sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Ufa!: so faltam DOIS dias...

Não estou fazendo as contas erradas: faltam DOIS dias para terminar o "nunca antes".
Isso porque estou contando o próprio dia 1, o dia da transmissão, quando não faltarão discursos antes, durante e depois, entrevistas, declarações, frases soltas, rememoracões e compilações das "melhores" frases, etc...
Eu disse "melhores"???
Bem, é um tique de linguagem, apenas isso.
Enfim, faltam só dois dias para um pouco de silêncio. Só um pouco.
Posso apostar metade da minha biblioteca como em menos de 15 dias teremos direito a mais "nunca antes"...
Um pouco de paciência pessoal.
Como já disse alguém: ficamos roucos de tanto ouvir...
Algum dia teremos silêncio...
Paulo R. Almeida

Governo brasileiro nao extradita um terrorista italiano, na verdade criminoso...

A razão invocada foi a "condição pessoal do extraditando", sem explicitar do que exatamente se tratava. Fica parecendo uma escusa para não cumprir o tratado de extradição.
Pode-se especular, portanto, que as razões são outras, e têm a ver com a suposta condição "política" do criminoso italiano.
Ficou faltando o texto da Presidência do Conselho dos Ministros da Itália, de 30 de dezembro de 2010 e sua "impertinância" ao presidente sainte...
Paulo Roberto de Almeida

Nota do governo brasileiro sobre o cidadão italiano Cesare Battisti

O Presidente da República tomou hoje a decisão de não conceder extradição ao cidadão italiano Cesare Battisti, com base em parecer da Advocacia-Geral da União.

O parecer considerou atentamente todas as cláusulas do Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália, em particular a disposição expressa na letra “f”, do item 1, do artigo 3 do Tratado, que cita, entre as motivações para a não extradição, a condição pessoal do extraditando. Conforme se depreende do próprio Tratado, esse tipo de juízo não constitui afronta de um Estado ao outro, uma vez que situações particulares ao indivíduo podem gerar riscos, a despeito do caráter democrático de ambos os Estados.

Ao mesmo tempo, o Governo brasileiro manifesta sua profunda estranheza com os termos da nota da Presidência do Conselho dos Ministros da Itália, de 30 de dezembro de 2010, em particular com a impertinente referência pessoal ao Presidente da República.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Cotas raciais: decisão do Itamaraty gera polêmica - O Globo

Sem comentários...

Cotas raciais: decisão do Itamaraty gera polêmica
Roberto Maltchik
O Globo, 30/12/2010

Reserva de vagas para negros no Instituto Rio Branco é criticada por diplomatas e especialistas em política internacional

A decisão do Itamaraty de adotar um sistema de cotas raciais para o concurso de diplomatas reacendeu a polêmica sobre o assunto. Entre diplomatas, sociólogos e especialistas em política internacional, o tema é tratado como um "barril de pólvora". O Itamaraty adotou como regra para a inclusão do estudante no regime de cotas a autodeclaração. Ou seja, basta que o concorrente se declare afrodescendente para ser beneficiado. Até mesmo defensores do sistema de cotas admitem que o critério abre brechas para distorções e injustiças.

A titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Yvonne Maggie, criticou duramente a decisão do Itamaraty, que, segundo ela, incentiva a disputa entre brancos e negros em um país "sem raças definidas", mas com efetiva desigualdade social.

- É escandaloso. Quem tem raça é cachorro! Todos somos da raça humana e temos condições iguais. Quem vai dizer quem é afrodescendente, num país como o Brasil? Vamos dividir o Brasil em raças, sendo que a nossa divisão é social. Trinta por cento da população abaixo da linha da pobreza se declaram brancas. Isso é muito - afirma a antropóloga.

O embaixador aposentado Rubens Barbosa acredita que o Itamaraty cometeu um equívoco ao adotar o sistema para impulsionar o acesso de negros à diplomacia. Ele afirma que o Instituto Rio Branco já havia dado um passo importante e suficiente quando decidiu conceder bolsas para estudantes interessados na carreira, sem condições financeiras para se preparar para a difícil prova do Instituto Rio Branco. Desde 2002, 198 concorrentes já receberam a Bolsa Prêmio de Vocação para a Diplomacia, que oferece R$25 mil para a compra de livros, material didático e inscrição em cursos preparatórios. Dezesseis deles já foram aprovados.

- O sistema de cotas é uma cópia dos Estados Unidos, onde há uma clara divisão racial. Essa não é a realidade do Brasil - afirmou.

Especialista em política de cotas, o sociólogo Joaze Bernardino, da Universidade de Brasília (UnB), comemorou a decisão do Itamaraty, mas advertiu que a autodeclaração como preto e pardo, método tradicional de aferição, provoca confusão.

- Não é o recomendado. O ideal seria que o concorrente tivesse que se autodeclarar negro e não preto ou pardo para ser absorvido pelo sistema de cotas. Seria um elemento até mesmo para diminuir a possibilidade de fraude - disse.

Na UnB, o estudante que se declara preto ou pardo é submetido a uma entrevista, antes de ser aceito no sistema de cotas. Nas demais instituições de ensino que aderiram ao sistema, prevalece a autodeclaração.

Nos bastidores, técnicos da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), órgão ligado à Presidência da República, afirmam que o sistema de autodeclaração rende um debate que precisa avançar "tremendamente" junto à comunidade acadêmica e no próprio governo. Ainda assim, o secretário-executivo da Seppir, João Carlos Nogueira, afirma que o sistema de autodeclaração é hoje o mais adequado para designar a população credenciada a se beneficiar das políticas afirmativas.

No Itamaraty, as cotas raciais vão credenciar 30 concorrentes a participar da segunda fase da prova do Instituto Rio Branco. Eles vão disputar com os outros 300 inscritos que avançarem para a segunda etapa do concurso. Em 2011, o Instituto Rio Branco vai oferecer 26 vagas. A partir da segunda etapa - em um exame de quatro níveis -, todos disputam em condições idênticas. Entre oito e nove mil pessoas devem participar da disputa no ano que vem.

Politica Externa de Dilma Rousseff - G1-GloboNews

Desafios do governo Dilma: política externa
Thiago Guimarães
Do G1, em São Paulo, 30/12/2010

Sem Lula, diplomacia brasileira oscila entre inflexão e continuidade.
Série do G1 analisa os principais desafios do próximo governo federal.

As primeiras entrevistas da presidente eleita, Dilma Rousseff (PT), chamaram a atenção por sugerir mudanças de rumo na política externa brasileira no próximo governo.
Dilma classificou como “bárbara” a possibilidade de execução por apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani, condenada por adultério naquele país. Também disse discordar da abstenção do governo brasileiro em votação na ONU sobre violações de direitos humanos no Irã.
"Não sou presidente do Brasil, mas me sentiria desconfortável, como uma mulher eleita presidente, em não dizer nada contra o apedrejamento. Minha posição não vai mudar quando eu assumir. Não concordo com a maneira como o Brasil votou. Não é a minha posição”, afirmou Dilma ao jornal "The Washington Post".

Presidente Lula observa a então ministra Dilma Rousseff ser cumprimentada pelo presidente Barack Obama, em Washington, em março de 2009 (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
Embora a declaração tenha marcado uma divergência pública com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que em sua gestão aproximou-se do mandatário iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, as grandes linhas da política externa brasileira devem manter-se sob Dilma, avaliam analistas.

Os sinais estão dados por decisões recentes da presidente eleita, como a indicação, para o Ministério das Relações Exteriores, de Antônio Patriota, secretário-geral do Itamaraty e segundo na hierarquia da pasta.
Auxiliar próximo e amigo do ministro Celso Amorim, Patriota é “afinadíssimo” com o atual titular da pasta, avaliou Igor Fuser, professor de Política e Relações Internacionais da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em debate recente sobre o tema.
Patriota deve manter, por exemplo, a política de expansão das representações diplomáticas no mundo. Foram 64 novas unidades abertas desde o início do governo Lula, em 2003, quase a metade do que havia até então: 150 postos.
Em discurso de posse na Secretaria-Geral do Itamaraty, em outubro de 2009, o futuro ministro também endossou o trabalho de ampliação do quadro diplomático. Falou em “deixar claro desde já” seu “empenho em continuar a trabalhar por uma ampliação do quadro de diplomatas que nos aparelhe para os desafios do século 21”. Sob Lula, uma lei de 2006 permitiu a abertura de 400 vagas de diplomata.


Perfil mais discreto de Dilma deve minimizar “diplomacia presidencial”
A política externa brasileira no governo Lula foi marcada pela busca de maior protagonismo político em foros internacionais.
Exemplos dessa estratégia foram a criação do G20, coalizão liderada pelo Brasil para defender interesses de países emergentes em negociações comerciais, e as tentativas de mediação no conflito entre Israel e Palestina e na crise nuclear do Irã.
Lula tem um ‘bônus de confiança’ que permite lances ousados. É difícil isso ser reproduzido por outra pessoa"
Paulo Roberto Almeida
professor e diplomata
Como Dilma não conta com o prestígio internacional de Lula, pode haver um recuo em iniciativas mais ousadas de política externa, avalia o professor e diplomata Paulo Roberto Almeida.
“O presidente tem crédito internacional e um ‘bônus de confiança’ que permite lançar lances ousados. É difícil isso ser reproduzido por outra pessoa, já que para ser aceito como mediar é preciso ter empatia com os envolvidos, e isso se constrói ao longo do tempo”, diz Almeida.
Agenda internacional de Dilma será agitada em 2011
A performance de Dilma em foros internacionais será posta à prova já nos primeiros meses de seu governo. A agenda diplomática de 2011 prevê a realização no Peru, em fevereiro, da 3ª reunião de dirigentes da Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), mecanismo de cooperação inter-regional e fórum de coordenação política.
Há ainda a previsão de reunião de cúpula do Bric, grupo dos principais países emergentes do mundo (Brasil, Rússia, Índia e China). O encontro está marcado para abril, na China, e deve preceder a primeira visita oficial da presidente eleita ao país asiático.
Um dos encontros mais importantes do ano será a reunião de cúpula do G20, prevista para novembro em Cannes, na França. O G20 reúne os países mais ricos do mundo e 11 nações emergentes. Na pauta da reunião estarão temas que ficaram sem solução no último encontro, na Coreia do Sul, como as tensões cambiais que ameaçam a recuperação econômica mundial.
O segundo semestre de 2011 prevê ainda reuniões periódicas da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e do Mercosul. O prestígio externo do Brasil também será testado na eleição, em junho, para a diretoria-geral da FAO, braço da ONU para alimentação e agricultura. Em 2010, o Brasil lançou a candidatura de José Graziano da Silva, ex-ministro de Segurança Alimentar e Combate a Fome do governo Lula e atual representante regional da FAO para a América Latina e o Caribe.

O secretário-geral do Itamaraty, Antônio
Patriota, futuro ministro das Relações Exteriores no
governo Dilma (Foto: Renato Araújo/ABr)
Desafios econômicos marcam front externo
Uma particularidade da política externa brasileira no governo Dilma será um cenário econômico internacional menos favorável, avalia Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes).
Para a especialista em política de comércio exterior, a perspectiva de demora no reaquecimento da economia mundial e de manutenção do real valorizado dificultarão a obtenção dos saldos expressivos na balança comercial que marcaram a era Lula.
“Para lidar com esse cenário externo e com a concorrência chinesa no mercado doméstico a única solução é adotar uma política de aumento de competitividade”, afirma Rios, em referência a ações para reduzir o chamado “custo Brasil”: impostos altos, entraves burocráticos, infraestrutura insuficiente.
saiba mais
Dilma critica abstenção do Brasil em condenar Irã sobre direitos humanos
A diretora do Cindes avalia que no plano político o Brasil deverá manter a postura de maior presença e ativismo, pois corresponde ao papel que o país passou a ter no mundo. Prevê, contudo, que as mudanças no contexto externo levarão a uma estratégia econômica internacional mais “pragmática”.
“O governo vai ter que olhar para o cenário externo menos como busca de ocupação de espaço, que foi a tônica do governo Lula, e mais para reavaliar onde vale a pena investir, se concentrando no que é mais relevante para o país”, afirma Rios, citando a tentativa “frustrada” do governo Lula de solucionar a crise nuclear entre o Irã e potências ocidentais.

Desafios do governo Dilma
27/12 Segurança
28/12 Educação
29/12 Inclusão digital
30/12 Política externa
31/12 Saúde
01/01 Trabalho
02/01 Infraestrutura

Ufa!: so mais dois dias de "nunca antes"...

Nunca antes neste país, ou em qualquer outro país do mundo, que não esteja em guerra e não precisa "zombar" dos seus "inimigos", um presidente da República, um rei, ou um dirigente qualquer, até um papa (mais um pouco chegamos a Jesus Cristo), declarou que se sentia contente com a crise em outro país, que achava "gostoso" contemplar a miséria alheia, que se regojizava com as dificuldades de outras pessoas.
Nunca antes...
Bem, só faltam dois dias...
Depois poderemos respirar, acho, espero... (mas não tenho certeza). Retenham a respiração até lá e depois digam comigo: Ufa!
Paulo Roberto de Almeida

Lula diz que 'foi gostoso' terminar mandato vendo EUA em crise
Do G1, em Brasília
29/12/2010 19h39

Medidas adotadas pelo Brasil reduziram impacto na economia do país, afirmou.
Presidente discursou durante evento na Bahia nesta quarta-feira.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou em discurso nesta quarta-feira (29), na Bahia, as conquistas econômicas durante seu governo e criticou os países desenvolvidos pela crise financeira mundial.

“Foi gostoso passar pela Presidência da República e terminar o mandato vendo os Estados Unidos em crise, vendo a Europa em crise, vendo o Japão em crise, quando eles sabiam tudo para resolver o problema da crise brasileira, da crise da Bolívia, da crise da Rússia, da crise do México”, disse.

Segundo Lula, as ações adotadas pelo Brasil fizeram que a crise tivesse um impacto menor no país. “Foi importante para falar para eles [os países ricos] que na crise não foi nenhum doutor, nenhum americano, nenhum inglês, foi um torneiro mecânico, pernambucano, presidente do Brasil que soube como lidar com a crise com sua equipe econômica. Foi por isso que a crise demorou mais para chegar aqui e foi embora depressa.”
Em seu discurso, Lula destacou o crescimento da economia e a inclusão social como marcas de seu governo. “É muito confortante, [Jaques] Wagner, saber que nós criamos 15 milhões de empregos em oito anos com carteira assinada. É muito gratificante a gente saber que mais de 36 milhões de brasileiros ascenderam à classe média. É importante saber que mais de 20 milhões de brasileiros saíram da miséria”, afirmou, dirigindo-se ao governador da Bahia.
O presidente afirmou que sua passagem pela Presidência "criou uma coisa nova" para os mais humildes. “Nós não queremos que pensem mais que pobre não gosta de coisa boa. Não sei quem foi o malandro que inventou que pobre não gosta de coisa boa. Que pobre gosta é de miséria. Não. Pobre gosta é de luxo. Inventaram até que peão não gosta de uísque, que peão só gosta de cachaça. Peão gosta de uísque também.”

Avaliacao das ciencias sociais: um debate (indireto) com um representante da categoria

Uma avaliação da avaliação acadêmica em ciências sociais: notas a texto de Renato Dagnino
Paulo Roberto de Almeida

Recebi, pela internet, que é o canal universal de comunicações em nossa era, um texto do cientista social Renato Dagnino, intitulado “Os cientistas sociais e a avaliação da sua produção acadêmica”, elaborado em novembro de 2010, a partir de apresentação feita pelo autor no 34º Encontro Anual da ANPOCS, onde o autor participou de simpósio sobre “Política Científica e Pós-Graduação nas Ciências Sociais”. Como me sinto parte da comunidade e portanto interessado no tema, e em suas conexões com o trabalho acadêmico do qual sou parte interessada (ainda que apenas parcialmente), vou me permitir comentar topicamente esse texto, simplesmente pelo método da transcrição (com os trechos marcados assim: RD: ) e acréscimo de notas pessoais, marcadas em itálico e iniciadas por minhas próprias iniciais (PRA: ).
O texto de Dagnino tem a seguinte estrutura: “1. Introdução; 2. Fatos estilizados consensuais; 3. Fatos estilizados menos consensualmente percebidos; 4. Fatos estilizados ainda menos consensualmente percebidos; 5. Particularidades do contexto nacional; 6. Indícios de mudança; 7. Para não concluir”. Procedo de modo linear e não sistemático, apenas retendo trechos e questões que chamaram minha atenção por alguma peculiaridade de redação, problemas detectados no plano formal ou lacunas no texto, do ponto de vista lógico ou substantivo.
Vamos ao exercício:
RN: Os critérios de avaliação da produção acadêmica são formulados de maneira a medir “qualidade” do trabalho dos professores e pesquisadores das ciências "duras" e, por isto não são adequados para as ciências sociais.
PRA: Não creio que as ciências sociais devam se subtrair a avaliação de sua “produtividade”, ainda que se possa conceber alguma peculiaridade pelo fato de não poderem ser conduzidas experiências da mesma forma como nas hard sciences.

RN: Nos países capitalistas, as ciências "duras" sempre foram imprescindíveis para o processo de acumulação de capital; o que legitima ainda mais o seu apoio diferenciado a ponto de naturalizá-lo como uma hegemonia.
PRA: Por que essa “intromissão” de uma característica socioeconômica numa discussão sobre os procedimentos científicos? Por que as ciências “duras” seriam menos imprescindíveis se o sistema fosse, não capitalista, e sim “socialista”, ou feudal? O que tem a ver o capitalismo com a imprescindibilidade das ciências duras? Ciência é algo que transcende os sistemas socioeconômicos e serve a qualquer sociedade, em qualquer época e lugar, sem discriminação de qualquer espécie. Ela funciona e funcionou da mesma forma na Grécia antiga, no socialismo soviético e no capitalismo liberal. Essa constatação simplesmente não faz sentido.

RN: Os mitos da neutralidade, universalidade e linearidade da ciência difundidos pelos cientistas "duros" (aceitos pela sociedade e não contestados pelos cientistas sociais) levaram a que o caráter enviesado no sentido do capital não fosse percebido sequer pelos de extração marxista;
PRA: Se existe algum mito aqui é o de acreditar que o caráter “enviesado” do capital possa ter algo a ver com peculiaridades do trabalho científico, e que pelo fato de algum cientista trabalhar numa sociedade capitalista ele não pode ser neutro, universal ou “linear”; por que marxistas seriam tão obtusos a ponto de não o perceber essa perversidade do capital?

RN: A dinâmica tecnocientífica mundial, há décadas fortemente influenciada por objetivos militares, está também, cada vez mais, presidida pelo objetivo de lucro das grandes empresas multinacionais, que são hoje responsáveis por metade do gasto mundial de pesquisa;
PRA: “Cada vez mais”? Por que só agora? Sempre foi assim: empresas capitalistas, há vários séculos, atuam com base no lucro, assim como já faziam ou fizeram mercadores fenícios, artesãos medievais, manufatureiros renascentistas e toda e qualquer categoria de atividade produtiva: homens ativos são sempre motivados por algum desejo de retorno, de ganho, de riqueza; da mesma forma, o desejo de segurança, a motivação da conquista, a cobiça por riqueza alheia ou a necessidade de defender a sua própria sempre influenciaram as tecnologias militares e guerreiras, e nisso existe espaço para todos os modos de produção possíveis; RN deveria ser mais universal e neutro, e algo linear; seria melhor assim.

RN: A escassa percepção dessa dinâmica e uma reação automática pouco refletida se materializam no discurso de alguns cientistas sociais que, impregnado de universalismo e neutralidade, defende que devemos melhorar a qualidade do seu trabalho abordando temas de interesse internacional e usando referencias internacionais, para publicar em inglês em periódicos internacionais;
PRA: Antigamente se escrevia em grego, ou latim, ou francês, que foram as línguas mais utilizadas em cada época para produzir e divulgar ciência, literatura, ou qualquer outra coisa, como contabilidade capitalista ou pré-capitalista. Não se percebe porque o preconceito contra o inglês! Não existe nenhuma razão para isso, apenas desejo de não ser universal, apenas tacanhamente latino-americano.

RN: O afastamento da perspectiva latino-americanista fundacional das ciências sociais brasileiras é justificada, neste caso, em função da perda de importância da região no contexto globalizado internacional, da conveniência de que o Brasil se insira no mundo científico dos países líderes e da heterogeneidade existente ao interior da América Latina.
PRA: Nunca houve nada de especificamente latino-americano na construção das ciências sociais brasileiras, que foram muito mais formadas com base em aportes europeus e norte-americanos, do que da própria região. O Brasil não se insere nas correntes mais relevantes da ciência mundial apenas porque a América Latina é perdedora e não produz ciência de qualidade, mas porque é isso que deve ser feito e isso é que beneficia o Brasil, independente de qualquer perspectiva regionalista. A ciência, como deveria saber RN, é universal e universalista.

RN: A expressão Ciências Sociais é um “invento” latino-americano, fruto de sua orientação “militante” decorrente do contexto em que se iniciou sua implantação, caracterizado pela condição periférica e suas características de concentração de poder econômico e político no nível interno e dependência cultural e econômica no externo.
PRA: Nunca antes neste país se escreveu absurdo tão grande com respeito às ciências sociais. Não existe qualquer fundamento histórico, material para uma afirmação desse tipo, que é simplesmente incompreensível para quem conhece a evolução do pensamento social ao longo dos séculos, desde os filósofos gregos, os tomistas medievais, os historiadores renascentistas, os ideólogos do iluminismo, os racionalistas do século 19 e os funcionalistas do século 20. “Invento latino-americano”?; “orientação militante”? Acho que Marx contestaria imediatamente essa interpretação grotesca.

RN: Em que pese a projeção no circuito internacional alcançada pelo “alto clero” das ciências "duras", a contribuição das ciências sociais brasileira (Paulo Freire, Fernando Henrique Cardoso, Celso Furtado, etc.), mesmo quando avaliada segundo os critérios usuais de citação é seguramente maior;
PRA: Nacionalismo e chauvinismo acadêmico certamente não fazem bem a qualquer texto que pretenda fazer uma avaliação das ciências sociais brasileiras. “Seguramente maior”? Com base em que? Uma afirmação que vale tanto quanto o seu exato contrário, ou seja, de uma contribuição pobre, sem significado universal (que é o que distingue a ciência), pelo menos no que concerne Paulo Freire, dono de uma contribuição politicamente motivada, sectária, estreitamente ideológica.

RN: O segmento dos integrantes das ciências duras que podem “enquadrados” na categoria de “progressistas” é menor, no Brasil, do que o das ciências sociais;
PRA: Progressistas? Isso não faz o menor sentido para as ciências duras, e deveria não fazer, tampouco, para as ciências sociais. Não se pede que uma ou outra seja progressista ou reacionária, apenas que sejam boas ciências, a primeiras fundadas nos velhos princípios baconianos bem conhecidos, as segundas tentando construir a objetividade de que falava Weber. Esse “progressismo” do autor do texto só pode conduzir a uma má ciência, dura ou mole...

RN: Aqueles cientistas "duros" vêem seus colegas das ciências sociais como mais capazes de “fazer acontecer” as mudanças sociais que almejam;
PRA: Inacreditável! Como é que o autor foi descobrir as mudanças sociais almejadas pelos cientistas “duros”? Fez uma enquete, uma pesquisa, um questionário? Tabulou os resultados, publicou isso em algum lugar? Não se pode fiar numa afirmação desse tipo, destituída de qualquer validade empírica ou conceitual. Isso é simplesmente subjetivismo da pior espécie, indigno de qualquer ciência que se preze.

RN: Não é percebido que os cientistas "duros" progressistas tendem a pensar que seus colegas das ciências sociais seriam responsáveis, mais que eles, pela alteração do quadro social precário do País.
PRA: Isso tampouco é ciência, e sim profetismo, ou artes divinatórias. O que a ciiencia, dura, mole, técnica ou literária tem a ver com a percepção do “quadro social precário” no Brasil? O autor faz confusão entre o trabalho científico e a elaboração de propostas de políticas públicas que visam, sim, redimir a situação social, mas que dependem de escolhas políticas e valores sociais, não da natureza da investigação científica, ou seu caráter mais ou menos progressista. Isto é instrumentalização dos procedimentos científicos da pior espécie que possa existir, sinal de uma mentalidade autoritária que pretende dizer o que é progressista e o que não é.

RN: Criar consciência de que a mudança dos critérios supõe, mais do que um projeto de consolidação da área, uma discussão franca com esses cientistas "duros" de esquerda acerca do papel da comunidade de pesquisa no processo de democratização política e econômica do País.
PRA: Existem cientistas “duros” de esquerda? Certamente. Existem os de direita? Possivelmente. O que isso tem a ver com a qualidade de seu trabalho científico. Absolutamente nada. Existem cientistas “moles” das duas categorias? Provavelmente mais da primeira espécie do que da segunda. Mas podem também existir os de “centro” ou também aqueles que pretendem fazer apenas ciência, dura ou mole, não proselitismo e evangelização política como as propostas neste texto simplório e canhestro.

Em face dessas demandas de alteração dos critérios que devem prevalecer na avaliação das ciências sociais brasileiras, e em vista do que se leu nesse trabalho, uma única conclusão é possível: devem ser reforçados os controles e aumentados as garantias de que as verbas e recursos de todo o tipo que vão para essas ciências, de maneira a evitar que bobagens desse tamanha sejam escritas sob coberta de proposta “científica”.
Talvez seja melhor continuar a conversa numa “mesa de bar”...


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 30.12.2010

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Retorno a Idade Media? - Parag Khanna

No lo creo, pero siempre hay el gusto por las analogias historicas, muy de pronto erroneas, pero hay quienes las creen...
Paulo Roberto de Almeida

Future shock? Welcome to the new Middle Ages
Parag Khanna
Financial Times, December 28 2010

Imagine a world with a strong China reshaping Asia; India confidently extending its reach from Africa to Indonesia; Islam spreading its influence; a Europe replete with crises of legitimacy; sovereign city-states holding wealth and driving innovation; and private mercenary armies, religious radicals and humanitarian bodies playing by their own rules as they compete for hearts, minds and wallets.

It sounds familiar today. But it was just as true slightly less than a millennium ago at the height of the Middle Ages.

In recent years it has become conventional wisdom that the post-cold-war world will see rising powers such as China and Brazil create what international relations experts call a "multi-polar" order. Yet for the next 10 or 20 years, it is not at all clear that the future many imagine will
come to pass - namely that the relative US decline will continue, Europe will muddle along, China and India will grow ever stronger, and other straight-line projections.

In fact, the world we are moving into in 2011 is one not just with many more prominent nations, but one with numerous centres of power in other ways. It is, in short, a neo-medieval world. The 21st century will resemble nothing more than the 12th century.

You have to go back a thousand years to find a time when the world was genuinely western and eastern at the same time. Then, China's Song dynasty presided over the world's largest cities, mastered gunpowder and printed paper money.

At around the same time India's Chola empire ruled the seas to Indonesia, and the Abbasid caliphate dominated from Africa to Persia. Byzantium swayed and lulled in weakness both due to and despite its vastness. Only in Europe is this medieval landscape viewed negatively.

This was a truly multi-polar world. Both ends of Eurasia and the powers in between called their own shots, just as in our own time China, India and the Arab/Islamic community increasingly do as well.

There is another reason why the metaphor is apt. In medieval times, the Crusades, and the Silk Road, linked Eurasia in the first global trading system - just as the globalised routes of trade are doing today.

The merchant houses of Bruges and Venice financed transcontinental ventures to discover sources of spices and other riches. Marco Polo reached the court of Kublai Khan in China, but only after admiring the vineyards of Kashgar and being awestruck by the material abundance of Xi'an. Arab pilgrim Ibn Battuta made an even greater parallel voyage from Morocco to the Far East,
visiting the thriving civilisations of southern India and Sumatra along the way.

Now, globalisation is again doing much the same, diffusing power away from the west in particular, but also from states and towards cities, companies, religious groups, humanitarian non-governmental organisations and super-empowered individuals, from terrorists to philanthropists. This force of entropy will not be reversed for decades - if not for centuries. As was the case a millennium ago, diplomacy now takes place among anyone who is someone; its prerequisite is not sovereignty but authority.

Some see contrary trends in the light of the financial crisis. But given the power of the forces pushing a new medievalism, it is too simple to speak of a "return of the state" evident in the bail-out of Wall Street and the stimulus packages of governments. Far more revealing about the future is the crumbling of most of the post-colonial world from Africa to the Middle East to South Asia, where over-population, corrupt governance, ethnic grievances and collapsing infrastructure are pushing many states towards failure.

From Congo and Sudan to Pakistan, many "states" are likely to see a move towards a hybrid public-private system of governance. Take Afghanistan, where a postmodern arrangement between international extractive companies, the Kabul government, local warlords and foreign peacekeepers seems as likely an outcome as any - a neo-medieval model also being used in Africa
and elsewhere too.

In the economic sphere, most states, rich or poor, western or eastern, have become filters, trying to manage inflows and outflows of goods, money and people that globalisation has imposed on them. In medieval times, one's welfare depended on family status, guild membership and property holdings.
Cities were stratified according to socio-economic caste. Loyalty was not to the "state" as such, but to whoever delivered the goods.
Today, the world's population turns ever more to companies to provide essential services, whether security or healthcare. Even in rising India, much "public" welfare is provided by industrialists such as the Tatas and Ambanis, whose family businesses also run entire factory cities. They are increasingly the equivalent of the House of Medici, the family that came to
dominate Florence from the 14th century. The Islamic world today is replete with such political philanthropy, with the Muslim Brotherhood in Egypt and Hizbollah in Lebanon functioning as political parties but also as social institutions supplying healthcare and schools.

Of course, no analogy is perfect. But the medieval parallel is at least a warning against over-simplified references to the neat 19th century "Concert of Europe", the balance of power between European states that followed the Napoleonic wars. This system saw a modus vivendi between a handful of nation states. But our new world is far more complex.

The only missing piece, of course, is America. The Middle Ages was pre-Atlantic. Yet today we have the legacy superpower of the US, located in the new world. If the European Union today plays the part of the Holy Roman Empire, then the US is the new Byzantium, facing both east and west while in a state of relative decline. The Byzantines lasted for many centuries beyond their material capability, through shrewd diplomacy and deception rather than by force.

This new world will mean huge challenges, for the west in particular. But if the US applies a genuinely Byzantine strategy, it has a good chance of stopping a slide into conflict. And remember that, despite its bleak reputation, the Middle Ages was actually an era of great invention and discovery - and one which eventually gave way to a great Renaissance too. As we witness today's great power grievances mount and fear another world of war, we must remember the same is possible today.

The writer is a senior research fellow at the New America Foundation and author of the forthcoming How to Run the World: Charting a Course to the Next Renaissance (Random House, 2011)

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...