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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Diplomacia economica brasileira: uma pesquisa em curso - Paulo Roberto de Almeida

Meu trabalho mais recente, na verdade a reelaboração de uma aula anterior, para uma nova aula, com pequenas mudanças e atualizações.

Diplomacia econômica brasileira: uma pesquisa em curso”, Brasília, 12 abril 2018, 18 p. Reelaboração do trabalho 3200 (6 de dezembro de 2017), primeiro apresentado em aula no Instituto Rio Branco, e agora como suporte documental no curso preparatório JB, em versão atualizada. 

Sumário: 
Introdução: uma longa trajetória de pesquisa, desenvolvida por etapas
A ordem econômica internacional do pós-guerra e a economia brasileira
O multilateralismo econômico do pós-guerra e o Brasil
Quadros analíticos: 
Brasil: cronologia sumária do multilateralismo econômico, 1944-2018
Vetores das relações econômicas internacionais do Brasil, 1944-2018

Início do trabalho: 

Diplomacia econômica brasileira: uma pesquisa em curso
  
Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: resumo da produção em relações econômicas internacionais do Brasil]


Introdução: uma longa trajetória de pesquisa, desenvolvida por etapas
Estou engajado num processo de pesquisa e redação de uma obra, em vários volumes, há mais ou menos 20 anos, desde o final dos anos 1990. Essa longa trajetória teve início na segunda metade dos anos 1990, quando eu chefiava a Divisão de Política Financeira e Desenvolvimento, temas que estavam no centro de minhas reflexões intelectuais e de minha produção bibliográfica desde muitos anos antes. Naquela oportunidade, mais exatamente em 1996, para cumprir requisitos do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco eu redigi uma “tese” sobre a interação entre o Brasil e a OCDE, que tinha tido um início tímido no início da década, quando o presidente Collor proclamou que preferia ver o Brasil como o “último dos países desenvolvidos em lugar de ser o primeiro dos subdesenvolvidos”. Seu governo teve curta duração, como é amplamente sabido, e não exatamente por essa vertente modernizante de suas políticas.
Minha tese, intitulada “Brasil e OCDE: uma interação necessária”, também teve curta duração: apresentada em meados daquele ano, não recebeu aprovação pela banca examinadora, supostamente por “não ter preenchido requisitos do CAE”. Indaguei em quais aspectos, exatamente, ela não atendia aqueles requisitos, mas não obtive resposta. A tese, tal como foi apresentada, encontra-se livremente disponível em Academia.edu (https://www.academia.edu/5659888/530_Brasil_e_OCDE_uma_interacao_necessaria_-_tese_CAE_1996_), e parte de seu conteúdo foi incorporado a este livro meu, publicado algum tempo depois: O Brasil e o multilateralismo econômico (Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, na coleção “Direito e Comércio Internacional”, 1999, 328 p.; ISBN: 85-7348-093-9). 

Meu memorial sobre a defesa da tese e o recurso em legítima defesa, junto com outras teses, figuram igualmente na mesma seção da plataforma Academia.edu (link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida/Theses-Dissertations). No ano seguinte, a despeito de ter sido convidado pelos responsáveis do CAE a apresentar a mesma tese, apresentei outra, sobre a formação da diplomacia econômica no Brasil, tema sobre o qual vinha me debruçando desde alguns anos antes, não submetida em vista de ter sido alertado por um dos membros da banca que as preferências do MRE recaiam mais sobre assuntos da atualidade do que em temas históricos. Essa tese, cuja versão para o CAE também figura na mesma plataforma, foi retomada em sua versão ampliada e publicada uma primeira vez em 2001: Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império(São Paulo: Editora Senac, 2001, 680 pp., ISBN: 85-7359-210-9; resenha em Academia.edu, link: http://www.academia.edu/attachments/32642297/download_file). Depois de uma segunda edição publicada pela mesma editora em 2004, ela hoje se encontra livremente disponível em terceira edição, em dois volumes, publicada pela Funag: Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império. 3ra. edição, revista; Brasília: Funag, 2017, 2 volumes; ISBN: 978-85-7631-675-6 (obra completa; 964 p.);Volume I, 516 p.; ISBN: 978-85-7631-668-8 (link:http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=907) e Volume II, 464 p.; ISBN: 978-85-7631-669-5(link: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=908).

(...)

Texto integral disponível na plataforma Academia.edu (link: http://www.academia.edu/36396870/Diplomacia_economica_brasileira_uma_pesquisa_em_curso).

quinta-feira, 12 de abril de 2018

Brasil como democracia tutelada? - Andres Malamud

Este sociólogo, normalmente sensato, desta vez detonou para a estratosfera. Os intelectuais em geral possuem uma obsessão com as FFAA, e acham que a democracia brasileira segue sob tutela dos militares, o que não é absolutamente verdade.
Ocorre apenas que os militares, como aliás no meu caso dentre os diplomatas, antes de sermos servidores do Estado somos, essencial e principalmente, cidadãos de um país, atualmente tomado de assalto por gangues criminosas. É nosso dever, como cidadãos, estar atentos todas as vezes que as instituições são deformadas pela ação de criminosos, ou de advogados a seu serviço.
É nosso dever atuar contra essas iniciativas, ou essas derivas para o inaceitável.
Os militares brasileiros não pretendem se responsabilizar por nenhum centímetro do poder político, mas nunca se ausentarão de suas responsabilidade de garantir lei e ordem quando estas estão ameaçadas. Eu acho que eles estão inteiramente no seu direito de dirigir alertas à nacionalidade, para que elas sejam ouvidas também pelos responsáveis (ou ir-) pelo poder político.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12/04/2018

La Nación, Buenos Aires – 12.4.2018
Brasil es hoy una democracia tutelada
En medio de la crisis que desató el Lava Jato, los militares recordaron que no gobiernan, pero tienen poder de veto
Andrés Malamud

"El presidente de la Cámara de Diputados de Brasil (PMDB) rompe con Dilma. Guerra total: esto no termina hasta que caiga uno de los dos". Tuiteado desde Río de Janeiro el 17 de julio de 2015, el pronóstico pecó de optimista: al final cayeron los dos. Hoy Dilma Rousseff, que todavía sería presidenta, pena como candidata a senadora por Minas Gerais. Mientras tanto Eduardo Cunha, expresidente de la Cámara y "padre del golpe", pena en serio: el juez Sergio Moro lo condenó a 15 años de prisión por corrupción, evasión impositiva y lavado de dinero. Brasil no es para principiantes, decía Tom Jobim. Tampoco para iniciados, gruñen desde la cárcel los más de 60 convictos por el Lava Jato, la mayor investigación de corrupción de la historia.
Los presos recorren todo el espectro ideológico. Y a su modo, hacen justicia social: en un país patriarcal, con millones de pobres y mayoría mulata, los convictos son mayoritariamente hombres, blancos y, por supuesto, ricos. Entre ellos figura Marcelo Odebrecht, uno de los empresarios más poderosos de Brasil; José Dirceu, expresidente del PT y mano derecha de Lula, y João Santana, el publicista que diseñó las campañas electorales de Lula, Dilma, Hugo Chávez y algún político argentino. Porque la alegría no es solo brasileña.
Los expresidentes presos son una especie prolífica. En Corea del Sur, un caso modélico para los países en desarrollo, tres de los últimos seis fueron condenados por corrupción; el cuarto fue más rápido y se suicidó mientras lo investigaban. Perú es un digno competidor: de los últimos cinco presidentes hay uno preso, uno prófugo, uno indultado y otro renunciado. El quinto, Alan García, estuvo exiliado durante diez años y hoy se encuentra bajo investigación. Los número dos aportan lo suyo: el vicepresidente de Ecuador está en la cárcel y el de Uruguay tuvo que renunciar. Esta enumeración, brevísima, muestra que el fenómeno es global y no afecta solo a la izquierda y a América Latina. Para confirmarlo está Silvio Berlusconi, derechista y europeo, que fue condenado a prisión, pero contrató mejores abogados que Lula y está libre.
El fenómeno tampoco es nuevo en Brasil: Lula es el sexto expresidente encarcelado, aunque es el primero en serlo por un caso de corrupción. El fenómeno se extiende para abajo y por todo el cuerpo político: de los últimos siete gobernadores de Río de Janeiro, cinco están bajo investigación judicial; los otros dos se murieron. De los cinco investigados, tres ya están presos y el actual gobernador está precalentando. Recuérdese que Río de Janeiro fue sede de los Juegos Olímpicos y cuenta con los recursos petroleros del pre-sal. El Estado, sin embargo, está quebrado y paga los salarios públicos de vez en cuando.
Mientras la democracia brasileña estaba sitiada por el mal gobierno y la corrupción, llegó la infantería. Con una serie de frases que van de la desubicación al golpismo, algunos militares (la mayoría en retiro) salieron al rescate de la moral y las buenas costumbres. Pero quienes se sorprendieron, como antes con el Lava Jato, es porque solo van a Brasil de vacaciones.
En 2004 el juez Sergio Moro publicó su ahora famoso opúsculo en que vaticinaba el Lava Jato bajo el ejemplo del Mani Pulite. En el mismo año, Jorge Zaverucha, doctorado en la Universidad de Chicago y profesor en la de Pernambuco, escribía en Folha de São Paulo que "el militarismo es un fenómeno amplio, regularizado y socialmente aceptado en Brasil".Zaverucha argumentaba que el Senado no participaba en la promoción de los generales, que la Justicia Militar podía juzgar civiles aun en tiempos de paz y que los servicios de inteligencia estaban bajo control militar. De hecho, los militares habían tenido acceso exclusivo a tres ministerios hasta 1999, cuando el presidente Fernando Henrique Cardoso creó el Ministerio de Defensa y lo puso al mando de un civil. Estos enclaves autoritarios se sostenían por la debilidad civil, pero también por la popularidad de las Fuerzas Armadas. En 2002, un candidato presidencial llegó a afirmar sobre la dictadura que "los militares, con todos los defectos de visión política que tuvieron, pensaron a Brasil estratégicamente". Ese candidato era Lula.
Visto desde la Argentina, donde los militares perdieron una guerra y organizaron una represión sangrienta, es inadmisible que las Fuerzas Armadas intervengan en la vida pública. Visto desde Brasil, donde el odio de clase envenena las relaciones sociales y 60.000 personas son asesinadas cada año, las Fuerzas Armadas evocan el orden antes que el autoritarismo. No se trata de justificar, sino de entender. El problema no es que los militares hablen, sino que los civiles hayan abdicado de controlarlos. En palabras del periodista Elio Gaspari, la declaración extemporánea del jefe del Ejército "expuso el peor legado de la breve presidencia de Michel Temer: él plantó la semilla de la anarquía militar, que estaba adormecida desde finales del siglo pasado". Brasil es hoy una democracia tutelada, en la que los uniformados no gobiernan, pero tienen poder de veto.
Los contrastes con la Argentina también se manifiestan en las investigaciones de corrupción, pero al revés. Para empezar, la prisión de Lula no es preventiva: ya fue condenado en dos instancias. Guste o no, el expresidente está en la cárcel por sentencia y no por sospecha. La deliberación de la Corte Suprema, además, se televisó en directo: cada juez se hizo cargo de su voto y debió fundamentarlo en público. Al lado de Comodoro Py, el circo judicial brasileño parece una ópera. Y Lula no está proscripto: la habilitación de las candidaturas la realizará el tribunal electoral recién en septiembre, un mes antes de las elecciones. La prisión no anula los derechos políticos hasta su confirmación por la cuarta instancia. En cualquier caso, las chances de que Lula sea habilitado son mínimas: según la legislación aprobada en 2010, bajo su mandato, la condena en segunda instancia gatilla la inelegibilidad.
La narrativa del PT, como sería esperable, alega golpe y proscripción. Hay dos números que no encajan. El primero es 83, el porcentaje de popularidad que tenía Lula al terminar su mandato: hasta la oligarquía lo votaba. El segundo es siete, la cantidad de miembros del Supremo Tribunal Federal que fueron designados durante las presidencias de Lula y Dilma sobre un total de 11. ¿Qué pasó desde entonces para que la mitad de la población, tres cuartos del Congreso y los jueces nombrados por el PT se hicieran golpistas? El relato está incompleto si ignora la responsabilidad del PT en su propia debacle y en la de Brasil.
También en contraste con la Argentina, en Brasil las clases medias se movilizan más que las populares.Huérfanos de representación partidaria, los desclasados podrían redoblar la acción directa cortando rutas y ocupando estancias. La reacción del establishment será inmediata: represión oficial y profundización de la violencia clandestina. El PT cumplió una función de estabilización del sistema, legitimándolo en el centro mientras lo reformaba en los márgenes. Su colapso en soledad sería injusto, pero, sobre todo, peligroso, porque alimentaría la alienación de los pobres y la impunidad de los poderosos.
Para la credibilidad de la Justicia y el futuro de la democracia brasileña, el problema no es Lula preso, sino Temer libre.

El autor es politólogo e investigador en la Universidad de Lisboa

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Xi Jinping, o imperador da 26 dinastia chinesa - Rubens Barbosa

Xi Jinping, o homem mais poderoso do mundo

O novo líder do Império do Centro hoje detém poder absoluto, como os antigos imperadores

Rubens Barbosa
O Estado de São Paulo, 10/04/2018

A Assembleia do Povo confirmou a decisão do 19.º Congresso do Partido Comunista Chinês no sentido de rever a Constituição e substituir o período de dois mandatos para o presidente da China por eleição sem limite de tempo. 
Até 1912 o país foi regido por 24 dinastias. Depois de breve interregno, com a revolução chinesa começou a 25.ª, a do Partido Comunista Chinês, com todo o poder transferido em 1945 para Mao Tsé-tung. Com sua reeleição ilimitada, Xi Jinping, o novo líder do Império do Centro, consolidou seu poder, modificou a relação entre o governo e o partido e viu seu nome e seu pensamento incluídos na Carta Magna, privilégios até aqui reservados somente ao Grande Timoneiro. 
O domínio de Xi Jinping fortalece o papel do Partido Comunista e permite um controle mais forte do poder central. Ele concentra os cargos de comandante supremo, secretário-geral do partido e presidente da República. O regime autoritário consolidou-se controlando a ideologia e eliminando qualquer forma de oposição política ao partido. Com poder absoluto, como os antigos imperadores, Xi Jinping poderá acentuar o nacionalismo, continuar a combater a corrupção e as resistências da burocracia à execução das reformas visando ao fortalecimento econômico e militar da China e seu papel como superpotência. 
O que o reforço desse autoritarismo pode representar para o mundo? 
Em primeiro lugar, confirma a percepção – que sempre defendi, mas tem sido ignorada nos meios ocidentais – de que a liberalização econômica (perestroika) não leva necessariamente à abertura política (glasnost). O que aconteceu na União Soviética é sempre lembrado pelas autoridades chinesas como um exemplo a não ser seguido. 
Em segundo lugar, a implementação de políticas e estratégias de médio e longo prazos para a “nova era“ prometida por Xi Jinping durante o congresso do Partido Comunista, com maior presença da China no mundo e competindo em pé de igualdade com os EUA. Essa atitude reflete a percepção do fortalecimento do poder nacional da China. Deixando de lado a posição cautelosa mantida até aqui, a China busca ampliar sua influência geopolítica com iniciativas como a nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative), com fundos da ordem de US$ 1 trilhão, a presença militar do Mar do Sul da China, a eventual incorporação de Taiwan ao território continental e a agressiva política industrial Made in China 2025. 
Do ponto de vista político, a autoconfiança chinesa reafirmada por Xi Jinping apresenta o modelo autoritário, de partido único, mas de rápido e grande crescimento econômico, como um modelo alternativo à democracia ocidental. 
Levando em conta que o governo Donald Trump considera a China competidora estratégica e a maior ameaça aos interesses dos EUA também na área econômica e comercial, foram anunciadas medidas recentes de protecionismo, como sobretaxas ao aço e ao alumínio, além de medidas unilaterais adicionais contra a China: restrições à entrada de produtos chineses que poderiam alcançar US$ 50 bilhões e plano para impor novas restrições a investimentos chineses em equipamentos robóticos, aeroespaciais, marítimos e ferroviários modernos, veículos elétricos e biofármacos. No âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), os EUA vão pedir a abertura de processo contra regras de licenciamento de tecnologia que impedem empresas americanas de competir no mercado chinês e a possibilidade de medidas contra práticas chinesas de propriedade intelectual. As sanções preveem restrições a investimentos nos EUA, entraves para emissão de vistos para pesquisadores chineses e confrontos diretos na OMC sobre práticas comerciais chinesas, que incluiriam guerra digital, entrega de segredos comercias e formação de parcerias com empresas chinesas, dentro do programa Made in China 2025, que objetiva o desenvolvimento de indústrias nacionais em áreas estratégicas. A China respondeu com sobretaxa de 25% sobre 106 produtos dos EUA, representando igualmente perdas de US$ 50 bilhões. Em resposta, o governo norte-americano anunciou estudos para a imposição de novas medidas restritivas que afetarão 1.300 produtos chineses, no valor de US$ 100 bilhões. 
A reação chinesa reflete o estilo de Xi Jinping no relacionamento com os EUA. Reação imediata, na mesma intensidade e escala, para salvaguardar os interesses do seu país e equilibrar as perdas causadas. Tratando os EUA como igual, Xi Jinping reagiu de maneira firme, mas cautelosa, buscando também acionar o Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC. 
O mundo assiste, até aqui, a uma escalada verbal, pois as medidas restritivas e retaliatórias que poderão acelerar o descrédito do sistema multilateral de comércio (OMC) e o da paz e segurança da ONU ainda não entraram em vigor. As medidas dos EUA estão colocando a China como defensora da globalização e do livre-comércio. Em atitude conciliadora, segundo se informa, Xi Jinping está deixando a porta aberta para conversas bilaterais que propiciem espaço para recuos recíprocos. 
Resta saber como, em termos geopolíticos, os EUA reagirão à expansão chinesa, sob Xi Jinping, no Mar do Sul da China, com a criação de bases militares em ilhas criadas na região facilitando a ampliação do raio de influência militar próxima ao Japão. E também em relação às questões da não proliferação nuclear na Coreia do Norte e do apoio ao Irã. A combinação de uma China nacionalista e assertiva e EUA nacionalistas e protecionistas pode ser potencialmente explosiva. Por não interessar a ninguém, até aqui pelo menos, é pouco provável que a escalada protecionista comercial e as ameaças de uma crise político-diplomática saiam de controle e venham a desaguar em conflito bélico, como muitos temem. 

* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAISE COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

A diplomacia brasileira e as clausulas democraticas - Eduardo Paes Saboia

A diplomacia brasileira e as cláusulas democráticas: totem e tabu

No dia 2 de dezembro último, a Venezuela foi oficialmente suspensa do Mercosul por não ter incorporado ao seu ordenamento jurídico interno a totalidade das normas exigidas pelo Protocolo de Adesão. A chanceler venezuelana, Delcy Rodriguez, desconsiderou a medida e criticou a “Lei da Selva de alguns funcionários que estariam destruindo o Mercosul”. No Brasil, a ex-presidente Dilma Rousseff lembrou que tampouco o Brasil teria incorporado algumas das normas que se estava a exigir da Venezuela.[1]
A polarização de opiniões em torno das cláusulas democráticas é um fenômeno recente. Nos anos 1990, parecia ser mais fácil alcançar um entendimento quanto à natureza de um regime democrático. Vinte anos depois o panorama tornou-se menos claro.
Comentamos aqui quatro episódios que ajudam a elucidar essa transformação e a apontamos possíveis caminhos para a diplomacia brasileira nessa temática.
Os mecanismos de proteção democrática ou cláusulas democráticas entraram em voga no Sistema Interamericano nos anos 1990. Seu surgimento foi duplamente impulsionado pela redemocratização na América Latina e o fim da Guerra Fria. Antes disso, a Organização dos Estados Americanos (OEA) já se havia referido à importância da democracia representativa. Nas décadas anteriores, no entanto, o apoio da OEA à democracia se enquadrava geralmente na lógica da rivalidade Leste-Oeste e dos interesses econômicos norte-americanos. Em nome da democracia, os Estados Unidos empreenderam a derrubada, em 1954, do presidente da Guatemala, Jacobo Arbénz, eleito democraticamente, e a invasão da República Dominicana por tropas norte-americanas, em 1965, ambas iniciativas com o beneplácito da OEA. Enquanto isso, a Organização fazia vista grossa para as ditaduras militares latino-americanas.
A posição brasileira em relação ao proselitismo democrático (com a notável exceção da decisão brasileira de participar da Força Interamericana de Paz na República Dominicana) resumia-se a uma palavra: desconfiança. Temia-se encorajar os ímpetos intervencionistas norte-americanos. Sobretudo na América Central. Nos anos 1990 esse sentimento arrefeceu, mas não totalmente.
A diplomacia brasileira participou construtivamente da elaboração dos mecanismos de proteção democrática no âmbito da OEA, mas sempre com a preocupação em não criar instrumentos rígidos ou excessivamente intrusivos. Para o Brasil, importava preservar a margem para a solução negociada de crises. A OEA produziu dois instrumentos principais de proteção à democracia: a) o Compromisso de Santiago com a Democracia Representativa e a Resolução 1080, ambos de 1991, que formam o primeiro regime de proteção coletiva da democracia; e a b) a Carta Democrática Americana (2001), atual marco normativo da OEA sobre o assunto.
O Mercosul não tardou a seguir o mesmo caminho da OEA. O bloco passou por duas etapas de elaboração normativa. A primeira compreende a Declaração Presidencial de Las Leñas (1992) e a Declaração Presidencial sobre Compromisso Democrático (1996), compromissos não-vinculantes de defesa da democracia. A segunda abrange o Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul (concluído em 1998, mas tendo entrado em vigor em 2002)[2].
As cláusulas democráticas foram colocadas à prova já em 1992, quando o presidente peruano Alberto Fujimori promoveu um autogolpe. Com base na resolução 1080, o secretário-geral da OEA, João Clemente Baena Soares e o chanceler uruguaio, Hector Gross Espiell, foram despachados a Lima para negociar o restabelecimento da ordem democrática. A intensa atividade diplomática surtiu efeito positivo, e o Peru comprometeu a realizar eleições para Assembleia Constituinte[3].
Nesse episódio, o Brasil engajou-se numa solução pragmática, evitando sanções ou exigência de retorno a status quo ante. A diplomacia brasileira trabalhou com a preocupação de “preservar a nossa adesão ao princípio da defesa da democracia representativa, sem perder de vista a importância e peculiaridades do relacionamento com o Peru. ” [4]
Outro teste para a democracia regional ocorreu no Paraguai. Era 1996, e Juan Carlos Wasmosy, primeiro presidente eleito após a redemocratização, via sua autoridade ameaçada pelo comandante do Exército, general Lino Oviedo. Na iminência de sofrer um golpe, Wasmosy recorreu ao Governo brasileiro, que lhe ofereceu apoio. Com a ajuda do embaixador do Brasil em Assunção, Márcio de Oliveira Dias, Wasmosy arquitetou um plano ardiloso para neutralizar Oviedo[5]. A atuação preventiva da diplomacia brasileira envolveu entre outras ações: pressões sobre Wasmosy para que não renunciasse; o convencimento de congressistas paraguaios a fim de não acolherem eventual; e a articulação de uma saída honrosa para Oviedo. A crise foi debelada em poucas horas, quando Oviedo se viu sem apoio para levar adiante suas pretensões de poder.
O respaldo do Mercosul a Wasmosy, por meio de comunicados oficiais, ocorreu em complemento à movimentação diplomática desencadeada pelo Brasil e outros protagonistas importantes em Assunção.
A ação tempestiva e eficaz do Brasil diante da primeira ameaça de ruptura democrática no Mercosul, projeto que, àquela altura, se tornara o carro chefe da política externa brasileira, inaugurou um padrão de conduta diplomática, que conjugava a negociação diplomática (de preferência preventivamente) e a invocação de cláusulas democráticas. Contudo, esse padrão não se repetiu em 2012.
Em 2012, o Paraguai voltou a atravessar grave crise política. O presidente paraguaio Fernando Lugo havia sido alvo de processo de impeachment relâmpago. A rapidez do procedimento surpreendeu a todos, embora o texto constitucional paraguaio admitisse essa possibilidade.
Não foi essa a opinião dos chanceleres do Mercosul, que –depois de visita às pressas a Assunção- concluíram ter havido ruptura da ordem democrática e razão suficiente para aplicar a suspensão prevista no Protocolo de Ushuaia. Como resultado, o Paraguai foi impedido de participar dos foros do Mercosul “até o restabelecimento da ordem democrática”, isto é, até a posse do presidente Horacio Cartes, que, eleito, assumiu em agosto de 2013.
O caso gerou muita polêmica. Primeiro, em razão da fragilidade jurídica da sanção: o rito constitucional do impeachment havia sido respeitado. Como bem sintetizou Doratioto, “Lugo foi constitucionalmente eleito e constitucionalmente deposto. Não só ele foi eleito, os deputados e os senadores também foram. ”[6] Outra crítica foi a não realização da etapa de consultas, prevista no Protocolo de Ushuaia[7].
Se o impeachment foi consumado no afogadilho, o mesmo se pode dizer da decisão de suspender o Paraguai. Não houve, como em 1996, espaço para ações preventivas ou sequer paliativas. Ao embarcar numa ação coletiva patrocinada pela Argentina e Venezuela, o Brasil abdicou de um formidável ativo de que dispunha, particularmente em função da usina de Itaipu: a importância sem paralelo do Brasil para o Paraguai.
O ingresso da Venezuela foi efetivado ato contínuo à suspensão Paraguai[8]. A medida foi amplamente interpretada como manobra para contornar o impasse em torno da ratificação do Protocolo de Adesão da Venezuela, que o Senado paraguaio se recusava em aprovar.
A suspensão do Paraguai marca inflexão na agenda política do Mercosul, sendo apontada como exemplo de decisão movida muito mais por afinidades partidárias entre o Partido dos Trabalhados e o Frente Guasú, base de apoio de Lugo, do que pela boa prática diplomática. O episódio deixou um saldo negativo para o Governo brasileiro, que se desgastou não apenas com o Governo paraguaio, mas também com o Congresso Nacional, que identificou ali uma prova da fragilidade da atuação do Executivo (particularmente do Itamaraty) no front diplomático. Parlamentares críticos ao Governo brasileiro aproveitaram a oportunidade para impulsionar um protagonismo diplomático do Congresso Nacional sem precedentes na tradição brasileira.
A repressão do Governo venezuelano diante das manifestações populares de fevereiro de 2014, inclusive a prisão de líderes oposicionistas, levou à intensificação do ativismo diplomático do Congresso brasileiro. Àquela altura a oposição venezuelana havia perdido toda interlocução com o Itamaraty[9].
Quando líderes como a ex-deputada Maria Corina Machado saíram em busca de apoio internacional à sua causa, o Congresso brasileiro aproveitou a oportunidade[10]. No Brasil, a bancada da oposição já identificava na política externa, sobretudo nas relações com a Venezuela e a Bolívia, uma fragilidade a ser explorada politicamente[11].
Na segunda metade de 2015, as preocupações em torno da crise na Venezuela convergiram em torno de um tema específico: a presença de observadores eleitorais nas eleições legislativas. A data das eleições havia sido marcada para 6 de dezembro, mas pairavam incertezas quanto às condições em que o pleito se daria. O Governo venezuelano recusava a observação eleitoral pela OEA, admitindo apenas a presença de observadores da Unasul. Ainda assim, o escopo da missão da Unasul permanecia indefinido diante de restrições impostas pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão eleitoral venezuelano.
A Unasul dialogava com a Venezuela por meio de uma comissão de chanceleres, integrada por Brasil, Colômbia e Equador. O Itamaraty coordenava-se com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na negociação dos termos de referência para a observação eleitoral. O Tribunal defendia que os observadores eleitorais pudessem aferir não apenas os procedimentos de votação, mas também a existência de um ambiente institucional que garantisse participação em condições de igualdade. O TSE propunha, ademais, que a missão de observação eleitoral fosse chefiada pelo ex-ministro Nelson Jobim, cujas credenciais de independência e competência técnica eram amplamente reconhecidos no Brasil.
O nome do ex-ministro, contudo, foi vetado pelo Governo venezuelano, que optou pelo ex-chanceler argentino Jorge Taiana, visto como simpatizante do regime bolivariano. Inconformado com a evolução dos acontecimentos, o TSE tornou público seu descontentamento em nota em que informava que não mais participaria do processo de observação eleitoral.
O gesto do TSE, muito apreciado no Senado, desacreditava a observação eleitoral levada a cabo pela Unasul. O Governo brasileiro, entretanto, procurou minimizar o episódio e se conformou com a escolha de Taiana.
Em meio à crise, o Itamaraty equilibrou-se entre as pressões do Palácio do Planalto para manter-se fiel ao aliado político venezuelano e as críticas contundentes do Senado e do Tribunal Superior Eleitoral, que insinuavam que o Brasil estaria sendo complacente enquanto à exigência de padrões mínimos para a observação eleitoral. Embora as eleições legislativas tenham finalmente ocorrido, dando vitória avassaladora à oposição, a Assembleia Nacional continuou enfrentando dificuldades para fazer valer suas prerrogativas constitucionais.
Embora o cenário político no Brasil tenha mudado substancialmente, não será fácil recuperar a credibilidade do Brasil, acusado de se omitir diante do ocaso da democracia venezuelana. Um importante passo foi dado com a recente decisão de suspender a Venezuela do Mercosul.
Apesar dos percalços, a democracia é marca distintiva da integração latino-americana e do sistema interamericano. Desempenha função aglutinadora. É o nosso totem. Outros blocos terão sido mais exitosos em outras conquistas (igualmente importantes e até certo ponto dignas de emulação pela América Latina): a ASEAN, na inserção competitiva de suas economias no mercado mundial; a Europa, na integração monetária, apesar dos percalços da Zona do Euro.
O fato de o próprio conceito de democracia ter deixado de ser consensual[12] torna imperativo que se busque, pelo diálogo, resgatar uma visão comum sobre um dos pilares da integração. Mas diálogo apenas não resolve. Há linhas vermelhas que não podem ser cruzadas: cláusulas democráticas existem para impor penalidades àqueles que incorrem em flagrantes violações à prática democrática.
Sanções internacionais são recursos extremos, sim. Não cabem em situações dúbias, como a do impeachment do presidente Fernando Lugo. E devem ser combinadas com a ação diplomática, a exemplo do que fez o Brasil diante da ameaça de golpe do general Lino Oviedo. Feitas essas ressalvas, as cláusulas democráticas constituem legítimo instrumento para a diplomacia brasileira. Não são panaceia, mas tampouco tabu.

Notas

  1. A ex-Presidente declarou ainda que: “não se pode esperar muito do governo ilegítimo que usurpou o meu mandato por meio de golpe parlamentar travestido de impeachment. A medida mostra a pequenez do governo do Brasil diante das exigências da América Latina”. Artigo do jornal “O Estado de São Paulo” intitulado Em nota, Dilma critica decisão de suspender a Venezuela. Publicado em 03/12/2016. Disponível em: http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,em-nota-dilma-critica-decisao-do-mercosul-de-suspender-a-venezuela,10000092346. Consultado em 03/12/2016. 
  2. Dois outros instrumentos que merecem referência: o Protocolo de Montevidéu sobre Compromisso com a Democracia (Ushuaia II), concluído em 2011, mas sem previsão de entrada em vigor; e o Protocolo Adicional sobre Compromisso com a Democracia, concluído em 2010 e em vigor desde 2014. Este último refere-se à União Sul-Americana de Nações (Unasul). 
  3. Em 2000, Fujimori candidatou-se a um terceiro mandato. O pleito foi considerado fraudulento pela missão de observadores da OEA. Ainda assim, o Brasil se opôs à imposição de sanções contra o Peru, tendo sido acusado de prolongar o apoio a Fujimori, quando a natureza autoritária de seu governo já havia ficado evidente para muitos países latino-americanos. 
  4. Trecho do telegrama confidencial (desclassificado) da Delegação Permanente junto à OEA no. 365, de 14/4/1992. Arquivos do Ministério das Relações Exteriores. 
  5. O episódio é descrito em detalhes pelo então embaixador do Brasil em Assunção. Vide DIAS, Márcio de Oliveira. Quando o Brasil ajudou a impedir o golpe de Oviedo. O GLOBO. Edição de 29/11/2015. Disponível em:http://oglobo.globo.com/mundo/artigo-quando-brasil-ajudou-impedir-golpe-de-oviedo-18166197. Consultado em: 02/12/2016. 
  6. FOLHA DE SÃO PAULO. O que houve no Paraguai foi ruptura política, não golpe. Entrevista com Francisco Doratioto. Edição de 01/07/2012. Disponível em: http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/2012/07/01/2//5797627. Consultado em 02/12/2016. 
  7. LAFER, Celso. Descaminhos do Mercosul: a suspensão da participação do Paraguai e a incorporação da Venezuela: uma avaliação crítica da posição brasileira. Disponível em: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,descaminhos-do-mercosul-imp-,918638. Consultado em 02/12/2016. 
  8. Comunicado Conjunto dos Presidentes dos Estados Partes do Mercosul – 29/06/2012 http://www.mercosur.int/innovaportal/v/4488/2/innova.front/comunicados-conjuntos. Consultado em 02/12/2016. 
  9. A oposição não possuía sequer um canal de interlocução com a Embaixada do Brasil em Caracas, como é de praxe. Depoimento da ex-Deputada María Corina Machado ao autor em 17 de junho de 2016. 
  10. A deputada notabilizou-se por denunciar violações aos direitos humanos por parte do Governo Maduro em reunião do Conselho Permanente da OEA, tendo falado a partir do assento do Panamá, o que lhe valeu a sua cassação por “traição à pátria”. 
  11. A melhor prova de que as relações com a Venezuela iam mal foi o tratamento reservado aos oito senadores, que viajaram a Caracas em junho de 2015. A comitiva, que pretendia prestar solidariedade a líderes oposicionistas presos, foi achacada ao sair do aeroporto por manifestantes que aparentavam agir a mando do Governo venezuelano. 
  12. Exemplo de visão alternativa é o conceito de democracia participativa, que identifica na relação com movimentos sociais uma fonte de legitimidade política até maior do que a que deriva da representação política parlamentar. 

Sobre o autor

Eduardo Paes Saboia é diplomata de carreira (e_saboia@hotmail.com).

Como citar este artigo

Eduardo Saboia. "A diplomacia brasileira e as cláusulas democráticas: totem e tabu". Mundorama - Revista de Divulgação Científica em Relações Internacionais,. [Acessado em 11/04/2018]. Disponível em: <http://www.mundorama.net/?article=a-diplomacia-brasileira-e-as-clausulas-democraticas-totem-e-tabu-por-eduardo-paes-saboia>.

terça-feira, 10 de abril de 2018

Triste fim de Policarpo Lula Quaresma da Silva

Texto de uma cara do facebook chamado Jairo José da Silva.

"Que espetáculo! Nem Fellini poderia ter dirigido aquilo! Esses dois dias passarão para a História, não tenham dúvidas.
Vimos hoje, em cima daquele caminhão, o derretimento de um líder político em repulsivo strip-tease moral, uma viagem alucinante ao passado, uma epifania de verdades sob véus de mentiras.
Um homem que ocupou o proscênio da política brasileira por quase quatro décadas, que presidiu o país por oito anos, reduzido ao seu eu mais profundo, um agitador barato de porta de fábrica, um líder estudantil senil, um agente provocador. Discursando embebido de cachaça e ódio, sedento de vingança, conclamando arruaceiros a queimar pneus, invadir propriedades, atacar adversários, num paroxismo autolaudatório de mitomania.
O homem que ocupou a mais alta magistratura na Nação atacando a imprensa e o judiciário como um vulgar porralouca, desrespeitando instituições da democracia que jurou respeitar e defender.

Todo o espetáculo oscilou entre o patético e o ridículo. Uma fauna incrível de puxa-sacos e ratos brigando pelo espólio enfeitada com padres paramentados. Tinha até um bispo. Se eu não tivesse visto não acreditaria. Uma paródia de missa em pretensa homenagem a uma morta mas toda dedicada ao endeusamento de um muito vivo que mostrava seu sentimento religioso mamando cachaça de uma garrafinha de água (que tentavam tirar da mão dele antes que fosse muito tarde).

Sabendo que aquele era o seu ocaso, poderia ter tido um gesto de grandeza, ter ensaiado sua entrada na História de modo mais digno, mas preferiu mandar trazer cerveja e carvão para o churrasco. Inacreditável!

Lula foi um talento político como poucos, um homem de evidente inteligência prática, mas infelizmente completamente desprovido de princípios éticos. Ele nunca se deu conta de que foi uma marionete nas mãos de oligarquias corruptoras e arcaicas estruturas políticas que o manipularam como quiseram às custas de agrados, mimos, presentes, adulação.
Aliou desonestidade pessoal com a já consagrada desonestidade intelectual e moral das esquerdas. Roubar o Estado lhe parecia uma justa estratégia política, ainda que tivesse que entregá-lo a tubarões exploradores, desde que também pudesse usufruir pessoalmente de algumas migalhas desse banquete de ratos.

Lula terminou sua carreira como começou, como um líder sindicalista. Mas se aquele homem jovem dos anos 80 trazia consigo uma promessa de renovação, o velho fauno de hoje é só uma paródia de si mesmo.

Esse Lula de hoje é o mesmo Lula dos anos 80 e 90, o verdadeiro. O Lulinha paz e amor dos anos 00 e 10 foi uma invenção de Marcelo Odebrecht, que inclusive redigiu o infame Manifesto à Nação que tornou Lula palatável às classes médias. Lula Odebrecht acabou, sobrou um saco vazio recolhido a uma cela.

Lula foi preso e o país não parou, não houve comoção popular, não houve choro e ranger de dentes - o povo preferiu ir aos estádios de futebol - e na frente do sindicato só havia os mesmos fanáticos de sempre.

A montanha pariu um rato."

segunda-feira, 9 de abril de 2018

Rui Barbosa: pai da diplomacia brasileira? - um livro de Carlos H. Cardim

Por acaso, fui relembrado deste livro hoje, e também me lembrei que já tinha feito uma resenha:

1849. “Rui Barbosa, diplomata”, Buenos Aires, 6 janeiro 2008, 3 p. Resenha do livro de Carlos Henrique Cardim: A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo(Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, 350 p.). Revista Desafios do Desenvolvimento(Brasília: IPEA, ano 5, n. 39, janeiro 2008, p. 62). Relação de Publicados n. 811.

Rui Barbosa, diplomata

Carlos Henrique Cardim
A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, 350 p.

O patrono incontestável da diplomacia brasileira é o “sacrossanto” Barão do Rio Branco, que deve figurar num pedestal do Itamaraty, à direita de Deus Pai, sem qualquer concorrente à sua esquerda (e nenhum iconoclasta se apresentou até hoje). No entanto, o famoso Juca Paranhos atingiu a categoria de mito, mais por ter protagonizado algumas bem sucedidas negociações de fronteiras, numa fase de consolidação dos limites geográficos da pátria, do que por ter formulado, propriamente, as bases conceituais da moderna diplomacia brasileira. Por certo, ele sempre é referido quando se trata da escolha sábia de procurar manter boas relações com o gigante hemisférico, ao mesmo tempo em que se buscava cultivar, numa boa barganha de equilibrista, nossa interação com a Europa, de maneira a preservar o rico patrimônio histórico trazido pelos novos imigrantes da fase pós-escravidão. Isso tudo, alertava o Barão, sem alienar nosso capital de altos e baixos com a Argentina, que ele pretendia o mais alto possível, desde que garantida a “relação especial” com os EUA da era Teddy Roosevelt, o tal que recomendava falar macio, mas carregar um grande porrete para convencer os mais recalcitrantes. Rio Branco nunca o desaprovou, pelo menos explicitamente.
Poucos se dão conta de que Rui Barbosa, o primeiro ministro da Fazenda da República, deveria ser considerado o “pai intelectual” da moderna diplomacia brasileira: ele deixou um legado de posições, hoje devidamente constitucionalizadas nos primeiros artigos da Carta de 1988. Rui nunca foi um diplomata profissional, mas se o fosse, poderia ser facilmente acomodado, com sua figura esguia e franzina, à esquerda de Deus itamaratiano, como um legítimo complemento ao redondo Barão. Esta monografia do Embaixador Cardim comprova que Rui foi muito maior do que o registrado na literatura da nossa política externa, mesmo sem ter deixado alguma grande obra centrada nessa problemática das relações internacionais. Aliás, parece incrível, mas Rui não deixou nenhum livro publicado, sobre qualquer tema, a despeito de suas “obras completas” – na verdade, coletâneas de artigos e textos diversos – perfazerem 160 volumes, cuidadosamente compilados pela Fundação que leva no seu nome no Rio de Janeiro. Foi lá que Cardim mergulhou para escrever a mais completa obra sobre o “diplomata” Rui Barbosa, um orador exímio.
Sua obra de ativo “internacionalista” está dispersa em centenas de artigos, pareceres, discursos, orações e preleções jurídicas, tendo sido jurisconsulto, consultor e advogado das boas causas: defendeu, por exemplo, o direito da primeira mulher que passou no concurso do velho MRE a ingressar na carreira diplomática, numa fase de misoginia explícita contra as poucas e corajosas candidatas. Sua mais importante ação diplomática está contida em telegramas, na condição de chefe da delegação à segunda conferência internacional sobre a paz mundial, realizada na Haia em 1907. Ele fez uma “dobradinha” de alta qualidade com o Barão, que trocava freqüentes impressões com ele, em telegramas cifrados, sobre os rumos dessa conferência e as posições que o Brasil deveria mais convenientemente adotar, em face do verdadeiro monopólio que as grandes potências exerciam sobre a agenda internacional. Cardim selecionou os expedientes e organizou um dossiê abrangente sobre a atividade e o pensamento de Rui em temas internacionais, numa obra que já nasce clássica, se a distinção se aplica. 
Sua importância não parece ter sido reconhecida na diplomacia brasileira até recentemente, quando uma sala, com o seu nome, foi inaugurada no novo palácio dos Arcos em Brasília, bem mais conhecido como Itamaraty. Curioso que, a despeito da preeminência do Barão nos anais da Casa, nenhuma de duas pesquisas recentes sobre as grandes personalidades da história brasileira colocou Juca Paranhos entre os cinco primeiros. Em ambas, figura Rui; numa delas em primeiro lugar, um justo reconhecimento pelo seu mérito de verdadeiro modernizador do Brasil, desde cedo um opositor da tutela militar que insistiu em preservar o poder moderador durante a maior parte da República. Cardim nos traz aqui não exatamente o tribuno civilista e defensor da legalidade democrática, mas o defensor da igualdade soberana das nações, que ocupa lugar de destaque na moderna diplomacia brasileira. Poucos são os textos conhecidos dessa vertente diplomática do famoso jurista baiano, que aqui aparecem pela primeira vez resumidos e interpretados por um diplomata bibliófilo, que também é um acadêmico exemplar e um dos grandes editores de livros acadêmicos já conhecidos na história editorial brasileira. 
O livro ainda traz belas imagens de época – fotos e uma saborosa iconografia com charges dos mais famosos humoristas brasileiros de um século atrás – e anuncia, além de tudo, novos volumes sobre Rui Barbosa, internacionalista brasileiro, que a Fundação que leva o seu nome publicará. Mas este, já é um livro de coleção...
Paulo Roberto de Almeida

[Buenos Aires, 6 de janeiro de 2008; revisão: 9.01.2008]