domingo, 3 de março de 2024

Um blog imperdível: Carmenlicia.blog - cultura, história, civilizações, viagens...

Carmenlicia.org 

Blog

Arabismos na arte italiana

ARABISMOS NA ARTE ITALIANA (Texto que será capítulo de um livro coletivo. Atualmente no site https://neoarabe.hcommons.org/) Carmen Lícia Palazzo. O intercâmbio comercial entre o Oriente e a Itália, durante um largo período no qual eram intensas as atividades do que depois ficou conhecido como Rota da Seda, não apenas foi intenso mas também se revestiu…

Alexandra David-Néel: itinerários e escritos de uma orientalista.

Carmen Lícia Palazzo Alexandra David-Néel, escritora e orientalista francesa nasceu em Saint-Mandé, nas proximidades de Paris, em 1868. Passou muitos anos percorrendo a Ásia e publicou uma vasta obra da qual constam relatos de viagens, reflexões sobre o pensamento oriental e romances ambientados na sociedade tibetana. Contribuiu para a divulgação do Oriente na Europa através…

Relatos e imagens dos jesuítas-mandarins (séculos XVI ao XVIII)

Carmen Lícia Palazzo. (Doutora em História pela Universidade de Brasília, UnB. Especialista em Relatos de Viajantes, encontros entre culturas, imagens ocidentais do Oriente e Rota da Seda. Ministra módulos sobre China e Rota da Seda em pós-graduação lato sensu do UniCeub, Brasília. Foi pesquisadora visitante na Georgetown University, Washington, D.C. É autora de Entre mitos,…

China: uma breve síntese histórica.

Carmen Lícia Palazzo Resumo da História da China para o entendimento de comportamentos na longa duração. Escrevi este texto para dar início a diversos debates em uma palestra sobre a China. Para analisar a China contemporânea é importante observar o que nós, historiadores, denominamos de mentalidades na longa duração. A modernidade na China não deve…

Wuxi: uma cidade com muita História.

Nos guias turísticos que sempre consultei para organizar nossas viagens através da China, durante os quase oito meses em que o Paulo Roberto e eu moramos naquele país, além dos livros descritivos das cidades chinesas e páginas da internet, sempre achei poucas referências a Wuxi, a ponto de ter pensado bastante antes de incluir a…

DE MATTEO RICCI À MISSÃO FRANCESA: O ENCONTRO ENTRE OS JESUÍTAS EUROPEUS E O IMPÉRIO DO MEIO (SÉCULOS XVI a XVIII)

Artigo meu sobre os Jesuítas na China. DE MATTEO RICCI À MISSÃO FRANCESA: O ENCONTRO ENTRE OS JESUÍTAS EUROPEUS E O IMPÉRIO DO MEIO (SÉCULOS XVI a XVIII) Carmen Lícia Palazzo Introdução O presente texto é uma apresentação resumida de nossa pesquisa mais ampla sobre o encontro cultural entre jesuítas europeus com os chineses, em…

A arte GANDHARA

GANDHARA: UM ENCONTRO DE CULTURAS Carmen Lícia Palazzo. Na região dos atuais Afeganistão e Paquistão foram descobertos os testemunhos materiais dos mais antigos e bem-sucedidos encontros entre a arte do Ocidente e a do Oriente — as chamadas esculturas de Gandhara. Por Gandhara entende-se uma antiga província na Ásia Central que, no século IV a.C.,…


Follow My Blog

Get new content delivered directly to your inbox.


O dever fundamental de pagar impostos, de Casalta Nabais - Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (Conjur)

Mais um Embargo Cultural de Arnaldo Godoy, chagando, se já não alcançou, seu 500o. embargo, sempre falando de livros e da cultura em geral.

 

O dever fundamental de pagar impostos, de Casalta Nabais

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Conjur, 3/03/2024

https://www.conjur.com.br/2024-mar-03/o-dever-fundamental-de-pagar-impostos-de-casalta-nabais/

 

Já se vão alguns anos, eu estava no Recife, participando de um Congresso de Direito Tributário, então muito tradicional. Mary Elbe Queroz e Heleno Taveira Torres estavam à frente do evento. A palestra de Heleno foi memorável. No elevador, encontrei-me com um autor português, jurista convidado, que eu já admirava, que já havia lido, e cuja obra apreciava. Era José Casalta Nabais, professor em Coimbra. Não podia perder a oportunidade de ouvi-lo. Puxei conversa. Fiz referência ao sucesso que sua tese de doutoramento fazia entre nós. Muito espontaneamente, ele me respondeu que o título do livro era mal-entendido[1]. Fiquei intrigado.

O título, segundo Nabais, não se resumia em “O dever fundamental de pagar impostos”. Segundo o autor, o livro deveria ser recepcionado como “O dever fundamental de pagar impostos, de acordo com a lei”. Ele enfatizou a vírgula, pronunciando em voz alta o sinal de pontuação, gesticulando. Certamente, o dever de pagar impostos é um dever, fundamental, o que não significa que o Estado possa cobrar impostos como bem entenda. Há limites. E é justamente esse o tema central desse texto canônico da literatura jurídico-tributária de expressão portuguesa.

Trata-se de um livro escrito com profunda erudição, redigido como tese definitiva. Nabais enfrentava o tema da tributação sobre a ótica de “deveres fundamentais”. Essa opção metodológica representava uma virada de chave na literatura do direito público, então empolgada com “direitos fundamentais”. Só se falava de direitos. Não se falava de deveres. Nabais mudou a perspectiva.

Na parte I há capítulo que cuida de um efetivo regime dos deveres fundamentais. O autor tratava de um regime geral, de sua aparente inaplicabilidade direta, de seu significado normativo, bem como das relações entre os deveres fundamentais e o legislador, a par da revisão constitucional, em face dos deveres fundamentais, que é o núcleo conceitual do livro.

De fato, segundo Nabais, “o tratamento constitucional e dogmático dos deveres fundamentais tem sido descurado nas democracias contemporâneas”. O autor chamava a atenção para o fato (indiscutível) de que a agenda dos direitos fundamentais contava com uma sólida construção dogmática, o que não se podia afirmar em relação aos deveres fundamentais. Nabais rejeitava “os extremismos de um liberalismo que só reconhece direitos e esquece a reponsabilidade comunitária dos indivíduos”. O tema é de permanente atualidade.

Nabais discutia os fundamentos da tributação. O Direito Tributário é o ramo do Direito Público que se ocupa da arrecadação de recursos com os quais o Estado atende suas despesas. Trata-se de conjunto sistematizado de regras e princípios que orienta a atividade financeira do Estado, com fortes reflexos na organização da economia e da vida dos cidadãos.

John Marshall, juiz da Suprema Corte norte-americana, afirmou, em julgado célebre (de 1819) que o poder de tributar envolvia, necessariamente, o poder de destruir. Por outro lado, Oliver Wendell Holmes Jr., também juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, afirmava (em 1927) que o pagamento de tributos o tornava feliz, porque era o preço que pagava pela vida civilizada. Não sei. Tenho dúvidas. Essa tensão, que opõe a organização da vida privada à necessidade de recursos, por parte do Estado, é um dos pontos centrais da discussão que Nabais apresentava.

O Direito Tributário tem como objeto central a construção conceitual das várias modalidades tributárias, bem como os arranjos institucionais que organizam as exigências fiscais. Radica no Direito Constitucional, de onde colhe seus princípios norteadores e suas linhas gerais. As normas de direito tributário são de natureza cogente. O Direito Tributário cuida da instituição, da arrecadação e da fiscalização das várias espécies tributárias. A justificação da tributação e a discussão acerca da justiça tributária é assunto para a Ciência das Finanças. Esses postulados são incontornáveis.

A tributação é assunto constante na história dos povos. Ainda que não se possa afirmar que houve um modelo tributário racionalmente organizado no passado, há evidências de que civilizações que nos antecederam se preocuparam seriamente com o problema da tributação.

Quais são os fundamentos da tributação nas sociedades contemporâneas? Em que extensão se revelam como obrigações (deveres) sem as quais não se podem fruir direitos? Nabais propõe que há uma categoria jurídico-constitucional própria para os deveres fundamentais, que integram, por uma razão muito mais do que óbvia, os direitos, também fundamentais. É que esses (direitos) não se realizam sem aqueles (deveres).

Para Nabais, deveres fundamentais também qualificam a soberania do Estado, que radica na dignidade da pessoa humana. Os deveres fundamentais submetem-se “ao princípio da tipicidade ou da lista constitucional”, revelando-se (na prática) na esfera de seus destinatários. Mencionados deveres fundamentais, prosseguia o Professor, contam com uma estrutura externa (que radica em várias relações jurídicas) e com uma estrutura interna (que é seu próprio conteúdo).

Os deveres fundamentais, continua Nabais em seu livro, são diretamente ligados à realização de valores que a comunidade escolheu, e que de alguma forma se encontram constitucionalizados. No caso de Portugal, os deveres fundamentais também se destinam a estrangeiros e a apátridas, premissa que também vale para a realidade empírica brasileira. Os deveres fundamentais afetam também as pessoas jurídicas, que Nabais nomina de pessoas coletivas.

O que chama a atenção é que Nabais vincula os deveres fundamentais aos direitos fundamentais, no sentido de que ambas as expressões qualificam o estatuto constitucional dos indivíduos. Intui-se, assim, que não há como se usufruir de direitos fundamentais sem que se tenha a necessária concretude para tal. Isto é, os direitos somente podem ser usufruídos se há financiamento.

Pode-se perceber, nessa linha, alguma semelhança com o pensamento de Stephen Holmes e Cass Sunstein, em livro que vincula a tributação ao exercício de direitos. O argumento central do livro “Os Custos dos Direitos- Por que a liberdade depende da tributação “consiste na afirmação de que direitos custam dinheiro; é que direitos não podem ser protegidos sem apoio e fundos públicos.

Holmes e Sunstein tratam dos custos enquanto custos orçamentários e de direitos como interesses que podem ser protegidos por indivíduos ou grupos mediante o uso de instrumentos governamentais. Direitos somente existiriam quando efetivamente passíveis de proteção. E a proteção se faz com recursos que o Estado obtém da sociedade. Para simplificar: tem-se na realidade uma justificativa para a tributação, que se reconheceria como legítima.

A lógica de Nabais aproxima-se da lógica dos autores norte-americanos acima citados, com a diferença de que o autor português se preocupa com os limites da extração fiscal, que devem ser fixados em lei. Vale dizer, se os direitos fundamentais contam com um delineamento constitucional objetivo, o outro lado da relação, os deveres fundamentais, de igual modo, escora-se com igual razão na lei. Não há como se fixar um dever fundamental de pagamento de impostos sem que se operacionalize essa obrigação dentro dos exatos limites da lei.

Há um dever fundamental de se pagar impostos, como condição de exercício de direitos fundamentais na vida social. Estes dependem daquele. O que os equipara – direitos e deveres – é a fixação normativa, de índole constitucional. O dever de pagar impostos é um dever fundamental, cujo exercício (mandatório) é limitado pela lei. É essa, na minha compreensão, o “lead” do livro de Casalta Nabais, um clássico, publicado pela Almedina.

[1] Dedico essa resenha, em forma de ensaio, aos colegas Paulo Caliendo, Luis Alberto Reichelt e Édison Porto, com quem participei na banca de mestrado de Edimilson Cardias Rosa, também grande colega, autor de belíssima tese sobre economia comportamental e recolhimento de tributos, ocasião em que a contribuição de Nabais foi realçada.

 

 

 

Livro: Métodos da Historiografia do Direito contemporânea: olhares cruzados entre a Bélgica e o Brasil - Georges Martin, Arno Dal Ri Júnior

Um compêndio excepcional para os estudiosos do Direito, uma obra única no seu gênero, pelo menos no Brasil, graças ao trabalho primoroso do grande scholar do Direito. prof. Arno Dal Ri, e do seu colega belga Georges Martin.



Sumário da obra: 




 




sábado, 2 de março de 2024

Embaixador Carlos Henrique Cardim visita sede da ABI-Bahia, para falar sobre Rui Barbosa (ABI-Bahia)

Embaixador Carlos Henrique Cardim visita sede da ABI

Biógrafo de Ruy Barbosa, o diplomata vai participar da pré-estreia do filme A Voz de Ruy, na próxima segunda (4)

Associação Baiana de Imprensa, 1 de março de 2024


https://abi-bahia.org.br/embaixador-carlos-henrique-cardim-visita-sede-da-abi/

 

Nos 101 anos da morte de Ruy Barbosa, a Associação Bahiana de Imprensa recebeu em sua sede, nesta sexta-feira (1º de março), o diplomata e professor Carlos Henrique Cardim, autor da biografia “A raiz das coisas – Rui Barbosa: o Brasil no mundo”. O embaixador é uma das personalidades presentes no filme A Voz de Ruy, cujo lançamento exclusivo para convidados acontece na próxima segunda-feira (4), no Cine Glauber Rocha, em Salvador.


Conduzido pelo jornalista Ernesto Marques, presidente da ABI, e pelo diretor de Cultura da instituição, Nelson Cadena, o tour no Edifício Ranulfo Oliveira foi acompanhado por outros diretores, como o 1º vice-presidente Luís Guilherme Pontes Tavares, a 2ª vice-presidente Suely Temporal, a 1ª secretária Amália Casal e o conselheiro consultivo Joaci Góes, que também ocupa a presidência do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB).

O professor Cardim recebeu do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA), Inaldo Araújo, publicações produzidas pelo Tribunal no âmbito do centenário de morte de Ruy, no ano passado.

Ao lado da advogada Rosa Maria Brochado, sua esposa e companheira nas aventuras das últimas três décadas, o embaixador traçou um breve panorama da história da diplomacia brasileira, fez um esboço sobre o papel de Ruy Barbosa no quadro político do país, desde o início da República, que marcou a entrada do Brasil na política mundial e definiu seu lugar na Primeira Guerra Mundial, sua relação com o Barão do Rio Branco e outras histórias. “Ruy legou ao Brasil uma herança que interferiu diretamente nas relações internacionais até hoje”, pontuou o sociólogo.⁠

“A principal característica dele era a coragem. O Brasil tinha muita gente culta, de memória. Agora, coragem não é para qualquer um”, analisou Cardim.


Uma rica descrição da personalidade de Ruy – e sua importância – pode ser conferida nas páginas de A raiz das coisas, publicado originalmente em 2007 e que ganhou nova edição revisada e ampliada. A obra organiza o legado ruiano em matéria de relações internacionais, consolidando referências e produzindo um roteiro da documentação e bibliografia sobre o “Águia de Haia”. A publicação estará disponível já a partir da próxima semana, na Livraria Escariz do Shopping Barra (L2 Central).

“Cardim é um amigo que Ruy Barbosa nos deu. Eu havia ficado muito impressionado com o livro e para minha surpresa nos conhecemos na Fundação Casa de Rui. Ele prolongou sua estadia no Rio para conversarmos sobre a Casa da Palavra Ruy Barbosa, porque está muito entusiasmado com o projeto”, contou Ernesto Marques. O filme e a peleja pela reabertura do museu têm promovido bons encontros. Tem sido uma experiência enriquecedora.”

Carlos Cardim concluiu, em 1975, o curso de Sociologia e Política pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Tornou-se doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo em 1994. É professor da Universidade de Brasília, sendo fundador do Departamento de Relações Internacionais e Ciência Política, ex-presidente do Conselho Editorial da Editora da UnB (1978-1983).

Ingressou na carreira de diplomata após ter concluído o curso de preparação do Instituto Rio Branco em 1976. Ascendeu a Conselheiro em 1994. É embaixador (MRE) e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).


A Voz de Ruy

O filme A Voz de Ruy tem o patrocínio do Governo do Estado da Bahia, via Secretarias da Cultura e da Fazenda, através do Programa Estadual de Incentivo ao Patrocínio Cultural- Fazcultura e ACELENÉ uma produção da DPE Entretenimento e Giros Filmes, com apoio da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), uma das instituições dedicadas a preservar a memória de Ruy no estado, por meio da Casa da Palavra Ruy Barbosa e seus acervos raros.

O evento de lançamento tem o apoio do Instituto Rui Barbosa-IRB, Caixa de Assistência dos Advogados da Bahia-CAAB, OAB/BA e Sebrae.

Com direção de Fernanda Miranda e Pedro Sprejer e direção geral de Belisário Franca, o longa exibe cenas históricas e bastidores da vida do baiano, na sua trajetória como jornalista, político, jurista, diplomata, na Bahia, no Rio de Janeiro e no exterior, através de depoimentos de especialistas na vida e obra de Ruy, ilustrados com imagens da Cinemateca Brasileira, Fundação Casa de Rui Barbosa, acervo do documentarista Isaac Rozemberg e fotos e documentos da Fundação Casa de Rui Barbosa, ABI, Biblioteca Nacional e Arquivo Nacional.

“A minha expectativa é de termos uma noite muito rica. Vamos reunir pessoas da política, da imprensa, do audiovisual, pessoas que têm apreço pela história e por memória”, destacou o presidente da ABI. “Para nós, é uma satisfação dar uma pequena contribuição para conhecermos mais o personagem e o que ele fez mais de cem anos atrás”, concluiu o dirigente.

 

Em 'Zona de Interesse', o Holocausto visto do quintal - Filme premiado - Jerônimo Teixeira Brazil Journal

 Em 'Zona de Interesse', o Holocausto visto do quintal

Jerônimo Teixeira

Brazil Journal, 24/02/2024

https://braziljournal.com/em-zona-de-interesse-o-holocausto-visto-do-quintal/

 

Rudolf e Hedwig Höss recebem amigos em casa. Em plano amplo, a cena mostra o anfitrião, de costas, em um casual terno branco, observando as crianças que brincam na piscina. Sua mulher está adiante, perto da estufa de plantas, com o filho bebê no colo. Logo acima do telhado da estufa, uma linha de fumaça branca começa a se formar, da direita para a esquerda. É mais um trem que chega, carregando prisioneiros para o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia ocupada pelos nazistas – uma usina de extermínio que produziu mais de um milhão de mortos, a maior parte deles judeus. Rudolf Höss, oficial da SS, foi seu principal comandante. Produção inglesa com elenco alemão que ganhou o Grand Prix em Cannes no ano passado e concorre a cinco Oscars, inclusive o de melhor filme, Zona de Interesse (The Zone of Interest), em cartaz nos cinemas, apresenta o genocídio dos judeus sob um ângulo raro e desconcertante. O espectador jamais verá os passageiros do trem descerem à plataforma, onde passarão pela triagem que separa os aptos a trabalhar dos velhos, crianças e doentes que vão direto para a câmara de gás. Os internos do campo quase não aparecem em cena – uma exceção é o soturno jardineiro que traz cinza dos crematórios para adubar as flores da senhora Höss. O filme oferece apenas vislumbres do que acontece do outro lado do muro com arame farpado que se vê do quintal da família Höss, constituída pelo casal e seus cinco filhos. O horror do Holocausto, no entanto, se torna mais presente e opressivo porque o filme o apresenta da perspectiva dos algozes. E não há deleite sádico nem fervor fanático no comportamento deles, apenas indiferença e o mais completo embotamento moral. Vivida pela ótima Sandra Hüller – que concorre ao Oscar por outro filme, Anatomia de uma Queda – Hedwig Höss gosta das mordomias a que tem acesso por ser mulher do comandante do campo de concentração. Vemos, por exemplo, ela experimentar o casaco de pele espoliado de uma prisioneira – e ainda usar o batom que encontra no bolso. É uma cena sem diálogo, que extrai significados tenebrosos de um gesto trivial que tantas mulheres fazem em frente ao espelho. Hedwig tem especial orgulho da confortável casa da família, com horta, jardim, piscina, piano e empregadas polonesas. Do quintal, ouvem-se ordens berradas em alemão, gritos de dor, tiros, mas nada disso incomoda os moradores. Para eles, é ruído branco, como o barulho do tráfego para quem mora em uma rua movimentada. Christian Friedel também compõe seu personagem de forma excepcional. É um pai devotado que leva a prole para passeios pela floresta e lê a história de João e Maria para a filha que sofre de sonambulismo. Ao mesmo tempo, é um diligente funcionário da indústria da morte, que discute detalhes técnicos dos fornos crematórios com os fabricantes (o forno em que a bruxa de João e Maria é queimada viva ganha uma ressonância sinistra aqui). Promovido a um cargo de supervisão na Alemanha – para revolta de sua mulher, que bate o pé para continuar ocupando sua bucólica casa em Auschwitz – ele monta um plano para transferir os judeus da Hungria para os campos. Dirigido e roteirizado pelo inglês Jonathan Glazer, o filme é livremente baseado em A Zona de Influência, excelente romance do também inglês Martin Amis, que morreu no ano passado (o título não é explicado no filme: “zona de interesse” era a área restrita ao redor do campo de concentração). No livro, porém, o comandante de Auschwitz era um personagem fictício chamado Paul Doll, e sua mulher, Hannah, tinha um caso com outro oficial da SS. Glazer dispensou o adultério. Também cortou personagens importantes como Szmul, o triste judeu polonês que faz parte dos Sonderkommando, grupos de prisioneiros forçados a colaborar com seus carrascos em tarefas degradantes, como arrancar os dentes de ouro dos mortos (no filme, porém, o filho mais velho dos Höss tem uma latinha onde guarda dentes de ouro). Reduzido a seus elementos básicos e com personagens mais próximos às figuras históricas, Zona de Interesse é uma exposição contundente da natureza do nazismo. É um filme de andamento lento, em que na aparência pouca coisa acontece, mas que abala a ilusão confortadora de que os nazistas afinal eram aberrações, pontos fora da curva na história da humanidade. Fatalmente, o filme evoca a “banalidade do mal” de que Hannah Arendt falou em Eichmann em Jerusalém. A certa altura dessa obra, a filósofa alemã fala do estado de auto-engano em que os alemães viveram durante o nazismo. Em um dos grandes momentos de Zona de Interesse, o véu do auto-engano rompe-se para uma visitante na casa dos Höss, quando ela vê as chamas do crematório erguerem-se na noite escura. É uma das poucas personagens do filme que compartilha a perturbação com que saímos do cinema.

Leia mais em https://braziljournal.com/em-zona-de-interesse-o-holocausto-visto-do-quintal/ .

 


Lula quer todas as empresas - Carlos Alberto Sardenberg (O Globo)

Lula quer todas as empresas Carlos Alberto Sardenberg, O Globo (02/03/2024) O Estado regula a atividade econômica como um todo, não esta ou aquela empresa. Concede licenças, fiscaliza, cobra impostos Já aconteceu uma vez. Lula conseguiu derrubar um presidente da Vale, Roger Agnelli, porque ele cometera a ousadia de encomendar navios de grande porte na China. Isso foi em 2011, quando Dilma já estava no Planalto, mas Lula cultivava uma longa bronca com o executivo. Este tocava a Vale — imaginem! — como se fosse uma empresa privada. Como hoje, Lula queria uma companhia que se alinhasse com os planos do governo. Que comprasse insumos no mercado nacional, mesmo que fossem piores e mais caros, e que partisse para a produção de aço, o que desviaria recursos e energia do negócio principal, a mineração. Tem mais: o governo petista estava empenhado em mais uma tentativa de construir navios no Brasil e contava com a Vale como compradora fiel. E Agnelli adquiriu não um, mas três enormes navios em estaleiros chineses, de capacidade internacionalmente reconhecida. Se tivesse esperado pela indústria brasileira, a Vale estaria até hoje — desculpem — a ver navios. Na ocasião, Lula e Dilma apelaram para o então presidente do Bradesco, Lázaro Brandão, que indicara Agnelli. E assim caiu o executivo que, em dez anos, transformara a Vale numa multinacional, a segunda mineradora global, multiplicando o lucro por dez. A Vale estava privatizada desde 1997, mas, como se viu, ainda estava à mercê de ações oportunistas do governo de plantão. Por isso, em 2021, depois de um longo processo, os acionistas transformaram a Vale numa corporation — uma sociedade anônima genuína, sem blocos de controle. Para Lula, não mudou nada. Ele continua achando que a empresa precisa “estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro”. Não apenas a Vale, mas todas as empresas brasileiras, disse o presidente. Trata-se de uma barbaridade. As empresas se relacionam com o Estado, não com os governos. O Estado regula a atividade econômica como um todo, não esta ou aquela empresa. Concede licenças, fiscaliza, cobra impostos e royalties. Governos têm planos partidários, que mudam a cada eleição. Lula queria que a Vale fabricasse aço. Imaginem que a empresa topasse a determinação e investisse pesado nesse negócio. Aí troca o governo, e este decide que o investimento prioritário não é fabricar aço, mas produzir baterias de carros. A empresa teria de se desfazer das usinas e começar tudo de novo. Dirão: então para que serve ser governo, se não manda nada? Manda. O governo pode estimular um setor, concedendo subsídios para a indústria automobilística, mas não pode dizer às montadoras que carros devem produzir. Mais: nem pode obrigar as empresas a tomar os subsídios. Lembram a velha história? Você pode levar o cavalo até a beira do lago, mas não consegue obrigá-lo a beber água. As ações da Vale estão em queda desde o início do ano. As últimas declarações de Lula prejudicam não apenas a Vale — levando dúvidas sobre sua gestão —, mas geram desconfiança geral. A economia brasileira foi bem no ano passado, mas não nos investimentos. Se o PIB cresceu 2,9%, o investimento caiu expressivos 3% em relação a 2022, que já não tinha sido um bom ano. O consumo é PIB de hoje. O investimento é de hoje e amanhã. Como o governo está com as contas exauridas, o país necessita de investimento privado. Para isso, o governo deve oferecer um bom ambiente de negócios, de modo que as empresas se sintam confortáveis para aplicar aqui. Lula passa o recado contrário. A maioria dos acionistas da Vale está no exterior. E todos têm perspectiva desfavorável quando o presidente intervém numa companhia privada e anuncia que todas as empresas aqui instaladas têm de rezar pela sua cartilha. Sem contar que, com sua habitual desinformação, Lula passou uma série de fake news sobre a Vale. Disse, só em exemplo, que a empresa mais vende ativos do que produz minério. Errado: em 2023, a Vale produziu 321 milhões de toneladas de minério de ferro, quase 10% acima de ano anterior. Vendeu ativo, mas comprou outros.  

Mas quem se importa com fatos? 


Confusa teoria anti-ocidental - Sergio Fausto (O Estado de São Paulo)

 Confusa teoria anti-ocidental

Sergio Fausto 

O Estado de São Paulo, 2 de março de 2024

Nos últimos anos, tornou-se moda atribuir ao Ocidente grande parte dos males que acometem o mundo. A moda tem adeptos sobretudo na esquerda, mas também na extrema direita nacionalista sob influência do Kremlin. Num caso e noutro, o ataque ao Ocidente parte de ângulos opostos, mas converge para um alvo comum.

Aqui me interessa o campo da esquerda. Mal ou bem, com muitas contradições, nele se situaram forças que, desde a Revolução Francesa, impulsionaram conquistas civilizatórias da humanidade. Nele está uma nova geração de ativistas, ainda em formação, com energia para levar adiante, atualizando, o legado de gerações anteriores. Por isso, preocupa ver que ela se encanta com uma confusa ideologia antiocidental, que bateu asas a partir de uma vertente respeitável das ciências humanas: o “decolonialismo”, termo incorporado no Brasil diretamente do inglês e do francês, sem o “s” que permitiria descolonizá-lo.

Para os adeptos do “decolonialismo”, o Ocidente não seria a revolução científica, o Iluminismo, as Revoluções Americana e Francesa, a democracia e os direitos humanos, e sim o colonialismo e a escravidão que, sob novas formas, continuariam a ser os fatores principais da opressão no mundo contemporâneo. Nessa visão binária, o salto científico e tecnológico produzido na Europa a partir dos séculos 16 e 17 é visto como mero instrumento para a expansão brutal do colonialismo. Já o Iluminismo, no século seguinte, é reduzido à condição de ideologia justificadora da opressão colonial, do trabalho escravo e do racismo.

Da Revolução Francesa, os “decolonialistas” destacam seletivamente o restabelecimento da escravidão nas colônias francesas, com Napoleão, em lugar da sua abolição em 1794. A Revolução Americana, mãe das guerras de independência e parteira da primeira República no Novo Mundo, é desvalorizada em seu conjunto pela nódoa da escravidão.

O erro dessa visão é supor que um processo histórico tão complexo e longo quanto a modernidade ocidental possa ser compreendido em bloco e submetido a um juízo moral condenatório com base na ideia de que a “parte boa” nada mais é do que uma ilusão a encobrir a “parte má”, esta sim reveladora da essência opressiva da modernidade ocidental. Trata-se de uma ideia avessa à compreensão das contradições que constituem a realidade social, no passado e no presente.

É verdade – e nisso o “decolonialismo” está coberto de razão – que a Europa se serviu da ciência e da tecnologia para conquistar territórios, submeter e frequentemente escravizar populações autóctones da África, América e Ásia e da distorção das ideias iluministas para justificar o empreendimento colonial, primeiro, a expansão imperialista, depois, e teorias absurdas e abjetas de superioridade racial. Não menos verdadeiro, porém, é que os avanços científicos e tecnológicos e os novos valores da liberdade e da igualdade produzidos no Velho Continente permitiram e impulsionaram conquistas civilizacionais que beneficiaram a humanidade em seu conjunto nos séculos seguintes. E continuam a beneficiá-la.

Os mesmos valores professados de modo seletivo e praticados de maneira excludente, ao início, motivaram e orientaram grande parte das lutas emancipatórias que progressivamente expandiram a esfera dos direitos fundamentais e ampliaram a sua aplicação no transcurso posterior da história. O fato de que a generalização dos valores liberais e democráticos ainda hoje seja parcial é mais uma razão para reafirmá-los, sobretudo num momento histórico em que as forças obscurantistas e reacionárias ganham terreno em todas as partes do planeta.

Sim, Thomas Jefferson foi um senhor de escravos. Mas o Preâmbulo da Declaração da Independência dos Estados Unidos, escrito por ele, abriu um horizonte para lutas emancipatórias que se desdobram até hoje, incluídas as dos grupos (negros e mulheres, em especial) cujos direitos eram então negados. A ideia de que os seres humanos, além de iguais e livres, têm o direito à busca da felicidade (pursuit of happiness) ativou uma revolução silenciosa duradoura contra formas explícitas e implícitas de dominação e cerceamento da subjetividade. Essa concepção dos seres humanos é própria do Iluminismo, impensável fora da sua tradição.

Transformando-se em ideologia, o “decolonialismo” substitui a perspectiva crítica pertinente pela fúria moral condenatória incapaz de separar o joio do trigo. Inadvertidamente, rejuvenesce velhas ideologias anti-imperialistas e autoritárias presentes na esquerda, ao entusiasmar uma nova geração de ativistas de muito valor, mas frágil formação.

O resultado é que parte significativa da esquerda silencia diante das atrocidades cometidas pelo Hamas, hesita em condenar a Rússia na sua guerra de agressão à Ucrânia, dá de ombros diante da diferença crucial, para o mundo, entre dois homens igualmente brancos, héteros e idosos que disputarão a presidência dos Estados Unidos, apoia qualquer iniciativa feita em nome do “Sul Global” e, no Brasil, não compreende que o País é, sim, parte do Ocidente, com as suas marcas próprias e singulares.

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...