sábado, 24 de fevereiro de 2024

O Nobel da insensatez - Revista Veja

 O Nobel da insensatez

Revista Veja | Brasil
23 de fevereiro de 2024


A obsessão do presidente pela busca de protagonismo internacional produz mais um vexame diplomático e empurra o Brasil outra vez para o lado errado da história Daniel Pereira

O PRESIDENTE Lula traçou dois grandes objetivos para o seu terceiro mandato. No plano interno, pavimentar o caminho para a sua reeleição, em 2026. No externo, tornar-se um líder global, status com que sonha desde a sua primeira passagem pelo Palácio do Planalto. Aos olhos de hoje, a segunda meta parece bem mais difícil. Para alcançá-la, o governo brasileiro tenta ser protagonista no debate sobre proteção ao meio ambiente e costurar no âmbito do G20 - grupo que reúne as dezenove maiores economias do mundo, além da União Africana e da União Europeia - uma aliança global contra a fome e a pobreza. Se der certo, o petista pode até ser laureado com o Prêmio Nobel da Paz, apostam alguns de seus principais assessores, como o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias. O problema de Lula não é o tamanho de sua ambição, mas a forma como ele faz política externa, principalmente quando abandona a tradição brasileira de mediação e conciliação, distorce fatos históricos, tem recaídas ideológicas e entoa discursos irresponsáveis como se estivesse num palanque eleitoral, arranhando a imagem e prejudicando os interesses do país.

A diplomacia é, entre outras coisas, a arte de medir bem as palavras. É justamente o que o presidente não fez, mais uma vez, ao comparar as ações do Exército de Israel em Gaza, deflagradas em resposta aos ataques terroristas do Hamas, ao extermínio de 6 milhões de judeus, durante a Segunda Guerra Mundial, pelo regime nazista de Adolf Hitler. "O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu, quando Hitler resolveu matar os judeus", disse o presidente brasileiro durante uma entrevista na Etiópia. A comparação é um despropósito completo. Feita de forma improvisada, por ignorância ou ma-fé, ela serviu de estopim para uma crise diplomática entre Brasil e Israel. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, puxou a reação, escrevendo numa rede social que as palavras de Lula eram vergonhosas e graves. "Isso banaliza o Holocausto e prejudica o povo judeu e o direito de Israel de se defender. Comparar Israel ao Holocausto nazista e a Hitler é cruzar a linha vermelha". Sob ordens de Netanyahu, o chanceler de Israel intensificou o revide, aproveitando para constranger publicamente o embaixador do Brasil no país, Frederico Meyer.

Como ocorre em casos

dessa natureza, Meyer foi convocado pelo governo de Israel a prestar esclarecimentos sobre a fala de Lula. O encontro entre ele e o chanceler israelense, Israel Katz, ocorreu num importante memorial do Holocausto. Lá, sob as lentes e os microfones da imprensa, Katz declarou o presidente brasileiro persona non grata, o que significa que ele não é bem-vindo em Israel enquanto não se retratar, e exigiu um pedido de desculpas. Tudo em hebraico, e sem a presença de um intérprete, o que pode ter impossibilitado a compreensão do que era dito pelo embaixador brasileiro. A crise estava definitivamente instalada. No Brasil, Lula, contrariado, determinou a convocação do embaixador de Israel para prestar esclarecimentos. De nada adiantou. O chanceler Katz continuou a fustigar o presidente brasileiro nas redes sociais: "Sua comparação é promíscua e delirante. Uma vergonha para o Brasil e um cuspe no rosto dos judeus brasileiros. Ainda não é tarde para aprender história e pedir desculpas". Em resposta, o ministro de Relações ExterioresMauro Vieira, declarou que as manifestações de Katz eram inaceitáveis na forma, mentirosas no conteúdo e funcionariam como uma cortina de fumaça.

Para o governo brasileiro, Netanyahu está aproveitando o caso para fugir de explicações sobre denúncias de crimes de guerra cometidos pelas forças israelenses contra civis palestinos. Pode até ser verdade, mas quem deu a deixa, como uma declaração desatinada e irresponsável, foi Lula. As recaídas ideológicas e os improvisos têm feito mal ao presidente na área internacional. Como se sabe, a esquerda brasileira e o PT nutrem simpatia pela causa palestina e defendem a existência de dois Estados independentes na região, o que é rechaçado por Israel. Até aí, tudo dentro da normalidade. A situação começa a desandar quando desce aos detalhes. Após as barbaridades perpetradas pelo Hamas em 7 de outubro, Lula resistiu quanto pode a chamar de terroristas os atos praticados pelo grupo contra civis israelenses, que incluíram assassinatos, torturas, sequestros e estupros. A duras penas, a diplomacia brasileira, um nicho de excelência no serviço público brasileiro, conseguiu convencer o presidente a fazer o que devia ser feito: chamar os terroristas pelo nome. Lula, por sinal, foge das cascas de banana que ele mesmo costuma espalhar pelo caminho ao seguir o roteiro dos diplomatas profissionais.

Dias antes de sua declaração desastrosa, o presidente divulgou uma mensagem nas redes sociais em que, fazendo jus à tradição brasileira, dizia que o ataque do Hamas era indefensável e merecia condenação veemente, mas que a reação de Israel era desproporcional, indiscriminada e inaceitável, tendo resultado na morte de cerca de 30 000 civis, incluindo mulheres e crianças. Por isso, Lula defendia um imediato cessar-fogo. Essa posição enfática, manifestada de forma ponderada, foi logo atropelada pela entrevista na Etiópia, que ainda serviu de pretexto para os radicais de sempre e os áulicos de plantão tentarem dourar a pílula do desatino retórico cometido pelo chefe. Assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim afirmou que a fala de Lula "sacudiu o mundo e desencadeou um movimento de emoções que pode ajudar a resolver uma questão que a frieza dos interesses políticos foi incapaz de solucionar", conforme relatado pela colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo. O senso de protagonismo brasileiro nesse caso não é apenas exagerado. Simplesmente não aconteceu.

Além de causar problemas no cenário externo, Lula conseguiu dar um tiro no pé na política interna, tomando para si o protagonismo da agenda negativa, que até então estava toda no colo de seu principal adversário, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Embora algumas vozes desatinadas tenham dado apoio, a exemplo da deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, que atacou Netanyahu dizendo que o israelense não tem autoridade moral nem política para apontar o dedo para ninguém, o bom senso foi a tônica no Congresso. Conhecido por seu perfil conciliador, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, cobrou de Lula, de quem é aliado, uma retratação por comparar a ação militar de Israel em Gaza ao Holocausto. "Ainda que a reação do governo de Israel (aos atos terroristas do Hamas) venha a ser considerada desproporcional, excessiva, violenta, indiscriminada, não há como estabelecer um comparativo com a perseguição sofrida pelo povo judeu no nazismo", disse o senador. O líder do governo na Casa, Jaques Wagner, um dos poucos quadros no PT com coragem para dizer o que pensa ao presidente da República, seguiu caminho parecido. Durante a sessão plenária, Wagner relatou ter dito o seguinte a Lula: "Não tiro uma palavra do que vossa excelência disse, a não ser o final, porque, na minha opinião, não se traz à baila o episódio do Holocausto para nenhuma comparação".

Desde a campanha eleitoral de 2022, Lula vem usando a política externa para fazer um contraponto a Bolsonaro, cuja gestão chegou a se gabar de ter transformado o Brasil num pária internacional. No primeiro ano de seu terceiro mandato, o petista privilegiou a agenda internacional e visitou mais de vinte países, tentando conquistar um pouco de visibilidade positiva no cenário internacional. Essa ofensiva, se bem-sucedida, pode render dividendos de imagem, acordos em diferentes áreas e ganhos financeiros. Também pode lustrar a própria imagem de Lula, que chegou a ser chamado de "o cara" por Barack Obama. Anos depois, em sua biografia, o ex-presidente americano relatou que o petista lhe causara boa impressão, mas ressaltou também que, segundo constava, tinha escrúpulos de um chefão de uma organização criminosa.

Pelo menos até 2026, a forma como o Brasil será visto no exterior dependerá de como Lula se portará em temas tão distintos como meio ambiente, combate à miséria e negociações de paz. Na quarta-feira, o presidente recebeu o chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, e ouviu dele que os americanos concordam com a solução de dois Estados independentes na região, mas rechaçam veementemente a comparação feita por Lula entre a ação de Israel em Gaza e o Holocausto. Hoje, o Brasil é um importante líder regional, com pretensão de ascender à primeira prateleira dos países protagonistas no cenário internacional. As oportunidades para ganhar relevância estão dadas. O Brasil sediará em novembro a reunião do G20, quando Lula espera sacramentar a aliança global contra a fome e a pobreza. Além disso, será palco no ano que vem da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. De olho ou não no Nobel da Paz, o presidente petista pode conseguir avanços importantes nesses dois encontros. Basta deixar a ideologia, a tentação do palanque e o improviso desrespeitoso de lado. Como bem ressaltou o ex-embaixador Marcos Azambuja, a diplomacia é feita de "palavras cuidadas", ponderadas, bem pensadas. A crise diplomática com Israel é uma prova disso.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

A Sordid Centennial: Hitler’s Trial in 1924 and Trump’s Trials Today - Peter Ross Range (The Globalist)

 

A Sordid Centennial: Hitler’s Trial in 1924 and Trump’s Trials Today

The 100th anniversary of Adolf Hitler’s 1924 trial for treason summons direct parallels to Donald Trump’s upcoming trial for insurrection.

The Globalist, February 22, 2024

https://www.theglobalist.com/adolf-hitler-donald-trump-germany-united-states-fascism-1924-beer-hall-putsch-trial-democracy/

This month marks a sordid centennial. February 26 is the 100th anniversary of Adolf Hitler’s 1924 trial for trying to overthrow a democratically elected government.

From 1924 to 2024, it almost seems as if little has changed.

While there are many reasons to wake up to the threat of Donald Trump’s authoritarian politics, the memory of Hitler’s crimes and trial should be yet another.

The Beer Hall Putsch

Hitler’s trial was for the infamous Beer Hall Putsch in Munich that left 20 men dead. It resonates so loudly today because Trump faces trial for essentially the same thing: Trying to derail a democratically elected government by inciting an insurrection that led to five deaths and countless injuries.

Trump may not be Hitler, but the parallels between the two men and their legal entanglements have become too glaring — and too alarming — to ignore.

Political soapbox

For starters, Trump, like Hitler, instinctively uses the courtroom as a political soapbox. Each man casts himself as a victim, and responds to charges by attacking his accusers.

Both men recklessly predicted mayhem if convicted, and each portrayed himself as a political savior — Hitler as a millennial “great personality,” Trump as “your retribution” along with he megalomaniac claim that “only I” can save the nation.

Strategy: Delegitimize the opponent

Finally, there is delegitimization. With his incessant denial of the 2020 election results — a classic Hitlerian Big Lie — the former U.S. President brazenly seeks to delegitimize not just his trial, but the very government that is trying him.

He even threatens future criminal charges against President Joe Biden, whom Trump has labeled “the destroyer of American democracy.”

Grisly threats

Hitler used the same nullification tactic. He denied the authority of Germany’s first democracy known as the Weimar Republic, which he called “a joke.”

The men who founded and led Germany’s nascent republic would “hang from lampposts,” Hitler raged — or, as he put it another time, their “heads would roll in the sand” once the Nazis took over.

Trump does not shy from such grisly intimations. His assertion that, if re-elected, he will be “a dictator on day one” precisely echoes a threat Hitler made while contemplating his ascent to power: “Oh, I will take merciless and frightful revenge on the first day that I can.”

In the same spirit, Trump once suggested the execution of former Joint Chiefs of Staff Chair, Gen. Mark Milley, and reportedly endorsed January 6 rioters who chanted, “Hang Mike Pence!”

Creating a national profile

For Hitler, such tactics worked in 1924. With lengthy courtroom perorations — his Munich trial lasted a month — the Nazi leader garnered national headlines that gave him, for the first time, a national profile.

The publicity won him new adherents, like a young man in the Rhineland, 400 miles away, named Joseph Goebbels, who pronounced himself “inspired” by Hitler’s courtroom antics.

Hitler was found guilty

During the trial, Hitler mounted ferocious attacks on his attackers that threw the proceedings into disarray and nearly won him acquittal.

Yet, in the end, Hitler was found guilty of treason, for which he received a laughable five-year sentence with the possibility of parole in six months. For treason, the Nazi could have received life in prison with no parole.

From the fascist’s mouth

His months behind bars became a boon to Hitler. He hardened his radical views, especially towards Jews, solidified his messianic self-image and wrote “Mein Kampf,” the venomous memoir that jumpstarted his final march to dictatorship.

Trump has said that he never read “Mein Kampf.” It is unknown if he has ever read Hitler’s speeches. But it is clear that Trump blithely takes words right out of Hitler’s mouth. These include Trump’s scurrilous recent claims that immigrants are “poisoning the blood of our country.”

Slurs and smears

This smear comes from Hitler’s very first speech after leaving prison. Before a packed crowd in the same beer hall where his coup d’état had failed, Hitler ranted that the greatest danger facing Germany was the “foreign racial poison in our bodies.”

Conjuring scenes of German girls strolling the streets of Berlin on the arms of Jewish boys, the beer hall rabble rouser accused Jews who slept with German women of “destroy[ing] our blood for eternity in a single instant.” (Hitler regarded Jews as a separate race and foreigners even though their families had often been in Germany for generations, even centuries).

Copycatting Hitler

Trump’s adoption of another vile slur — “vermin” — also comes directly from Hitler. Invoking diseased rodents and noxious parasites in political life is as low as it gets. Yet, that is where Trump went last November, calling his political opponents “thugs that live like vermin.”

To Hitler, “Jewish vermin” had wrought Germany’s defeat in World War I.

Dehumanizing the other

Sadly, the effrontery of these words is not the worst of it. It is their impact on behavior that raises them from disgusting to dangerous —and dehumanizing. As Hitler knew and Trump has learned, dehumanization couched in grievance is the enabling precondition for violence.

One hundred years ago, Hitler used the courtroom for self-promotion and his prison time for a reset, enabling his successful climb to power.

Preconditions for authoritarianism

Trump is already trying the first tactic, and has vowed to use the second — possible jail time for political advantage. His ominous predictions of chaos echo his “Will be wild!” tweets in 2020 that became self-fulfilling prophecies of violence, the classic preliminary of authoritarian rule.

In 1930s Germany, Hitler’s Brown Shirts assured the turmoil. In today’s United States, Trump’s followers — some of them — carry weapons, threaten force and murmur civil war.

Conclusion

On this squalid anniversary of Hitler’s trial, U.S. voters should take on board the chilling parallels and not shy from sharing the disturbing resemblance of today’s politics to yesterday’s horrors.

There is no law that history cannot repeat itself.




Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? 1 e 2 - Paulo Roberto de Almeida

Um primeiro artigo da série foi publicado ao início do mês. O segundo acaba de ser publicado, como informado abaixo sob n. 1547, mas um artigo ainda escrito no final do ano passado.

Transcrevo alguns trechos do segundo artigo.

1546. “Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)”, revista Crusoé (n. 301, 9/02/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/301/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido/); divulgado parcialmente no blog Diplomatizzando (9/02/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/02/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais.html ). Relação de Originais n. 4509.

 

1547. Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (2)”, revista Crusoé (n. 303, 23/02/2024, link:https://crusoe.com.br/cronica/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido-segunda-parte/). Relação de Originais n. 4510.

 

Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (2)

 

Paulo Roberto de Almeida 

 

Raymundo Faoro, em sua tese de 1958 sobre os Donos do Poder, analisou o lento desenvolvimento do patrimonialismo ibérico até as formas modernas de corporativismo dos “estamentos burocráticos” que dominam o Estado e as relações contratuais nesses países. O patrimonialismo veio sendo transformado ao longo das novas formas de organização política nos países latino-americanos, sem jamais ter sido extirpado ou reduzido nas modernas repúblicas formalmente democráticas. 

Acresce a essas características do centralismo ibérico, o fato histórico relevante da contrarreforma, um movimento regressista, obscurantista, cientificamente obstrutor do progresso científico, ou seja, reacionário no plano da liberdade de ideias e no de sua transmissão. A ausência completa de uma revolução científica e, mais importante ainda, a completa omissão dessas sociedades na questão da alfabetização de massa impactou profundamente a trajetória posterior dessas sociedades, comparativamente às nações da tradição protestante, nas quais a leitura individual da Bíblia e a escolarização generalizada conduziram a patamares mais elevados de educação formal, que é a base da produtividade do capital humano, o grande diferencial das sociedades modernas.


Em 1900, no momento em que o Brasil consolidava seu regime republicano, a taxa de matrículas na escola primária era de apenas 258 estudantes para cada 10 mil habitantes, vis-à-vis as taxas de 1.969 estudantes para os Estados Unidos e de 1.576 para a Alemanha. (...)


Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? Uma resposta simples seria representada pela inépcia das elites, todas as elites, as tradicionais, as “modernas”, as supostamente representativas dos trabalhadores e dos setores populares, os empresários, os banqueiros, os acadêmicos, os políticos, os altos funcionários públicos. Uma resposta ainda mais simples poderia ser encontrada numa realidade bem prosaica: ideias erradas, não ausência de capital, explicam o atraso do Brasil na atualidade.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 13 de novembro de 2023

 

Luiz Werneck Vianna: homenagem de um estudante que conviveu com ele - Rodrigo Estrela

Meu amigo e colega Rodrigo Estrela, acaba de me enviar um belo texto afetivo, de suas lembranças com o, e do sociólogo Luiz Werneck Vianna. Reproduzo aqui o que ele me escreveu:

Fiquei feliz com a sua menção a ele no Blog Diplomatizzando

(aqui: Luiz Jorge Werneck Vianna, obituários (enviados por Maurício David)

Conheci o Werneck eu tinha 15 anos incompletos, era um adolescente iniciando minha militância nos estertores do velho PCB. Lembro-me bem de uma palestra com ele na UERJ, em 1990, em seminário sobre o futuro do partidão, às vésperas daquele que seria seu IX Congresso. Eu era um moleque, mas jamais esqueci o que ele falara, e que me marcou profundamente: a única chance de nós (“nós”, evidentemente, significava “os comunistas”) sobrevivermos naqueles tempos, meses após a queda do Muro de Berlim, era por meio da superação política da ruptura leninista com a tradição social-democrata, aquele efeito colateral da Revolução Russa e da Primeira Guerra, e investirmos fortemente no que de melhor a política de frente ampla antifascista havia oferecido ao Ocidente, no século XX, a construção do estado de bem-estar social, com suas políticas de saúde, educação e habitação universais. 

Ouvir aquilo aos 16 anos, pouco tempo após a promulgação da Carta de 1988, seria uma espécie de passaporte para minha militância; valeria como uma orientação para a distância que – como comunista – sempre tomei do “esquerdismo” como “doença infantil”. Vindo do maior leninista brasileiro, que também era o maior dos gramscianos não ideológicos, se tornou uma lição inesquecível.   

Na cola do Werneck, e com amigos até hoje presentes, no Rio eu assisti atentamente às últimas reuniões do grupo carioca da revista Presença, que uniu em suas páginas gente como Leandro Konder, José Guilherme Merquior, e tantos outros de um tempo em que o Brasil ainda contava com muitos verdadeiros intelectuais. As reuniões eram no sebo do cartunista Ferdo – Fernando de Carvalho, também falecido, há poucos anos – em sobrado antigo, quase em ruínas, na Lapa, em cima de um Açougue. Discutíamos conjuntura em meio ao odor de mofo dos livros velhos que se misturava ao cheiro de carne crua que subia do térreo. 

Quando eu ia pra casa, no distante subúrbio de Bangu, cruzava com as meninas de vida não-tão-fácil que por ali perambulavam. Werneck foi-me grande e querido amigo e conselheiro e o primeiro intelectual que verdadeiramente admirei. Werneck era o meu Berlinguer – na falta de melhor comparação. 

Foi ele quem me aconselhou generosamente, como sempre fazia, a cursar economia na UFRJ, em lugar de direito (“afinal, foi na economia que o Marx ficou, pense bem”), me levantou a autoestima, como era de seu feitio, para que eu fizesse a prova do IRBr, em cuja aprovação eu próprio não poderia, naqueles tempos, acreditar – vindo de onde vinha. Werneck me pôs em contato com outros mestres. Por seu intermédio, conheci Conceição Tavares, que me deu o primeiro emprego, de assessor parlamentar, pelos idos de 94. No curso de economia da UFRJ tornei-me amigo, irmão, um filho-adotivo do professor Carlos Lessa, outro gigante intelectual brasileiro.

Mas, para além do pós-leninismo, herdei do Werneck convicções sobre o lugar do Brasil no Ocidente. Esse lugar meio torto e às vezes incômodo, feito de espírito ibérico e matéria americana. Esse Ocidente não-ocidentalista, mas Ocidente, de toda maneira. Com Werneck aprendi inicialmente a apaixonar-me pelas gerações de brasileiros que pensaram o Brasil, sem os preconceitos hoje tão presentes em certa militância que se diz “de esquerda”. 

Em 2005 ou 2006, não me lembro ao certo, levei o Werneck a Brasília para falar no primeiro curso para diplomatas sul-americanos, que ajudei a organizar na Secretaria-Geral do Itamaraty, na altura terceiro-secretário, sob a batuta do também inesquecível Samuel Pinheiro Guimarães, que nos deixou há menos de um mês.

Me sinto mais órfão esses dias. E mais velho também.

Rodrigo Estrela

23/022024

GZero on Russia and its war of aggression against Ukraine

 Excelent GZero!


Tomorrow, Feb. 24, marks the second anniversary of Russia’s brutal war against Ukraine — a perfect time to reflect on the most pivotal moments of the past 24 months. Check out our timeline here.

https://gzeromedia.us12.list-manage.com/track/click?u=7404e6dcdc8018f49c82e941d&id=57e38ee215&e=96ffb72608



   

By Alex Kliment, Senior Writer

How does Vladimir Putin manage to keep this up? For all the destruction he’s visited on Ukraine, his invasion has also inflicted so much damage on Russia.

There are the financial and economic costs. There’s the diplomatic isolation. There’s the exodus of hundreds of thousands of Russians who’d rather bet on a future abroad than support Putin’s war for the past at home. 

But above all, there are the dead. The Kremlin doesn’t announce casualty figures, but a running tally by the BBC and the independent Russian outlet Mediazona estimates that at least 45,000 Russian soldiers have been killed in Ukraine. 

To put that in perspective, it’s triple the number of Soviets killed in the USSR’s decade-long invasion of Afghanistan, often described as the “Kremlin’s Vietnam.” 

In fact, it surpasses the number of Soviet and Russian troops killed in the entire period between 1945 and 2022, a period that also includes the Kremlin’s ham-fisted and initially disastrous bid to suppress Chechen separatists and jihadists in the 1990s. To put it in American terms, those 45,000 dead would amount to 100,000 flag-draped caskets in the United States. 

And yet, there’s hardly been a peep from Russian society. 

To find out why, I sent a note to Lev Gudkov in Moscow. Gudkov is the academic director of the Levada Center, Russia’s last remaining independent pollster. I last saw him in person in 2018, at his messy office on Nikolskaya Street — a ritzy pedestrian boulevard — that’s just a five-minute walk from the Kremlin, which has long considered Levada a “foreign agent.” 

At 77, Lev has the weary, knowing demeanor of a man who has spent his life asking questions in a society that is increasingly wary of answering them.

The Kremlin has pressured Levada over the years but always seemed to allow it to continue its work. Even autocrats, after all, need to know what their people are comfortable saying to strangers. 

“The people don’t know how many are dead and wounded,” he told me. More than 60% of Russians get their news primarily from state-controlled TV, which will shout at you about neo-Nazis in Kyiv, perverts who run Europe, or cats thrown from Russian trains — but will not tell you about the bodybags coming home from Ukraine. 

People who do speak out about casualties are arrested, harassed or, on occasion, driven to suicide, which is what happened this week to a hawkish military blogger who suggested Russia had lost 16,000 troops in its recent campaign for a single Ukrainian town.

Another problem, to adapt a Vietnam-era protest line, is that the Russians dying in Ukraine “ain’t no Gazprom executive’s son.” 

“The funerals are held by individual families,” says Gudkov, “and its overwhelmingly conscripts from marginalized social groups who don’t have the power to mobilize.” 

A look at the casualty map bears this out. Young men in remote and relatively poor Russian provinces like Tuva or Buryatia, for example, are up to 45 times as likely to die as their counterparts in Moscow or St. Petersburg. 

All of this makes perfect sense. Russians don’t know about the casualties, face huge consequences for trying to find out, and are victim to the propaganda mill that keeps support for Putin above 80% and approval of his war not far behind. 

But blaming this sort of collective delusion simply on a Very Bad Autocrat™ is too easy. The reality is that it can happen in democracies too, and it does. 

On the eve of the second anniversary of Russia’s invasion of Ukraine, for example, I looked at a poll that showed 72% of the population approving of their government’s decision to launch a disastrous, unprovoked war. 

But it wasn’t from Russia. It was from the US, and it was taken in 2003 to gauge popular support for the invasion of Iraq. 

Say what you will about the failure of mainstream media to question the WMD narrative — and there is lots to say — but the US was, and is, a pluralistic paradise compared to today’s Russia. 

But even so, it took four whole years of debacle in Iraq for a majority of Americans to finally decidethat the invasion was a “bad decision.”

The emergence of social media in the years since has hardly helped. Nearly 20% of Americans today say pop star Taylor Swift was engaged in a Deep State psyop to sway the next election, while a third of Americans still think the last one was “stolen.” And as many as half of Hillary Clinton’svoters once believed Trump’s victory was the result of Russian tampering with vote tallies. None of the above is true. 

The point is that you don’t actually have to live under the sway of a late-stage autocrat who controls the airwaves to believe bad, stupid, or crazy things. 

A badly contaminated news environment can in some ways be as bad as a tightly controlled one. 


 

 

 
 
   

Western press coverage of Ukraine’s war has shifted. Today, there are few stories about determined, resourceful Ukrainian fighters pushing back Russian invaders and regaining lost ground. Most current coverage focuses on Ukraine’s exhaustion, its wavering Western backers, and Vladimir Putin's recent swagger.

Yes, as my friend Alex Kliment noted yesterday, Ukraine’s future is genuinely uncertain. Its material losses are far heavier than Russia’s, mainly because the war has been fought almost entirely on Ukrainian land. Damage to its trade and infrastructure shrank Ukraine’s economy by 29.1% in 2022 before the return home of some of the country’s millions of refugees brought a modest rebound last year. EU membership remains a distant dream.

Russia’s economy has notably strengthened. This country of 140 million people (Ukraine now has fewer than 40 million) has far more young men to push to the front, more industrial capacity, and far more natural resources to sell to finance the carnage. Its troops are deeply dug in to defend the 18% of Ukrainian territory they still hold.

Since invading Crimea 10 years ago on Feb. 27, 2014, and destabilizing the Donbas region a few weeks later, the Russian government has wisely kept foreign debt low, reducing the country’s vulnerability to Western sanctions. The war has boosted Russia’s economy by sending weapons production into overdrive, and despite Europe’s bold move to halt the import of Russian energy, Russia now sells more oil to energy-thirsty customers in China and India.

Finally, critics of aid for Ukraine in America and Europe are growing more politically aggressive. Fears that Donald Trump will again become president, abandon Kyiv, and perhaps yank the US from the transatlantic alliance encourage bravado from Putin and weigh heavily on European minds. 

So … is Russia winning? Let’s look at the bigger picture here.

https://gzeromedia.us12.list-manage.com/track/click?u=7404e6dcdc8018f49c82e941d&id=3c98d38c9b&e=96ffb72608 


Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...