistência de milhões de homens, mulheres e crianças. A Ucrânia não cederia território, assim como eu não entrego o meu carro se um ladrão mo roubar e eu não o conseguir recuperar. E acima de tudo isso não será verdadeiramente paz. Uma paz justa, que permita que Adeline volte para casa após a libertação de todo o território ucraniano, que a Rússia pague indemnizações e Vladimir Putin compareça em julgamento em Haia, é inatingível a curto prazo. Para alcançar algo que mereça seriamente o rótulo de "paz", é imprescindível que haja segurança militar duradoura, recuperação económica, estabilidade política e integração na Europa de cerca de quatro quintos do território soberano ucraniano que ainda controla Kiev. Isso significa anos.

Não há ninguém que deseje tanto a paz como os ucranianos. É evidente que o presidente Volodímir Zelenski deve tentar dar-se bem com o presidente Donald Trump para que o bandido americano não venda totalmente a Ucrânia a Putin. Em uma sondagem recente do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, apenas 29% dos ucranianos afirmaram que poderiam aceitar o plano de paz de Trump, enquanto 51% poderiam aceitar o plano alternativo proposto pelos líderes europeus. O que todos os ucranianos sabem é que, enquanto o mundo fala de paz, a Rússia continuou a bombardeá-los com lançamentos maciços de drones e mísseis. E, por seu lado, o emissário que Putin enviou às conversações russo-ucranianas em Istambul, Vladimir Medinsky, referiu-se à Grande Guerra do Norte de 1700-1721 para provocar a delegação ucraniana: “Estivemos lutando contra a Suécia durante 21 anos. Quanto tempo vocês estão dispostos a lutar? ”.

Portanto, a verdadeira questão é se a Ucrânia vai poder continuar a defender-se e a fortalecer-se a longo prazo, com mais ajuda da Europa para compensar a ajuda que os EUA estão a deixar de prestar. As conversas mais optimistas que tive em Kiev foram com pessoas relacionadas à indústria da defesa. A Ucrânia é hoje o primeiro país do mundo em inovação, desenvolvimento e fabrico de drones, com mais de dois milhões produzidos no ano passado. E poderia progredir ainda mais se outros países aliados seguissem o exemplo da Dinamarca e adjudicassem contratos directamente aos fabricantes de armas ucranianos. O problema mais grave que o país tem é a falta de novos recrutas. Um comandante da linha de frente disse-me que agora tem armas e munições suficientes, mas que o seu batalhão só dispõe de 30% dos soldados que poderia ter. No leste, disse ele, há trincheiras vazias, defendidas apenas por drones.

Parece que a Rússia está planejando novas ofensivas terrestres, mas especialistas militares ocidentais acreditam que a Ucrânia pode continuar a defender a maior parte do território que controla atualmente. Pouco a pouco, ele pode aperfeiçoar métodos para rejeitar os russos no mar (onde já obteve sucesso), em terra (com um "muro virtual" dotado de drones e ataques de longo alcance, atrás das linhas russas) e, o mais difícil de tudo, no ar. Com a chegada do novo chanceler alemão Friedrich Merz, felizmente com um estilo muito distante do de Scholz, e a inesperada atitude churchilliana do primeiro-ministro britânico Keir Starmer, a coligação europeia dos dispostos é sólida. A ajuda mais útil que você pode preparar não é enviar soldados para o terreno, mas sim uma defesa aérea de múltiplas camadas para criar um escudo sobre a metade ocidental do país.

Os três elementos militares essenciais que ainda são necessários dos EUA são os seus serviços de inteligência (muito difíceis de substituir), os interceptores de defesa aérea Patriot, fabricados ali (os únicos capazes de derrubar os mísseis balísticos russos) e grandes quantidades de munições de 155 milímetros (embora a Europa esteja intensificando produção). Se Trump for convencido a não interromper o fornecimento destas três coisas, a Ucrânia poderá sobreviver com mais ajuda europeia. Então, pouco a pouco, especialmente se a Europa intensificar simultaneamente as sanções económicas contra a Rússia, Moscovo poderá começar a sofrer mais pressão do que Kiev. Talvez, em algum momento, até o próprio Putin possa começar a pensar que é hora de começar a arrefecer esta guerra, aceitar uma “linha de controlo” para um cessar-fogo e ordenar ao seu dispositivo interno de propaganda que proclame uma tremenda vitória. Nesta situação não há nada seguro e é possível que o regime de Putin não possa mais arriscar assinar a paz, mas esta é a forma mais realista de acabar com a maior guerra na Europa desde 1945.

A Ucrânia enfrentaria imediatamente uma série de problemas novos e assustadores. Como manter a unidade nacional alcançada durante a guerra quando as armas se calam? Como reintegrar mais de três milhões de veteranos? Quando realizar eleições e como garantir que elas sejam livres e justas? A política ucraniana será caótica e cheia de recriminações entre si mesmos e contra o Ocidente. Putin, que considera que a política é outra forma de continuar a guerra, terá muitas oportunidades de agitar o vespas e promover rancores e divisões.

Por outro lado, a Europa poderá perder o interesse a toda a velocidade, como aconteceu com a Bósnia após os acordos de paz de Dayton em 1995. Praticamente todo o orçamento não militar atual da Ucrânia é financiado graças à ajuda internacional. Serão necessárias centenas de milhares de milhões de euros mais para que a economia, uma vez reconstruída, possa recuperar o seu dinamismo. Os populistas europeus em plena ascensão, de Portugal à Polónia, dirão aos eleitores que não devem continuar a pagar essa conta. Será essencial que Merz se incline com todo o seu peso a favor da confiscar os bens congelados da Rússia para poder dispor de tal quantia.

No início deste mês, quatro líderes europeus viajaram para Kiev no dia seguinte ao chamado Dia da Vitória na Europa, que comemora a derrota total da Alemanha Nazi. Infelizmente, não haverá um único dia da vitória na Ucrânia que assinale a derrota total da Rússia de Putin. Falta muito para que haja uma paz duradoura e, certamente, não será graças a um acordo precipitado e descompensado. A Ucrânia e a Europa devem ter a visão de futuro, a resistência e a unidade necessárias para uma longa luta; só então será possível alcançar algo que realmente mereça o nome de paz até ao final desta década.

*Timothy Garton Ash é professor de Estudos Europeus da Universidade de Oxford e investigador da Hoover Institution da Universidade de Stanford. Seu último livro é Europa. Uma história pessoal (Touro).

Tradução: Maria Luisa Rodriguez Tapia

📷: Eulogia Merle

https://elpais.com/opinion/2025-05-28/a-ucrania-le-espera-una-larga-lucha.html 

(grato a Olympio Pinheiro pela transcrição)

Vitelio Brustolin: Linkedin Top Voice, uma grande distinção

 Transcrevo e cumprimento, o que apenas o reconhecimento de um trabalho acadêmico desempenhado ativamente e com grande honestidade intelectual. PRA

Agradecimento pela nomeação a LinkedIn Top Voice

Acabo de ser nomeado LinkedIn Top Voice. A primeira coisa que pensei foi: “por que eu?” Nunca tive um perfil pago em nenhuma rede social. Durante anos, só queria me dedicar aos estudos e à carreira científica. Costumava recusar pedidos de entrevistas e demorei para criar contas em redes sociais mais populares, como o Instagram, por exemplo. Até hoje não tenho Twitter – X, e nem TikTok.

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, as áreas que venho estudando há mais de 25 anos passaram a fazer parte do debate público. Geopolítica, Direito Internacional, Estudos Estratégicos, Relações Internacionais... temas de guerra.

Um dos meus orientadores costumava justificar a escolha pelas nossas áreas de pesquisa como a necessidade de estudarmos guerras para as evitarmos ou reduzirmos o seu potencial destrutivo. Ele dizia que a guerra é um assunto sério demais para ser deixado apenas para os militares.

Einstein, um pacifista cujas teorias científicas fundamentaram parte da teoria atômica e cuja carta deu origem ao Projeto Manhattan, sempre é citado no estudo da Big Science e sobre o que silenciosos cientistas podem fazer quando suas pesquisas são usadas como duais. 

Assim, quando a Guerra na Ucrânia escalou, em 2022, achei que precisava cumprir com a minha obrigação e contribuir com o que tenho estudado. Afinal, estou só retribuindo à sociedade pelas bolsas de estudo que recebi no mestrado, doutorado e pós-doutorado.

A partir de então, vieram outras guerras, como as de Israel, Irã, Síria, Índia e Paquistão... além de conflitos velados entre superpotências, apagamento da ONU e ameaças nucleares.

Desde 2022, tenho sido entrevistado em média 320 vezes por ano. E posto trechos no LinkedIn e em outras redes sociais. Foram mais de 1.000 entrevistas nesses 3 anos e 3 meses. Tem sido difícil, mas se guerra e geopolítica se tornaram temas do cotidiano, é sinal de que nós, cientistas dessas áreas, precisamos compartilhar o que aprendemos.

Enfim, agradeço à equipe do LinkedIn pelo convite e parabenizo pela iniciativa. É raro se valorizar análises nas redes sociais. Espero continuar contribuindo para o debate público com os instrumentos que adquiri ao longo da vida.

Para quem quiser conectar, este é o meu perfil no LinkedIn: https://lnkd.in/dd2Fx8dB 

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O Brasil segue a Carta da ONU? - Paulo Roberto de Almeida

O Brasil segue a Carta da ONU?

Paulo Roberto de Almeida

        Lavrov, chanceler eterno de Putin, disse, à margem de uma conferência sobre “segurança” na Rússia, que gostaria de ter mais apoio do Brasil em sua guerra de agressão contra a Ucrânia. Celso Amorim, chanceler informal do Brasil, reafirmou que o Brasil é “neutro” no conflito, mas que se opõe a sanções contra a Rússia.

        Ora, sanções contra um Estado agressor é justamente o que está prescrito na Carta das Nações Unidas, ademais de solidariedade e ajuda dos demais Estados membros à parte agredida, como aliás já recomendava a Liga das Nações. O Brasil não segue o espírito e a letra da Carta da ONU, e aumentou enormemente a importação de fertilizantes e combustíveis fósseis da Rússia, o que é uma forma de apoiar objetivamente a Rússia em sua guerra de agressão.

        Talvez Lavrov nem precisasse pedir mais apoio do Brasil; ele e a Rússia já os têm, contrariamente ao que prescreve a Carta da ONU.

Brasília, 30/05/2025



quarta-feira, 28 de maio de 2025

Comentários à margem do Discurso do Dia do Diplomata, lido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin - Paulo Roberto de Almeida

Comentários à margem do Discurso do Dia do Diplomata, 2025:

Desta vez, com a ausência física do presidente, que conduz uma diplomacia presidencial (contra a qual eu não tenho restrições maiories, desde que não seja) personalista, o discurso oficial lido pelo vice-presidente no Dia do Diplomata de 2025, contém, de modo geral, os conceitos gerais da diplomacia corporativa do Itamaraty, com alguns pequenos acréscimos típicos da ideologia lulopetista. Mas também certas ambiguidades que não deixarei de comentar aqui, transcrevendo pequenas partes desse discurso: 

1) "Na diplomacia, cresce o unilateralismo.

Grandes potências agem à revelia dos órgãos e das normas criadas coletivamente ao longo de décadas.

Nos planos interno e externo, proliferam tentativas de impor visões de mundo e de sociedade, desconsiderando a diversidade que enriquece a experiência humana.

O desprezo pelas diferenças é um convite à desumanização."

PRA: As grandes potências sempre foram unilaterais, em conformidade com seus interesses e estratégias essencialmente nacionais. Ora, não existe unilateralismo diplomático E MILITAR mais flagrante do que a guerra de agressão conduzida pela Rússia contra um Estado soberano, a vizinha Ucrânia. O dicurso é genérico nesse particular, e fica evidente o incômodo do presidente e de seus assessores internacionais em expressar toda a realidade do unilateralismo mais bárbaro do que aquele conduzido pela Rússia na Ucrânia. Sobre isso, o presidente é silente.

2) "Na Ucrânia, o Brasil se manteve firme na defesa do direito internacional e de uma abordagem que leve em conta as causas profundas desse conflito.

Junto com a China, criamos um Grupo de Amigos da Paz, composto por 13 países emergentes, que podem contribuir para uma negociação satisfatória.

 A única solução é o diálogo entre as partes.

Só existe entendimento quando há respeito à pluralidade.

Relações de Estado não podem ficar à mercê de diferenças políticas entre os governos."

PRA: Falar em "causas profundas desse conflito" é subscrever INTEIRAMENTE à visão russa da sua guerra de agressão unilateral contra a Ucrânia. As causas profunda são, nessa visão, uma suposta ameaça da OTAN contra a Rússia, o que é uma deformação da realidade observável. Os três países báltico são membros da OCDE, da UE e da OTAN e nenhum deles parece ameaçar a segurança da Rússia, assim como a Polônia e quase todos os demais países que foram liberados da dominação do imperialismo soviético (e anteriormente czarista) e que buscaram se proteger do abraço do urso russo que sempre os teve sob a sua tutela. "Diálogo entre partes" é uma hipocrisia, como se a guerra fosse recíproca e como se as partes fossem equivalentes, sem distinguir o país agressor e o país agredido. "Diferenças políticas" nunca foram um obstáculo às relações pacíficos entre Estados, sobretudo vizinhos, desde que se observem os principios mais elementares do Direito Internacional, das convenções diplomáticas em vigor, por acaso também constantes da Constituição brasileira.

3) "O Brasil não precisa e não vai escolher lados em disputas geopolíticas."

PRA: Curiosamente, o governo Lula, não o Brasil, já fez a sua escolha em disputas geopolíticas, pois que o presidente, não o Itamaraty, já se referiu, diversas vezes, ao vago projeto de "construção de uma nova ordem global multipolar", o que é uma tese muito repetida por Putin, Xi Jinping e outros notoriamente contrários à atual "ordem global ocidental", que lhe parece muito enviesada em favor dos EUA. Ora, isso é justamente escolher o seu lado nas atuais disputas geopolíticas.

4) "O BRICS é, hoje, o porta-voz de uma ordem internacional diversa, que já não cabe nos limites estreitos da arquitetura construída em 1945."

PRA: Ainda não se sabe, exatamente, em que consiste essa "ordem internacional diversa", e como ela não cabe nos limites estreitos da arquitetura construída em 1945. Depois da criação da atual ordem multilateral, diferentes outros grupos foram constituídos sem qualquer contradição com essa arquitetura: o Gatt (1947), o TIAR (1947), a OECE (1948), a OTAN (1949), a CECA (1951), o Pacto de Varsóvia (1955),  o Mercado Comum Europeu (1957), a Alalc (1960), a OCDE (1960), a UNCTAD (1964), o Grupo Andino (1969), o G5-G7 (1975), a Aladi (1980), o Mercosul (1991), a União Europeia (1993), o G8 (1998), o BRIC (1999), a Organização de Cooperação de Xangai (2001), o BRICS (2011), e muitas outras entidades internacionais todas elas competíveis com a arquitetura construída em 1945, ainda que em escala regional ou plurilateral. Não se sabe porque o BRICS deveria ser o portavoz fundador de uma "ordem internacional diversa".

5) "A prosperidade permanecerá um privilégio de poucos enquanto as vozes do Sul Global não estiverem devidamente representadas no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional."

PRA: Não se sabe bem quem, exatamente, está integrado ao assim chamado Sul Global. Por exemplo, Rússia e China fazem parte dessa geografia indefinida? E porque só no FMI e no Banco Mundial, e não no CSNU?

6) "O papel de vocês, diplomatas, implica levar para a frente externa as batalhas que travamos internamente."

PRA: A agenda econômica e social, até diplomática, do Brasil não pode ser automaticamente equiparada à agenda global. Seria muita pretensão e até um equívoco conceitual, pois que nem todos os países do mundo, ricos ou pobres, apresentam problemas que exigem "batalhas" gerais contra problemas que seriam de todos.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 28 de maio de 2025


A íntegra do discurso do Dia do Diplomata 2025, está disponível neste link: 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/05/discurso-na-comemoracao-do-dia-do.html


Discurso na comemoração do Dia do Diplomata, lido pelo vice-presidente Geraldo Alckmin

Com pequenas exceções, que destacarei em postagem à parte, o teor do discurso tem um copyright quase completo do Itamaraty, em sua vertente progressista lulopetista. PRA

Discurso na comemoração do Dia do Diplomata

Discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lido pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin, na cerimônia de comemoração do Dia do Diplomata, em 27 de maio de 2025, em Brasília.  (27/05/2025)

Ao longo de quase onze anos como presidente, tive o privilégio de comparecer a quase todas as formaturas de egressos do Instituto Rio Branco.

Com a cerimônia de hoje, cerca de 700 diplomatas já se formaram em meus três mandatos.

Eles correspondem a quase metade dos 1.600 membros do corpo diplomático brasileiro.

Em seus 80 anos de existência, o Instituto Rio Branco contribuiu de forma decisiva para o profissionalismo do serviço exterior brasileiro e foi fundamental para a inserção internacional do país.

Mas o peso da responsabilidade que recai sobre a diplomacia brasileira é hoje maior do que nunca.

Voltei a ser presidente em uma época de negação da política.

Caberá a vocês serem diplomatas em uma era de negação da diplomacia. 

Na política, a democracia está em perigo.

O extremismo ameaça as instituições pelas quais Eunice Paiva, homenageada pelos formandos de 2024, e muitos outros lutaram para construir e defender.

Na diplomacia, cresce o unilateralismo.

Grandes potências agem à revelia dos órgãos e das normas criadas coletivamente ao longo de décadas.

Nos planos interno e externo, proliferam tentativas de impor visões de mundo e de sociedade, desconsiderando a diversidade que enriquece a experiência humana.

O desprezo pelas diferenças é um convite à desumanização.

A professora Ana Flávia Magalhães Pinto, paraninfa desta turma, retrata em sua obra o silenciamento da população negra.

Indígenas e mulheres partilham dessa dor.

Migrantes são criminalizados por desejarem uma vida melhor.

Levado às últimas consequências, o apagamento do outro leva a seu extermínio.

A guerra em Gaza é um sintoma trágico desse mal.

O Brasil condenou o terrorismo do Hamas de maneira clara e contundente. Mas não podemos nos calar ante a carnificina praticada contra civis palestinos, que resultou na morte de milhares de mulheres e crianças inocentes.

A comunidade internacional precisa reconhecer o Estado palestino.     

Na Ucrânia, o Brasil se manteve firme na defesa do direito internacional e de uma abordagem que leve em conta as causas profundas desse conflito.

Junto com a China, criamos um Grupo de Amigos da Paz, composto por 13 países emergentes, que podem contribuir para uma negociação satisfatória.

 A única solução é o diálogo entre as partes.

Só existe entendimento quando há respeito à pluralidade.

Relações de Estado não podem ficar à mercê de diferenças políticas entre os governos.

Esse equívoco contaminou, nos últimos anos, o processo de integração em nossa região.

Dar prioridade ao entorno não é uma escolha, é uma necessidade.

Estradas, ferrovias e linhas de transmissão não têm ideologias.

A circulação de pessoas e de bens passa ao largo das desavenças entre governantes.

Reunir os doze presidentes sul-americanos, como fizemos em 2023, tornou-se praticamente impossível.

Mas o Brasil não pode perder do horizonte a revitalização dos órgãos da integração. Precisamos reconstruir a UNASUL e dotar a CELAC de maior institucionalidade.

Em junho, promoveremos a segunda Cúpula Brasil-Caribe.

Se permanecer fragmentada, a região será marginalizada no rearranjo do tabuleiro global.

O Brasil não precisa e não vai escolher lados em disputas geopolíticas.

Os Estados Unidos são uma presença incontornável para a América Latina e para o Brasil.

Os laços entre as sociedades brasileira e americana são robustos.

A parceria com a China, onde acabo de realizar uma segunda visita de Estado, tem imenso potencial transformador.

Nosso diálogo político e sinergias vão impulsionar planos nacionais de transição energética, reindustralização e infraestrutura.

A Ásia como um todo vem-se consolidando como eixo dinâmico da economia global.

Temos no Japão um parceiro de longa data e na Índia um vasto campo inexplorado de colaboração.

Com vários países do Sudeste Asiático, já temos volume de comércio superior ao que possuímos com sócios tradicionais.

A relação com a Europa continua estratégica.

Dentro de alguns dias estarei na França, país importante na construção de uma ordem multipolar.

O acordo Mercosul-União Europeia é um símbolo contra o protecionismo.

Estamos criando uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, reunindo mais de 700 milhões de pessoas.

Nossas economias, juntas, representam um PIB de 22 trilhões de dólares.

A defesa dos valores democráticos é, hoje, a mais importante missão que compartilhamos.

Laços históricos conectam o Brasil não só ao continente europeu, mas também ao africano.

Temos com a África uma dívida que só pode ser paga em solidariedade, cooperação e transferência de tecnologia.

Foi com esse espírito que realizamos na semana passada o Segundo Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar, e que se encerrou com a visita de Estado do presidente João Lourenço, de Angola.

Em breve, sediaremos, no Rio de Janeiro, a Cúpula dos BRICS.

O BRICS é, hoje, o porta-voz de uma ordem internacional diversa, que já não cabe nos limites estreitos da arquitetura construída em 1945.

Quando a ONU foi fundada, ela contava com apenas 51 membros. Hoje somos 193 nações na organização.

Não é admissível que cinco países tornem os demais reféns de suas vontades e interesses.

A prosperidade permanecerá um privilégio de poucos enquanto as vozes do Sul Global não estiverem devidamente representadas no Banco Mundial e no Fundo Monetário Internacional.

Há quem critique o conceito de Sul Global, argumentando que somos muito diferentes entre nós.

Mas países de renda baixa e média continuam na periferia de um sistema que só beneficia o centro.

Os países ricos foram, historicamente, os grandes responsáveis pela mudança do clima, mas serão os mais pobres quem sofrerão o maior impacto.

A noção de justiça climática será crucial na COP30, em Belém.

É preciso lembrar que embaixo de cada árvore há uma pessoa.

É inconcebível que se gastem 2,4 trilhões de dólares por ano com armamentos enquanto existem mais de 730 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.

A presidência brasileira do G20 deixou como legado a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que está trabalhando para erradicar esses flagelos de uma vez por todas.

Caras formandas e caros formandos,

O multilateralismo é ferramenta fundamental para que o Brasil atinja seus objetivos nacionais.

Não poderemos falar em justiça tributária sem que haja um entendimento internacional sobre a tributação de super-ricos.

Não conseguiremos coibir violações de direitos em plataformas digitais sem que haja um esforço coletivo para regulá-las.

Não lograremos preservar a Amazônia sem que todos os países façam sua parte para combater o aquecimento global.

O papel de vocês, diplomatas, implica levar para a frente externa as batalhas que travamos internamente.

Precisamos combater o extremismo e as desigualdade lá fora com o mesmo vigor com que lutamos aqui dentro.

Em pouco mais de um mês, nos despedimos do Papa Francisco, do presidente Mujica e do fotógrafo Sebastião Salgado.

O humanismo e a solidariedade que eles representavam são fonte de inspiração para o mundo.

A ciência mostrou recentemente que o Brasil é o país com a maior diversidade genética do mundo.

Sem desconsiderar a história de violência por trás da miscigenação que nos caracteriza, é significativo que o povo brasileiro tenha a pluralidade inscrita em seu DNA.

Em um mundo que está substituindo pontes por muros, é essa a pluralidade que vocês representarão no exterior.

As recentes premiações do cinema brasileiro em festivais internacionais dão prova da vitalidade da cultura nacional e da nossa política audiovisual.

Quero aproveitar essa cerimônia para cumprimentar Fernanda Torres, Walter Salles, Kleber Mendonça, Wagner Moura e todos os que contribuíram para esse feito.

Estou certo de que a turma Eunice Paiva contribuirá para continuar fazendo do Brasil uma força positiva para a humanidade e para o planeta.

Muito obrigado.


Destruição Criativa: Maartim Vasques da Cunha recomenda o livro de Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira: Siameses

Destruição Criativa

O livro mais importante da literatura brasileira contemporânea que não está na lista da Folha de S. Paulo

Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira fala sobre o romance “siameses” | Itaú  Cultural

A publicação recente da lista, feita pela Folha de S. Paulo, dos livros mais importantes dos últimos 25 anos comprova o que falo há anos, desde a época em que lancei A Poeira da Glória: a literatura brasileira se transformou em uma casa vazia, soterrada entre os restos dos arados tortos, dos últimos gozos do mundo, dos racismos estruturais que desintegram a sociedade, dos feminismos que acentuam o machismo e da política que jamais foi para todos. A evidência máxima desta moléstia é um livro que não foi sequer mencionado entre os jurados e o qual, entre as dobras do deserto particular de cada sobrevivente no mundo das letras, certamente fez a ambição dos nossos literatos explodir de inveja ou desprezo.

Trata-se do assombroso e gigantesco siameses, de Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira – um romance de 1300 páginas que, ao ser corajosamente publicado por uma editora à margem do mercado editorial (Kotter), apenas faz no nosso vazio intelectual o que, em 1956, Guimarães Rosa provocou com o lançamento praticamente simultâneo de Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas. No caso, recuperar o centro do que realmente importa.

Os superlativos não são um exagero. São os termos mais exatos. Quando um livro deste tipo surge no panorama, não devemos ter medo de elogiá-lo. Há de se ter a obrigação de fazer o que o poeta polonês Adam Zagajewski chamava de “em defesa do fervor”. Pois siameses é, de fato, um romance concebido, criado e escrito no meio do fervor. Porém, um fervor extremamente calculado, construído sobre bases múltiplas que misturam o grotesco, o lírico, o digressivo, o intelectual – e, sobretudo, o diabólico.

Como toda boa trama romanesca (voltaremos em breve a este termo: “trama”), torna-se impossível resumir o assunto do livro. Tentemos: em uma longa conversa entre dois amigos, Osmar (o único que fala) e Procópio (o que fica aparentemente calado o tempo todo), sabemos do triângulo amoroso (ou seria quadrado?) entre o operário metido a intelectual Tomás, sua esposa, a enfermeira Rebeca, e a vendedora Azelina, uma jovem apetitosa que atiça os desejos do primeiro e o coloca em uma verdadeira odisseia do azar. Aparentemente, essa história não nos diz nada – e mal seria uma razão para o leitor comum acompanhá-la se não fosse por um detalhe que Antonio Geraldo menciona constantemente no livro: o que estamos a ler não é uma mera quadrilha a lá Drummond, e sim um resumo histórico dos últimos quarenta anos do que aconteceu, em microcosmo, nesta nação gigantesca que é o Brasil.

Para relacionar esses dois planos, siameses constrói – olhem de novo a palavra – uma trama de símbolos e de metáforas, espalhadas por meio de digressões que visam a despistar o leitor. Por um lado, ela dialoga tanto com a tradição temática do Modernismo Brasileiro de 1922, em seu antropofagismo, ao analisar a brasilidade esteticista, como com a linha do Modernismo Europeu, em especial o romance enciclopédico celebrado por James Joyce em Ulisses (1922) e Finnegans Wake (1939) ou pelo poema A Terra Devastada (1922), de T.S. Eliot.

É um fenômeno já descrito por Richard M. Morse em seu magnífico ensaio O Espelho de Próspero, em que a imersão no caos e no anonimato das grandes cidades – ou, no caso de siameses, no interior fronteiriço entre São Paulo e Minas Gerais – somente nos leva a um centro desatado do que deveria ser a “comoção da vida”, em um caleidoscópio que apenas confirma a vastidão de reflexos a nos devorar. Tudo isso converge para uma visão de mundo que acompanhava Antonio Geraldo em seu romance anterior, o celebrado as visitas que hoje estamos (2014), na qual o colapso existencial do país se soma agora ao encontro da raiz de todos os nossos problemas políticos, morais, sexuais e econômicos. Trata-se da nossa atração insaciável por aquilo que hoje podemos chamar sem hesitação de “o contágio da mentira”, a corroer o Brasil – e com certeza o mundo – do início ao fim, do topo até o chão, do chão até o nosso subsolo irracional.

Em siameses, enquanto o leitor acompanha as peripécias de Tomás para seduzir Azelina e enganar Rebeca, com toda a destreza narrativa comunicada por Osmar a Procópio, pouco a pouco as noções de verdade e mentira, fato e ficção, realidade e alucinação tornam-se cada vez mais imprecisas – e elas se amalgamam sem que ninguém (principalmente os personagens) mais saiba onde começa uma e onde termina a outra. Daí o título do romance: tudo está inevitavelmente ligado, numa irmandade macabra que, como o próprio projeto estético de Antonio Geraldo antecipou desde a primeira linha do romance, nos leva desses filhos da mentira ao próprio pai da falsidade.

A ambiguidade que surge desta trama – olhem aí a palavra de novo – é poderosa pois ela se alimenta da própria inovação que o gênero romance apresenta à sociedade onde se insere. Em inglês, o romance é também “novel”, que, se aqui pode ser a novela (um gênero anfíbio assim simplificado por causa do tamanho das suas páginas), é também o novo a surgir toda vez que nos encontramos na casa vazia das palavras sem sentido. Apesar de se cercar de contemporâneos igualmente brilhantes – como Evandro Affonso Ferreira, Juliano Garcia Pessanha, Ana Paula Maia, Erico Nogueira, Joca Reiners Terron, Alberto Mussa, Fernando Monteiro, Antonio Fernando Borges esses dois infelizmente falecidos nos últimos meses), André De Leones, entre outros –, cabe agora a Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira ser quem o capitão desta reviravolta provocada pela nova literatura a surgir do seu livro.

Assim, o que siameses faz para as nossas letras é uma espécie de “destruição criativa”, algo que Hermann Broch antecipou ao analisar o Ulisses de Joyce em um ensaio pioneiro, publicado em 1935. Neste texto, lemos que “Joyce busca com todos os meios do domínio do estilo e da arquitetura literária, com toda a capacidade de abranger a essência e com toda a ironia, que essa cosmogonia que se desdobra por trás do Ulisses resulte ao fim das contas em um sistema platônico, um corte no mundo, que no entanto não é outra coisa a não ser um corte no eu, um eu que é ao mesmo tempo o sum e o cogito, o logos e a vida, novamente se tornando Um, uma simultaneidade em cuja unidade refulge o religioso em si.”

É esta divisão – entre a palavra a descrever a vida e a própria vida – que fraciona cada linha do romance de Antonio Geraldo, para depois ele sempre retornar à unidade (aparentemente platônica) da trama literária. Mesmo assim, o escritor preserva o fervor típico de quem sabe que, para criar, é necessário muitas vezes demolir o que achávamos ser o fundamento de todas as coisas petrificadas do nosso passado e que precisam de um novo sopro. No caso específico de siameses, a religiosidade ocorre sempre na via negativa, pois os personagens caminham num Hades interior onde as paixões (jamais a virtude) são o que comandam as ações de cada um. No fundo, a tragédia de Tomás, Rebeca e Azelina (e talvez a de Osmar) é a tragédia tupiniquim de saber que, como diria o narrador a lá Riobaldo Tatarana, a “impossibilidade do indivíduo é ser ele mesmo, caralho!”.

Assim, neste espelho literário, digno de Próspero, a obra-prima de Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira nos presenteia com um modo para reconstruir o Brasil, esteticamente e moralmente, ao impedir, por meio da grande literatura, que os cães que nos governam continuem a latir, noite e dia, dentro desta nossa casa vazia. Azar da turma da Folha de S. Paulo que não percebeu essa maravilha 

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