sábado, 2 de março de 2024

Em 'Zona de Interesse', o Holocausto visto do quintal - Filme premiado - Jerônimo Teixeira Brazil Journal

 Em 'Zona de Interesse', o Holocausto visto do quintal

Jerônimo Teixeira

Brazil Journal, 24/02/2024

https://braziljournal.com/em-zona-de-interesse-o-holocausto-visto-do-quintal/

 

Rudolf e Hedwig Höss recebem amigos em casa. Em plano amplo, a cena mostra o anfitrião, de costas, em um casual terno branco, observando as crianças que brincam na piscina. Sua mulher está adiante, perto da estufa de plantas, com o filho bebê no colo. Logo acima do telhado da estufa, uma linha de fumaça branca começa a se formar, da direita para a esquerda. É mais um trem que chega, carregando prisioneiros para o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia ocupada pelos nazistas – uma usina de extermínio que produziu mais de um milhão de mortos, a maior parte deles judeus. Rudolf Höss, oficial da SS, foi seu principal comandante. Produção inglesa com elenco alemão que ganhou o Grand Prix em Cannes no ano passado e concorre a cinco Oscars, inclusive o de melhor filme, Zona de Interesse (The Zone of Interest), em cartaz nos cinemas, apresenta o genocídio dos judeus sob um ângulo raro e desconcertante. O espectador jamais verá os passageiros do trem descerem à plataforma, onde passarão pela triagem que separa os aptos a trabalhar dos velhos, crianças e doentes que vão direto para a câmara de gás. Os internos do campo quase não aparecem em cena – uma exceção é o soturno jardineiro que traz cinza dos crematórios para adubar as flores da senhora Höss. O filme oferece apenas vislumbres do que acontece do outro lado do muro com arame farpado que se vê do quintal da família Höss, constituída pelo casal e seus cinco filhos. O horror do Holocausto, no entanto, se torna mais presente e opressivo porque o filme o apresenta da perspectiva dos algozes. E não há deleite sádico nem fervor fanático no comportamento deles, apenas indiferença e o mais completo embotamento moral. Vivida pela ótima Sandra Hüller – que concorre ao Oscar por outro filme, Anatomia de uma Queda – Hedwig Höss gosta das mordomias a que tem acesso por ser mulher do comandante do campo de concentração. Vemos, por exemplo, ela experimentar o casaco de pele espoliado de uma prisioneira – e ainda usar o batom que encontra no bolso. É uma cena sem diálogo, que extrai significados tenebrosos de um gesto trivial que tantas mulheres fazem em frente ao espelho. Hedwig tem especial orgulho da confortável casa da família, com horta, jardim, piscina, piano e empregadas polonesas. Do quintal, ouvem-se ordens berradas em alemão, gritos de dor, tiros, mas nada disso incomoda os moradores. Para eles, é ruído branco, como o barulho do tráfego para quem mora em uma rua movimentada. Christian Friedel também compõe seu personagem de forma excepcional. É um pai devotado que leva a prole para passeios pela floresta e lê a história de João e Maria para a filha que sofre de sonambulismo. Ao mesmo tempo, é um diligente funcionário da indústria da morte, que discute detalhes técnicos dos fornos crematórios com os fabricantes (o forno em que a bruxa de João e Maria é queimada viva ganha uma ressonância sinistra aqui). Promovido a um cargo de supervisão na Alemanha – para revolta de sua mulher, que bate o pé para continuar ocupando sua bucólica casa em Auschwitz – ele monta um plano para transferir os judeus da Hungria para os campos. Dirigido e roteirizado pelo inglês Jonathan Glazer, o filme é livremente baseado em A Zona de Influência, excelente romance do também inglês Martin Amis, que morreu no ano passado (o título não é explicado no filme: “zona de interesse” era a área restrita ao redor do campo de concentração). No livro, porém, o comandante de Auschwitz era um personagem fictício chamado Paul Doll, e sua mulher, Hannah, tinha um caso com outro oficial da SS. Glazer dispensou o adultério. Também cortou personagens importantes como Szmul, o triste judeu polonês que faz parte dos Sonderkommando, grupos de prisioneiros forçados a colaborar com seus carrascos em tarefas degradantes, como arrancar os dentes de ouro dos mortos (no filme, porém, o filho mais velho dos Höss tem uma latinha onde guarda dentes de ouro). Reduzido a seus elementos básicos e com personagens mais próximos às figuras históricas, Zona de Interesse é uma exposição contundente da natureza do nazismo. É um filme de andamento lento, em que na aparência pouca coisa acontece, mas que abala a ilusão confortadora de que os nazistas afinal eram aberrações, pontos fora da curva na história da humanidade. Fatalmente, o filme evoca a “banalidade do mal” de que Hannah Arendt falou em Eichmann em Jerusalém. A certa altura dessa obra, a filósofa alemã fala do estado de auto-engano em que os alemães viveram durante o nazismo. Em um dos grandes momentos de Zona de Interesse, o véu do auto-engano rompe-se para uma visitante na casa dos Höss, quando ela vê as chamas do crematório erguerem-se na noite escura. É uma das poucas personagens do filme que compartilha a perturbação com que saímos do cinema.

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Lula quer todas as empresas - Carlos Alberto Sardenberg (O Globo)

Lula quer todas as empresas Carlos Alberto Sardenberg, O Globo (02/03/2024) O Estado regula a atividade econômica como um todo, não esta ou aquela empresa. Concede licenças, fiscaliza, cobra impostos Já aconteceu uma vez. Lula conseguiu derrubar um presidente da Vale, Roger Agnelli, porque ele cometera a ousadia de encomendar navios de grande porte na China. Isso foi em 2011, quando Dilma já estava no Planalto, mas Lula cultivava uma longa bronca com o executivo. Este tocava a Vale — imaginem! — como se fosse uma empresa privada. Como hoje, Lula queria uma companhia que se alinhasse com os planos do governo. Que comprasse insumos no mercado nacional, mesmo que fossem piores e mais caros, e que partisse para a produção de aço, o que desviaria recursos e energia do negócio principal, a mineração. Tem mais: o governo petista estava empenhado em mais uma tentativa de construir navios no Brasil e contava com a Vale como compradora fiel. E Agnelli adquiriu não um, mas três enormes navios em estaleiros chineses, de capacidade internacionalmente reconhecida. Se tivesse esperado pela indústria brasileira, a Vale estaria até hoje — desculpem — a ver navios. Na ocasião, Lula e Dilma apelaram para o então presidente do Bradesco, Lázaro Brandão, que indicara Agnelli. E assim caiu o executivo que, em dez anos, transformara a Vale numa multinacional, a segunda mineradora global, multiplicando o lucro por dez. A Vale estava privatizada desde 1997, mas, como se viu, ainda estava à mercê de ações oportunistas do governo de plantão. Por isso, em 2021, depois de um longo processo, os acionistas transformaram a Vale numa corporation — uma sociedade anônima genuína, sem blocos de controle. Para Lula, não mudou nada. Ele continua achando que a empresa precisa “estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro”. Não apenas a Vale, mas todas as empresas brasileiras, disse o presidente. Trata-se de uma barbaridade. As empresas se relacionam com o Estado, não com os governos. O Estado regula a atividade econômica como um todo, não esta ou aquela empresa. Concede licenças, fiscaliza, cobra impostos e royalties. Governos têm planos partidários, que mudam a cada eleição. Lula queria que a Vale fabricasse aço. Imaginem que a empresa topasse a determinação e investisse pesado nesse negócio. Aí troca o governo, e este decide que o investimento prioritário não é fabricar aço, mas produzir baterias de carros. A empresa teria de se desfazer das usinas e começar tudo de novo. Dirão: então para que serve ser governo, se não manda nada? Manda. O governo pode estimular um setor, concedendo subsídios para a indústria automobilística, mas não pode dizer às montadoras que carros devem produzir. Mais: nem pode obrigar as empresas a tomar os subsídios. Lembram a velha história? Você pode levar o cavalo até a beira do lago, mas não consegue obrigá-lo a beber água. As ações da Vale estão em queda desde o início do ano. As últimas declarações de Lula prejudicam não apenas a Vale — levando dúvidas sobre sua gestão —, mas geram desconfiança geral. A economia brasileira foi bem no ano passado, mas não nos investimentos. Se o PIB cresceu 2,9%, o investimento caiu expressivos 3% em relação a 2022, que já não tinha sido um bom ano. O consumo é PIB de hoje. O investimento é de hoje e amanhã. Como o governo está com as contas exauridas, o país necessita de investimento privado. Para isso, o governo deve oferecer um bom ambiente de negócios, de modo que as empresas se sintam confortáveis para aplicar aqui. Lula passa o recado contrário. A maioria dos acionistas da Vale está no exterior. E todos têm perspectiva desfavorável quando o presidente intervém numa companhia privada e anuncia que todas as empresas aqui instaladas têm de rezar pela sua cartilha. Sem contar que, com sua habitual desinformação, Lula passou uma série de fake news sobre a Vale. Disse, só em exemplo, que a empresa mais vende ativos do que produz minério. Errado: em 2023, a Vale produziu 321 milhões de toneladas de minério de ferro, quase 10% acima de ano anterior. Vendeu ativo, mas comprou outros.  

Mas quem se importa com fatos? 


Confusa teoria anti-ocidental - Sergio Fausto (O Estado de São Paulo)

 Confusa teoria anti-ocidental

Sergio Fausto 

O Estado de São Paulo, 2 de março de 2024

Nos últimos anos, tornou-se moda atribuir ao Ocidente grande parte dos males que acometem o mundo. A moda tem adeptos sobretudo na esquerda, mas também na extrema direita nacionalista sob influência do Kremlin. Num caso e noutro, o ataque ao Ocidente parte de ângulos opostos, mas converge para um alvo comum.

Aqui me interessa o campo da esquerda. Mal ou bem, com muitas contradições, nele se situaram forças que, desde a Revolução Francesa, impulsionaram conquistas civilizatórias da humanidade. Nele está uma nova geração de ativistas, ainda em formação, com energia para levar adiante, atualizando, o legado de gerações anteriores. Por isso, preocupa ver que ela se encanta com uma confusa ideologia antiocidental, que bateu asas a partir de uma vertente respeitável das ciências humanas: o “decolonialismo”, termo incorporado no Brasil diretamente do inglês e do francês, sem o “s” que permitiria descolonizá-lo.

Para os adeptos do “decolonialismo”, o Ocidente não seria a revolução científica, o Iluminismo, as Revoluções Americana e Francesa, a democracia e os direitos humanos, e sim o colonialismo e a escravidão que, sob novas formas, continuariam a ser os fatores principais da opressão no mundo contemporâneo. Nessa visão binária, o salto científico e tecnológico produzido na Europa a partir dos séculos 16 e 17 é visto como mero instrumento para a expansão brutal do colonialismo. Já o Iluminismo, no século seguinte, é reduzido à condição de ideologia justificadora da opressão colonial, do trabalho escravo e do racismo.

Da Revolução Francesa, os “decolonialistas” destacam seletivamente o restabelecimento da escravidão nas colônias francesas, com Napoleão, em lugar da sua abolição em 1794. A Revolução Americana, mãe das guerras de independência e parteira da primeira República no Novo Mundo, é desvalorizada em seu conjunto pela nódoa da escravidão.

O erro dessa visão é supor que um processo histórico tão complexo e longo quanto a modernidade ocidental possa ser compreendido em bloco e submetido a um juízo moral condenatório com base na ideia de que a “parte boa” nada mais é do que uma ilusão a encobrir a “parte má”, esta sim reveladora da essência opressiva da modernidade ocidental. Trata-se de uma ideia avessa à compreensão das contradições que constituem a realidade social, no passado e no presente.

É verdade – e nisso o “decolonialismo” está coberto de razão – que a Europa se serviu da ciência e da tecnologia para conquistar territórios, submeter e frequentemente escravizar populações autóctones da África, América e Ásia e da distorção das ideias iluministas para justificar o empreendimento colonial, primeiro, a expansão imperialista, depois, e teorias absurdas e abjetas de superioridade racial. Não menos verdadeiro, porém, é que os avanços científicos e tecnológicos e os novos valores da liberdade e da igualdade produzidos no Velho Continente permitiram e impulsionaram conquistas civilizacionais que beneficiaram a humanidade em seu conjunto nos séculos seguintes. E continuam a beneficiá-la.

Os mesmos valores professados de modo seletivo e praticados de maneira excludente, ao início, motivaram e orientaram grande parte das lutas emancipatórias que progressivamente expandiram a esfera dos direitos fundamentais e ampliaram a sua aplicação no transcurso posterior da história. O fato de que a generalização dos valores liberais e democráticos ainda hoje seja parcial é mais uma razão para reafirmá-los, sobretudo num momento histórico em que as forças obscurantistas e reacionárias ganham terreno em todas as partes do planeta.

Sim, Thomas Jefferson foi um senhor de escravos. Mas o Preâmbulo da Declaração da Independência dos Estados Unidos, escrito por ele, abriu um horizonte para lutas emancipatórias que se desdobram até hoje, incluídas as dos grupos (negros e mulheres, em especial) cujos direitos eram então negados. A ideia de que os seres humanos, além de iguais e livres, têm o direito à busca da felicidade (pursuit of happiness) ativou uma revolução silenciosa duradoura contra formas explícitas e implícitas de dominação e cerceamento da subjetividade. Essa concepção dos seres humanos é própria do Iluminismo, impensável fora da sua tradição.

Transformando-se em ideologia, o “decolonialismo” substitui a perspectiva crítica pertinente pela fúria moral condenatória incapaz de separar o joio do trigo. Inadvertidamente, rejuvenesce velhas ideologias anti-imperialistas e autoritárias presentes na esquerda, ao entusiasmar uma nova geração de ativistas de muito valor, mas frágil formação.

O resultado é que parte significativa da esquerda silencia diante das atrocidades cometidas pelo Hamas, hesita em condenar a Rússia na sua guerra de agressão à Ucrânia, dá de ombros diante da diferença crucial, para o mundo, entre dois homens igualmente brancos, héteros e idosos que disputarão a presidência dos Estados Unidos, apoia qualquer iniciativa feita em nome do “Sul Global” e, no Brasil, não compreende que o País é, sim, parte do Ocidente, com as suas marcas próprias e singulares.

A la recherche du temps perdu - Paulo Roberto de Almeida

 O que nos espera? Perdemos o século XXI inteiro já no seu primeiro quarto, ao não conseguirmos resolver problemas básicos da sociedade. O déficit de produtividade ligado à educação requer três gerações para apresentar resultados. O mesmo se aplica à redução da corrupção no estamento político. Portanto, só esperem melhorias no próximo século.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 2/03/2024

sexta-feira, 1 de março de 2024

Editor do principal jornal independente russo é preso em Moscou

 Editor do principal jornal independente russo é preso em Moscou

 https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2024/02/29/editor-do-principal-jornal-independente-russo-e-preso-em-moscou.htm?cmpid=copiaecola

MOSCOU, 29 FEV (ANSA) - O editor-chefe do renomado jornal independente russo Novaya Gazeta foi detido em Moscou nesta quinta-feira (29) após ter sido acusado de desacreditar as forças armadas da Rússia.

A informação foi confirmada pela própria publicação, que especifica que Serghei Sokolov foi levado por oficiais do Centro Russo de Combate ao Extremismo.

Ainda segundo o jornal, a acusação contra o editor russo está relacionada a um artigo publicado no Novaya Gazeta. Até o momento, não há informações sobre a data da audiência.

Sokolov foi oficialmente nomeado editor do Novaya Gazeta em setembro de 2023, após a demissão do vencedor do Prêmio Nobel da Paz, Dmitry Muratov, que foi considerado um "agente estrangeiro" pelas autoridades russas.

Na mesma ocasião, um tribunal de Moscou revogou a licença do jornal independente, que há anos critica o Kremlin, como parte da contínua repressão das autoridades à dissidência.

Na sequência, também foi aprovada uma legislação para proibir a depreciação dos militares russos ou a divulgação de "informações falsas" sobre as ações do país liderado por Vladimir Putin no território ucraniano. Com a medida, os jornais independentes russos foram banidos.

Cincurso para novo professor de História da América na UnB

A UnB seleciona um novo professor de História da América, cadeira na qual brilhou nosso amigo Francisco Doratioto. 



A ameaça do uso unilateral da arma nuclear agora é explícita: Putin o fez

Uma novidade na agenda internacional: violador da Carta da ONU promete escalar se sua violação for contida por países respeitadores do Direito Internacional, como é sua obrigação pelos artigos da Carta.

Desde o discurso de Putin ao povo russo, em 28/02/2024, a possibilidade do uso unilateral de arma atômica foi aberta de forma inédita na trajetória da humanidade.

Pela primeira vez na história um invasor de um país soberano ameaça os aliados do país invadido de catástrofe nuclear unilateral se forem em socorro da parte agredida. O invasor dotado de poderio nuclear deseja total impunidade para violar o Direito Internacional em sua agressão ao país desnuclearizado. 

O Brasil considera isso justo, razoável, legítimo? A diplomacia brasileira, que prega a abolição das armas nucleares, não pretende protestar contra esse absurdo?

O Itamaraty, que solta notas sobre quaisquer assuntos relevantes nas relações internacionais, pretende ficar completamente silente em face dessa declaração formal de uso possível, até provável, de arma atômica?

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 1/03/2024

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Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...