Reflexões sobre um debate
Paulo Roberto de Almeida
Acabo de assistir a um debate na BBC World News, transmitido desde Kiev, na Ucrânia, reunindo políticos, acadêmicos e jornalistas dos países satélites ou integrantes da finada União Soviética, coordenado por uma jornalista da BBC. Os interessados em saber mais sobre esse debate podem acessar este site: http://www.intelligencesquared.com/, ou, se souberem russo, este aqui: http://www.debaty.org.
O ponto central da discussão era uma moção, votada pelos participantes e assistentes ao debate consistindo em saber se o capitalismo tinha falhado nesses países, e em torno dela os debates se desenvolveram durante quase uma hora. Antes do debate, as posições estavam quase uniformemente divididas em pró e contra essa moção: 40% a favor, 42% contra e 18% indecisos.
Após o debate, muito interessante, mas totalmente dominado por inimigos declarados do funesto regime comunista e da economia de planejamento centralizado, os votos mudaram ligeiramente, mas houve um crescimento dos a favor da moção, ou seja, daqueles que, sim, vêem nas falhas do capitalismo a responsabilidade pelos fracassos aparentes, ou visíveis, de vários países herdeiros ou saídos do grande império socialista: 41% a favor. O que cresceu, como fruto do debate, foram os contrários à moção, alcançando o percentual de 50%, com a diminuição consequente dos indecisos (apenas 9%).
O debate foi interessante, mas ele me permitiu também constatar um dos mais constantes e repetidos equívocos das pessoas, em geral, quando elas falam do capitalismo. Esse regime, ou sistema econômico, se quiserem, parece ser considerado como uma entidade dotada de poderes próprios, com capacidade para determinar o curso da economia e talvez até da política nos países tocados pela sua “graça”. Ou seja, o capitalismo é responsabilizado se, em lugar de uma democracia de mercado, capaz de assegurar plenamente as liberdades políticas, o que surge é um capitalismo mafioso, corrupto, com um Estado centralizado, ainda autoritário e comportamentos pouco virtuosos em quase todas as esferas da vida social.
Ora, o capitalismo, como sistema impessoal, não centralizado, não controlado por qualquer força política ou social – a despeito dos governos e lideres políticos que moldam, através de leis e comportamentos práticos seus contornos efetivos e suas características específicas – não pode obviamente ser responsabilizado pelas patifarias dos lideres políticos, que manipulam leis e instituições para servirem a seus objetivos pouco transparentes (enriquecimento pessoal, cartéis dominados por forças amigas, privilégios a grupos de interesse restrito, manipulação da imprensa, etc.).
O capitalismo é apenas uma forma de organizar forças produtivas, baseadas no empreendedorismo, para produzir mercadorias e acumular riquezas, apenas isso. Ele constitui, apenas e tão somente, uma pequena parte da sociedade, que vem ainda constituída por forças não capitalistas, como podem ser as associações sociais, o próprio Estado e uma série de forças sociais que não respondem aos critérios muito modestos da economia capitalista.
Ou seja, a falha das ex-repúblicas soviéticas em se transformarem em vibrantes democracias de mercado – como podem ser hoje a Polônia e a República Tcheca, em menor medida a Hungria – não tem nada a ver com o capitalismo, em qualquer de suas formas. Tem, sim, a ver, com a estrutura mafiosa dos sistemas políticos, dominada em grande medida por ex-apparatchiks e membros da velha nomenklatura comunista, que souberam se reciclar no capitalismo de Estado que eles mesmos manipulam para seu maior poder e glória.
O conceito de poder, aliás, explica muito do que houve, e confirma que os fracassos registrados não têm nada a ver com o capitalismo. Este é um sistema justamente descentralizado, feito de milhares de empresários, milhões de trabalhadores e consumidores, que não se encontram a não ser nos mercados e nas relações de trabalho, e não comandam nenhum poder, a não ser o de atrair os consumidores para os seus bens e serviços produzidos, do contrário são simplesmente expelidos do mercado. Existem, é claro, situações de monopólios e cartéis, mas que são geralmente feitos através de arranjos, ou omissões, do Estado, quando não produzidos diretamente pelos Estados (ou melhor, pelas pessoas que comandam ao Estado).
A lógica do capitalismo é a da dispersão do poder (econômico) e isso é uma característica essencial do sistema, do contrário não seria capitalismo. A lógica da política, ao contrário, é a concentração do poder, pois esta é a condição pela qual políticos podem se perpetuar no poder. Uma das piores situações que podem ocorrer é a união de capitalistas e políticos, pois os primeiros adoram um monopólio – ou seja, dominar o mercado e expulsar os concorrentes – e os segundo adoram a mesma coisa, em sua esfera peculiar de manipulação da vontade dos cidadãos.
Ou seja, o sistema capitalista não é especialmente moralista, só conseguindo ser benéfico para as pessoas quando o poder econômico se encontra disperso, o que ocorre geralmente nos verdadeiros sistemas de mercado, abertos a novos entrantes e a todas as concorrências. Nem o sistema político é moralista, só podendo ser contido com mecanismos de transparência, de controles e limites (checks and balances), de justiça independente, de controle cidadão, pelo exercício regular do voto, em um sistema aberto a novos competidores. O que os países da ex-URSS não tiveram, justamente, foi capitalismo e democracia. Sendo assim fica contraditório acusar o capitalismo de qualquer falha própria pelo fracasso dessas sociedades em realizarem o que se espera de sociedades normais. Elas ainda tem um longo caminho pela frente, mas o capitalismo é ainda uma parte pequena da resposta. Tudo depende da democracia e da livre expressão dos cidadãos, de preferência educados.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 4 de julho de 2010)
Mais informações sobre o programa-debate, neste link.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
domingo, 4 de julho de 2010
Revista Brasileira de Politica Internacional: uma publicacao de impacto
Tendo participado, e de certa forma liderado, o esforço de resgate, de sobrevivência e de consolidação em Brasil (desde 1993) dessa histórica revista, que foi publicada no Rio de Janeiro de 1958 a 1992, posso igualmente sentir-me orgulhoso dessa conquista registrada abaixo.
Eu já havia feito esse registro neste post:
RBPI: uma grande revista com alto fator de impacto na area
(terça-feira, 29 de junho de 2010)
Desejo, neste momento, registrar os nomes dos dois editores que se sucederam na direção da fase brasiliense da revista, respectivamente professores Amado Luiz Cervo e Antonio Carlos de Moraes Lessa, cabendo a este último a parte essencial dos esforços que levaram ao reconhecimento agora registrado.
Desde 1993, tenho ostentado o título, mais honorífico do que efetivo, de "editor adjunto", colaborando sempre com o seu funcionamento e sucesso, embora, por razões profissionais, não possa ter estado mais envolvido, como teria desejado, com sua administração efetiva. Por isso mesmo, presto minhas homenagens aos colegas que mantiveram alto a chama da revista, mesmo com a modéstia de recursos e a falta de estruturas mais condizentes com a sua importância e potencial, nas pessoas dos dois citados editores e do atual presidente do IBRI, o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, Professor José Flávio Sombra Saraiva, cujo artigo reproduzo abaixo. Também já exerci esse cargo, no passado, e sempre estarei vinculado a seus sucessos e realizações, mesmo de forma nômade e esporádica.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 4 de julho de 2010)
Opinião
Gol das relações internacionais do Brasil
José Flávio Sombra Saraiva *
Correio Brasiliense, 04/07/2010
Taças de espumantes serão elevadas no fim de semana. Celebra-se, em várias universidades do Brasil, da América Latina e de institutos acadêmicos de outros continentes, gol de placa do Brasil. O motivo, no entanto, não se relaciona com gingas futebolísticas na copa sul-africana.
Embora tenha ocorrido no campo das relações internacionais, o gol não emana de vitória diplomática do Brasil em negociações internacionais. Nem recebemos nova adesão de algum chefe de Estado estrangeiro às pretensões do Brasil ao diretório onusiano.
As razões do júbilo não são menores. A Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), publicação de 52 anos de existência, dedicada aos estudos internacionais, à política externa do Brasil e à inserção de Estados e povos no sistema internacional, além dos novos temas, passou a figurar ao lado dos mais relevantes periódicos da área, tais como a Foreign Policy e a Foreign Affairs. Não há nenhuma revista no país e na América Latina com semelhante classificação internacional.
Apenas por mérito e juízo acadêmico externo, a RBPI foi incluída na seleta lista dos periódicos com “fator de impacto” e referência internacional. Quem isso decidiu não está sujeito a pressões de interesse ou conversas de pé de ouvido. É como um rating da academia, realizada pela prestigiada ISI-Journal Citation Report, métrica conhecida pelos cientistas das hard sciences, a alimentar perspectivas de mais projeção científica da instituição que mantém o periódico.
Em um país ainda carente de notícias serenas de agregação de valor real ao conhecimento produzido por seus cientistas e povoado por universidades que foram atropeladas por políticas populistas que desviam o sentido histórico de tais instituições, a notícia repõe a confiança no mérito. A RBPI e outra revista multidisciplinar da grande área de ciências sociais são as únicas brasileiras que alcançaram tal classificação nas ciências humanas, políticas, jurídicas e sociais na indexação do mais respeitado instituto do mundo que se dedica a tal tarefa.
Trata-se de um fato revelador que o Brasil possa contar com uma academia dedicada aos estudos internacionais que amadurece rapidamente. Ela investe na fórmula infalível: a qualidade e a competência. Se, no passado, foi muito importante o pensamento diplomático e o estratégico-militar, particularmente produzidos pela experiência prática de diplomatas e militares, a quadra é do adensamento de uma comunidade epistêmica de relações internacionais no Brasil.
A comunidade brasileira de relações internacionais está nas universidades e institutos de pesquisa e é comprometida com o Brasil, embora fique a impressão de ser pouco ouvida por quem com ela deveria se consultar. Há muita gente que, laboriosamente — e às vezes anonimamente —, trabalha e ajuda na difícil tarefa de construir o entendimento da nação e de seu papel no mundo.
A bela notícia de que o setor mais exigente de padrões de mérito acadêmico prestigia uma revista científica do Sul expõe a força emergente da comunidade de quase mil professores de relações internacionais no Brasil. Tendo como seu centro mais antigo a UnB, que teve a inteligência estratégica de iniciar tais estudos já na década de 1970, hoje esses estudiosos podem se regozijar, colhendo resultados dos investimentos iniciais e do trabalho duro. Solitário, difícil, mas compensador, o trabalho dos professores e pesquisadores que, ao longo de cinco décadas, publicaram suas reflexões na RBPI, foi reconhecido. Ofereço aos editores da RBPI que se sucederam desde Cleantho de Paiva Leite, seu fundador, essa premiação internacional.
É justo que aproximemos as taças. Façamos festa pátria no fim de semana. Não apenas a das chuteiras, mas também a da qualidade que emana da percepção do labor acadêmico, da produção científica de qualidade. Isso é fazer gol de placa. Parabéns, comunidade brasileira de relações internacionais.
* Ph. D. pela Universidade de Birmingham, professor titular de relações internacionais da UnB e pesquisador 1 do CNPq.
Eu já havia feito esse registro neste post:
RBPI: uma grande revista com alto fator de impacto na area
(terça-feira, 29 de junho de 2010)
Desejo, neste momento, registrar os nomes dos dois editores que se sucederam na direção da fase brasiliense da revista, respectivamente professores Amado Luiz Cervo e Antonio Carlos de Moraes Lessa, cabendo a este último a parte essencial dos esforços que levaram ao reconhecimento agora registrado.
Desde 1993, tenho ostentado o título, mais honorífico do que efetivo, de "editor adjunto", colaborando sempre com o seu funcionamento e sucesso, embora, por razões profissionais, não possa ter estado mais envolvido, como teria desejado, com sua administração efetiva. Por isso mesmo, presto minhas homenagens aos colegas que mantiveram alto a chama da revista, mesmo com a modéstia de recursos e a falta de estruturas mais condizentes com a sua importância e potencial, nas pessoas dos dois citados editores e do atual presidente do IBRI, o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, Professor José Flávio Sombra Saraiva, cujo artigo reproduzo abaixo. Também já exerci esse cargo, no passado, e sempre estarei vinculado a seus sucessos e realizações, mesmo de forma nômade e esporádica.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 4 de julho de 2010)
Opinião
Gol das relações internacionais do Brasil
José Flávio Sombra Saraiva *
Correio Brasiliense, 04/07/2010
Taças de espumantes serão elevadas no fim de semana. Celebra-se, em várias universidades do Brasil, da América Latina e de institutos acadêmicos de outros continentes, gol de placa do Brasil. O motivo, no entanto, não se relaciona com gingas futebolísticas na copa sul-africana.
Embora tenha ocorrido no campo das relações internacionais, o gol não emana de vitória diplomática do Brasil em negociações internacionais. Nem recebemos nova adesão de algum chefe de Estado estrangeiro às pretensões do Brasil ao diretório onusiano.
As razões do júbilo não são menores. A Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), publicação de 52 anos de existência, dedicada aos estudos internacionais, à política externa do Brasil e à inserção de Estados e povos no sistema internacional, além dos novos temas, passou a figurar ao lado dos mais relevantes periódicos da área, tais como a Foreign Policy e a Foreign Affairs. Não há nenhuma revista no país e na América Latina com semelhante classificação internacional.
Apenas por mérito e juízo acadêmico externo, a RBPI foi incluída na seleta lista dos periódicos com “fator de impacto” e referência internacional. Quem isso decidiu não está sujeito a pressões de interesse ou conversas de pé de ouvido. É como um rating da academia, realizada pela prestigiada ISI-Journal Citation Report, métrica conhecida pelos cientistas das hard sciences, a alimentar perspectivas de mais projeção científica da instituição que mantém o periódico.
Em um país ainda carente de notícias serenas de agregação de valor real ao conhecimento produzido por seus cientistas e povoado por universidades que foram atropeladas por políticas populistas que desviam o sentido histórico de tais instituições, a notícia repõe a confiança no mérito. A RBPI e outra revista multidisciplinar da grande área de ciências sociais são as únicas brasileiras que alcançaram tal classificação nas ciências humanas, políticas, jurídicas e sociais na indexação do mais respeitado instituto do mundo que se dedica a tal tarefa.
Trata-se de um fato revelador que o Brasil possa contar com uma academia dedicada aos estudos internacionais que amadurece rapidamente. Ela investe na fórmula infalível: a qualidade e a competência. Se, no passado, foi muito importante o pensamento diplomático e o estratégico-militar, particularmente produzidos pela experiência prática de diplomatas e militares, a quadra é do adensamento de uma comunidade epistêmica de relações internacionais no Brasil.
A comunidade brasileira de relações internacionais está nas universidades e institutos de pesquisa e é comprometida com o Brasil, embora fique a impressão de ser pouco ouvida por quem com ela deveria se consultar. Há muita gente que, laboriosamente — e às vezes anonimamente —, trabalha e ajuda na difícil tarefa de construir o entendimento da nação e de seu papel no mundo.
A bela notícia de que o setor mais exigente de padrões de mérito acadêmico prestigia uma revista científica do Sul expõe a força emergente da comunidade de quase mil professores de relações internacionais no Brasil. Tendo como seu centro mais antigo a UnB, que teve a inteligência estratégica de iniciar tais estudos já na década de 1970, hoje esses estudiosos podem se regozijar, colhendo resultados dos investimentos iniciais e do trabalho duro. Solitário, difícil, mas compensador, o trabalho dos professores e pesquisadores que, ao longo de cinco décadas, publicaram suas reflexões na RBPI, foi reconhecido. Ofereço aos editores da RBPI que se sucederam desde Cleantho de Paiva Leite, seu fundador, essa premiação internacional.
É justo que aproximemos as taças. Façamos festa pátria no fim de semana. Não apenas a das chuteiras, mas também a da qualidade que emana da percepção do labor acadêmico, da produção científica de qualidade. Isso é fazer gol de placa. Parabéns, comunidade brasileira de relações internacionais.
* Ph. D. pela Universidade de Birmingham, professor titular de relações internacionais da UnB e pesquisador 1 do CNPq.
sábado, 3 de julho de 2010
Capitalismo de Estado e Capitalismo de Mercado: a grande disputa
Livro:
Ian Bremmer
The End of the Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?
Portfolio Hardcover, 2010, 240 p.
ISBN-10: 1591843014
ISBN-13: 978-1591843016
Formats:
Kindle Edition: $12.99
Hardcover: $17.79
Used from: $12.99
O mercado contra o Estado
Revista Época, 4.07.2010
Em seu novo livro, o cientista político americano Ian Bremmer analisa o crescimento do capitalismo de Estado no mundo – inclusive no Brasil. Para ele, o sistema de livre mercado ainda vai prevalecer. A seguir, um trecho do livro:
Em maio de 2009, recebi um convite por e-mail para discutir a crise financeira global com o vice-ministro de Relações Exteriores da China, He Yafei, junto com um pequeno grupo de economistas e acadêmicos. O vice-ministro iniciou o encontro, realizado no consulado chinês, na 12a Avenida, em Manhattan, com uma pergunta: “Agora que o livre mercado fracassou, que papel vocês acham que caberá ao Estado na economia?”.
Seu tom maliciosamente pragmático e a grandiosidade de sua afirmação quase me fizeram rir. Mas a pergunta era séria – e uma rápida olhada nas manchetes dos jornais revelava muitas evidências em seu favor. A quebra do banco de investimento Lehman Brothers, em setembro de 2008, demonstrou que a crise financeira havia atingido uma escala que não podia mais ser ignorada. As autoridades de Washington tinham assumido a responsabilidade por decisões que geralmente são tomadas pelos mercados, em Nova York. O então presidente George W. Bush assinou o Ato Emergencial de Estabilização Econômica, criando o Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (Trouble Asset Relief Program, Tarp, em inglês), de US$ 700 bilhões. No início de 2009, seu sucessor, Barack Obama, avisou que, se Washington não atuasse rapidamente, os Estados Unidos viveriam uma catástrofe. Os legisladores responderam ao chamado aprovando um plano de resgate de US$ 787 bilhões.
He Yafei aguardou pacientemente por uma resposta. “Os bancos fracassaram em se autorregular, mas isso não significa que o governo vai dominar permanentemente a economia”, respondi. Robert Hormats, do (banco de investimento) Goldman Sachs, Don Hanna, do Citigroup, o economista Nouriel Roubini e outros acrescentaram suas visões à conversa. Ao longo dos 90 minutos seguintes, meus colegas americanos e eu defendemos o capitalismo de livre mercado e o senhor He defendeu o capitalismo dirigido pelo Estado. Nós encontramos algumas ideias em comum. Mas, ao final do encontro, ficou claro que tínhamos discutido os méritos de dois conjuntos incompatíveis de princípios políticos e econômicos.
Em encontros de consequências muito mais amplas, realizados agora em todo o mundo, essa incapacidade de concordar em relação ao papel adequado do Estado na economia mudará a forma de a gente viver. O exemplo mais óbvio é a mudança da mesa internacional de negociações dominada pelos chefes de Estado do G7, o grupo das nações mais industrializadas do mundo – todas elas campeãs do capitalismo de livre mercado – para o modelo do G20, no qual céticos do livre mercado, como China, Rússia, Arábia Saudita, Índia e outros países, participam da discussão. Agora, quando os líderes das democracias de livre mercado fazem o diagnóstico dos problemas da economia global, enfrentam o sorriso cético de He Yafei – e de todos aqueles na mesa que acreditam que o livre mercado fracassou e que o Estado deve ter um papel preponderante na economia. É um enorme problema, que vai trazer desafios por várias décadas. Como chegamos aqui? O fim da Guerra Fria não trouxe a vitória do capitalismo de livre mercado?
Apesar de ter cumprido as promessas de campanha, Lula não é nenhuma Margaret Thatcher
Em dezembro de 1991, um atônito Mikhail Gorbatchev anunciou a seu povo que eles estavam vivendo num mundo novo. Seis dias depois, a União Soviética acabou. Em três semanas, o líder chinês Deng Xiaoping lançou uma nova fase da reforma de livre mercado da China. Em um ano, até Fidel Castro tinha aceitado a necessidade de implementar algum grau de experimentação capitalista. Países do Pacto de Varsóvia começaram a marchar em direção à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e à União Europeia. O capitalismo de livre mercado parecia ter obtido uma vitória definitiva.
Mas, como os russos descobriram de forma dolorosa nos anos 90, há um longo caminho entre uma economia planificada e o capitalismo de livre mercado. A queda do comunismo não representou o triunfo do livre mercado, porque não colocou um ponto final em governos autoritários. O governo chinês aprendeu algumas lições importantes com o colapso da União Soviética e a revolta da Rússia contra o caos e a corrupção que se seguiram. Primeiro, reconheceu que, se o Partido Comunista Chinês fracassasse em gerar prosperidade para o povo, seus dias estavam contados. Segundo, aceitou que o Estado não pode criar crescimento econômico duradouro por decreto. Só com a liberação da inovação e das energias empreendedoras de sua vasta população a China poderia prosperar e o partido sobreviver. Terceiro, percebeu que, quando esse potencial de crescimento fosse liberado, o partido só poderia proteger seu monopólio de poder político se o Estado controlasse a maior parte possível da riqueza que os mercados viessem a gerar.
Assim como a China, governos autoritários em todo o mundo aprenderam a competir abraçando o capitalismo de livre mercado. Certos de que economias planificadas estavam destinadas ao fracasso, mas temerosos de que o verdadeiro livre mercado fugisse do controle, os autoritários inventaram o capitalismo de Estado. Neste sistema, os governos usam vários tipos de empresas controladas pelo Estado para administrar o que consideram como joias da coroa e para criar e manter um grande número de empregos. Eles elegem empresas privadas para dominar certos setores econômicos. Usam os fundos soberanos para investir o dinheiro extra e maximizar os lucros do Estado. Em todos os casos, o Estado está usando os mercados para criar riquezas que possam ser dirigidas para onde os políticos desejarem.
Esse novo modelo atraiu imitadores em boa parte dos países emergentes. No Brasil, quando a população elegeu Luiz Inácio Lula da Silva como presidente, em 2002, muitos investidores estrangeiros temiam que ele seguisse o caminho do presidente venezuelano Hugo Chávez, dando uma guinada radical para a esquerda. Apesar das garantias de campanha de que Lula manteria a disciplinada política de livre mercado, alguns temiam que ele voltasse atrás. Isso não aconteceu. Sua reputação de esquerda o ajudou a construir um consenso em favor do capitalismo de livre mercado – dentro de certos limites. Hoje, com seu mandato no fim, ele continua muito popular no Brasil.
Lula, porém, não é nenhuma Margaret Thatcher. Ele acredita que seu governo tem uma responsabilidade com os pobres e com o fortalecimento (e não com a privatização) da maior parte das estatais remanescentes. Elegeu campeões nacionais de controle privado, especialmente em setores como mineração e telecomunicações. Empresas como a Petrobras e a Eletrobrás desempenham um papel mais importante, embora o governo trabalhe para atrair mais investimento privado.
Essas intervenções não chegam perto das que ocorrem na Rússia ou na China. Ainda assim, dois fatos importantes ameaçam levar o governo brasileiro a desempenhar um papel mais ativo na economia. O primeiro é a descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, anunciada em novembro de 2007. O governo já propôs mudanças na lei de 1997, que permitiu às empresas estrangeiras desempenhar um importante papel na exploração e na produção de petróleo, e quer assegurar que a Petrobras não perderá seu papel de liderança no setor. O segundo fator potencial de mudança foi o impacto da crise financeira de 2008 no mercado interno. Com a desaceleração do comércio e a redução do crédito, o governo usou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal para injetar recursos no setor privado, aumentando a participação governamental em algumas das maiores empresas do Brasil.
Lula trabalhou para ajudar a criar campeões privados de capital nacional em alguns setores, com o objetivo de torná-los mais competitivos no mercado internacional. Mas, como essas empresas têm financiamentos de outras fontes, o Estado não pode controlá-las totalmente.
Em dezembro de 2008, o governo Lula anunciou planos de criar um fundo soberano. A ideia original era usá-lo para ajudar a financiar as empresas brasileiras no exterior e a desvalorizar o real, para estimular as exportações. O governo tomaria empréstimos em reais e compraria dólares para financiar as empresas brasileiras a comprar ativos no exterior. A retração econômica mudou os planos. Agora, o governo quer que o capital do fundo (pouco abaixo de US$ 7 bilhões) ajude a financiar investimentos do Estado no Brasil e garanta recursos às instituições financeiras estatais.
Em outubro de 2010, os eleitores brasileiros irão às urnas para eleger o sucessor de Lula e terão de tomar uma decisão difícil. O Brasil não é um país de capitalismo de Estado. Sua democracia permite o controle do poder do Estado, a opinião pública apoia o comércio e o investimento estrangeiro (inclusive no setor de energia) e seu fundo soberano é pequeno, se comparado aos da China e do Golfo Pérsico. Mas, ainda que os eleitores decidam o voto com base em outras questões, o próximo presidente terá uma influência considerável na forma como o país vai desenvolver uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o grau de abertura da economia e o tipo de exemplo que dará a seus vizinhos.
A Grande Depressão dos anos 1930 não destruiu o capitalismo de livre mercado, mesmo que as alternativas do comunismo e do fascismo tenham capturado a imaginação mundo afora. O capitalismo de livre mercado destruiu o fascismo, ofuscou o colonialismo e teve uma longevidade maior que o comunismo. Também sobreviveu a diversas crises criadas por ele mesmo. Por que ele é tão resistente? Porque praticamente todas as pessoas valorizam a oportunidade de criar prosperidade para si mesmas e suas famílias, e porque o livre mercado provou diversas vezes que pode dar poderes praticamente a qualquer um. À medida que centenas de milhões de pessoas conhecerem como os outros vivem – do outro lado da rua e do outro lado do planeta –, elas se darão conta de que uns têm muito mais que os outros. Mas muitos também verão que a riqueza, como quer que a definam, não está mais fora de seu alcance. À medida que nações antes isoladas se unirem à economia global, criando novos mercados para os bens e serviços que produzem, elas verão que a prosperidade pode ser contagiosa. As três últimas décadas provaram que o acesso ao livre mercado – e não apenas a ajuda financeira – pode incluir imensos contingentes de pobres na economia global. Os mercados livres oferecem àqueles que deles participam vantagens de longo prazo que o capitalismo de Estado não pode atender.
===============
Debate no site da Amazon:
Nouriel Roubini and Ian Bremmer: Author One-to-One
In this Amazon exclusive, we brought together authors Nouriel Roubini and Ian Bremmer and asked them to interview each other.
Nouriel Roubini is a professor of economics at New York University's Stern School of Business. He has extensive senior policy experience in the federal government, having served from 1998 to 2000 in the White House and the U.S. Treasury. He is the founder and chairman of RGE Monitor (rgemonitor.com), an economic and financial consulting firm, regularly attends and presents his views at the World Economic Forum at Davos and other international forums, and is an adviser to cental bankers around the world. He is the author of Crisis Economics and Bailouts or Bail-Ins. Read on to see Nouriel Roubini's questions for Ian Bremmer, or turn the tables to see what Bremmer asked Roubini.
Nouriel Roubini Roubini: Your book [The End of the Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?] suggests that an old trend, what you call state capitalism, has become much more important. What happened to change things?
Bremmer: Over the past 18 months, the Western financial crisis and the global recession have accelerated the inevitable transition from a G7 to a G20 world. That’s not just a matter of more states at the bargaining table. It’s not just about having to herd more cats to get things done on the international stage. It’s about herding cats together with other animals that don’t really like cats. And that’s not really herding.
The G7 world was one where everyone that mattered for growth in the global economy accepted the assumption that prosperity depended on rule of law, independent courts, transparency and a free media—and in the value of free market capitalism. In that world, multinational corporations are the principle economic heavyweights. This consensus has provided the engine driving globalization for the past 40 years.
The sun has set on that world. The country that has emerged strongest and fastest from the global slowdown is one that does not accept the idea that a regulated free market economy is crucial for sustainable economic growth. China’s success has persuaded authoritarians around the world that they really can have explosive growth without undermining their monopoly hold on domestic political power. China has enjoyed double-digit growth for thirty years without freedom of speech, without well-established economic rules of the road, without judges that can ignore political pressure, without credible property rights—without democracy. And the events of the past 18 months have made China more important that ever for the future of global economic growth. This is a big change with enormous implications that we had better start thinking through.
Roubini: The term state capitalism means different things to different people. How do you explain it today?
Bremmer: I’m writing about a system in which the state uses the power of markets primarily for political gain. A country’s political leaders know that command economies will eventually fail, but they’re afraid that if they allow space for markets that are truly free, they’ll lose control of how wealth is generated. They could end up empowering others who will use markets to generate revenue that can then be used to challenge the government’s authority to dominate the country’s political life. So they use national oil companies, other state-owned enterprises, privately owned but politically loyal national champion companies, and sovereign wealth funds to exercise as much control as possible over the creation of wealth within the country’s borders. And they send these companies and investment fund abroad to secure deals that increase the state’s political and geopolitical leverage in a variety of ways.
This system is fundamentally incompatible with a free market system.
Roubini: Creating friction between the state capitalists and other governments. To say nothing of privately owned companies.
Bremmer: Exactly, yes. In a free market system, multinational corporations are looking to maximize profits. In markets that are not intelligently regulated, and we’ve seen this in the United States, they're looking to maximize short-term gains at the expense of sustainable, long-term growth for their shareholders or for their own compensation. The past two years have reminded us of the sometime excesses of free market capitalism.
In a state capitalist system-- the principle economic actors are looking first to achieve political goals. Profits are subordinate to that goal. In other words, if profits serve the state’s interests, they’ll pursue profits. But if the state needs a state-owned oil company to pay through the nose to lock up long-term supplies to the oil, gas, metals and minerals needed to secure the long-term growth that keeps workers in their jobs, off the streets, and the political leaders in power, profits and efficiency can become political liabilities and these companies will pay whatever it takes to get what their political patrons want.
But the state-owned companies are competing with multinationals that won’t overpay, that can’t overpay. Here, the injection of politics into market activity distorts the outcome—in this case by raising the price that we all pay for energy and other commodities.
Roubini: When you mention the state capitalist countries, which ones do you specifically have in mind?
Ian Bremmer Bremmer: We find state capitalist powers among the Arab monarchies of the Persian Gulf-- Saudi Arabia and the United Arab Emirates are the most important. You see this trend, of course, in Putin’s Russia. There are other examples of countries that mix free market with state capitalist policies. But we wouldn’t be talking about state capitalism as game-changer for international politics and the global economy if it weren’t for China, now the world’s second largest economy and its fastest growing major marketplace.
Roubini: The End of the Free Market is a provocative title. Are you trying to out-Doom me?
Bremmer: You know I wouldn’t do that. But you have to admit, it’s not an exaggeration. It’s not that I think the United States is going to throw away its free market principles. It's not about President Obama being some kind of socialist. Washington will tighten the regulation of financial markets in coming months, and some people won’t like that. Americans will not lose their faith in the power of free market capitalism to generate prosperity. But that can’t be said for the rest of the world.
The global economic system is no longer driven by consensus around these values. There are now competing forms of capitalism. You used the word friction. That’s exactly the right word. Friction, competition, even conflict. There will be winners and losers, and the world’s political and business leaders better begin to try to sort out who those winners and losers will be.
Roubini: Do you mean that state capitalists will be winners and those who bank on free markets will lose?
Bremmer: Not necessarily. We’re going to see governments around the world that no longer feel bound to follow the Western rulebook of decades past. We’ll see multinational corporations struggling to adapt, because foreign investment will become much less predictable and much more complicated. And the backing they get from their home governments won’t carry as much weight.
Yet, some of them will be more successful than others at learning to compete on a playing field that isn’t level. There are very good reasons to doubt that the state capitalists will have staying power. But for now, they have lots of new clout and plenty of advantages. Over the next five, ten, twenty years, state capitalist governments and the companies and institutions they empower will be a serious—and global--force to be reckoned with.
The threat for Americans is that all this is happening at a moment when people are struggling, and their elected leaders have every incentive to respond to that fear and anger with promises to throw up walls meant to protect them from all these changes. Americans have always prided themselves on tearing down walls, not building them. State capitalism and American populism will put that faith to the test.
Roubini: Were you tempted to call your book The End of Globalization?
Bremmer: No, this isn’t the end of globalization. It is the end of globalization’s singular, overriding power to shape our lives and the future of the global economy. Globalization depends on access to global consumer markets, capital markets, and labor markets. State capitalism compromises all three. Globalization still matters, and it will continue to matter for the foreseeable future. But it is no longer the fundamental driver of growth in a global economy that looks increasingly toward China for the next expansion.
Ian Bremmer
The End of the Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?
Portfolio Hardcover, 2010, 240 p.
ISBN-10: 1591843014
ISBN-13: 978-1591843016
Formats:
Kindle Edition: $12.99
Hardcover: $17.79
Used from: $12.99
O mercado contra o Estado
Revista Época, 4.07.2010
Em seu novo livro, o cientista político americano Ian Bremmer analisa o crescimento do capitalismo de Estado no mundo – inclusive no Brasil. Para ele, o sistema de livre mercado ainda vai prevalecer. A seguir, um trecho do livro:
Em maio de 2009, recebi um convite por e-mail para discutir a crise financeira global com o vice-ministro de Relações Exteriores da China, He Yafei, junto com um pequeno grupo de economistas e acadêmicos. O vice-ministro iniciou o encontro, realizado no consulado chinês, na 12a Avenida, em Manhattan, com uma pergunta: “Agora que o livre mercado fracassou, que papel vocês acham que caberá ao Estado na economia?”.
Seu tom maliciosamente pragmático e a grandiosidade de sua afirmação quase me fizeram rir. Mas a pergunta era séria – e uma rápida olhada nas manchetes dos jornais revelava muitas evidências em seu favor. A quebra do banco de investimento Lehman Brothers, em setembro de 2008, demonstrou que a crise financeira havia atingido uma escala que não podia mais ser ignorada. As autoridades de Washington tinham assumido a responsabilidade por decisões que geralmente são tomadas pelos mercados, em Nova York. O então presidente George W. Bush assinou o Ato Emergencial de Estabilização Econômica, criando o Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (Trouble Asset Relief Program, Tarp, em inglês), de US$ 700 bilhões. No início de 2009, seu sucessor, Barack Obama, avisou que, se Washington não atuasse rapidamente, os Estados Unidos viveriam uma catástrofe. Os legisladores responderam ao chamado aprovando um plano de resgate de US$ 787 bilhões.
He Yafei aguardou pacientemente por uma resposta. “Os bancos fracassaram em se autorregular, mas isso não significa que o governo vai dominar permanentemente a economia”, respondi. Robert Hormats, do (banco de investimento) Goldman Sachs, Don Hanna, do Citigroup, o economista Nouriel Roubini e outros acrescentaram suas visões à conversa. Ao longo dos 90 minutos seguintes, meus colegas americanos e eu defendemos o capitalismo de livre mercado e o senhor He defendeu o capitalismo dirigido pelo Estado. Nós encontramos algumas ideias em comum. Mas, ao final do encontro, ficou claro que tínhamos discutido os méritos de dois conjuntos incompatíveis de princípios políticos e econômicos.
Em encontros de consequências muito mais amplas, realizados agora em todo o mundo, essa incapacidade de concordar em relação ao papel adequado do Estado na economia mudará a forma de a gente viver. O exemplo mais óbvio é a mudança da mesa internacional de negociações dominada pelos chefes de Estado do G7, o grupo das nações mais industrializadas do mundo – todas elas campeãs do capitalismo de livre mercado – para o modelo do G20, no qual céticos do livre mercado, como China, Rússia, Arábia Saudita, Índia e outros países, participam da discussão. Agora, quando os líderes das democracias de livre mercado fazem o diagnóstico dos problemas da economia global, enfrentam o sorriso cético de He Yafei – e de todos aqueles na mesa que acreditam que o livre mercado fracassou e que o Estado deve ter um papel preponderante na economia. É um enorme problema, que vai trazer desafios por várias décadas. Como chegamos aqui? O fim da Guerra Fria não trouxe a vitória do capitalismo de livre mercado?
Apesar de ter cumprido as promessas de campanha, Lula não é nenhuma Margaret Thatcher
Em dezembro de 1991, um atônito Mikhail Gorbatchev anunciou a seu povo que eles estavam vivendo num mundo novo. Seis dias depois, a União Soviética acabou. Em três semanas, o líder chinês Deng Xiaoping lançou uma nova fase da reforma de livre mercado da China. Em um ano, até Fidel Castro tinha aceitado a necessidade de implementar algum grau de experimentação capitalista. Países do Pacto de Varsóvia começaram a marchar em direção à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e à União Europeia. O capitalismo de livre mercado parecia ter obtido uma vitória definitiva.
Mas, como os russos descobriram de forma dolorosa nos anos 90, há um longo caminho entre uma economia planificada e o capitalismo de livre mercado. A queda do comunismo não representou o triunfo do livre mercado, porque não colocou um ponto final em governos autoritários. O governo chinês aprendeu algumas lições importantes com o colapso da União Soviética e a revolta da Rússia contra o caos e a corrupção que se seguiram. Primeiro, reconheceu que, se o Partido Comunista Chinês fracassasse em gerar prosperidade para o povo, seus dias estavam contados. Segundo, aceitou que o Estado não pode criar crescimento econômico duradouro por decreto. Só com a liberação da inovação e das energias empreendedoras de sua vasta população a China poderia prosperar e o partido sobreviver. Terceiro, percebeu que, quando esse potencial de crescimento fosse liberado, o partido só poderia proteger seu monopólio de poder político se o Estado controlasse a maior parte possível da riqueza que os mercados viessem a gerar.
Assim como a China, governos autoritários em todo o mundo aprenderam a competir abraçando o capitalismo de livre mercado. Certos de que economias planificadas estavam destinadas ao fracasso, mas temerosos de que o verdadeiro livre mercado fugisse do controle, os autoritários inventaram o capitalismo de Estado. Neste sistema, os governos usam vários tipos de empresas controladas pelo Estado para administrar o que consideram como joias da coroa e para criar e manter um grande número de empregos. Eles elegem empresas privadas para dominar certos setores econômicos. Usam os fundos soberanos para investir o dinheiro extra e maximizar os lucros do Estado. Em todos os casos, o Estado está usando os mercados para criar riquezas que possam ser dirigidas para onde os políticos desejarem.
Esse novo modelo atraiu imitadores em boa parte dos países emergentes. No Brasil, quando a população elegeu Luiz Inácio Lula da Silva como presidente, em 2002, muitos investidores estrangeiros temiam que ele seguisse o caminho do presidente venezuelano Hugo Chávez, dando uma guinada radical para a esquerda. Apesar das garantias de campanha de que Lula manteria a disciplinada política de livre mercado, alguns temiam que ele voltasse atrás. Isso não aconteceu. Sua reputação de esquerda o ajudou a construir um consenso em favor do capitalismo de livre mercado – dentro de certos limites. Hoje, com seu mandato no fim, ele continua muito popular no Brasil.
Lula, porém, não é nenhuma Margaret Thatcher. Ele acredita que seu governo tem uma responsabilidade com os pobres e com o fortalecimento (e não com a privatização) da maior parte das estatais remanescentes. Elegeu campeões nacionais de controle privado, especialmente em setores como mineração e telecomunicações. Empresas como a Petrobras e a Eletrobrás desempenham um papel mais importante, embora o governo trabalhe para atrair mais investimento privado.
Essas intervenções não chegam perto das que ocorrem na Rússia ou na China. Ainda assim, dois fatos importantes ameaçam levar o governo brasileiro a desempenhar um papel mais ativo na economia. O primeiro é a descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, anunciada em novembro de 2007. O governo já propôs mudanças na lei de 1997, que permitiu às empresas estrangeiras desempenhar um importante papel na exploração e na produção de petróleo, e quer assegurar que a Petrobras não perderá seu papel de liderança no setor. O segundo fator potencial de mudança foi o impacto da crise financeira de 2008 no mercado interno. Com a desaceleração do comércio e a redução do crédito, o governo usou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal para injetar recursos no setor privado, aumentando a participação governamental em algumas das maiores empresas do Brasil.
Lula trabalhou para ajudar a criar campeões privados de capital nacional em alguns setores, com o objetivo de torná-los mais competitivos no mercado internacional. Mas, como essas empresas têm financiamentos de outras fontes, o Estado não pode controlá-las totalmente.
Em dezembro de 2008, o governo Lula anunciou planos de criar um fundo soberano. A ideia original era usá-lo para ajudar a financiar as empresas brasileiras no exterior e a desvalorizar o real, para estimular as exportações. O governo tomaria empréstimos em reais e compraria dólares para financiar as empresas brasileiras a comprar ativos no exterior. A retração econômica mudou os planos. Agora, o governo quer que o capital do fundo (pouco abaixo de US$ 7 bilhões) ajude a financiar investimentos do Estado no Brasil e garanta recursos às instituições financeiras estatais.
Em outubro de 2010, os eleitores brasileiros irão às urnas para eleger o sucessor de Lula e terão de tomar uma decisão difícil. O Brasil não é um país de capitalismo de Estado. Sua democracia permite o controle do poder do Estado, a opinião pública apoia o comércio e o investimento estrangeiro (inclusive no setor de energia) e seu fundo soberano é pequeno, se comparado aos da China e do Golfo Pérsico. Mas, ainda que os eleitores decidam o voto com base em outras questões, o próximo presidente terá uma influência considerável na forma como o país vai desenvolver uma das maiores reservas de petróleo do mundo, o grau de abertura da economia e o tipo de exemplo que dará a seus vizinhos.
A Grande Depressão dos anos 1930 não destruiu o capitalismo de livre mercado, mesmo que as alternativas do comunismo e do fascismo tenham capturado a imaginação mundo afora. O capitalismo de livre mercado destruiu o fascismo, ofuscou o colonialismo e teve uma longevidade maior que o comunismo. Também sobreviveu a diversas crises criadas por ele mesmo. Por que ele é tão resistente? Porque praticamente todas as pessoas valorizam a oportunidade de criar prosperidade para si mesmas e suas famílias, e porque o livre mercado provou diversas vezes que pode dar poderes praticamente a qualquer um. À medida que centenas de milhões de pessoas conhecerem como os outros vivem – do outro lado da rua e do outro lado do planeta –, elas se darão conta de que uns têm muito mais que os outros. Mas muitos também verão que a riqueza, como quer que a definam, não está mais fora de seu alcance. À medida que nações antes isoladas se unirem à economia global, criando novos mercados para os bens e serviços que produzem, elas verão que a prosperidade pode ser contagiosa. As três últimas décadas provaram que o acesso ao livre mercado – e não apenas a ajuda financeira – pode incluir imensos contingentes de pobres na economia global. Os mercados livres oferecem àqueles que deles participam vantagens de longo prazo que o capitalismo de Estado não pode atender.
===============
Debate no site da Amazon:
Nouriel Roubini and Ian Bremmer: Author One-to-One
In this Amazon exclusive, we brought together authors Nouriel Roubini and Ian Bremmer and asked them to interview each other.
Nouriel Roubini is a professor of economics at New York University's Stern School of Business. He has extensive senior policy experience in the federal government, having served from 1998 to 2000 in the White House and the U.S. Treasury. He is the founder and chairman of RGE Monitor (rgemonitor.com), an economic and financial consulting firm, regularly attends and presents his views at the World Economic Forum at Davos and other international forums, and is an adviser to cental bankers around the world. He is the author of Crisis Economics and Bailouts or Bail-Ins. Read on to see Nouriel Roubini's questions for Ian Bremmer, or turn the tables to see what Bremmer asked Roubini.
Nouriel Roubini Roubini: Your book [The End of the Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?] suggests that an old trend, what you call state capitalism, has become much more important. What happened to change things?
Bremmer: Over the past 18 months, the Western financial crisis and the global recession have accelerated the inevitable transition from a G7 to a G20 world. That’s not just a matter of more states at the bargaining table. It’s not just about having to herd more cats to get things done on the international stage. It’s about herding cats together with other animals that don’t really like cats. And that’s not really herding.
The G7 world was one where everyone that mattered for growth in the global economy accepted the assumption that prosperity depended on rule of law, independent courts, transparency and a free media—and in the value of free market capitalism. In that world, multinational corporations are the principle economic heavyweights. This consensus has provided the engine driving globalization for the past 40 years.
The sun has set on that world. The country that has emerged strongest and fastest from the global slowdown is one that does not accept the idea that a regulated free market economy is crucial for sustainable economic growth. China’s success has persuaded authoritarians around the world that they really can have explosive growth without undermining their monopoly hold on domestic political power. China has enjoyed double-digit growth for thirty years without freedom of speech, without well-established economic rules of the road, without judges that can ignore political pressure, without credible property rights—without democracy. And the events of the past 18 months have made China more important that ever for the future of global economic growth. This is a big change with enormous implications that we had better start thinking through.
Roubini: The term state capitalism means different things to different people. How do you explain it today?
Bremmer: I’m writing about a system in which the state uses the power of markets primarily for political gain. A country’s political leaders know that command economies will eventually fail, but they’re afraid that if they allow space for markets that are truly free, they’ll lose control of how wealth is generated. They could end up empowering others who will use markets to generate revenue that can then be used to challenge the government’s authority to dominate the country’s political life. So they use national oil companies, other state-owned enterprises, privately owned but politically loyal national champion companies, and sovereign wealth funds to exercise as much control as possible over the creation of wealth within the country’s borders. And they send these companies and investment fund abroad to secure deals that increase the state’s political and geopolitical leverage in a variety of ways.
This system is fundamentally incompatible with a free market system.
Roubini: Creating friction between the state capitalists and other governments. To say nothing of privately owned companies.
Bremmer: Exactly, yes. In a free market system, multinational corporations are looking to maximize profits. In markets that are not intelligently regulated, and we’ve seen this in the United States, they're looking to maximize short-term gains at the expense of sustainable, long-term growth for their shareholders or for their own compensation. The past two years have reminded us of the sometime excesses of free market capitalism.
In a state capitalist system-- the principle economic actors are looking first to achieve political goals. Profits are subordinate to that goal. In other words, if profits serve the state’s interests, they’ll pursue profits. But if the state needs a state-owned oil company to pay through the nose to lock up long-term supplies to the oil, gas, metals and minerals needed to secure the long-term growth that keeps workers in their jobs, off the streets, and the political leaders in power, profits and efficiency can become political liabilities and these companies will pay whatever it takes to get what their political patrons want.
But the state-owned companies are competing with multinationals that won’t overpay, that can’t overpay. Here, the injection of politics into market activity distorts the outcome—in this case by raising the price that we all pay for energy and other commodities.
Roubini: When you mention the state capitalist countries, which ones do you specifically have in mind?
Ian Bremmer Bremmer: We find state capitalist powers among the Arab monarchies of the Persian Gulf-- Saudi Arabia and the United Arab Emirates are the most important. You see this trend, of course, in Putin’s Russia. There are other examples of countries that mix free market with state capitalist policies. But we wouldn’t be talking about state capitalism as game-changer for international politics and the global economy if it weren’t for China, now the world’s second largest economy and its fastest growing major marketplace.
Roubini: The End of the Free Market is a provocative title. Are you trying to out-Doom me?
Bremmer: You know I wouldn’t do that. But you have to admit, it’s not an exaggeration. It’s not that I think the United States is going to throw away its free market principles. It's not about President Obama being some kind of socialist. Washington will tighten the regulation of financial markets in coming months, and some people won’t like that. Americans will not lose their faith in the power of free market capitalism to generate prosperity. But that can’t be said for the rest of the world.
The global economic system is no longer driven by consensus around these values. There are now competing forms of capitalism. You used the word friction. That’s exactly the right word. Friction, competition, even conflict. There will be winners and losers, and the world’s political and business leaders better begin to try to sort out who those winners and losers will be.
Roubini: Do you mean that state capitalists will be winners and those who bank on free markets will lose?
Bremmer: Not necessarily. We’re going to see governments around the world that no longer feel bound to follow the Western rulebook of decades past. We’ll see multinational corporations struggling to adapt, because foreign investment will become much less predictable and much more complicated. And the backing they get from their home governments won’t carry as much weight.
Yet, some of them will be more successful than others at learning to compete on a playing field that isn’t level. There are very good reasons to doubt that the state capitalists will have staying power. But for now, they have lots of new clout and plenty of advantages. Over the next five, ten, twenty years, state capitalist governments and the companies and institutions they empower will be a serious—and global--force to be reckoned with.
The threat for Americans is that all this is happening at a moment when people are struggling, and their elected leaders have every incentive to respond to that fear and anger with promises to throw up walls meant to protect them from all these changes. Americans have always prided themselves on tearing down walls, not building them. State capitalism and American populism will put that faith to the test.
Roubini: Were you tempted to call your book The End of Globalization?
Bremmer: No, this isn’t the end of globalization. It is the end of globalization’s singular, overriding power to shape our lives and the future of the global economy. Globalization depends on access to global consumer markets, capital markets, and labor markets. State capitalism compromises all three. Globalization still matters, and it will continue to matter for the foreseeable future. But it is no longer the fundamental driver of growth in a global economy that looks increasingly toward China for the next expansion.
Transacoes nunca antes vistas na historia da diplomacia brasileira
Não existe registro nos anais da diplomacia brasileira, desde meados do século 19 pelo menos (quando o Brasil concedeu alguns créditos generosos aos líderes políticos montevideanos, para assegurar a complacência uruguaia nas disputas por espaço na região platina, contra concorrentes argentinos ou paraguaios), de concessões tão generosas quanto as que estão sendo feitas atualmente ao Paraguai, em nítida ruptura com posturas que tinham sido mantidas pelo Brasil no relacionamento com os vizinhos desde longas décadas.
Em algum momento do futuro próximo, vamos ser chamados a examinar de maneira serena, mas séria, essas concessões que estão sendo feitas alegremente, com custo certo (e muito alto) para o contribuinte brasileiro, por vezes até ao arrepio do próprio tratado constitutivo, e na complacência completa do corpo parlamentar.
A História saberá julgar os homens que nos levaram a tão tenebrosas transações...
Paulo Roberto de Almeida
Bondades em gestação em Itaipu
Notas & Informações
Editorial O Estado de S.Paulo, 3 de julho de 2010
Praticamente sem o conhecimento do público, que pagará a conta, tramita com rapidez no Congresso o projeto de decreto legislativo que autoriza a revisão do Tratado de Itaipu e, se aprovado, obrigará o Brasil a pagar ao Paraguai o triplo do que já paga pela compra da energia produzida pela usina binacional e não utilizada por seu parceiro. A revisão implicará, entre outras coisas, o pagamento adicional, pelo Brasil, de US$ 240 milhões por ano, gasto que - na conta de luz ou sob a forma de impostos - recairá no bolso do cidadão brasileiro, que não terá nenhuma vantagem com a mudança.
O decreto aprova as alterações no Tratado de Itaipu - documento firmado por Brasil e Paraguai em 26 de abril de 1973 - negociadas no ano passado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, em razão da forte pressão que o dirigente paraguaio fez sobre seu colega brasileiro para aliviar parte dos problemas políticos que enfrentava em seu país. Para atender aos interesses de Lugo, Lula concordou com algumas mudanças, que exigirão a utilização do dinheiro do contribuinte e do consumidor brasileiros.
O Tratado de Itaipu é claro ao determinar que Brasil e Paraguai têm direito, cada um, à metade da energia gerada pelo usina binacional. A energia não utilizada por uma parte será vendida à outra. Os dois sócios recebem royalties e rendimentos iguais. São igualmente responsáveis pela dívida contraída para a construção da usina, e que vem sendo amortizada regularmente, com a utilização de cerca de dois terços da receita da usina.
Logo que tomou posse, Lugo quis mudar essas regras para assegurar ao Paraguai a livre disponibilidade da energia de Itaipu a que tem direito, mas não utiliza - e que, pelas regras do Tratado, deve ser obrigatoriamente vendida ao Brasil. Alegava também que sua remuneração deveria corresponder ao que chamava de "preço justo" da energia cedida. Exigia, ainda, a "revisão completa da dívida" de Itaipu e maior controle do orçamento da empresa binacional.
Não havia, como não há, nenhuma razão técnica concreta para se rever o Tratado de Itaipu. Mesmo assim, em nome de uma política externa marcada por bondades frequentes com alguns parceiros ideológicos - e que pouco ou nada atende aos reais interesses do País -, o presidente Lula cedeu às pressões. Em julho do ano passado assinou com Lugo uma declaração segundo a qual, entre outros compromissos, o Brasil assumiu o de iniciar a construção de mais uma ponte entre os dois países sobre o Rio Paraná, de construir linhas de transmissão de energia no país vizinho, estudar a possibilidade de o Paraguai vender energia livremente no mercado brasileiro e aumentar o valor pago anualmente ao parceiro.
São essas mudanças que estão em exame no Congresso. O governo quer vê-las aprovadas o mais depressa possível e, por isso, solicitou urgência na tramitação da matéria, que se encontra na Câmara dos Deputados. A oposição, por ver nas mudanças lesão aos interesses dos brasileiros - consumidores de energia elétrica e contribuintes em geral -, vem tentando retardar o andamento do projeto.
Na quarta-feira passada, por indicação do deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR), as Comissões de Minas e Energia e de Relações Exteriores e de Defesa da Câmara realizaram uma audiência para discutir o projeto. Na ocasião, o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, observou que o custo do pagamento adicional onerará o bolso dos brasileiros e que, em 2023, o Paraguai se tornará dono de 50% da usina, já livre das dívidas, "sem ter pago nada por isso", pois, como lembrou, "o Brasil assumiu 100% da construção".
Os brasileiros esperam que também os parlamentares da situação levem em conta esses fatos e decidam de acordo com eles, para preservar os interesses do País - que não são necessariamente iguais aos interesses políticos do presidente.
Tempo e oportunidade para isso eles têm. Por causa da ampla repercussão que as mudanças no Tratado de Itaipu podem ter, o projeto precisa passar por, pelo menos, quatro comissões técnicas da Câmara. Na de Minas e Energia já há um parecer favorável à sua aprovação assinado pelo deputado Pepe Vargas (PT-RS). No dia 7, deve ser examinado pela Comissão de Relações Exteriores.
Em algum momento do futuro próximo, vamos ser chamados a examinar de maneira serena, mas séria, essas concessões que estão sendo feitas alegremente, com custo certo (e muito alto) para o contribuinte brasileiro, por vezes até ao arrepio do próprio tratado constitutivo, e na complacência completa do corpo parlamentar.
A História saberá julgar os homens que nos levaram a tão tenebrosas transações...
Paulo Roberto de Almeida
Bondades em gestação em Itaipu
Notas & Informações
Editorial O Estado de S.Paulo, 3 de julho de 2010
Praticamente sem o conhecimento do público, que pagará a conta, tramita com rapidez no Congresso o projeto de decreto legislativo que autoriza a revisão do Tratado de Itaipu e, se aprovado, obrigará o Brasil a pagar ao Paraguai o triplo do que já paga pela compra da energia produzida pela usina binacional e não utilizada por seu parceiro. A revisão implicará, entre outras coisas, o pagamento adicional, pelo Brasil, de US$ 240 milhões por ano, gasto que - na conta de luz ou sob a forma de impostos - recairá no bolso do cidadão brasileiro, que não terá nenhuma vantagem com a mudança.
O decreto aprova as alterações no Tratado de Itaipu - documento firmado por Brasil e Paraguai em 26 de abril de 1973 - negociadas no ano passado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, em razão da forte pressão que o dirigente paraguaio fez sobre seu colega brasileiro para aliviar parte dos problemas políticos que enfrentava em seu país. Para atender aos interesses de Lugo, Lula concordou com algumas mudanças, que exigirão a utilização do dinheiro do contribuinte e do consumidor brasileiros.
O Tratado de Itaipu é claro ao determinar que Brasil e Paraguai têm direito, cada um, à metade da energia gerada pelo usina binacional. A energia não utilizada por uma parte será vendida à outra. Os dois sócios recebem royalties e rendimentos iguais. São igualmente responsáveis pela dívida contraída para a construção da usina, e que vem sendo amortizada regularmente, com a utilização de cerca de dois terços da receita da usina.
Logo que tomou posse, Lugo quis mudar essas regras para assegurar ao Paraguai a livre disponibilidade da energia de Itaipu a que tem direito, mas não utiliza - e que, pelas regras do Tratado, deve ser obrigatoriamente vendida ao Brasil. Alegava também que sua remuneração deveria corresponder ao que chamava de "preço justo" da energia cedida. Exigia, ainda, a "revisão completa da dívida" de Itaipu e maior controle do orçamento da empresa binacional.
Não havia, como não há, nenhuma razão técnica concreta para se rever o Tratado de Itaipu. Mesmo assim, em nome de uma política externa marcada por bondades frequentes com alguns parceiros ideológicos - e que pouco ou nada atende aos reais interesses do País -, o presidente Lula cedeu às pressões. Em julho do ano passado assinou com Lugo uma declaração segundo a qual, entre outros compromissos, o Brasil assumiu o de iniciar a construção de mais uma ponte entre os dois países sobre o Rio Paraná, de construir linhas de transmissão de energia no país vizinho, estudar a possibilidade de o Paraguai vender energia livremente no mercado brasileiro e aumentar o valor pago anualmente ao parceiro.
São essas mudanças que estão em exame no Congresso. O governo quer vê-las aprovadas o mais depressa possível e, por isso, solicitou urgência na tramitação da matéria, que se encontra na Câmara dos Deputados. A oposição, por ver nas mudanças lesão aos interesses dos brasileiros - consumidores de energia elétrica e contribuintes em geral -, vem tentando retardar o andamento do projeto.
Na quarta-feira passada, por indicação do deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR), as Comissões de Minas e Energia e de Relações Exteriores e de Defesa da Câmara realizaram uma audiência para discutir o projeto. Na ocasião, o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, observou que o custo do pagamento adicional onerará o bolso dos brasileiros e que, em 2023, o Paraguai se tornará dono de 50% da usina, já livre das dívidas, "sem ter pago nada por isso", pois, como lembrou, "o Brasil assumiu 100% da construção".
Os brasileiros esperam que também os parlamentares da situação levem em conta esses fatos e decidam de acordo com eles, para preservar os interesses do País - que não são necessariamente iguais aos interesses políticos do presidente.
Tempo e oportunidade para isso eles têm. Por causa da ampla repercussão que as mudanças no Tratado de Itaipu podem ter, o projeto precisa passar por, pelo menos, quatro comissões técnicas da Câmara. Na de Minas e Energia já há um parecer favorável à sua aprovação assinado pelo deputado Pepe Vargas (PT-RS). No dia 7, deve ser examinado pela Comissão de Relações Exteriores.
A esquerda brasileira rumo à irrelevância politica - Ethan Edwards
Direto ao Ponto
A jornada da esquerda petista em direção à irrelevância
por Ethan Edwards
Blog de Augusto Nunes, 03/07/2010
“A cada vez que Lula sentia necessidade de enforcar alguém, parte da esquerda corria a lhe oferecer um pedaço de corda, outra lhe trazia um pescoço”, constata Ethan Edwards em mais um texto admirável, que amplia e ilumina o post sobre a subordinação do PT à vontade de Lula e à cupidez do PMDB. É o tipo de leitura que não se adia:
Em 1980, a esquerda entregou a Lula a direção do processo de construção do PT. Compreendia que, de outro modo (isto é, com base nos princípios do marxismo ─ na hipótese de que alguém os conhecesse), não conseguiria construir o partido com que sonhava. Ou entregava a chefia do partido a Lula e seus amigos despolitizados (sabendo que daquilo adviria, na melhor hipótese, um partido populista) ou ficava à margem desse processo onde já se encontravam embarcados os militantes da Teologia da Libertação e o “novo sindicalismo”.
Optou, depois de pensar um pouco (na verdade, bem pouco), por associar-se a estes e ajudar a construir o partido que se dizia “dos trabalhadores”, reservando-se a ilusão de que, com o tempo, acabaria por arrebatar do operário personalista e seus cortesãos o comando do processo. Essa capitulação tinha um fundo realista. A esquerda já suspeitava (embora nunca tenha examinado de frente essa suspeita) que, em vez de complicados problemas teóricos, o que tornava impossível, no Brasil, a construção de um partido “verdadeiramente revolucionário” era algo bem mais difícil de “equacionar”: o povo brasileiro.
Cristão, conservador, respeitador das hierarquias, profundamente ligado à família, avesso a regras impessoais, o máximo de “comunismo” a que o brasileiro comum alguma vez se permitiu foi o de Dias Gomes e de João Saldanha, que estavam para Lênin e Trotsky assim como a umbanda está para a reforma protestante. Quem insistisse em construir no Brasil um partido marxista estaria condenado a viver num gueto. Lula, ao contrário da esquerda que o cercava, falava diretamente ao coração do “brasileiro médio”. O mais inteligente era entregar-lhe a chefia do novo partido.
Trinta anos depois, a situação da esquerda petista não melhorou. Na verdade, deteriorou-se por completo. Se lhe serve de consolo, entretanto, deve-se registrar que nessa jornada em direção à irrelevância a esquerda jamais pediu ajuda a ninguém. Caminhou sempre com as próprias pernas. A cada vez que Lula sentia necessidade de enforcar alguém, parte da esquerda corria a lhe oferecer um pedaço de corda, outra lhe trazia um pescoço. O executado quase sempre era um dos seus – mas isso não tinha importância.
O que importava, então? Boa pergunta. Aceitemos, por generosidade, que tudo não passou de um enorme erro de cálculo. Mas a pergunta que realmente interessa, no entanto, é outra, e não se refere ao passado: por que, trinta anos depois daquela decisão infeliz, a esquerda continua, como um velho serviçal desfibrado, a apoiar todos os atos, mesmo os mais desprezíveis, de um governo banalmente populista, que enriqueceu os milionários e se aliou ao que havia de pior na política brasileira, e que evidentemente jamais abrirá caminho para a “revolução”, qualquer que seja a revolução que a esquerda diz almejar?
A pessoa ideal para responder a essa pergunta já faleceu: a Dra. Nise da Silveira. Ex-trotskista, dedicou toda sua vida madura a tratar de esquizofrênicos. Ela provavelmente compreenderia, melhor do que ninguém, o que se passa na alma de um petista que continua a se imaginar “revolucionário”. Ela lhe daria tinta e pincel e o estimularia: “Pinte, meu filho. Pinte mandalas. Você vai se sentir muito melhor”.
A jornada da esquerda petista em direção à irrelevância
por Ethan Edwards
Blog de Augusto Nunes, 03/07/2010
“A cada vez que Lula sentia necessidade de enforcar alguém, parte da esquerda corria a lhe oferecer um pedaço de corda, outra lhe trazia um pescoço”, constata Ethan Edwards em mais um texto admirável, que amplia e ilumina o post sobre a subordinação do PT à vontade de Lula e à cupidez do PMDB. É o tipo de leitura que não se adia:
Em 1980, a esquerda entregou a Lula a direção do processo de construção do PT. Compreendia que, de outro modo (isto é, com base nos princípios do marxismo ─ na hipótese de que alguém os conhecesse), não conseguiria construir o partido com que sonhava. Ou entregava a chefia do partido a Lula e seus amigos despolitizados (sabendo que daquilo adviria, na melhor hipótese, um partido populista) ou ficava à margem desse processo onde já se encontravam embarcados os militantes da Teologia da Libertação e o “novo sindicalismo”.
Optou, depois de pensar um pouco (na verdade, bem pouco), por associar-se a estes e ajudar a construir o partido que se dizia “dos trabalhadores”, reservando-se a ilusão de que, com o tempo, acabaria por arrebatar do operário personalista e seus cortesãos o comando do processo. Essa capitulação tinha um fundo realista. A esquerda já suspeitava (embora nunca tenha examinado de frente essa suspeita) que, em vez de complicados problemas teóricos, o que tornava impossível, no Brasil, a construção de um partido “verdadeiramente revolucionário” era algo bem mais difícil de “equacionar”: o povo brasileiro.
Cristão, conservador, respeitador das hierarquias, profundamente ligado à família, avesso a regras impessoais, o máximo de “comunismo” a que o brasileiro comum alguma vez se permitiu foi o de Dias Gomes e de João Saldanha, que estavam para Lênin e Trotsky assim como a umbanda está para a reforma protestante. Quem insistisse em construir no Brasil um partido marxista estaria condenado a viver num gueto. Lula, ao contrário da esquerda que o cercava, falava diretamente ao coração do “brasileiro médio”. O mais inteligente era entregar-lhe a chefia do novo partido.
Trinta anos depois, a situação da esquerda petista não melhorou. Na verdade, deteriorou-se por completo. Se lhe serve de consolo, entretanto, deve-se registrar que nessa jornada em direção à irrelevância a esquerda jamais pediu ajuda a ninguém. Caminhou sempre com as próprias pernas. A cada vez que Lula sentia necessidade de enforcar alguém, parte da esquerda corria a lhe oferecer um pedaço de corda, outra lhe trazia um pescoço. O executado quase sempre era um dos seus – mas isso não tinha importância.
O que importava, então? Boa pergunta. Aceitemos, por generosidade, que tudo não passou de um enorme erro de cálculo. Mas a pergunta que realmente interessa, no entanto, é outra, e não se refere ao passado: por que, trinta anos depois daquela decisão infeliz, a esquerda continua, como um velho serviçal desfibrado, a apoiar todos os atos, mesmo os mais desprezíveis, de um governo banalmente populista, que enriqueceu os milionários e se aliou ao que havia de pior na política brasileira, e que evidentemente jamais abrirá caminho para a “revolução”, qualquer que seja a revolução que a esquerda diz almejar?
A pessoa ideal para responder a essa pergunta já faleceu: a Dra. Nise da Silveira. Ex-trotskista, dedicou toda sua vida madura a tratar de esquizofrênicos. Ela provavelmente compreenderia, melhor do que ninguém, o que se passa na alma de um petista que continua a se imaginar “revolucionário”. Ela lhe daria tinta e pincel e o estimularia: “Pinte, meu filho. Pinte mandalas. Você vai se sentir muito melhor”.
Chavez quer apoderar-se da ultima emissora critica
Incrível: não passa um dia se que tenhamos alguma notícia, geralmente ruim, vinda da Venezuela, o que obviamente não é o caso dos demais vizinhos, bem mais calmos no noticiário. Parece que vou ter de criar um "bolivarímetro" para medir a intensidade de notícias (ruins, por definição) vindas do vizinho país e (quase) sócio no Mercosul.
Paulo Roberto de Almeida
Chávez ameaça apoderar-se de ações da última emissora crítica ao governo
Estado online, 3.07.2010
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ameaçou ontem “recuperar” as ações da Globovisión, canal de TV de oposição e um dos poucos que ainda criticam abertamente o governo. Acusados pela Justiça chavista, dois principais acionistas da emissora, Guillermo Zuloaga e Nelson Mezerhane, estão foragidos.
Mezerhane é dono do Banco Federal, que sofreu intervenção do governo em junho. Humberto Ortega Díaz, ministro para Bancos Públicos da Venezuela, alegou que a instituição tinha “problemas de liquidez”. Ontem, Chávez disse que o empresário fugiu do país com US$ 1,6 bilhão, dinheiro que pertenceria a 600 mil clientes de seu banco, incluindo o Estado venezuelano.
A procuradoria venezuelana solicitou na quinta-feira a prisão de Mezerhane por irregularidades financeiras. Quando foi anunciada a intervenção no Banco Federal, ele estava em Miami e disse que não voltaria à Venezuela. Autoridades já confiscaram um iate e duas lanchas do empresário e pediram à Interpol que ajude na busca.
Zuloaga, outro dono da Globovisión, desapareceu no mês passado após a emissão de um mandado de prisão contra ele e seu filho. Eles são acusados de guardar de maneira ilegal 24 automóveis importados para especulação. O empresário, que é dono de várias concessionárias de carros de luxo, nega a acusação e diz que ela tem motivação política.
“Esperarei um tempo para ver se os donos da Globovisión aparecem. Pensarei no que fazer com esse canal, porque os donos andam fugindo da Justiça”, afirmou Chávez. “Parece que o Estado terá de recuperar as ações do canal como compensação pelo dinheiro que seus donos levaram.”
Ameaças. Para o cientista político Alfredo Ramos Jimenez, do Centro de Investigações em Políticas Comparadas da Universidade dos Andes, as ações mostram a radicalização do governo Chávez. “O presidente está muito incomodado com as críticas que vem recebendo da imprensa por causa do escândalo dos alimentos”, disse Jimenez ao Estado.
Ele se refere à descoberta, em junho, de cerca de 100 mil toneladas de carne estragada dentro de contêineres que o governo venezuelano havia importado. A carga deveria ter sido vendida a baixo preço na Venezuela. Chávez ficou em uma situação constrangedora, já que culpava os especuladores pela falta de produtos nos supermercados do país.
Coma proximidade das eleições legislativas, marcadas para setembro, Chávez estaria tentando conter as críticas para obter maioria na Assembleia Nacional - hoje, em razão do boicote da oposição, em 2005, ele domina quase todo o Parlamento.
No entanto, segundo analistas, dificilmente ele conseguirá uma maioria qualificada de dois terços do Legislativo. “Isto deve diminuir bastante os poderes de Chávez nos próximos anos”, afirmou Jimenez, que não aposta em uma estatização da Globovisión.
Paulo Roberto de Almeida
Chávez ameaça apoderar-se de ações da última emissora crítica ao governo
Estado online, 3.07.2010
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ameaçou ontem “recuperar” as ações da Globovisión, canal de TV de oposição e um dos poucos que ainda criticam abertamente o governo. Acusados pela Justiça chavista, dois principais acionistas da emissora, Guillermo Zuloaga e Nelson Mezerhane, estão foragidos.
Mezerhane é dono do Banco Federal, que sofreu intervenção do governo em junho. Humberto Ortega Díaz, ministro para Bancos Públicos da Venezuela, alegou que a instituição tinha “problemas de liquidez”. Ontem, Chávez disse que o empresário fugiu do país com US$ 1,6 bilhão, dinheiro que pertenceria a 600 mil clientes de seu banco, incluindo o Estado venezuelano.
A procuradoria venezuelana solicitou na quinta-feira a prisão de Mezerhane por irregularidades financeiras. Quando foi anunciada a intervenção no Banco Federal, ele estava em Miami e disse que não voltaria à Venezuela. Autoridades já confiscaram um iate e duas lanchas do empresário e pediram à Interpol que ajude na busca.
Zuloaga, outro dono da Globovisión, desapareceu no mês passado após a emissão de um mandado de prisão contra ele e seu filho. Eles são acusados de guardar de maneira ilegal 24 automóveis importados para especulação. O empresário, que é dono de várias concessionárias de carros de luxo, nega a acusação e diz que ela tem motivação política.
“Esperarei um tempo para ver se os donos da Globovisión aparecem. Pensarei no que fazer com esse canal, porque os donos andam fugindo da Justiça”, afirmou Chávez. “Parece que o Estado terá de recuperar as ações do canal como compensação pelo dinheiro que seus donos levaram.”
Ameaças. Para o cientista político Alfredo Ramos Jimenez, do Centro de Investigações em Políticas Comparadas da Universidade dos Andes, as ações mostram a radicalização do governo Chávez. “O presidente está muito incomodado com as críticas que vem recebendo da imprensa por causa do escândalo dos alimentos”, disse Jimenez ao Estado.
Ele se refere à descoberta, em junho, de cerca de 100 mil toneladas de carne estragada dentro de contêineres que o governo venezuelano havia importado. A carga deveria ter sido vendida a baixo preço na Venezuela. Chávez ficou em uma situação constrangedora, já que culpava os especuladores pela falta de produtos nos supermercados do país.
Coma proximidade das eleições legislativas, marcadas para setembro, Chávez estaria tentando conter as críticas para obter maioria na Assembleia Nacional - hoje, em razão do boicote da oposição, em 2005, ele domina quase todo o Parlamento.
No entanto, segundo analistas, dificilmente ele conseguirá uma maioria qualificada de dois terços do Legislativo. “Isto deve diminuir bastante os poderes de Chávez nos próximos anos”, afirmou Jimenez, que não aposta em uma estatização da Globovisión.
A (des)integracao energetica na America do Sul (e cara...)
Sem comentários (e precisa?).
País perde R$ 7 bi em acordos regionais
Renée Pereira
O Estado de S.Paulo, 03 de julho de 2010
Acordos de integração energética, para buscar a liderança diplomática na América do Sul, devem levar a perdas de mais R$ 13 bi até 2023
A busca incessante do governo para conquistar a liderança da América Latina têm custado caro ao País. Só os acordos de integração energética com os países vizinhos provocaram prejuízo de R$ 7 bilhões à sociedade brasileira, entre 2004 e 2010. A cifra, calculada pelo Instituto Acende Brasil, pode chegar a R$ 20 bilhões até 2023. Um dos motivos é a revisão da tarifa de Itaipu, que entrará em votação semana que vem no Congresso (leia mais informações na pág. B4).
O levantamento lista, pelo menos, dez incidentes que culminaram em algum tipo de perda para o Brasil. Entre eles, estão as intervenções do governo boliviano em relação ao gás natural, a importação de energia da Venezuela, as mudanças na remuneração da energia de Itaipu cedida pelo Paraguai e o fornecimento de gás da Argentina.
"Em todos esses casos, a intervenção governamental dos países vizinhos desviou as condições originalmente estabelecidas. E a reação do Brasil foi de acomodação", criticou o presidente do Acende Brasil, Claudio Sales, responsável pelo trabalho "Energia e Geopolítica". Para ele, ao adotar a postura de líder regional, o País passou a ignorar os prejuízos para os brasileiros.
Um dos casos exemplares, destaca Sales, foi a nacionalização dos ativos da Petrobrás, na Bolívia, em que o governo Lula aceitou tudo sem questionar. Diante da passividade do Brasil, os bolivianos não só pagaram metade do que valiam as instalações da Petrobrás como também reviram o contrato de compra de gás que a petroleira tem com o País.
O acordo, negociado entre os presidentes Lula e Evo Morales, renderá US$ 1,2 bilhão à Bolívia até 2019. Como tem efeito retroativo, a mudança impõe desembolso de até US$ 480 milhões da Petrobrás para a YPFB, estatal boliviana. O governo brasileiro garante que o custo pela alta do gás não será repassado para o consumidor e será absorvido pela Petrobrás. "Em resumo, quem vai pagar a conta é o acionista da estatal", diz Sales.
Outro caso notório refere-se à Hidrelétrica de Itaipu, construída por Brasil e Paraguai, mas com financiamento 100% garantido pelo Brasil. O ponto de descontentamento dos vizinhos está na parcela de energia cedida ao Brasil. Conforme o tratado da usina, cada país tem direito a 50% da energia de Itaipu. Como o Paraguai consome só 8% do montante, ele repassa o resto ao País por um preço estabelecido.
Nos últimos anos, os paraguaios começaram a questionar essa remuneração. Solidário ao país, menor e mais pobre, o governo Lula aceitou elevar o valor pago pela cessão de energia, de US$ 120 milhões por ano para US$ 360 milhões. Além disso, Itaipu iniciou a construção de uma linha de transmissão no país vizinho. "Nos dois casos (Bolívia e Paraguai), o Brasil não olhou para o consumidor, apenas para a liderança na América Latina", observa o diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires.
País perde R$ 7 bi em acordos regionais
Renée Pereira
O Estado de S.Paulo, 03 de julho de 2010
Acordos de integração energética, para buscar a liderança diplomática na América do Sul, devem levar a perdas de mais R$ 13 bi até 2023
A busca incessante do governo para conquistar a liderança da América Latina têm custado caro ao País. Só os acordos de integração energética com os países vizinhos provocaram prejuízo de R$ 7 bilhões à sociedade brasileira, entre 2004 e 2010. A cifra, calculada pelo Instituto Acende Brasil, pode chegar a R$ 20 bilhões até 2023. Um dos motivos é a revisão da tarifa de Itaipu, que entrará em votação semana que vem no Congresso (leia mais informações na pág. B4).
O levantamento lista, pelo menos, dez incidentes que culminaram em algum tipo de perda para o Brasil. Entre eles, estão as intervenções do governo boliviano em relação ao gás natural, a importação de energia da Venezuela, as mudanças na remuneração da energia de Itaipu cedida pelo Paraguai e o fornecimento de gás da Argentina.
"Em todos esses casos, a intervenção governamental dos países vizinhos desviou as condições originalmente estabelecidas. E a reação do Brasil foi de acomodação", criticou o presidente do Acende Brasil, Claudio Sales, responsável pelo trabalho "Energia e Geopolítica". Para ele, ao adotar a postura de líder regional, o País passou a ignorar os prejuízos para os brasileiros.
Um dos casos exemplares, destaca Sales, foi a nacionalização dos ativos da Petrobrás, na Bolívia, em que o governo Lula aceitou tudo sem questionar. Diante da passividade do Brasil, os bolivianos não só pagaram metade do que valiam as instalações da Petrobrás como também reviram o contrato de compra de gás que a petroleira tem com o País.
O acordo, negociado entre os presidentes Lula e Evo Morales, renderá US$ 1,2 bilhão à Bolívia até 2019. Como tem efeito retroativo, a mudança impõe desembolso de até US$ 480 milhões da Petrobrás para a YPFB, estatal boliviana. O governo brasileiro garante que o custo pela alta do gás não será repassado para o consumidor e será absorvido pela Petrobrás. "Em resumo, quem vai pagar a conta é o acionista da estatal", diz Sales.
Outro caso notório refere-se à Hidrelétrica de Itaipu, construída por Brasil e Paraguai, mas com financiamento 100% garantido pelo Brasil. O ponto de descontentamento dos vizinhos está na parcela de energia cedida ao Brasil. Conforme o tratado da usina, cada país tem direito a 50% da energia de Itaipu. Como o Paraguai consome só 8% do montante, ele repassa o resto ao País por um preço estabelecido.
Nos últimos anos, os paraguaios começaram a questionar essa remuneração. Solidário ao país, menor e mais pobre, o governo Lula aceitou elevar o valor pago pela cessão de energia, de US$ 120 milhões por ano para US$ 360 milhões. Além disso, Itaipu iniciou a construção de uma linha de transmissão no país vizinho. "Nos dois casos (Bolívia e Paraguai), o Brasil não olhou para o consumidor, apenas para a liderança na América Latina", observa o diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires.
Assinar:
Comentários (Atom)
Postagem em destaque
Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida
Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...
-
Uma preparação de longo curso e uma vida nômade Paulo Roberto de Almeida A carreira diplomática tem atraído número crescente de jovens, em ...
-
FAQ do Candidato a Diplomata por Renato Domith Godinho TEMAS: Concurso do Instituto Rio Branco, Itamaraty, Carreira Diplomática, MRE, Diplom...
-
Países de Maior Acesso aos textos PRA em Academia.edu (apenas os superiores a 100 acessos) Compilação Paulo Roberto de Almeida (15/12/2025) ...
-
Mercado Comum da Guerra? O Mercosul deveria ser, em princípio, uma zona de livre comércio e também uma zona de paz, entre seus próprios memb...
-
Reproduzo novamente uma postagem minha de 2020, quando foi publicado o livro de Dennys Xavier sobre Thomas Sowell quarta-feira, 4 de março...
-
Itamaraty 'Memórias', do embaixador Marcos Azambuja, é uma aula de diplomacia Embaixador foi um grande contador de histórias, ...
-
Israel Products in India: Check the Complete list of Israeli Brands! Several Israeli companies have established themselves in the Indian m...
-
Pequeno manual prático da decadência (recomendável em caráter preventivo...) Paulo Roberto de Almeida Colaboração a número especial da rev...
-
O Brics vai de vento em popa, ao que parece. Como eu nunca fui de tomar as coisas pelo seu valor de face, nunca deixei de expressar meu pen...