sábado, 1 de março de 2025

A new Trump world, a Mafia world - The Economist

 A new world has begun, and it is not a nice world. PRA

Donald Trump iniciou uma luta mafiosa pelo poder global, mas as novas regras não se adequam aos Estados Unidos.

The Economist

A ruptura da ordem pós-1945 está se acelerando. Em cenas extraordinárias na ONU nesta semana, os Estados Unidos se alinharam à Rússia e à Coreia do Norte contra a Ucrânia e a Europa. O provável novo chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, alerta que, até junho, a OTAN pode estar morta. Aproxima-se rapidamente um mundo regido pela força, no qual as grandes potências fecham acordos e intimidam as menores. A equipe de Trump alega que suas negociações trarão paz e que, após 80 anos sendo enganados, os Estados Unidos transformarão seu status de superpotência em lucro. No entanto, isso tornará o mundo mais perigoso e os próprios Estados Unidos mais fracos e pobres.  

Você pode não estar interessado na ordem mundial, mas ela está interessada em você. A abordagem ao estilo Don Corleone dos Estados Unidos ficou evidente na Ucrânia. Inicialmente, os americanos exigiram US$ 500 bilhões, mas acabaram aceitando um acordo nebuloso para um fundo estatal conjunto destinado ao desenvolvimento de minerais ucranianos. Não está claro se os Estados Unidos oferecerão garantias de segurança em troca.  

A administração Trump é um turbilhão de ideias e egos, mas há um consenso entre seus integrantes: sob a estrutura de regras e alianças pós-1945, os americanos foram prejudicados por um comércio injusto e pagaram por guerras estrangeiras. Trump acredita que pode perseguir o interesse nacional de forma mais eficaz por meio de transações agressivas. Tudo está em jogo: território, tecnologia, minerais e muito mais. "Minha vida inteira são negócios", afirmou ele em 24 de fevereiro, após conversas sobre a Ucrânia com Emmanuel Macron, presidente da França. Os aliados de Trump com experiência empresarial, como Steve Witkoff, estão viajando entre capitais para explorar acordos que ligam diferentes objetivos — desde fazer a Arábia Saudita reconhecer Israel até reabilitar o Kremlin.  

Esse novo sistema estabelece uma nova hierarquia. A América é a número um. Em seguida, vêm os países com recursos para vender, ameaças a fazer e líderes sem restrições democráticas. Vladimir Putin busca restaurar a Rússia como uma grande potência imperial. Mohammed bin Salman quer modernizar o Oriente Médio e conter o Irã. Xi Jinping, um comunista convicto e nacionalista, deseja moldar um mundo adequado a uma China forte. No terceiro nível estão os aliados da América, cuja dependência e lealdade são vistas como fraquezas a serem exploradas.  

O território está em negociação, desafiando as regras pós-1945. A fronteira da Ucrânia pode ser redefinida com um aperto de mão entre Trump e Putin. As fronteiras de Israel, Líbano e Síria foram borradas por 17 meses de guerra. Algumas potências externas permanecem indiferentes. No entanto, Trump está de olho em Gaza, assim como na Groenlândia. Em possíveis negociações sino-americanas, Xi poderia oferecer concessões territoriais, como limitar exportações em troca de vantagens em Taiwan, no Mar da China Meridional ou no Himalaia.  

A barganha econômica vai muito além das tarifas e envolve uma fusão entre poder estatal e negócios. Isso marca um retrocesso na ideia de que o comércio deve ser regido por regras neutras. As negociações bilaterais entre os Estados Unidos e Rússia, Arábia Saudita, executivos taiwaneses e Ucrânia abrangem produção de petróleo, contratos de construção, sanções, fábricas da Intel, o uso do serviço de satélite Starlink de Elon Musk e até um torneio de golfe no deserto.  

Os novos negociadores afirmam que essa abordagem beneficiará o mundo. Trump argumenta que ela também será vantajosa para os Estados Unidos. Eles estão corretos? Tanto Trump quanto os líderes do Sul Global têm razão ao afirmar que a ordem pós-1945 se deteriorou. Quando a diplomacia tradicional falha, ideias não convencionais podem funcionar — basta lembrar dos Acordos de Abraão entre Israel e alguns estados árabes.  

No entanto, há uma grande diferença entre isso e usar a negociação como princípio organizador da política global. A complexidade é esmagadora: a Arábia Saudita quer um pacto de defesa contra o Irã, que os Estados Unidos poderiam conceder caso Riad reconheça Israel. Mas isso exigiria que Israel e os palestinos aceitassem uma solução de dois Estados — algo que Trump rejeitou em seu plano para a paz em Gaza. A Rússia deseja que as sanções ao petróleo sejam suspensas, mas isso poderia reduzir a receita da Arábia Saudita e aumentar os custos para a Índia. E assim por diante. Enquanto isso, quando fronteiras se tornam negociáveis, as guerras seguem. Até mesmo potências como a Índia podem se sentir inseguras. Como Trump encara o poder de forma pessoal, em vez de vê-lo ancorado nas instituições americanas, ele pode ter dificuldades para convencer seus pares de que seus acordos terão longevidade — uma das razões pelas quais ele não é um Henry Kissinger.  

O mundo, portanto, sofrerá. O que Trump não percebe é que a América também sofrerá. Seu papel global impôs um fardo militar e uma abertura comercial que prejudicou algumas indústrias americanas. No entanto, os ganhos foram muito maiores. O comércio beneficia consumidores e indústrias importadoras. Ser o coração do sistema financeiro baseado no dólar economiza aos Estados Unidos mais de US$ 100 bilhões anuais em juros e permite ao país manter um alto déficit fiscal. Os negócios estrangeiros de empresas americanas valem US$ 16 trilhões. Essas empresas prosperam no exterior porque operam sob regras globais razoavelmente previsíveis e imparciais, em vez de dependerem de corrupção e favores transitórios — um ambiente que favorece muito mais as empresas chinesas e russas.  

Trump acredita que os Estados Unidos podem abandonar parcial ou totalmente a Europa e talvez seus aliados asiáticos também. Ele argumenta que o país tem um "belo oceano como separação". No entanto, as guerras hoje envolvem espaço e ciberespaço, tornando a distância física uma barreira ainda menos eficaz do que em 1941, quando o ataque japonês a Pearl Harbor pôs fim ao isolacionismo americano. Além disso, quando os Estados Unidos querem projetar poder militar ou defender seu território, dependem da colaboração de aliados — desde a base aérea de Ramstein, na Alemanha, até a estação de sinais de Pine Gap, na Austrália, e o rastreamento de mísseis no Ártico canadense. No mundo de Trump, os americanos podem perder esse acesso privilegiado.  

Os defensores dessa nova diplomacia assumem que os Estados Unidos podem obter o que desejam apenas pela barganha. No entanto, à medida que Trump explora relações de dependência construídas ao longo de décadas, a influência americana pode cair rapidamente. Sentindo-se traídos, os aliados na Europa e além podem buscar segurança em novas alianças. Se o caos se espalhar, os Estados Unidos enfrentarão novas ameaças enquanto dispõem de menos ferramentas para lidar com elas — imagine uma corrida armamentista nuclear na Ásia em um sistema com alianças americanas fragilizadas e um controle de armas mais fraco ou inexistente.  

Em tempos perigosos, amigos, credibilidade e regras valem mais do que dinheiro fácil. O Congresso, os mercados financeiros ou os eleitores ainda podem persuadir Trump a recuar. Mas o mundo já começou a se preparar para uma era sem lei.

Tradução da matéria do The Economist "Donald Trump has begun a mafia-like struggle for global power: But the new rules do not suit America" | 27/02/2025

Ukraine is not alone: the whole democratic world supports Ukraine - Ed Krassenstein; Where is Brazil? -Paulo Roberto de Almeida

Ukraine is not alone: the whole democratic world supports Ukraine; where is Brazil?

Thanks to Flavio Perry for transcribing this:

BREAKING: TRUMP STANDS ALONE: 

After Trump and Vance's disgraceful Oval Office ambush of President Zelensky, major world players just came out to DEFEND Ukraine and Zelensky:

- Polish Prime Minister Donald Tusk: “Dear Zelensky, dear Ukrainian friends, you are not alone.”

- President of Lithuania Gitanas Nausea: “Ukraine, you’ll never walk alone.”

- Denmark Prime Minister Mette Frederiksen: “Dear Zelensky, Denmark proudly stands with Ukraine and the Ukrainian people.”

- French President Emmanual Macron: “There is an aggressor: Russia. There is a people being aggressed: Ukraine. We were all right to help Ukraine and sanction Russia three years ago and to continue doing so. We, that’s the Americans, the Europeans, Canadians, Japanese, and many others... Because they are fighting for their dignity, their independence, for their children, and for the security of Europe.”

- President of Moldova Maia Sandu: “The truth is simple. Russia invaded Ukraine. Russia is the aggressor. Ukraine defends its freedom—and ours. We stand with Ukraine.”

- Swedish Prime Minister Ulf Kristersson: “Sweden stands with Ukraine. You are not only fighting for your freedom but also for all of Europe’s. Slava Ukraini! ”

- Incoming German Chancellor Friedrich Mer: “Dear Zelenskyy, we stand with Ukraine in good and in testing times. We must never confuse aggressor and victim in this terrible war. 

- Crotia’s Prime Minister Andrej Plenković: “Croatia knows from its own experience that only a just peace can last. The Croatian Government stands firm in its belief that Ukraine needs such a peace - a peace that means sovereignty, territorial integrity, and a secure Europe.”

- Finland’s Prime Minister Petteri Orpo: “Finland and the Finnish people stand firmly with Ukraine. We will continue our unwavering support and work towards a just and lasting peace.”

- Estonian Prime Minister Kristen Michal: “We stand united with Zelenskyy and Ukraine in our fight for freedom. Always. Because it is right, not easy.”

- Ireland’s Deputy Prime Minister Simon Harris: “Ukraine is not to blame for this war brought about by Russia’s illegal invasion. We stand with Ukraine.“

- Latvia’s President Edgars Rinkevics: “Ukraine is a victim of the Russian aggression. It fights the war with the help from many friends and partners. We need to spare no effort for just and lasting peace. Latvia stands with Ukraine”

- Prime Minister of the Netherlands Dick Schoof: ”The Netherlands supports Ukraine as firmly as ever. Now more than ever. We want a lasting peace and an end to the war of aggression started by Russia. For Ukraine and its people, and for Europe.”

- Prime Minister of Luxembourg Luc Friedsen: “Luxembourg stands with Ukraine. You are fighting for your freedom and a rules based international order. ”

The West stands with the heroic Zelensky. Trump sides with the evil Putin. What has America become?

Please like and share!

- Ed Krassenstein on X”

PRA asks: Where is Brazil?


sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Do que Putin tem medo? Da democracia, da UE, das liberdades - Kaja Kallas, Paulo Roberto de Almeida

 “"NATO is not the thing that Russia is afraid of. Russia is afraid of democracy expanding to Russia. Why are we in NATO? It is because we are afraid of Russia. And the only thing that really works – the only security guarantee that works – is NATO's umbrella..."

— Kaja Kallas 

Vice-President of the European Commission”


PRA: Apenas uma pequena correção: não é exatamente a Rússia que tem medo da democracia. A Rússia teve alguns pequenos experimentos com uma democracia de fachada após a revolução de fevereiro de 1917 e nos anos 1990. Quem tem medo da democracia é o atual tirano de Moscou, Putin, assim como, no passado, Lènin, Trotsky, Stalin e os burocratas do PCUS na sequência.

Impérios: longevidade e preeminência (ou hegemonia) - Paulo Roberto de Almeida

Impérios: longevidade e preeminência (ou hegemonia)

Paulo Roberto de Almeida

        Nunca houve nenhum império universal, apenas impérios regionais, embora alguns tenham tido longa dominação sobre territórios mais amplos do que o seu núcleo étnico e cultural original. Pensemos por exemplo no império chinês, mais de duas dúzias de dinastias ao longo de mais de 2.500 anos. Ou no Império Romano, mais 600 anos, entre República consular e Império monocrático. O Império Otomano também durou mais de 600 anos e quase conquista a Europa, a partir dos Balcãs: foram contidos em Lepanto, no Mediterrâneo, e às portas de Viena, assim como os árabes, bem antes, foram contidos nos Pirineus, mas contiveram os reinos cristãos da Europa no Oriente Médio (mais precisamente em Jerusalém, ou Palestina).

        Dinastias europeias, monarquias ou repúblicas, tiveram alguma projeção imperial em momentos diversos da história moderna e contemporânea, sobre partes do próprio continente e, separadamente, sobre imensas porções do mundo durante cinco séculos a partir das grandes navegações e “descobertas” marítimas: colonialismo e imperialismo foram as formas predominantes dos impérios europeus até o inicio do século XX: portugueses, espanhóis, holandeses, franceses, britânicos dividiram grandes porções do mundo, ao lado dos impérios territoriais russo e chinês, mas estes dois foram suplantados economicamente, tecnologicamente e militarmente pelos imperialismos da Europa ocidental, e até pelo “último chegado” fora do Ocidente, o império japonês.

O império americano teve uma ascensão fulgurante na passagem do século XX, mas tem no máximo cento e poucos anos, ao lado de dois outros impérios mais longevos, o russo e o chinês, com diversas mudanças estruturais em cada um deles, não tanto territoriais, mas em tipos de governança. No século XX, ambos assumiram o formato de um totalitarismo leninista, mas isso teve e tem nuances institucionais. Digamos que são despotismos burocráticos, por vezes ditaduras personalistas (Stalin, Mao, agora Putin e Xi).

        O império americano, relativamente democrático para dentro, se impôs sobre todos eles, inclusive sobre o “meio império” da Europa Ocidental (UE), e ainda permanece hegemônico dados seu potencial econômico, dominação tecnológica e cultural nos últimos 80 anos (coincidindo com o sistema multilateral contemporâneo, por ele mesmo criado e mantido de forma razoavelmente livre e aberta).

Isso agora parece estar mudando, por dois fatores não especialmente conjugados: a ascensão aparentemente irresistível do império chinês e o declínio da hegemonia americana, não necessariamente desafiada a partir de fora, mas produzida internamente. Por erros políticos grotescos dos EUA, os dois outros impérios subsistentes, o russo (predominantemente militar) e o chinês (essencialmente econômico e tecnológico), se aliaram contra a hegemonia americana, e parecem dispostos a implementar um projeto (até aqui largamente indefinido) de uma “nova ordem global multipolar”, com a eventual ajuda de alguns representantes do assim chamado “Sul Global” e, sobretudo, desse grupo em expansão agora denominado de Brics+.

        A atual e futura geopolítica mundial, baseada necessária e logicamente nos impérios existentes, ainda permanece indefinida em suas grandes linhas, mas analistas das relações internacionais falam cada vez mais da oposição (algumas vezes chamada de “segunda Guerra Fria”) entre o tradicional bloco Ocidental e o novo bloco dos regimes autoritários.

        Pretendo tratar desses contornos em próxima oportunidade, mas não poderia encerrar sem mencionar a postura do atual governo brasileiro — Lula 3 — em face dessa conformação de uma nova geopolítica, na verdade, por enquanto, uma simples contestação do ainda dominante (mas cada vez menos) “bloco ocidental”. Não existe ainda uma tomada de posição oficial no plano da política externa (em bases doutrinais ou pragmáticas), mas o chefe de Estado (e da diplomacia) já proclamou diversas vezes sua opção preferencial pela chamada nova ordem anti ocidental. 

        Pretendo abordar essa importante questão num futuro texto exploratório.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 28 de fevereiro de 2025

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Guerra na Ucrânia, ano IV - Daniel Aarão Reis

Trecho selecionado por Mauricio David, meu fornecedor de matérias:  


...
 O triste é observar grande parte da intelectualidade de esquerda, inclusive no Brasil, tomar partido pela Rússia de Vladimir Putin, de forma aberta ou velada, sem sequer uma crítica à repressão e à ditadura russas. Não se importam com a catástrofe moral em curso, presente em todas as guerras. Nenhuma palavra sobre as chacinas e os traumas suportados por ucranianos e russos. Raciocinam como pretensos especialistas em geopolítica internacional, observando o cenário como jogadores de xadrez, do alto e de longe...

 

Guerra na Ucrânia, ano IV

 

Por DANIEL AARÃO REIS*

A política de potência, proposta Donald Trump, uma vez assumida por Vladimir Putin e Xi Jin Ping, recairá como pesadas bombas – simbólicas e reais – sobre os países do sul Global

 

O que muitos não esperavam aconteceu, a guerra na Ucrânia entrou no seu quarto ano de horrores e destruição. Como em todos aniversários, o momento sugere diagnósticos e prognósticos.

De acordo com o que já sustentei em outros textos, a guerra, como qualquer guerra, não começou no primeiro dia de combates: 24 de fevereiro de 2022. Ela foi suscitada por dois processos convergentes: de um lado, a marginalização da Rússia de uma esfera de segurança e prosperidade, integrando os Estados europeus e os EUA. De outro, o crescimento exponencial de um agressivo nacionalismo russo.

Examinemos o primeiro processo: uma esfera de segurança e prosperidade incluindo a Rússia era possível, foi prometida, mas apenas ensaiada nos anos 1990 e cedo abandonada pelos governos que se sucederam nos EUA e na maior parte dos Estados europeus.

Contra as advertências prudentes de personagens insuspeitos, como H. Kissinger e J. Matlock, último embaixador dos EUA na União Soviética, entre muitos outros, os EUA e seus aliados, contrariando acordos estabelecidos, aproveitando-se da atmosfera de desintegração cultural e política que reinava em Moscou desde a dissolução da União Soviética, em 1991, levaram a OTAN, revitalizada, às fronteiras da Rússia.

No mesmo movimento, incentivaram abertamente movimentos e tendências anti-russas nas sociedades da Europa Central e nas ex-repúblicas soviéticas, em particular nos estados bálticos, na Ucrânia e na Georgia. Estes propósitos alcançaram êxito, eis que grande parte da Europa Central e das ex-repúblicas soviéticas tinham horror da Rússia e dos russos e havia razões para isso. Entretanto, ao invés de apaziguar e integrar, os EUA e seus aliados preferiram jogar gasolina no fogo, explorando ressentimentos e antipatias viscerais. Assim, a Ucrânia, que poderia ser uma ponte entre a Europa e a Rússia, transformou-se um foco de conflitos que se radicalizavam.

O segundo processo efetuou-se desde fins dos anos 1990. Sob a liderança de Vladimir Putin, a Rússia conseguiu superar uma conjuntura desfavorável. Ressurgiu um Estado centralista, domando as tendências centrífugas. Beneficiando-se dos altos preços de suas principais matérias primas (gás e petróleo), Moscou retomou o protagonismo internacional. Ao mesmo tempo, deu-se livre curso ao crescimento de tendências nacionalistas radicais, extraindo força do ressentimento provocado pelas terras perdidas e pela catastrófica dissolução da União Soviética.

Em sua ambição de se perpetuar no poder, Vladimir Putin incentivou e virou campeão destas tendências, reprimiu sem piedade as oposições e se tornou um virtual ditador do país, convertendo as eleições em meros rituais de consagração.

O choque destes antagonismos produziu, afinal, a guerra, deflagrada, em termos bélicos, pela invasão das tropas russas em território ucraniano.

A invasão foi um fracasso histórico. A Rússia pretendia tomar toda a Ucrânia de assalto num curto prazo, mas foi surpreendida pela resistência dos ucranianos, contando com o apoio decisivo dos EUA e dos principais Estados europeus. A ofensiva foi detida, mas os ucranianos não conseguiram expulsar os russos dos territórios conquistados. A Criméia, invadida e incorporada desde 2014, permanece sob domínio de Moscou. Além disso, cerca de 20% do território ucraniano mantém-se até hoje sob controle russo.

Definido um relativo equilíbrio de forças, ao invés de procurar explorar as possibilidades de uma concertação, o governo democrata de então, liderado por Joe Biden, e seus aliados estimularam os ucranianos à guerra, alimentando propósitos irrealistas de desagregar o poder de Moscou, alguns pretendendo inclusive que o conflito deveria prosseguir até a derrubada e a prisão de Vladimir Putin. Dispunham-se a lutar…até o último soldado ucraniano. Apostavam também na eficácia de uma política severa de sanções, destinada a sufocar a Rússia, submetendo-a a uma derrota estratégica.

Não foi o que aconteceu.

Apoiada numa aliança “sem limites” com a China, contando com a neutralidade indiferente ou a simpatia ativa de importantes estados do chamado sul Global, a Rússia suportou o impacto das sanções, conteve tendências internas disruptivas, construiu uma economia de guerra, mantendo a pressão, por terra, sobre a Ucrânia. Com o domínio dos ares, destruiu e continua destruindo as infraestruturas básicas do país, obrigando uma parte considerável de suas populações ao exílio interno e externo.

Com o passar do tempo, o desgaste da guerra cobrou seu preço. A Rússia, com mais reservas demográficas e econômicas, suportou melhor o embate. Na Ucrânia, o impulso nacionalista foi decrescendo com as tremendas perdas impostas. Nos estados europeus e nos EUA a opinião pública, medida em pesquisas, desertava do apoio aos ucranianos.

Autorizadas por este contexto, surgiram as propostas do novo governo de Donald Trump. Trata-se de uma virada histórica, em contraste com as políticas defendidas pelo anterior governo. No plano mais geral, reapresenta de forma aberta e truculenta, à maneira do século XIX, um retorno à política de potência, baseada no uso e abuso da força bruta. Em termos mais específicos, tenta estabelecer uma cunha no eixo formado por Moscou e Pequim, retomando, em outros termos, o jogo triangular empreendido por Henry Kissinger no começo dos anos 1970. Na época, se tratava de isolar a URSS. Agora, a China. Se vai ou não alcançar seus objetivos é matéria de debate entre especialistas.

Supreenderam-se os que quiseram vendar os olhos, pois Donald Trump anunciou, em sua campanha eleitoral, tudo o que vem fazendo depois que se investiu como Presidente dos EUA desde janeiro passado.

A guerra, como sempre, suscitou polarizações extremadas. Os partidários da resistência ucraniana, desde o início do conflito, denunciam apenas a agressão russa, cegos ao contexto de marginalização de Moscou. Os partidários da Rússia sequer chamam a invasão russa pelo nome. Vladimir Putin preferiu um grosseiro eufemismo: “operação militar especial”. Ato contínuo, criminalizou, por lei, outras denominações para o processo. Alguns de seus acólitos têm ido mais longe: configuraram a invasão como uma “contraofensiva”.

Trata-se, antes e acima de tudo, de uma guerra suja. Sob o governo democrata, os EUA e os estados europeus a incentivaram e assistiram à destruição quase completa da Ucrânia. Agora, Donald Trump e os republicanos ensaiam abandoná-la à própria sorte, só interessados em seus recursos minerais. Do outro lado, como se disse, os nacionalistas russos anseiam pela recuperação dos territórios perdidos quando da dissolução da União Soviética. Propõem sem meios termos inclusive o recurso à arma atômica, se for o caso.

O triste é observar grande parte da intelectualidade de esquerda, inclusive no Brasil, tomar partido pela Rússia de Vladimir Putin, de forma aberta ou velada, sem sequer uma crítica à repressão e à ditadura russas. Não se importam com a catástrofe moral em curso, presente em todas as guerras. Nenhuma palavra sobre as chacinas e os traumas suportados por ucranianos e russos. Raciocinam como pretensos especialistas em geopolítica internacional, observando o cenário como jogadores de xadrez, do alto e de longe.

Não se dão conta, aparentemente, que a política de potência, proposta por Donald Trump, uma vez assumida por Vladimir Putin e Xi Jin Ping, recairá como pesadas bombas – simbólicas e reais – sobre os países do sul Global. Quando e se vier o tempo do arrependimento, já será tarde.


*Daniel Aarão Reis é professor titular de história contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor, entre outros livros, de A Revolução que mudou o mundo – Rússia, 1917 (Companhia das Letras). [https://amzn.to/3QBroUD]

 

The full text of the US-Ukraine mineral deal - The Kyiv Independent

Não se trata de um acordo "colonialista" (ainda). Trump gostaria que fosse, mas o governo ucraniano apenas concordou em estabelecer um fundo para a exploração de recursos econômicos ucranianos, cujos termos e condições ainda devem ser estabelecidos, e essas condições incluem disposições sobre segurança adequadas.

Seguiremos atentos às próximas eteapas desse processo. Acredito que Trump ficará furioso por não ter obtido (ainda) um documento de simples adesão da Ucrânia a seus projetos mal concebidos. (PRA)

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Thursday, February 27, 2025

https://kyivindependent.com/exclusive-the-full-text-of-the-final-us-ukraine-mineral-agreement/

Exclusive: The full text of the US-Ukraine mineral deal

by The Kyiv IndependentFebruary 26, 2025 3:25 PM

The Kyiv Independent has obtained from a source in the Ukrainian government the full text of the mineral deal agreement between the U.S. and Ukraine and is publishing the text in full.

Kyiv and Washington agreed on a deal on Feb. 25. The negotiations around the deal have fueled tensions between U.S. President Donald Trump and President Volodymyr Zelensky in the past week.

The U.S. has reportedly put forth three proposals, of which the first two have been turned down by the Ukrainian side for not including security agreements, even as Washington ramped up the pressure.

Initially it was reported that Zelensky could sign the agreement during a trip to Washington this week, but on Feb. 26, US Secretary of State Marco Rubio poured cold water on the idea, stressing the terms of the agreement had not been finalized and work on it is ongoing.

Speaking to journalists on Feb. 26, Zelensky said the agreement was "well appreciated by our government officials," though he added it does not yet contain specific security guarantees for Ukraine.

"The important thing is that the agreement mentions 'partners,' and this fund is Ukrainian-American, not American," he added.

This first document will be followed by a Fund Agreement, which will further define the terms of the Reconstruction Investment Fund, created by the U.S. and Ukraine. That document will require ratification by Ukraine’s parliament.

The full text is as follows:

BILATERAL AGREEMENT ESTABLISHING TERMS AND CONDITIONS FOR A RECONSTRUCTION INVESTMENT FUND

WHEREAS the United States of America has provided significant financial and material support to Ukraine since Russia’s full-scale invasion of Ukraine in February 2022;

WHEREAS the American people desire to invest alongside Ukraine in a free, sovereign and secure Ukraine;

WHEREAS the United States of America and Ukraine desire a lasting peace in Ukraine and a durable partnership between their two peoples and governments;

WHEREAS the United States of America and Ukraine recognize the contribution that Ukraine has made to strengthening international peace and security by voluntarily abandoning the world's third largest arsenal of nuclear weapons;

WHEREAS the United States of America and Ukraine wish to ensure that those States and other persons that have acted adversely to Ukraine in the conflict do not benefit from the reconstruction of Ukraine following a lasting peace;

NOW, THEREFORE, the Government of the United States of America and the Government of Ukraine (each, a “Participant”) hereby enter into this Bilateral Agreement Establishing Terms and Conditions for a Reconstruction Investment Fund to deepen the partnership between the United States of America and Ukraine, as set forth herein.

1. The Governments of Ukraine and the United States of America, with the aim of achieving lasting peace in Ukraine, intend to establish a Reconstruction Investment Fund (Fund), partnering in the Fund through  joint ownership, to be further defined in the Fund Agreement. Joint ownership will take into consideration the actual contributions of the Participants as defined in Sections 3 and 4. The Fund will be jointly managed by representatives of the Government of Ukraine and the Government of the United States of America. More detailed terms pertaining to the Fund’s governance and operation will be set forth in a subsequent agreement (the Fund Agreement) to be negotiated promptly after the conclusion of this Bilateral Agreement. The maximum percentage of ownership of the Fund’s equity and financial interests to be held by the Government of the United States of America and the decision-making authority of the representatives of the Government of the United States of America will be to the extent permissible under applicable United States laws.

Neither Participant will sell, transfer or otherwise dispose of, directly or indirectly, any portion of its interest in the Fund without the prior written consent of the other Participant.

2. The Fund will collect and reinvest revenues contributed to the Fund, minus expenses incurred by the Fund, and will earn income from the future monetization of all relevant Ukrainian Government-owned natural resource assets (whether owned directly or indirectly by the Ukrainian Government), as defined in Section 3

3. The Government of Ukraine will contribute to the Fund 50 percent of all revenues earned from the future monetization of all relevant Ukrainian Government-owned natural resource assets (whether owned directly or indirectly by the Ukrainian Government), defined as deposits of minerals, hydrocarbons, oil, natural gas, and other extractable materials, and other infrastructure relevant to natural resource assets (such as liquified natural gas terminals and port infrastructure) as agreed by both Participants, as may be further described in the Fund Agreement. For the avoidance of doubt, such future sources of revenues do not include the current sources of revenues which are already part of the general budget revenues of Ukraine. Timeline, scope and sustainability of contributions will be further defined in the Fund Agreement.

The Fund, in its sole discretion, may credit or return to the Government of Ukraine actual expenses incurred by the newly developed projects from which the Fund receives revenues.

Contributions made to the Fund will be reinvested at least annually in Ukraine to promote the safety, security and prosperity of Ukraine, to be further defined in the Fund Agreement. The Fund Agreement will also provide for future distributions.

4. Subject to applicable United States law, the Government of the United States of America will maintain a long-term financial commitment to the development of a stable and economically prosperous Ukraine. Further contributions may be comprised of funds, financial instruments, and other tangible and intangible assets critical for the reconstruction of Ukraine.

5. The Fund's investment process will be designed so as to invest in projects in Ukraine and attract investments to increase the development, processing and monetization of all public and private Ukrainian assets including, but not limited to, deposits of minerals, hydrocarbons, oil, natural gas, and other extractable materials, infrastructure, ports, and state-owned enterprises as may be further described in the Fund Agreement. The Government of the United States of America and the Government of Ukraine intend that the investment process will lead to opportunities for distribution of additional funds and greater reinvestment, to ensure the sufficient supply of capital for the reconstruction of Ukraine as set out in the Fund Agreement.

The Participants reserve the right to take such action as necessary to protect and maximize the value of their economic interests in the Fund.

6. The Fund Agreement will include appropriate representations and warranties, including those necessary to ensure that any obligations the Government of Ukraine may have to third parties, or such obligations that it may undertake in the future, do not sell, convey, transfer pledge, or otherwise encumber the Government of Ukraine’s contributions to the Fund or the assets from which such contributions are derived, or the Fund’s disposition of funds.

In drafting the Fund Agreement, the Participants will strive to avoid conflicts with Ukraine’s obligations under its accession to the European Union or its obligations under arrangements with international financial institutions and other official creditors.

7. The Fund Agreement will provide, inter alia, an acknowledgment that both the Fund Agreement and the activities provided for therein are commercial in nature.

The Fund agreement shall be ratified by the Parliament of Ukraine according to the Law of Ukraine "On International Treaties of Ukraine."

8. The Fund Agreement will pay particular attention to the control mechanisms that make it impossible to weaken, violate or circumvent sanctions and other restrictive measures.

9. The text of the Fund Agreement will be developed without delay by working groups chaired by authorized representatives of the Government of Ukraine and the Government of the United States of America. Contact persons responsible for preparing the Fund Agreement on the basis of this Bilateral Agreement are: from the Government of the United States of America: the Department of the Treasury; from the Government of Ukraine: Ministry of Finance and Ministry of Economy.

10. This Bilateral Agreement and the Fund Agreement will constitute integral elements of the architecture of bilateral and multilateral agreements, as well as concrete steps to establish lasting peace, and to strengthen economic security resilience and reflect the objectives set forth in the preamble to this Bilateral Agreement.

The Government of the United States of America supports Ukraine’s efforts to obtain security guarantees needed to establish lasting peace. Participants will seek to identify any necessary steps to protect mutual investments, as defined in the Fund Agreement.

11. This Bilateral Agreement is binding  and will be implemented by each Participant according to its domestic procedures. The Government of the United States of America and the Government of Ukraine commit to proceed forthwith to negotiate the Fund Agreement.


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Quem ganha e quem perde na atual confusão? - Paulo Roberto de Almeida

 Quem ganha e quem perde na atual confusão?

Putin chama Trump de "idiota útil". Deve ter razões de sobra para assim proclamar, mas fica quieto para não estragar o que está dando certo. Napoleão dizia que não se deve interromper um inimigo quando ele estiver cometendo um erro.
Xi Jinping, do seu lado, deve estar recomendando aos seus assessores: "Não ataquem o Trump: ele é o nosso amigo secreto, mas não sabe disso. Não comemorem, fiquem quietos".
Algo vai emergir do caos trumpista: uma China maior, mais poderosa, mais admirada pelos desprezados pelo Trump.
Depois que a poeira trumpista baixar, e a Rússia se descobrir diminuída e fragilizada, a China vai surfar os mares como a grande vencedora da grande confusão trumpista.
Não sei aonde estão os grandes estrategistas americanos?
Sumiram? Estão tão envergonhados que nem ousam protestar.
Os EUA se afundam a si próprios...
Paulo Roberto de Almeida

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...