domingo, 21 de agosto de 2011

Perspectivas das relacoes Brasil-EUA nos proximos 10 anos - Rubens A. Barbosa

As perspectivas das relações Brasil-EUA nos próximos dez anos
Rubens Antônio Barbosa
revista Interesse Nacional (ano 4. n. 14, julho-setembro 2011)

Historicamente, as relações entre o Brasil e os EUA nos últimos 165 anos não foram tão tranquilas como geralmente se supõe. Elas podem ser caracterizadas como um processo marcado por desconfianças e suspeitas recíprocas, na maior parte do tempo. Não cabe fazer aqui um retrospecto da evolução do relacionamento entre os dois países. O presente ensaio examinará as perspectivas dessas relações nos próximos cinco a dez anos, levando em conta as transformações ocorridas nos últimos anos no cenário mundial. Os fundamentos da política externa da maioria dos países estão se modificando pelos efeitos da globalização, pela importância dos países emergentes, entre os quais o Brasil, e pela transferência do eixo político e econômico-comercial do Atlântico para o Pacífico, em especial pela crescente influência da China. A crise econômica global, iniciada nos EUA em 2008, acelerou esse processo de transformação e trouxe uma relativa perda de poder dos EUA. O mundo se tornou multipolar, com diversos centros de poder que contrabalançam a predominância dos EUA e da Europa. Os EUA preservam incontrastável seu poderio militar e estratégico, mas devem compartilhar as decisões nas áreas política, econômica e financeira com países emergentes como a China, a Rússia, a Índia, o Brasil e outros. As incertezas no panorama global aumentaram, não só pela instabilidade no Oriente Médio, pela persistência do conflito entre Palestina e Israel e pelo terrorismo, assim como, mais recentemente, pelos movimentos populares que estão ocorrendo no norte da África e no Oriente Médio. A instabilidade política dessas regiões repercute na volatilidade dos preços do petróleo, cujo aumento pode afetar a recuperação da economia dos países desenvolvidos. A mudança de clima pode vir a afetar a produção de alimentos, agravando ainda mais a disponibilidade e o preço das commodities agrícolas. Os desafios que as relações entre os dois países deverão enfrentar sempre existiram e poderão aumentar, em decorrência das mudanças já mencionadas no cenário internacional e da crescente projeção externa do Brasil. As oportunidades também poderão crescer via transformações econômicas, políticas e sociais pelas quais passam o Brasil e os EUA. Três desafios se colocam para o desenvolvimento das relações Brasil–EUA na próxima década: como conectar os interesses reais dos dois paises; modificação das percepções sobre o Brasil nos EUA e o que o Brasil vai querer das relações com os EUA.

O primeiro desafio será o de conectar os interesses dos dois lados

A análise das relações entre o Brasil e os EUA indica que, com exceção de curtos períodos e por razões específicas, os interesses reais que podem promover uma efetiva aproximação bilateral não estão claramente identificados. Embora os dois países defendam valores convergentes, como democracia e direitos humanos, na prática, em diversas situações, nem sempre eles são respeitados por se chocarem com os interesses de Washington e de Brasília. Nos próximos anos, os entendimentos entre as burocracias governamentais deverão se concentrar em como aproximar os interesses concretos que possam atrair a atenção dos agentes econômicos. No curto prazo, a tarefa de identificar esses interesses é ainda mais árdua pelo fato de o novo governo de Washington estar concentrado fortemente na estabilização e recuperação da economia, nas questões da guerra no Iraque e no Afeganistão, no conflito no Oriente Médio, no terrorismo e na crise dos movimentos populares no norte da África e no Oriente Médio. Como resultado dessa situação, a América Latina não está na tela dos radares dos formuladores de política em Washington, uma vez que não representa qualquer ameaça à segurança nacional dos EUA e porque não oferece grandes oportunidades de negócios para as empresas norte-americanas. Com o fortalecimento das economias na América do Sul, no entanto, a situação dá sinais de se modificar e a região começa a despertar a atenção das empresas e de investidores norte-americanos. Com mais de 55% do PIB da América do Sul, o papel que o Brasil deverá desempenhar será fundamental para o aprofundamento do processo de integração, para o desenvolvimento econômico dos países da região, para a melhora das condições sociais e para o aperfeiçoamento das instituições. O crescimento sustentado trará maiores oportunidades para os parceiros externos. Nos últimos dois anos, os EUA conseguiram crescentes superávits comerciais com o Brasil. Nos próximos cinco anos, mantidas as recentes taxas de crescimento, o Brasil ultrapassará a Itália, a França e a Inglaterra e se projetará como a quinta economia mundial em termos de PIB, o que fará com que os interesses brasileiros se diversifiquem e sejam vistos como de maior relevância pelos parceiros externos. A crescente presença da China no continente sul-americano, por outro lado, poderá representar um fator de convergência de interesses entre o Brasil e os EUA. Numa perspectiva de médio e longo prazo, os dois países terão interesses comuns para assegurar o suprimento interno de recursos minerais estratégicos, alimentos e petróleo, cada vez mais atraentes para a economia chinesa. As transformações ocorridas na América do Sul, nos últimos dez anos, em consequência da emergência dos movimentos sociais, e o aumento da insegurança jurídica pelo não cumprimento dos contratos e dos acordos em vigência, reforçaram a percepção do Brasil como importante fator moderador e de equilíbrio político e social para a estabilidade dos paises sul-americanos. Do lado do governo brasileiro, a administração Dilma Rousseff, nos seus primeiros meses, já deu alguns sinais de correção de rumos na política externa. Não deverá haver modificação no discurso sobre sua visão do mundo, nem sobre a prioridade aos países em desenvolvimento (Sul–Sul). A prioridade atribuída ao relacionamento com a América do Sul continuará sendo apresentada como uma política de Estado. Certas qualificações, contudo, diferente dos oito anos anteriores, podem ser notadas na questão dos direitos humanos, nas relações com o Irã e no tratamento dispensado aos EUA. Tudo indica que a política externa será mais pragmática, abandonando-se gradualmente os preconceitos ideológicos que guiaram a política do governo anterior. Caso isso venha de fato a ocorrer, a identificação de reais perspectivas de cooperação em áreas de interesse do Brasil e dos EUA vai se apresentar como uma prioridade.

O segundo desafio diz respeito à gradual mudança da percepção que os EUA têm até aqui sobre o Brasil

O Brasil permanece, em larga medida, desconhecido dos norte-americanos em geral e dos centros de decisão de Washington. Com exceção dos que se ocupam diretamente dos assuntos regionais, há elevado grau de desinformação sobre a realidade, os objetivos e a importância do Brasil para os interesses dos EUA. A correção dessa deficiência é o primeiro requisito para a elevação do relacionamento bilateral a um patamar compatível com a relevância política e econômica de ambos os países. A questão que surge, do lado dos EUA, é como administrar as relações com o Brasil em ascensão e com crescente projeção externa fora das Américas. As premissas que balizaram o relacionamento bilateral estão sendo rapidamente superadas e devem se transformar significativamente. O Brasil é visto em Washington como uma força moderadora e de estabilidade numa região que atravessa um período de mudança com a emergência da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), crítica dos EUA. Apesar disso, os EUA terão de conviver com agendas diferentes e mesmo conflitivas, como ocorre hoje na América Latina, onde as políticas dos dois países não coincidem em relação a Cuba, Venezuela, Colômbia, Honduras e no tocante às novas instituições políticas, como a União de Nações Sul-americanas (Unasul), o Conselho de Defesa Sul-americano e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), que excluíram os EUA. Com uma política econômica de sólidos fundamentos até aqui, podendo projetar um razoável e sustentável crescimento econômico para os próximos anos, o Brasil saiu mais forte da crise. Com o respaldo de uma economia estabilizada e uma ação externa mais ativa, o país vem se afirmando internacionalmente e aumentando sua presença internacional. Reconhecido como uma potência regional e um país com peso econômico global e com importante papel em alguns dos principais temas da agenda internacional, como mudança de clima, meio ambiente, energia (renovável e petróleo), direitos humanos e reforma dos organismos internacionais, a percepção sobre o Brasil deverá modificar-se gradualmente. Os pontos focais da relação dos EUA com o Brasil continuarão a ser comércio e investimentos, segundo os interesses tradicionais dos dois países, com crescentes convergências de interesses na região (estabilidade econômica e social, democracia e segurança regional). Por todas essas razões, será de interesse de Washington atribuir um tratamento diferenciado ao Brasil no contexto latino-americano. Essa diferenciação poderá levar, no médio prazo, a uma nova atitude, mais realista e menos estereotipada. É possível antecipar que o descolamento do Brasil do resto da América Latina deverá acarretar a inclusão de nosso país em novas parcerias empresariais globais com os EUA e com outros países dentro e fora da região.

O terceiro desafio é definir o que o Brasil quer de suas relações com os EUA

O novo papel que o Brasil começa a desempenhar no cenário internacional fará com que venha a se encontrar com os EUA mais seguidamente fora do ambiente regional com posições que, mais do que separá-los, deverão aproximar os dois países. Não acredito em rótulos batidos, como relações especiais ou alianças estratégicas, para definir o que vai ocorrer no futuro. A crescente afirmação do Brasil no mundo vai gradualmente tornar mais claro como melhor atender e defender o interesse nacional, a exemplo do que ocorre com os EUA. Isso fará com que sejam abandonadas grandes ideias e projetos políticos (como a Alca e o último deles: Pathways for Growth in the Americas) para que os esforços dos dois governos sejam concentrados em interesses reais comuns. Do ponto de vista da política externa brasileira, o grande desafio do momento é o de identificar e definir o nosso interesse no contexto da globalização e da crise internacional. O Brasil terá de assumir suas responsabilidades ao mesmo tempo como potência econômica emergente e como potência regional. Isso não quer dizer que o Brasil deva adotar uma atitude de acomodação passiva ou reativa às transformações em curso, mas, sim, a de antecipar-se a elas, tendo sempre presente o interesse nacional. Nesse contexto, o Brasil terá necessariamente de redefinir suas relações tanto com os EUA quanto com a China, nosso principal parceiro comercial e potência com crescentes investimentos e interesse no país. É sintomático que a China tenha sido o primeiro país visitado pela presidente Dilma Rousseff fora da América do Sul. A definição pelo Brasil de uma política de médio e longo prazo com os EUA deverá ocorrer pelos crescentes interesses econômicos e comerciais e também porque a projeção externa e a diversificação de interesses mútuos em outras regiões como a África, o Oriente Médio e a Ásia farão aumentar as possibilidades de diferenças e de colaboração. O eventual fornecimento de petróleo do pré-sal aos EUA, nos próximos cinco a dez anos, poderá ter profundo impacto estratégico, político e comercial nas relações entre os dois países. A identificação de interesses concretos, pelo governo e pelo setor privado, tornará o Brasil mais relevante para a política externa dos EUA. Defesa do interesse nacional e respeito mútuo deverão balizar nossa parceria em novas bases de modo que o potencial a ser explorado possa ser adequadamente identificado. Washington não deve ver no Brasil, contudo, um aliado pronto a alinhar-se automaticamente nos tópicos de seu interesse. Nem o Brasil deverá perseverar no equívoco dos últimos anos de colocar-se como uma opção aos EUA, buscando a lealdade dos vizinhos em detrimento do apoio que esses países oferecem aos EUA. Os instrumentos para dar corpo a essa parceria em novas bases já estão criados pelos dois países e foram agora ampliados. Desde 2003, houve a decisão de institucionalizar uma cooperação mais desenvolvida e sofisticada. Durante a visita do presidente Lula a Washington foi criado um conjunto de mecanismos (encontros presidenciais com seus ministros, grupos de trabalho em grande número de áreas, cooperação hemisférica e em temas globais de interesse mútuo) que poderão ser ativados e ampliados, de acordo com o que foi anunciado durante a visita do presidente Obama ao Brasil, com a criação de grupo na área da defesa e dos diálogos estratégicos na área econômica e política. No âmbito do setor privado, foi criado o Fórum de Presidentes de empresas para a discussão de uma agenda positiva a ser recomendada aos dois governos. E a negociação de acordos de bitributação e de investimentos está com alta prioridade nessa agenda.

As oportunidades aparecerão

Uma vez reconhecidos os desafios existentes e, de alguma forma, examinadas e encaminhadas respostas para superá-los, as oportunidades não só aparecerão como poderão ser melhor aproveitadas. Na área da política externa, os encontros do Brasil com os EUA em outros continentes, fora da América do Sul, vão permitir, na maioria dos casos, maior cooperação em países em que o Brasil disponha de vantagens comparativas, como na África, onde é possível prever um aumento da cooperação triangular em setores como educação, saúde e governança. Nos organismos internacionais, embora nem sempre os interesses sejam convergentes, é possível prever maior cooperação nas questões de paz e segurança, de meio ambiente e mudança de clima, de energia, no G-20 e nas questões de assistência e cooperação técnica. Caso o cenário de cooperação bilateral se concretize, e o Brasil assuma as responsabilidades derivadas de sua projeção externa, certamente deverão diminuir as reservas contra a admissão do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança, quando a comunidade internacional, liderada pelos EUA, decidir reformar o órgão mais importante das Nações Unidas. Se isso vier a ocorrer, estará afastada uma das questões políticas mais difíceis no relacionamento bilateral. É interessante notar que as principais prioridades do governo americano, anunciadas no State of the Union Address, em janeiro de 2011, no tocante a inovação, educação e infraestrutura, são as mesmas do Brasil, o que propicia que projetos concretos sejam desenvolvidos entre empresas dos dois países. A decisão de Washington no sentido de revolucionar a matriz energética interna para, em 2035, concentrar 85% do consumo doméstico em energia renovável e diversificar as fontes de suprimento de combustível fóssil abrirá amplas possibilidades para o Brasil se tornar um fornecedor no longo prazo de etanol e de petróleo para a economia norte-americana. O mesmo pode ocorrer com as enormes reservas de gás natural encontradas off shore nas camadas de pré-sal. Atraídas pelo crescente mercado brasileiro, empresas norte-americanas poderão associar-se a companhias brasileiras em áreas de ponta, onde a inovação e a transferência de tecnologia poderão tornar os produtos brasileiros mais competitivos (tecnologia da informação, telecomunicações, biotecnologia, nanotecnologia). Na área de energia (biomassa, gás e petróleo (pré-sal), usinas hidrelétricas), haverá imensas oportunidades de investimento para as empresas norte-americanas no Brasil e de brasileiras nos EUA. A realização no Brasil da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos abre oportunidades na área de infraestrutura, segurança e transportes. No comércio exterior, o potencial de ampliação das exportações dos EUA deverá aumentar, como evidenciado nos últimos dois anos, quando a balança bilateral mostrou crescentes saldos positivos para os EUA. Corrigidas as distorções domésticas que geram a perda da competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, os manufaturados e os bens de capital poderão voltar a ter, nos EUA, um mercado significativo. As diferenças relacionadas com as restrições protecionistas em ambos os países, como vem ocorrendo no mercado dos EUA em relação ao algodão, suco de laranja, etanol, aço e camarão, deverão continuar e mesmo aumentar, mas serão sempre canalizadas para a Organização Mundial do Comércio (OMC), fórum apropriado para tratar das controvérsias e da defesa comercial. Com as decisões contrárias da OMC, no caso dos três primeiros contenciosos, e com as transformações no cenário internacional, no médio e longo prazo, é possível prever a liberalização no comércio desses produtos para atender aos interesses dos consumidores domésticos nos EUA e a eliminação de irritantes nas relações bilaterais.

Áreas de convergência

O utros setores poderão representar importantes áreas de convergência e de cooperação no médio e longo prazo: meio ambiente, minerais estratégicos (terras raras, urânio) e pesquisa e exploração de minérios no fundo do mar, espaço, não proliferação, usinas nucleares e defesa. No tocante ao meio ambiente e à mudança de clima, o Brasil vai sediar em maio/junho de 2012 a Rio+20, evento de grande significação para o avanço de propostas que limitem as emissões de gás carbono de efeito estufa que agravam os impactos da mudança de clima. Depois de vinte anos da primeira reunião do Rio, as metas de redução de emissões ainda não foram cumpridas. Há poucos meses, chegou-se a uma declaração que reconhece a necessidade de ampliar as áreas de proteção e a soberania de cada país sobre as espécies da biodiversidade em seu território, bem como a necessidade de compartilhar resultados em caso de exploração – mas ainda faltam regras práticas para esse compartilhamento. O desmatamento no mundo caiu para cerca de sete milhões de hectares anuais, mas ainda continua alto. Brasil e eua poderão, sem preconceitos, estabelecer uma ampla colaboração para obter avanços concretos nessas áreas durante a cúpula Rio +20, em 2012. Nas outras áreas mencionadas (minérios estratégicos, espaço, não proliferação), nos últimos dez anos, o Brasil passou a ter uma política não defensiva, abrindo amplas possibilidades para a colaboração com os eua em organismos internacionais, e para a ampliação de negócios entre as empresas dos dois países. Seguindo o exemplo do que estão fazendo outros países, como a Índia e a China, o Brasil estará aberto a apoiar projetos nessas áreas com duas condicionalidades: transferência de tecnologia e parceria entre empresas dos dois países para produção local. Essa política deverá ser aplicada para eventuais investimentos e parcerias na exploração de terras raras e urânio, prospecção no fundo do mar e defesa. No tocante a oportunidades de negócios nas áreas de espaço, política nuclear, construção de usinas nucleares e não proliferação, a cooperação poderia ser ampliada seguindo o modelo desenvolvido pelos eua com a Índia. A reconstrução da base de Alcântara, para viabilizar lançamentos, a preços competitivos, de satélites comerciais, de interesse de empresas norte-americanas, poderia estimular a cooperação com indústrias dos eua, depois de superadas as dificuldades para a assinatura de um acordo de salvaguarda tecnológica entre os dois países. A visita do presidente Obama ao Brasil em março passado, embora em contexto de incertezas e instabilidades globais, pode ser considerada como um marco nas relações Brasil–eua pelas perspectivas que prometeu abrir no médio e longo prazo. Os governos de Brasília e de Washington, depois de um período de tensões que durou a maior parte do governo Lula, gerado por motivações ideológicas antiamericanas e por desencontros na política externa e comercial, decidiram inaugurar uma nova etapa nas parcerias bilaterais, deixando aparentemente para trás as dificuldades dos últimos anos.

Parceria global

O comunicado conjunto, firmado pelos dois mandatários e divulgado ao final da visita, apresenta um roteiro para uma nova parceria global e bilateral. E não, como foi reconhecido de maneira pragmática, a reafirmação de uma aliança estratégica, que inexiste e pressupõe uma lenta construção entre iguais. Cabe ressaltar que durante a visita do mandatário norte-americano os presidentes tomaram a decisão de elevar a nível presidencial o diálogo em algumas áreas prioritárias, como parceria global, econômico-financeira e energética. Dez acordos foram assinados com a intenção de explorar novas possibilidades de cooperação nas áreas de comércio, educação, inovação, infraestrutura, transporte aéreo, espacial, grandes eventos esportivos, biocombustível para aviação, cooperação em terceiros países, sobretudo da África. Desses acordos, quatro merecem ser ressaltados: o Acordo-Quadro Bilateral para a Cooperação dos usos pacíficos do Espaço Exterior e o anúncio do início de negociações para um acordo para proteger tecnologia de operação de lançamento; o Trade and Economic Cooperation Agreement – Acordo de Cooperação Econômica e Comercial (Teca), cujo objetivo principal é facilitar o acesso de produtos dos EUA e do Brasil aos mercados dos dois países, cria mecanismos para examinar dificuldades nas questões comerciais e de investimento, avaliar barreiras fitossanitárias, simplificar processos alfandegários e para a harmonização de normas técnicas; o acordo de cooperação em terceiros países nas áreas de educação, segurança alimentar, agricultura, nutrição, saúde e fortalecimento institucional; o acordo para produção de biocombustível para a aviação. O desafio de conectar os reais interesses dos dois países, aludido anteriormente, começou a ser respondido. O governo norte-americano está interessado em tornar-se um cliente importante do petróleo produzido no pré-sal, e o governo brasileiro poderá levar adiante o seu programa espacial, reconstruindo a Base de Alcântara, com a colaboração de empresas dos EUA. Grandes projetos de infraestrutura deverão atrair investimentos e empresas norte-americanas e poderão ajudar o Brasil a cumprir os prazos rígidos para as obras da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. O Pentágono, o maior comprador de querosene de aviação do mundo, busca segurança energética com a produção de biocombustível de aviação, o que poderá abrir grandes oportunidades para o setor privado dos dois países. Nos encontros Dilma–Obama foram lançadas as bases em que as relações deverão evoluir nos próximos anos, abrindo a possibilidade de avanços concretos que venham a beneficiar os governos e o setor privado dos dois países, aproveitando as grandes transformações que ocorrem no mundo. No melhor interesse dos dois países, foram mencionadas parcerias em áreas que, se de fato vierem a ocorrer, poderão propiciar uma mudança na qualidade do relacionamento bilateral, com ganhos concretos para ambos os lados. Segundo estudos do National Intelligence Council, de Washington, em 2025, o Brasil será uma potência econômica global, na qualidade de uma das cinco maiores economias em termos de PIB. O Brasil é visto como um Estado-modelo, por sua democracia vibrante, economia diversificada e instituições econômicas sólidas. O sucesso ou o fracasso do Brasil em conciliar medidas a favor do crescimento econômico, com uma ambiciosa agenda social que reduza a pobreza e a desigualdade de renda, terá um profundo impacto no desempenho econômico e na governança da América do Sul nos próximos quinze anos. Nesse cenário, a posição do Brasil na região tenderá a tornar-se cada vez mais ativa e importante. A emergência do Brasil como potência econômica global até 2025 colocará novos desafios para sua política externa e para a política comercial externa do Brasil e dos EUA, contribuindo para a construção de uma profícua parceria. Cabe aos formuladores das decisões nos dois países identificar interesses concretos adicionais para expandir e diversificar ainda mais as relações bilaterais em um mundo que promete ser cada vez mais complexo e diferente daquele em que vivemos hoje.

RUBENS BARBOSA foi embaixador em Washington (1999-2004).

Os amigos se vao: quem ele vai abracar, agora?

Bem, eu conheço (não pessoalmente, claro), um alto personagem -- ou seria um auto-personagem? -- que está perdendo um velho amigo.
Vocês sabem: ele prometeu lutar até a última gota de sangue (de seu povo), mas parece que esses apelos já não colam mais. O futuro pode ser o TPI, da Haia.

Sobra ainda um velho amigo, mas que anda em tratamento médico, atualmente, nas terras de outro amigo, que tampouco parece ter vida longa pela frente.

Quando os amigos se vão, as possibilidades de viagem se reduzem...

Sobram só esses loiros de olhos azuis, pouco frequentáveis...

Paulo Roberto de Almeida

A destruicao da escola publica pela universidade - Jose Maria e Silva

Um importante artigo sobre a tragédia educacional brasileira.

ESCOLA PÚBLICA
Vítima indefesa das universidades
José Maria e Silva
Jornal Opção (Goiânia), 21/08/2011

O Ideb na porta das escolas não vai medir o mais grave problema da educação brasileira: a pedagogia da destruição que as universidades impõem ao ensino público

O go­ver­no go­i­a­no, por in­ter­mé­dio da Se­cre­ta­ria Es­ta­du­al de Edu­ca­ção, ado­tou uma me­di­da pi­o­nei­ra no Pa­ís — a trans­for­ma­ção do Ín­di­ce de De­sen­vol­vi­men­to da Edu­ca­ção Bá­si­ca (Ideb) nu­ma es­pé­cie de DNA das es­co­las. A par­tir de ago­ra, to­das as es­co­las es­ta­du­ais se­rão obri­ga­das a os­ten­tar uma pla­ca com a no­ta ob­ti­da no Ideb, tor­nan­do pú­bli­co seu su­ces­so ou fra­cas­so no re­fe­ri­do ín­di­ce. Co­mo pai da ideia, o em­pre­sá­rio e eco­no­mis­ta Gus­ta­vo Ioschpe, pen­sa­dor ad hoc da edu­ca­ção, es­te­ve em Go­i­â­nia res­pal­dan­do a de­ci­são do se­cre­tá­rio de Edu­ca­ção, Thiago Pei­xo­to. Em seu Twit­ter, no fi­nal da tar­de de se­gun­da-fei­ra, 15, Ioschpe não es­con­deu o en­tu­si­as­mo: “Sa­in­do de Go­i­â­nia. Ideb na Es­co­la lan­ça­do na re­de es­ta­du­al de Go­i­ás. Pri­mei­ro Es­ta­do. Gran­de vi­tó­ria. Va­mos em fren­te”.

A pro­pos­ta de Gus­ta­vo Ioschpe ga­nhou for­ça en­tre as au­to­ri­da­des do Pa­ís e ten­de a vi­rar lei fe­de­ral, va­len­do pa­ra to­das as es­co­las bra­si­lei­ras. É o que pre­vê pro­je­to de lei do de­pu­ta­do fe­de­ral Ro­nal­do Cai­a­do (DEM), apre­sen­ta­do na Câ­ma­ra dos De­pu­ta­dos em 7 de ju­nho. No mes­mo dia, o de­pu­ta­do Ed­mar Ar­ru­da, do PSC do Pa­ra­ná, apre­sen­tou pro­je­to se­me­lhan­te, que foi apen­sa­do ao do par­la­men­tar go­i­a­no. Uma se­ma­na de­pois, em 15 de ju­nho, foi a vez do de­pu­ta­do Fer­nan­do Tor­res, do DEM da Ba­hia, apre­sen­tar pro­je­to pra­ti­ca­men­te idên­ti­co, tam­bém apen­sa­do ao de Cai­a­do. E na mes­ma da­ta, cou­be à se­na­do­ra Lú­cia Vâ­nia, do PSDB de Go­i­ás, inau­gu­rar es­sa dis­cus­são no Se­na­do, com um pro­je­to de lei do gê­ne­ro.

Além des­sas ini­ci­a­ti­vas no Con­gres­so Na­ci­o­nal, di­ver­sas As­sem­blei­as Le­gis­la­ti­vas e Câ­ma­ras Mu­ni­ci­pa­is pe­lo Pa­ís afo­ra es­tão dis­cu­tin­do pro­je­tos se­me­lhan­tes, to­dos eles ins­pi­ra­dos na pro­pos­ta de Gus­ta­vo Ioschpe. No ca­so dos pro­je­tos de lei que tra­mi­tam no Con­gres­so Na­ci­o­nal, o mais ou­sa­do é o de Ro­nal­do Cai­a­do, pois ele obri­ga to­das as es­co­las do en­si­no bá­si­co — não só as pú­bli­cas, mas tam­bém as par­ti­cu­la­res — a exi­bir a no­ta ob­ti­da no Ideb. Se apro­va­do, o pro­je­to de Cai­a­do exi­gi­ria adap­ta­ções no Ideb, pois a Pro­va Bra­sil, um dos in­di­ca­do­res que com­põ­em o ín­di­ce, é apli­ca­da por amos­tra­gem no en­si­no pri­va­do e não uni­ver­sal­men­te, co­mo ocor­re no en­si­no pú­bli­co ur­ba­no.

LEIAM A ÍNTEGRA neste link.

Minha concepção da Historia: comeco de um debate

Coloquei, num post dedicado ao "fim de Bretton Woods" (1971-1973), este comentário muito rápido, que agora transcrevo a seguir:

Se me perguntassem quais os mais importantes eventos, fatos ou processos do século XX, eu não hesitaria em alinhar:

1) Primeira Guerra Mundial (e suas consequências econômicas)
2) O desastroso Tratado de Versalhes (que abriu caminho à Segunda)
3) A depressão dos anos 1930 (vejam bem, não é a crise de 1929)
4) A Segunda Guerra Mundial (que na verdade é mera consequência de Versalhes)
5) Bretton Woods, em 1944 (como pilar da nossa ordem econômica, ainda hoje)
6) A tomada do poder pelos comunistas na China, em 1949 (e os desastres que se seguiram)
7) O "fim de Bretton Woods", em 1971-73 (e a bagunça financeira mundial)
8) O fim do comunismo em 1991 (vejam bem, não é a implosão da URSS, que é mera consequência)

Enfim, depois eu desenvolvo a minha "concepção" da história.


Recebi, a este propósito, um comentário anônimo assim redigido:
Anônimo disse...
o fim do comunismo é um evento importante, mas o início não é? Muito estranho seu critério.
Domingo, Agosto 21, 2011 2:17:00 PM


Respondi, brevemente, desta maneira (mas o debate está aberto):

Minha concepção da história tem variáveis que explicarei muito bem em trabalhos futuros.
O começo do comunismo é totalmente desimportante. Foi, em primeiro lugar, um evento fortuito, totalmente dependente da guerra na frente oriental e da estratégia alemã de neutralizar a Rússia (o que foi muito bem sucedido). Em segundo lugar, houve apenas um putsch, um golpe militar, e a substituição de um governo provisório por outro, muito confuso, enredado numa guerra civil durante tres anos, e sem a certeza de que iria sobreviver. Pelo menos até 1924 ou 1927, não se sabia se o comunismo seria um sistema viável na Rússia, e de fato não foi, nunca foi, a não ser pelo "despotismo oriental" criado por Stalin, uma escravidão moderna.
O comunismo poderia, por exemplo, ter desaparecido sob os tanques hitleristas, se as democracias ocidentais (EUA e UK) não tivessem ajudado a sobrevivência de Stalin e de seu regime.
Ou seja, até 1945, pelo menos, o comunismo soviético não conta, como força efetiva na história, a não ser pela criação de dezenas de partidos comunistas ao redor do mundo, que teriam sua importância, mas já na Guerra Fria, quando a URSS se torna, aí sim, uma grande potência.
Ou seja, o nascimento do comunismo não teve maior impacto na história mundial, e se deveria, então, agregar, como consequência da Segunda Guerra Mundial, a ascensão da URSS como grande ator internacional, mas isso foi um processo também mais fortuito do que inevitável.
O que teve importância, sim, foi a derrocada do comunismo, que em certo sentido representou, efetivamente, um "fim da História".
Desenvolverei esses pontos mais adiante...
Paulo Roberto de Almeida

Guia Politicamente Incorreto da America Latina - Leandro Narloch e Duda Teixeira

Recebi, de presente, e estou lendo, com bastante prazer, este livro:

Leandro Narloch e Duda Teixeira:
Guia Politicamente Incorreto da América Latina
(São Paulo: Leya, 2011, 336 p.)

Enfim, o prazer é meu, pois além de informações novas, desconhecidas para mim (até certa medida), os dois autores se empenham em desmantelar as grandes mentiras, as deformações e os equívocos (de natureza histórica e outras) que cercam a história de nosso continente (que aliás não existe, estrito senso), tarefa que eu mesmo faço em muitos outros textos meus de feição mais acadêmica, como por exemplo nesta série:

Falácias acadêmicas: ensaios sobre alguns mitos correntes

Imagino, porém, que outra categoria de leitores, se por acaso acederem ao livro -- o que talvez seja altamente improvável -- o lerá com imenso desprazer, rangendo os dentes e amaldiçoando os autores. Os descontentes serão os que aprenderam a versão deformada da história, aquela que pode ser encontrada em um livro famoso, do mais famoso idiota latino-americano: Eduardo Galeano, Las Venas Abiertas de América Latina (centenas de edições, não preciso dizer).

(Abre parênteses: Nem sempre a história é escrita apenas pelos que venceram; em alguns casos, ela é escrita também pelos que perderam, e sua versão predomina, como parece ser evidente no caso brasileiro em relação a toda a história política dos anos 1960 em diante, quando a versão marxista da história passa a predominar, a despeito do fato de que os militares deram um golpe contra a "ameaça comunista". Claramente, a versão comunista impôs-se como "oficial", pelo menos em TODOS os livros didáticos que são distribuídos nas escolas brasileiras. O mais curioso é que a versão deformada da história predomina mesmo nos livros de história geral, que tem a ver com o capitalismo e o mundo atual: parece que o socialismo, a despeito de todos os fracassos acumulados, ainda é um "bom" sistema, e que o capitalismo só comete perversidades. Muitas dessas deformações, relativas à América Latina, são criticadas no livro de Plinio Apuleyo Mendoza, Carlos Alberto Montaner e Álvaro Vargas Llosa, "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano", onde Galeano é desmentido como deveria, mas onde também sobra para teorias inconsequente como a "dependência" de Fernando Henrique Cardoso. Fecha parênteses)

Os autores deste novo livro, dois jornalistas, não se dedicaram apenas a desmentir o que desde já pode ser chamado de gigantesca empresa de desinformação sobre a América Latina, mas pesquisaram seriamente para oferecer, não uma outra versão, oposta à primeira, mas uma história simplesmente mais correta, mais compatível com a realidade, mais conforme os documentos e testemunhos fidedignos, não o emaranhado de mentiras e meias verdades que costuma frequentar versões idílicas (ou catastróficas, segundo os casos) da história da região. Eles vão desmantelando mitos, desbancando personagens históricos de seus pedestais, contribuindo para uma correta apreciação de nossa história, e retirando os bodes expiatórios (entre eles, o imperialismo em primeiro lugar), que pretenderiam explicar por que somos tão pobres, tão atrasados, tão desiguais, tão corruptos, tão difíceis em corrigir todos esses males.
Leandro Narloch já tinha assinado um bem-vindo Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, em que também desmantela mitos e equívocos da nossa história. Duda Teixeira realizou inúmeras viagens pela região e fora dela, trabalhando para a revista Veja, nas quais pode conhecer muito bem o histrionismo, o populismo e as farsas vigentes em vários países.

Não vou descrever agora o livro, pois ainda estou lendo, mas já li os capítulos sobre o Chile de Allende e sobre o Haiti. Ainda tem muito mais a descobrir, com ditadores e personagens famosos, tristemente famosos, eu diria.

Posto aqui o link para os comentários de Rodrigo Constantino sobre o livro:

Leandro Narloch e Duda Teixeira:
Guia Politicamente Incorreto da América Latina

O Brasil no Council on Foreign Relations: em 2001 e em 2011

Percepções do Brasil no mundo
Celso Lafer
O Estado de S.Paulo, 21 de agosto de 2011

"Política é nuvem, vai tomando novas formas." "Tão importante quanto o fato são as versões que assume." Essas frases apontam para o fato de que a palavra política designa ao mesmo tempo a realidade e a consciência que dela tomamos. Por isso, a percepção da realidade faz parte da própria realidade e o jogo da vida pública transita pela interação dos acontecimentos com múltiplos significados que lhes atribuímos ao conhecê-los.

Essa interação caracteriza as sociedades contemporâneas, que, por serem voltadas para o futuro, vivem impregnadas pela noção de risco, com as suas dimensões de probabilidade e incerteza. Por essa razão, hoje em dia as expectativas têm, num mundo interdependente, um papel decisivo, tanto na vida econômica quanto na política.

As agências de rating de crédito dos países impactam, positiva ou negativamente, as economias porque sinalizam expectativas dos riscos futuros da sua sustentabilidade. Também na vida política as percepções sobre a qualidade ou imperícia das lideranças no trato dos problemas, os méritos ou deméritos das instituições, a natureza dos conflitos vão tecendo os cenários de expectativas que cercam a dinâmica de funcionamento de um sistema político. Na elaboração das percepções políticas e econômicas atuam os meios de comunicação, as redes sociais e a instância dos analistas qualificados.

O mesmo ocorre na apreciação dos ativos e passivos de um país no plano internacional, a partir de duas vertentes de estimativa. A primeira diz respeito à configuração da ordem mundial. A segunda resulta das características do seu desenvolvimento interno. Um bom exemplo da dinâmica desse processo de ponderação das expectativas é o contraste entre a avaliação feita em fevereiro de 2001 por um grupo de trabalho do Council on Foreign Relations, coordenado por Kenneth Maxwell, e o recém-publicado relatório elaborado pelo grupo de trabalho conduzido por Julia Zweig. Ambos analisam o papel do Brasil no mundo e as relações entre o nosso país e os Estados Unidos, e provêm de uma reputada instituição norte-americana dedicada ao entendimento do mundo e das opções da política externa dos EUA. Os dois relatórios têm, para nós, o mérito de articular o significado da percepção do Outro, que é tão importante para a condução da política externa num mundo globalizado.

O relatório de 2001 é sucinto, em contraste com o de 2011, que é muito mais abrangente e analítico. O de 2001 foi elaborado numa época de primazia dos EUA no mundo. O de 2011 leva em conta que os EUA precisam adaptar-se às novas realidades de uma ordem multipolar. O relatório de 2001 tem como pano de fundo as crises financeiras da década de 1990, que afetaram o Brasil. Reconhece avanços positivos no plano interno e identifica o Brasil como um ator de inquestionável peso regional com interesses gerais no funcionamento do sistema internacional. O relatório de 2011 tem como horizonte a positiva maneira como o nosso país lidou com a crise financeira de 2008 e reconhece que o Brasil alcançou um novo patamar de presença no mundo multipolar da atualidade, tanto como ator global quanto como motor do crescimento da América do Sul. Daí, para os EUA e os países latino-americanos, a importância de ajustarem suas percepções ao significado da ascensão brasileira no mundo. Nesse contexto, o relatório recomenda ao governo norte-americano endossar o pleito brasileiro de um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. No trato das relações Brasil-EUA, explora o espaço das convergências e lida, com sensibilidade diplomática, com as diferenças de perspectivas e interesses.

O relatório destaca o cumulativo impacto positivo dos últimos 16 anos, proveniente das Presidências FHC e Lula, realçando o significado da consolidação democrática, dos méritos das políticas econômicas que levaram ao controle da inflação e das políticas sociais de inclusão que propiciaram o declínio das desigualdades de renda e a emergência de uma nova classe média.

O relatório de 2011 aponta para os avanços positivos dos ativos brasileiros relevantes para a presença do nosso país no mundo (agricultura, mineração, energia, meio ambiente, etc.) e também indica a agenda de desafios para o futuro da sua sustentabilidade. Entre eles, o da melhoria da educação, o do necessário aprofundamento do que está sendo feito no campo da pesquisa e da inovação, da superação do significativo déficit de infraestrutura, que compromete a logística e a competitividade do País.

A temática da sustentabilidade do novo patamar da presença do Brasil no mundo comporta, como é natural, outras facetas internas e externas que não foram circunstanciadamente examinadas no relatório. Do ponto de vista político, quero, como cidadão, realçar o significado de um grande item para a democracia brasileira tão presente no debate nacional: o da corrupção.

A democracia baseia-se na confiança recíproca entre os cidadãos e na destes nas instituições. A corrupção (que vem do latim corrumpere e significa destruir) é um agente de decomposição da substância das instituições públicas. Tem um alcance que vai além das condutas transgressivas individuais, pois enseja o que Raymond Aron chama de corrupção do espírito público por conta do intercâmbio clandestino entre o mercado político e o econômico. No caso do nosso país, estamos presenciando o comprometimento do espírito público que norteou a redemocratização e a elaboração da Constituição de 1988 e que, ao propiciar uma cultura política de ampliação da cidadania, foi o grande ponto de partida das positivas transformações do Brasil. O episódio do "mensalão" foi o momento inaugural da negativa inflexão do espírito público.

Cabe lidar com esse desafio, levando em conta o que dizia Machado de Assis: "A corrupção escondida vale tanto como pública, a diferença é que não fede".

PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO GOVERNO FHC

sábado, 20 de agosto de 2011

Agruras financeiras do Barao do Rio Branco em Berlim - Roberto Lopes

Apenas transcrevo:

As agruras do Barão
Oh, que azar de genro!...
Por Roberto Lopes
Revista Leituras da História, n. 42, 2011

Empobrecido pelos gastos com o casamento de sua filha, Amélia, e desassistido pelo Itamaraty, Rio Branco leva vida modesta na cara Berlim, e ainda tem que lidar com as dificuldades financeiras da moça, unida a um aristocrata germânico pouco afeito ao... trabalho!
Naquele 1901, orgulhoso e ingênuo, o Ministro brasileiro em Berlim deu um crédito de confiança à união de Gustav e Amélia. Em outubro ele mandou um telegrama a seu amigo e colega Joaquim Nabuco, convidando-o para ser o padrinho de casamento de sua filha. Desgraçadamente, o matrimônio produziria uma história infeliz, que muitos dissabores iria causar ao diplomata brasileiro.

Amélia não tardou a escrever ao pai, pedindo emprestado algum dinheiro. "Não disponho de nada", respondeu contristado Rio Branco. "O pouco que possuía deixei em garantia a um banco por ocasião do teu casamento, para contrair uma dívida de cinquenta mil francos, da qual pago os juros, e que, até este momento, me foi impossível amortizar, mesmo em parte".

Acudir os da família parece ser a sina do Barão. Em 1887, ele precisara deixar um serviço no exterior para ir ao Rio socorrer a irmã mais nova Maria Luísa, que se casara com um pobretão chamado José Bernardino da Silva, e com ele tivera uma penca de filhos - seis, exatamente. Na juventude Maria Luísa chegara a fugir de casa para ir viver com Bernardino. Mas em 87, no seu pedido desesperado de ajuda ao irmão diplomata, ela confessa que o marido "enlouquecera no espiritismo". Mais tarde o Barão precisará ajudar financeiramente a filha Marie Clotilde, que, em novembro de 1898, se casara com o francês Henri Herbert, um pequeno comerciante amigo de Raul do Rio Branco.

De volta ao Brasil em 1902, para assumir o Ministério das Relações Exteriores, o Barão do Rio Branco assistiu, ainda nesse ano, o nascimento de Maria Margarida, primeira filha do casal Gustav e Amélia. Dois anos mais tarde a menininha ganharia um irmão, José Maria - batizado, obviamente, em homenagem ao avô famoso.

Diplomata e Barão, Rio Branco esteve sempre no imaginário popular de sua época - como um representante do Brasil na cena internacional de reconhecida qualificação e grande reputação. Nem o título de nobreza, nem o fato de pertencer à faixa mais elitizada do serviço público, o distanciaram do carinho das ruas. Na segunda semana de 1912, seu féretro levou milhares de pessoas às ruas. Dois anos mais tarde, Amélia do Rio Branco pediu o divórcio de Gustav von Werther - acerca de quem circulou, bem mais tarde, a notícia de que havia se suicidado.
É 1901. Seus primeiros dias em Berlim, José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, novo Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil no Império Alemão, passou hospedado com a família no Palast-Hotel da Leipziger Platz, um prédio imponente, com frentes também para a Potsdamer Platz e para a Koniggrätzerstrasse.

O edifício abriga 110 quartos, e possui halls e salões luxuosos, além de cafeteria - um endereço que, sem ser o mais sofisticado da capital do Reich, era ainda caro para o bolso do novo Representante Diplomático do Rio. Mas logo o grupo mudou-se para um apartamento térreo da Romaniches Haus, no número 10 da movimentada Kufurstendamm, bem no coração da cidade. Acompanhavam o Barão, de 56 anos, seu filho Raul, de 29, e as filhas Amélia, 23, e Hortênsia, de apenas sete anos. A esposa do chefe de missão - a corista belga Marie Philomène Stevens - morrera em Paris.

Informado de que precisaria esperar quase dois meses para apresentar-se a Wilhelm II, o soberano local, Rio Branco viajou à França para rever os amigos e desfrutar de um de seus prazeres prediletos: a boa mesa. A 18 de maio ele participou de um banquete em homenagem ao jovem escultor Félix-Maurice Charpentier. Eventos desse gênero - organizados com pompa e requinte - eram comuns na Paris do início do Século 20. O de Charpentier reuniu personagens do mundo das artes - Girard, Roybet e Gabriel Ferriere - e personalidades da política francesa: o Presidente da Câmara dos Deputados, Paul Deschamel, o Governador da Indochina, Paul Doumer, e nomes que alcançariam o auge da fama no trágico período da opressão Nazi-fascista sobre a Europa, como os Deputados Gaston Doumerge e Paul Faure. Eram, ao todo, 28 convidados. Rio Branco, o único diplomata estrangeiro - e, ainda por cima, acreditado na Alemanha...

O cardápio previa iguarias como Creme "Joinville", truta defumada ao molho "Genevoise", filé de boi, salada da estação, massas ao estilo italiano, queijos, corbeilles de frutas, biscoitos finos e doces - acompanhados de café e de um digestivo. Para beber, quatro tipos de vinho - "Madère", "Médoc", "Graves" e "St. Julien" - e uma edição especial do champagne "Hotel Moderne".

Com o Imperador
Finalmente, na terça-feira, 28 de maio, Rio Branco avistou-se com Friedrich Wilhelm Viktor Albrecht Hohenzollern. Os arquivos do Ministério das Relações Exteriores guardaram uma descrição desse encontro, no Neues Palais, de Potsdam:

"Vestindo o seu pomposo uniforme dos hussares vermelhos, o Imperador, ao recebê-lo, não se limitou às expressões protocolares na troca de discursos: fez, com largueza, o elogio pessoal do Ministro brasileiro, declarando conhecer os serviços que ele prestara ao seu país e haver acompanhado de perto a sua atuação como advogado em Berna, através dos relatórios do Ministro alemão na Suíça. E, durante vinte minutos de palestra, escolheu Guilherme II certos assuntos que o mostravam muito bem informado a respeito do Brasil: a obra financeira do Governo Campos Sales; a guerra do Paraguai, da qual citou vários episódios que lera em Schneider; a abertura da navegação dos nossos rios interiores, particularmente a do Paraguai, devida aos esforços do Brasil. Referiu-se ainda ao projeto apresentado ao Congresso Latino-Americano de Montevidéu para a ligação, por meio de canais, das duas bacias do Amazonas e do Prata. E, por fim, à colonização alemã no Brasil".
Com 1.888.300 habitantes, a capital alemã oferecia conforto, misturando tradição com modernidade. Há quase 30 anos dispunha de água canalizada. Há quase 20 contava com serviço telefônico. A distribuição de energia elétrica permitira, na década de 90, a inauguração de um serviço de bondes elétricos. E havia ainda a Filarmônica, o Teatro Alemão e a grande novidade do momento: os cinematógrafos de "Atualidades", que desde 1895 informavam e distraíam. Em 1898, Oskar Messter, produtor do noticiário Messter-Woche, acompanhara Wilhelm II em viagens ao estrangeiro.

Outra atração eram as películas dos irmãos Max e Emil Skladanowsky (contemporâneos dos famosos irmãos Lumière), que exibiam cenas de férias populares e outras diversões, narradas por locutor empoleirado em um pódio dentro da sala de projeção.

O único problema dessa fase da vida (e da carreira) de Rio Branco, é que, na Legação, ele não encontrou trabalho suficiente sequer para preencher o horário do expediente. O assunto da imigração alemã para o Brasil era manejado por entidades privadas espalhadas por diferentes cidades. E o acesso aos gabinetes governamentais mostrava-se um tanto dificultoso para os representantes das chamadas "potências de segunda ordem" - como eram conhecidas as nações irrelevantes em termos militares, e de limitada presença econômica internacional (caso preciso do Brasil).

Assessorado pelo filho Raul - um rapaz alto, magro, galanteador e sem o valor intelectual do pai ou do avô - e pelo sobrinho Luís Cavalcanti, o Barão deixarse- ia enredar pela rotina morna e burocrática da Missão que liderava. Pessoa simples e afável, gostava de conversar e de boas anedotas.

A filha Amélia, nascida em Paris, cuida para que a Legação do Brasil na sede do Reich tenha uma aparência de ordem e bom acolhimento - tarefa a que já se entregara quando o grupo vivera em Berna. A pequena Hortênsia, mimada por todos, o Barão entregou aos cuidados da Baronesa de Berg.
Sem peso político
Para o diplomata enfronhado na política européia - alerta, atento aos planos expansionistas da Weltpolitik [política global] "Wilhelmínica" (para ficarmos com uma expressão bem ao gosto dos franceses) -, Berlim era um posto que poderia ser adjetivado de várias maneiras - menos como enfadonho.

A frustração de Rio Branco podia ser mais bem explicada por sua posição marginal no Corpo Diplomático da cidade, como Plenipotenciário do desconhecido Brasil. Mas havia, contudo, outras dificuldades. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o Barão - apesar de pessoa indubitavelmente inteligente e preparada - não era um Representante Diplomático na acepção da palavra. Fizera carreira como agente consular, e até mesmo desse caminho se desviara, enveredando pela pesquisa histórica, que serviria mais tarde para embasar argumentos de caráter jurídico do interesse da República brasileira. Estava mais para Consultor Jurídico especializado em Direito Internacional, do que, propriamente, para chefe de Missão - cargo no qual sua experiência, como já dissemos, era nenhuma.

Em segundo lugar, o Brasil não era um player (como o moderno Itamaraty gosta de caracterizar) da política internacional. O que a República fundada em 1889 pensava ou deixava de pensar acerca das questões europeias, pouco - quase nada - importava às Potências do Velho Continente. As decisões do Rio tinham peso, no máximo, regional, mercê das dimensões continentais do país, de seu potencial humano e das lembranças de uma Esquadra que chegara ao último decênio do século 19, numerosa.

Sem dinheiro
Um terceiro e decisivo ponto para a frustração do Barão na Alemanha era a vida regrada ao extremo, sem sobras de dinheiro, que ele levava. Isso o impedia de mover-se com mais liberdade, inclusive para a coleta de informações junto à aristocracia local e aos colegas do círculo diplomático. Em seu "História da Organização do Ministério das Relações Exteriores", Flávio Mendes de Oliveira Castro - um dos vários sucessores de Rio Branco no Consulado de Liverpool - ressalta que o novo "Regimento para as Legações da República dos Estados Unidos do Brasil", promulgado através do decreto presidencial nº 3.248, de 7 de abril de 1899 - e também conhecido como "Regimento Olyntho Magalhães" -, "não tratou de emolumentos nem de contas ou de despesas. A sua omissão nesse particular é total, com a única exceção do seu artigo 1 quando diz que o Chefe de Legação deveria manter estrita economia na compra de mobiliário, Selos de Armas e arquivos para a instalação da Legação, tendo em vista a decência que cumpria manter e a economia que deveria regular todos os gastos autorizados".

O mais provável é que Magalhães - ele próprio um ex-Plenipotenciário na Europa - tenha se omitido, por saber da necessidade que um chefe de Missão tinha, de, à época, manter-se - e manter sua Legação - em evidência no sofisticado e complicado ambiente europeu. Aparecer bem era meio caminho para inteirar-se das novidades, recolher a boa informação. Retrair era condenar a si próprio - e ao governo representado - ao isolamento e à ignorância.

Contudo, nesse particular, a diplomacia brasileira preferiu aferrar-se ao anacronismo dos tempos do Império, e dos mandamentos do antigo Regimento das Legações Imperiais, que prescrevia: "A regência em Nome do Imperador mui eficazmente Recomenda, e Espera dos Chefes das Legações Imperiais a mais restrita economia nas despesas extraordinárias, que poderão fazer por conta do Tesouro Público Nacional; Declarando-lhes porém que não é de sua Intenção inibi-las de fazer aquelas que forem indispensáveis para que não sofram detrimento nem Dignidade nem o Serviço do Estado, pois Ela unicamente Deseja, que se evitem despesas arbitrárias, que se não acharem previamente autorizadas pela Secretaria de Estado, ou devidamente justificadas pela sua extraordinária urgência".

E Oliveira e Castro ainda lembra: "também não ficaram previstas (no novo Regimento de 1889) as possibilidades dos Chefes de Legação, por iniciativa própria, despacharem expressos (correios diplomáticos) ou de realizarem conferências com outros Ministros brasileiros sobre algum negócio de máximo interesse, que ocorra, e necessite imediata solução".

Sem a ajuda do genro
Ainda em 1901, o Ministro do Brasil no Reich viveu breve momento de emoção, ao casar a bela Amélia com o Barão Gustav Karl Marian von Werther - nobre empobrecido da Prússia, e ainda por cima sem apego ao trabalho, que apesar de dominar perfeitamente os maneirismos sedutores dos jovens europeus da época, almejava apenas alguma posição no serviço público berlinense.

E mesmo ciente dessa realidade, Rio Branco teve a esperança de que o enlace pudesse dar certo. Afinal, o sobrenome Von Werther tinha história na diplomacia europeia. Entre 1824 e 1837, um Von Werther - Wilhelm - chefiara a Embaixada da Prússia em Paris. Cargo que só aceitou abandonar para chefiar, por quatro anos, o próprio serviço diplomático prussiano.

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