O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sábado, 25 de setembro de 2010

Manifesto em Defesa da Democracia: adesoes continuadas

Manifesto em Defesa da Democracia

Parece que o manifesto em questao caiu no gosto de muitos brasileiros que estavam descontentes (e provavelmente ainda estao) com o jogo politico, como ele vinha se apresentando. Mais de 32 mil brasileiros ja o assinaram.

Existe um ditado popular sobre a "esperteza" de certas pessoas. Parece que certos mafiosos que andam falando em nome do povo exageram nas suas criticas 'a liberdade de imprensa -- na verdade sabemos que e' ao proprio processo democratico -- e com isso despertaram a reaçao dos cidadaos dotados de consciencia civica.

Nada mais coerente, portanto, do que indicar o link que permite a quem o desejar, agregar sua assinatura aos milhares de apoiadores que ja o fizeram:

http://www.defesadademocracia.com.br/manifesto-em-defesa-da-democracia/

Transcrevo o teor do Manifesto novamente aqui:

Manifesto em Defesa da Democracia


Numa democracia, nenhum dos Poderes é soberano. Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.

Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.

É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.

É inaceitável que militantes partidários tenham convertido órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.

É lamentável que o Presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.

É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais em valorizar a honestidade.

É constrangedor que o Presidente não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há “depois do expediente” para um Chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no “outro” um adversário que deve ser vencido segundo regras, mas um inimigo que tem de ser eliminado.

É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e de empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.

É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.

É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É deplorável que o mesmo Presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.

Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para ignorar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.

Brasileiros erguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.

Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos.

Doacoes educacionais nos EUA e a tragedia educacional brasileira

(com desculpas pela falta de acento, mas e' defeito do sistema, nao meu).

Os frequentadores bem informados deste blog ja leram, ou pelo menos ja ouviram falar, que o jovem milionario criador do Facebook -- programa inovador que muitos aqui devem usar -- resolveu doar milhoes de sua fortuna legitimamente adquirida para as escolas publicas de sua regiao de origem, nos EUA. Trata-se de dinheiro consideravel, para qualquer padrao de riqueza que se considere, mesmo nos EUA.
Mas, atencao: ele nao esta' dando o dinheiro asi no mas... Nao se trata de doaçao unilateral e nao controlada. As condicoes para o beneficiario estao sendo estabelecidas, e elas compreendem, como geralmente ocorre nesse tipo de açao, um compromisso to match, ou seja, alcançar os mesmos valores sendo ofertados de outras fontes, o que na verdade representa um estimulo para as autoridades e para toda a comunidade no sentido de se mobilizar para melhorar os padroes, reconhecidamente muito fracos, do ensino publico americano (ainda assim muito melhores do que os da escola publica brasileira).
Atente-se tambem para o fato de que o uso do dinheiro para contratar mais professores esta' vinculado 'a exigencia de que estes tenham sua remuneracao vinculada ao desempenho dos estudantes, o que e' o minimo que se possa exigir de empregados em qualquer setor da economia: so se mantem o emprego e os salarios de quem "deliver", ou seja, quem cumpre com suas obrigacoes, o que no caso dos professores compreende fazer com que seus alunos tenham um bom desempenho em termos de resultados pedagogicos.
De fato, a tragedia educacional, nos EUA ou no Brasil (infinitamente muito pior) nao se resolve apenas com mais injecao de recursos nos mesmos canais viciados e esclerosados de um sistema publico ineficiente e incapaz de mudar por vontade propria. Mafias sindicais comprometidos com um "isonomismo" mediocrizante impedem a melhoria dos padroes, ao exigir sempre mais vantagens sem dar nada em troca.
Isso precisa acabar, mas sou extremamente pessimista quanto suas possibilidades no Brasil. Na verdade, se teria de comecar uma carreira paralela de professores, sem estabilidade, cujos salarios dependesse basicamente do desempenho dos seus alunos.
Impossivel de fazer? Entao vamos continuar na tragedia por muuuuuuito tempo mais...
Paulo Roberto de Almeida

Editorial
Facebook and Newark
The New York Times, September 24, 2010, p. A28

It is good news that Mark Zuckerberg, chief executive of Facebook, is donating $100 million to remake the failing public schools in Newark. But it will take a lot more than money to improve student performance in that city’s troubled system, which has continued to perform dismally since being taken over by the state 15 years ago. Mayor Cory Booker, who will get substantial control of the system as a condition of the donation, must now rally his city and its unions behind an ambitious reform plan that raises standards and holds teachers and principals accountable for student performance.

The $100 million gift requires the city to raise matching grants over the next five years. Details of how the money will be spent have yet to be released. But Mr. Booker is likely to expand Newark’s high-performing charter schools. By giving charter operators space — always the most expensive part of opening a school — Mr. Booker could easily chose from among the most successful charter school operators.

The money also could be used to pay for a new, performance-based teachers’ contract like the one ratified earlier this year in Washington. The teachers there got a 20 percent raise that was underwritten by private foundations. The city got greater leeway to promote and fire teachers based on performance. This is a pivotal moment for Newark. It will soon be searching for a new superintendent and needs to negotiate contracts with teachers and principals.

Gov. Chris Christie is getting credit for allowing the deal to go forward. But bear in mind that he attacked the public school budget with a meat ax soon after coming into office, turning back the clock on hard-won financing reforms that were intended to give poor cities like Newark a fairer shake. Beyond that, states and municipalities need to be wary of shifting public responsibilities onto the shoulders of philanthropies that can easily change their minds by the next cause.

Still, the reform effort shaping up in Newark gives us reason to be hopeful about a problem that has afflicted the city and its most vulnerable families for too long.

A integracao Sul-Sul e o desvio de comercio

Isto tambem faz parte da nova geografia comercial internacional:

Brasil deve assinar em dezembro acordo com dez emergentes
Assis Moreira
Valor Econômico, 20/09/20010

O Brasil pretende assinar em dezembro o acordo comercial Sul-Sul com outros dez emergentes. O acordo envolverá os quatro países do Mercosul mais Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Malásia, Egito, Marrocos e Cuba. Estabecerá uma preferência tarifária de 20% em grande parcela das exportações nesse grupo. Foram excluídos da liberalização boa parte dos produtos agrícolas. O Brasil excluiu têxteis, bens de capital, eletrônicos e automóveis.

O Brasil articula para assinar em dezembro com outros dez países emergentes um acordo comercial estabelecido em novas bases, pelo qual trocarão margem de preferência de 20% em boa parte das exportações entre eles, no que ficou conhecida como "Rodada Sul-Sul". A negociação está praticamente concluída e o governo brasileiro agora está convidando os outros participantes a assinar o acordo durante a cúpula do Mercosul, dias 16 e 17 de dezembro, em Foz do Iguaçu, num dos últimos atos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Participam o Mercosul como bloco - Brasil, Argentina Paraguai e Uruguai -, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Malásia, Egito, Marrocos e Cuba, bem menor do que a lista inicial de participantes. "Foi criado um novo paradigma para negociação entre os países em desenvolvimento", afirma o embaixador brasileiro na Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo. "Em vez da negociação interminável baseada em oferta e demanda, foi fixada uma margem de preferência, que beneficiará os participantes não importa se a tarifa sobe ou desce."

Se a tarifa de importação de um produto na Índia é de 10% para os Estados Unidos, ela cairá a 8% para o Brasil, dando vantagem para o produto brasileiro. O acordo cobre 70% do comércio, com setores sensíveis ficando fora da liberalização nos outros 30% de exceção pedida por vários países para participar do pacote.

Os parceiros excluíram da liberalização boa parte dos produtos agrícolas, o que não é surpresa e apenas confirma a dificuldade para esse tipo de acordo diante do temor com a competitividade brasileira no setor. Por sua vez, o Brasil não dará a margem de preferência sobretudo para têxteis, bens de capital, eletrônico e automóveis, que interessam mais aos indianos e coreanos, por exemplo.

"Esse é um acordo que vai criar oportunidades novas de negócios, mais do que abrir o comércio de produtos atuais entre os participantes", diz o diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, ministro Carlos Marcio Cozendey. "O Brasil tem uma vasta gama de produtos industrializados que podem ser atraentes para mercados que até agora importam principalmente produtos de base."

O Itamaraty calcula que o acordo beneficiará entre um terço e metade das exportações brasileiras para os países participantes, quase todos com bom potencial de crescimento. A negociação foi lançada em São Paulo em 2004, na conferência da Agência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), sob a cobertura do Sistema Geral de Preferências Comerciais (SGPC), que define negociações entre países em desenvolvimento.

No princípio, cerca de 40 países começaram a participar das discussões. No ano passado eram 21 e agora devem assinar 11, mas que basicamente são grandes, com exceção de Cuba. A China ficou fora desde o começo, temida pelos concorrentes.

O Mercosul inicialmente quis corte de tarifas de 40%, depois teve de reduzir a ambição para 30% e afinal teve de aceitar margem de preferência de 20% para poder manter outros países no acordo, como a própria Índia.

No ano passado, o ministro de Comércio do Irã chegou a participar do anúncio da conclusão da primeira parte do acordo, ao lado do ministro Celso Amorim, em Genebra. Mas só quer assiná-lo depois de ser aceito na OMC, onde já vai ter de pagar com liberalização de seu mercado. A Argélia, que também negocia sua entrada na OMC, tomou o mesmo rumo. O México e o Chile, com muitos acordos bilaterais de comércio e tarifas baixas, resolveram ficar fora.

A Unctad estima que, apesar do número reduzido de participantes, o impacto em termos de comércio adicional será maior do que a negociação na Rodada Doha. É que a margem de preferência é sobre a tarifa aplicada e não sobre a consolidada, como ocorre na OMC.

Técnicos da agência admitem que uma parte será desvio de comércio, ou seja, os participantes vão comprar mais entre eles, com tarifa menor, em vez de importar de outros países que ficarão fora do acordo.

Revista Politica Externa - setembro-novembro 2010

Muito material sobre a politica externa brasileira, a começar pela exposiçao das ideias (se o termo se aplica) de duas candidatas e um artigo deste autor.

Revista Politica Externa, vol. 19. n. 2, Set./Out./Nov. 2010

Entrevistas
+ Dilma Rousseff e Marina Silva expõem suas ideias sobre política externa
Como já fizera na eleição de 2002, a Revista encaminhou aos principais candidatos à Presidência da República do Brasil um questionário elaborado a partir de sugestões dos integrantes de seu Conselho Editorial. As candidatas Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PV) responderam no prazo dado a todos e suas declarações estão reproduzidas na íntegra nesta edição. O candidato José Serra (PSDB) não enviou suas respostas. Para Dilma Rousseff, “uma política externa correta e efetiva para um país com a projeção internacional que o Brasil tem hoje deve ser marcada tanto pelo sentido de solidariedade e cooperação com outros países como também pela audácia”. Para Marina Silva, “é preciso que o Brasil atue externamente com base em princípios: cooperação e solidariedade, legitimidade e democracia, sustentabilidade, paz e direitos humanos e livre comércio”.

+ Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica
Paulo Roberto de Almeida
O presente ensaio de análise crítica deve ser considerado apenas como uma etapa preliminar e parcial do esforço de avaliação objetiva da diplomacia brasileira na era Lula. Dado o grau de politização alcançado por essa diplomacia – que atingiu de modo grave o Itamaraty –, um exame ponderado desses resultados terá provavelmente de esperar tempos mais serenos e menos sujeitos a querelas ideológicas. O julgamento provisório e preliminar contido no artigo se baseia, em parte, na constatação de que os insucessos e limitações da diplomacia de Lula em seus dois mandatos podem ser debitados, antes de tudo, a erros de concepção derivados de uma visão partidária limitada – e equivocada – das relações internacionais, bem como de uma seleção de “parceiros”, ou aliados, decorrente dessa mesma visão amadora do mundo e da região.

+ O entorno geográfico na diplomacia brasileira dos séculos XX-XXI
Clodoaldo Bueno Em razão da força de coerção do contexto internacional, normalmente não se observam em política externa grandes mudanças nem bruscas quebras de continuidade no mesmo alcance das transformações que se dão internamente. Mas, desde o início do século XX, a história das relações do Brasil com as nações do hemisfério nunca passara por mudanças de enfoque e quebras de estilo tão acentuadas no ritmo e no conteúdo quanto na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. Em termos regionais, a liderança do Brasil não é amplamente reconhecida; em termos mundiais, seu presidente sofreu, recentemente, sérios arranhões de imagem em razão de atitudes e declarações a respeito da situação política da Venezuela, dos presos políticos do governo cubano, da disputa Israel-Palestina e da polêmica nuclear suscitada pelo Irã.

+ Política externa, democracia e relevância
Fábio Wanderley Reis A experiência brasileira atual de ver elevar-se o status do Brasil na cena mundial dá saliência aos problemas de relações internacionais e política externa e permite indagações sobre relevâ ncia em diferentes sentidos com respeito a eles. Em primeiro lugar, a relevâ ncia ou importâ ncia “objetiva” das relações internacionais e da política externa para o país, os benefícios ou danos que podem advir delas. Em segundo lugar, a relevâ ncia que os problemas correspondentes adquirem aos olhos dos cidadãos, que podem não ser conscientes de sua importâ ncia prática mesmo quando ela de fato existe. Finalmente, há a questão das relações desses dois sentidos iniciais com a qualidade dos estudos e análises realizados pelos que se dedicam profissionalmente ao assunto, em particular, naturalmente, no â mbito acadêmico.

+ A inserção internacional do Brasil e o papel das associações de empresas exportadoras
Christian Lohbauer Em duas décadas, entre 1990 e 2010, a abertura da economia brasileira e os processos de liberalização do comercio internacional tornaram necessária a adaptação dos setores produtivos do país a um novo mundo. A urgência em compreender as novas regras do comércio e participar tecnicamente da formulação de futuros acordos de comércio fez com que as entidades representativas do empresariado exportador se fortalecessem em meados da década de 90. A partir de 2003, a contaminação das formulações de política externa do novo governo brasileiro sobre a política comercial gerou um engajamento ainda maior das entidades exportadoras, em especial as do agronegócio, para evitar a perda de oportunidades de expansão.

+ Reflexões sobre o contencioso do algodão entre o Brasil e os Estados Unidos
Roberto Carvalho de Azevêdo Transcorridos quase oito anos do início do contencioso do algodão, a avaliação que o governo brasileiro faz a respeito do assunto é bastante positiva. A despeito das dificuldades de implementação das decisões amplamente favoráveis ao Brasil adotadas pela OMC, persiste a convicção de que trilhamos o caminho certo. Alcançamos os grandes objetivos que nos levaram a recorrer ao sistema de solução de controvérsias da OMC, inclusive no que tange aos efeitos benéficos sobre as negociações agrícolas em curso na Rodada Doha. O encaminhamento bilateral da questão permitiu evitar, pelo menos até aqui, o doloroso e arriscado caminho da retaliação, com resultados imprevisíveis e prejuízos para os dois lados e para o comércio internacional. O Brasil não hesitará, contudo, a retomar esse caminho, caso não lhe sejam oferecidas opções justas e razoáveis.

+ Da excepcionalidade unipolar às responsabilidades compartilhadas. Barack Obama e a liderança internacional dos Estados Unidos
Luis Fernando Ayerbe Em círculos conservadores próximos da administração de George W. Bush, a atuação internacional de Barack Obama tem sido acusada de promover, por opção ou inaptidão, o declínio da primazia conquistada pelos Estados Unidos, após a vitória da Guerra Fria. Contrariamente às críticas dos círculos republicanos, não visualizamos na atual política externa indicadores de comprometimento, por intenção ou improvisação, da liderança do país. A partir dos aspectos abordados, identificamos uma racionalidade entre meios e fi ns compatível com desafios domésticos e globais que redefinem as capacidades e os imperativos do envolvimento dos Estados Unidos. Em nossa opinião, a administração Obama adota uma postura racional compatível com um contexto de desafios globais e nacionais que redimensionam a projeção internacional dos EUA.

+ O grande desafio eleitoral de Obama
Carlos Eduardo Lins da Silva O presidente Barack Obama enfrentará seu maior desafio eleitoral em novembro. As eleições de metade de mandato são geralmente desfavoráveis para os presidentes e, às vezes, podem ser dramaticamente prejudiciais a eles, como em 1994, quando os Democratas de Bill Clinton perderam a maioria na Câ mara e no Senado. Este é o risco de Obama agora. Seus índices de aprovação não são bons, a economia não se recuperou totalmente, a oposição lhe é particularmente hostil, a comunidade empresarial se opõe ao seu governo e ele não tem muitos resultados efetivos para mostrar; apesar de ter obtido vitórias parlamentares significativas, de ter aprovadas a revisão do sistema de saúde e a reforma financeira mais importante desde a Grande Depressão. O tamanho da derrota de Obama e a maneira como ele vai reagir definirão as suas chances de reeleição em 2012.

+ O TNP e o Protocolo Adicional
José Goldemberg Desde maio de 1977, a Agência Internacional de Energia Atômica aprovou protocolos adicionais para 133 países, 102 dos quais estão sendo implementados. Todos os países nucleares adotaram, voluntariamente, protocolos adicionais, incluindo os Estados Unidos. Alguns países, inclusive o Brasil, contudo, têm-se oposto à adesão ao Protocolo Adicional, argumentando que violaria a soberania nacional. Recentemente, aumentaram muito as resistências de diversos membros do alto escalão do governo federal à adesão ao Protocolo. A adesão ao TNP e ao Protocolo Adicional não constitui um empecilho ao desenvolvimento e uso da energia nuclear para fi ns pacíficos no país. Além disso, as tendências revisionistas em relação ao Tratado de Não Proliferação Nuclear não trazem qualquer beneficio ao Brasil e podem redundar em sérios prejuízos, como os que o Irã está sofrendo no momento.

+ Irã, Turquia e Brasil: lições do passado e riscos do presente
Marcos Castrioto de Azambuja Irã e Turquia passaram a ser países importantes na pauta da política externa brasileira desde a assinatura do controvertido acordo entre os três países, em maio deste ano, com o objetivo de que 1.200 kg de urâ nio iraniano fossem levados para enriquecimento na Turquia. A participação do Brasil nesse processo se desvia da linha de envolvimento discreto, prudente e periférico do país nos problemas do Oriente Médio, que foi adotada especialmente depois de traumáticas experiências anteriores, como a da rendição do brasileiro Batalhão Suez a tropas israelenses em Gaza, em 1967. Se é possível entender o comportamento recente do Irã e da Turquia no seu entorno geográfico, o do Brasil é de compreensão menos fácil. O que mais importa é como o país pode se extrair desse imbróglio sem dano adicional aos já sofridos.

+ Estranhos companheiros ou novos aliados: a aventura nuclear do Brasil e da Turquia no Irã
Ilter Turan O Brasil já serviu no Conselho de Segurança da ONU em dez períodos de dois anos, e a Turquia em quatro. Em junho de 2010, pela primeira vez nos dois casos, eles votaram contra a maioria, na aprovação da Resolução 1929, que impôs novas sanções ao Irã (o Líbano se absteve e os outros 12 países a aprovaram). Ao que parece, o que uniu o Brasil e a Turquia foi seu desejo em comum de efetuar mudanças no sistema de governança internacional e ampliar seus respectivos papéis no funcionamento desse sistema. Os dois países sofrerão as consequências de sua atuação fora dos padrões aceitos? No caso da Turquia, autoridades americanas já deram indicações de que ela terá de convencê-los de que continua sendo um parceiro estratégico. Se vierem a ter êxito, os dois países serão congratulados por sua perseverança. Se não, podem ser acusados de ter ajudado o Irã a ganhar tempo para a construção de sua bomba.

+ A flotilha “Gaza Livre”: os atores e o enredo político
Bernardo Sorj A invasão pelas Forças Armadas israelenses de um dos navios da frota turca que estava tentando chegar a Gaza com fi ns humanitários e consequente morte de nove pessoas foi outro lembrete à opinião pública mundial sobre a necessidade de solução urgente para a crise entre Israel e Palestina. O governo turco apoiou a frota como um gesto para reafirmar seu desejo de se aproximar do mundo islâ mico e de se afastar dos Estados Unidos. O atual governo de Israel também vem se distanciando dos EUA e prossegue com sua política de isolar o Hamas em Gaza, embora não tenha sido bem-sucedido. O Hamas, que controla Gaza e não aceita a existência de Israel, sobrevive em grande parte devido a um sistema de túneis que vem do Egito, cujo governo, embora não apoie o Hamas, não se esforça para fechar os túneis.

+ Dança no escuro: multilateralismo, eurorrealismo e atlanticismo nas políticas externas das potências europeias (2001-2010)
Diego Santos Vieira de Jesus O artigo analisa como, no contexto da consolidação da hegemonia dos EUA, o multilateralismo, o eurorrealismo e o atlanticismo ajudam a definir a direção e o conteúdo da política externa das grandes potências europeias de 2001 a 2010. A hipótese indica que tais potências veem no multilateralismo uma forma de ampliar as oportunidades de se fazerem ouvir, bem como a sua participação na definição das regras e normas internacionais que melhor servem aos seus interesses nacionais. Longe de verem o atlanticismo e o eurorrealismo como mutuamente exclusivos, as potências europeias tentam conciliar as duas estratégias para garantir os benefícios da cooperação política e econômica com o poder hegemônico.

+ A renovação da imagem da Grã-Bretanha: uma nova política externa britânica para um mundo conectado em rede
Richard House Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha está sob um governo de coalizão, desta vez composta pelos partidos Conservador e Liberal Democrata. Entre seus desafios, a coalizão terá de determinar uma nova política externa para o país, depois de uma década durante a qual o papel do ex-primeiro-ministro Tony Blair no mundo foi decisivo. O que está resultando dessa mudança é o que vem sendo chamado de “uma política externa distintamente britâ nica”, mais realista e talvez mais humilde do que a realizada por Blair. O novo governo promete um “círculo virtuoso entre política externa e prosperidade”, em um mundo onde os recursos são limitados e a interdependência é determinante.

+ Por que a Bélgica não irá desaparecer
Baudouin Velge As eleições gerais da Bélgica em 13 de junho de 2010 transformaram o partido N-VA, de nacionalistas flamengos defensores da autonomia de Flanders, na maior bancada do Parlamento e levantaram mundo afora a hipótese de que o país poderia se dividir em dois. No entanto, essa possibilidade é muito remota. A secessão só pode ocorrer por duas formas: a aprovação de dois terços do Parlamento com aprovação de pelo menos 50% dos eleitores tanto de Flanders quanto da Valônia, ou pela via revolucionária. Apesar de ser o maior partido, o N-VA só tem 27 das 150 cadeiras do Parlamento e não chegou perto dos 50% dos votos em Flanders (na Valônia, praticamente ninguém apoia a divisão do país). E, embora a dissidência entre as duas comunidades seja tão antiga quanto a Bélgica (que completa 180 anos em 2010), nunca houve – nem há agora – atos de violência ou organização militar para lutar pela separação.

+ Os desafios do governo de Juan Manuel Santos
Rogelio Núñez Juan Manuel Santos foi eleito presidente da Colômbia em junho passado. O “santismo”, apesar de ser herdeiro direto do “uribismo”, supõe uma nova etapa, com novos objetivos e formas de governar diferentes em relação ao antecessor Álvaro Uribe. Juan Manuel Santos tem, entre outros, dois desafios que já o pressionam no poder: diferenciar-se e tornar-se independente de Uribe e melhorar as relações com os vizinhos da Colômbia, especialmente com o presidente venezuelano Hugo Chávez. A prioridade de Santos será desbloquear o comércio bilateral para estimular a economia colombiana. Nos próximos quatro anos provavelmente se verão choques entre Santos e Uribe, pois é difícil que este se mantenha quieto durante a administração de seu sucessor. Cedo ou tarde as opiniões de ambos sobre a política colombiana se diferenciarão umas das outras.

+ A projeção econômica da China: o caso africano
Dani Nedal, Rodrigo Maciel e Renato Amorim A emergência chinesa traz consigo implicações significativas para a reestruturação da economia e da governança global. Para formular estratégias políticas e empresariais de atuação doméstica e internacional, torna-se mais e mais imperativo compreender os motores e instrumentos da projeção externa chinesa. É importante desfazer certas percepções comuns, porém equivocadas. Fruto tanto de decisões políticas quanto de cálculos comerciais, e inserida no contexto de um processo mais amplo de desenvolvimento socioeconômico explosivo e de profundos desequilíbrios macroeconômicos, a internacionalização do capital chinês desafia tentativas de simplificação. O caso da incursão chinesa no continente africano ilustra os novos graus de complexidade que a ascensão política e econômica da China acarretam para a governança global e as relações internacionais, fenômenos estes ainda muito superficialmente avaliados no Brasil.

Passagens
+ Guilherme Lustosa da Cunha (1942-2010), representante da ACNUR que ligava pontos de luz
Paulo Sergio Pinheiro e Guilherme de Almeida Eram poucos, nos anos de 1970, os brasileiros que trabalhavam nos organismos internacionais. No exílio, em Paris, desde 1969 Guilherme Lustosa da Cunha, com sua mulher Liliana, fez seus estudos na Universidade de Vincennes, criada depois das revoltas estudantis de maio de 1968, onde ensinavam os ícones da contestação intelectual. Guilherme sempre acreditou no papel de “agente civilizatório” das Nações Unidas. “Sem a ONU, não sei se poderíamos viver”, dizia. Durante seu trabalho no Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), foi representante em Angola, no Peru, na Espanha, nos EUA e, por último, na Argentina, que sediava o escritório responsável pelos países do sul da América do Sul, entre eles o Brasil. Ele deu uma contribuição decisiva para a implementação da Convenção do Estatuto do Refugiado (1951) no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997.

+ Antonio Amaral de Sampaio (1930-2010), o enfant terrible de sua geração no Itamaraty
Marcos Castrioto de Azambuja No Itamaraty de seu tempo, quando havia tanto formalismo, Antonio Amaral de Sampaio procurava ser, em alguma medida, o enfant terrible desabrido e irreverente de sua geração. Conhecedor da trajetória e da herança das civilizações árabes e iraniana, tinha uma visão da região enriquecida por uma ampla perspectiva histórica. Talvez fosse com a Síria com que tivesse maior intimidade. Além dos temas, conhecia pessoalmente os principais atores do palco do Oriente Médio e falava com íntimo conhecimento de causa. O Direito Internacional era seu campo natural de interesse acadêmico, e o Oriente Médio e as civilizações que ali existiram e existem, seu campo prioritário de reflexão e pesquisa. Procurava contrastar as falências do islamismo atual – sobretudo em suas vertentes fundamentalistas – com a gloriosa civilização de tantos séculos passados.

Documentos
+ Oportunidades nas Américas
Hillary Clinton - Discurso no Centro Cultural Metropolitano, em Quito, em 8 de junho de 2010.

Livros
+ Usos, abusos e desafios da sociedade civil na América Latina
Bernardo Sorj (organizador)
Maria Helena Tachinardi

+ Sob o signo de Atena: gênero na diplomacia e nas Forças Armadas
Suzeley Kalil Mathias
Albertina de Oliveira Costa

Direitos Humanos na historia - livro

New Birth of Freedom
By BELINDA COOPER
The New York Times, Sunday Books Review, September 24, 2010

THE LAST UTOPIA: Human Rights in History
By Samuel Moyn
337 pp. The Belknap Press/Harvard University Press. $27.95

Human rights have come to dominate international discourse, but while this fact is often portrayed as the culmination of a centuries-old tradition, Samuel Moyn, a professor of history at Columbia University, takes a different view. The modern concept of human rights, he says in “The Last Utopia,” differs radically from older claims of rights, like those that arose out of the American and French Revolutions. According to Moyn, human rights in their current form — applicable to all and internationally protected — can be traced not to the Enlightenment, nor to the humanitarian impulses of the 19th century nor to the impact of the Holocaust after World War II. Instead, he sees them as dating from the 1970s, exemplified by President Jimmy Carter’s effort to make human rights a pillar of United States foreign policy.

Today’s human rights movement emerged “seemingly from nowhere,” Moyn says, as a depoliticized, moral response to disillusionment with revolutionary political projects, specifically the anticolonial independence struggles of the 1950s and ’60s. Moyn credibly juxtaposes the hopes placed in a new internationalist “utopia” of human rights against the failure of national self-determination to guarantee human dignity.

The idea that international legal protections apply directly to individuals, outside the authority of their governments, is indeed a recent phenomenon. Yet in his untidy attempt to decouple human rights entirely from what went before, Moyn stretches his argument too far. In all-too-brief asides, he dismisses the anti­slavery campaign and the development of the laws of war in the 19th century because neither was explicitly framed in terms of human rights. Yet both contained universalist and internationalist aspects. Moyn also fails to explain how an early international organization like the Red Cross, which engaged with governments to protect individuals from mistreatment in wartime, differed from the modern human rights organizations he describes.

Moyn argues that the Holocaust played a relatively small role in post-World War II rights debates and correctly reminds us that the Nuremberg tribunal, which put Nazi leaders on trial for war crimes, did not concentrate primarily on the genocide of the Jews. But he ignores Nuremberg’s crucial contribution to the development of the modern human rights movement: for the first time, international law was directly applied to crimes against individuals in a forum that transcended national boundaries.

At the same time, Moyn overestimates the extent to which human rights today take precedence over the sovereignty of states. International treaties designed to protect individuals are still directed to national governments, which remain the first line of defense, even in the modern world of globalized thinking. The concept of national sovereignty has hardly disappeared: the continuing debate over whether to intervene in places like Sudan testifies to the difficulty of overcoming deep-seated resistance to interfering with what are still seen as internal affairs.

In the end, Moyn’s main pieces of evidence for taking the 1970s as the time of a human rights breakthrough are Carter’s abortive steps to inject human rights into foreign policy and the 1975 Helsinki accords with the Soviet Union. But if one must find a recent starting point, a more appropriate decade would be the 1990s, when human rights organizations truly flourished and international criminal tribunals became reality. It was arguably the collapse of the cold war blocs, far more than the end of decolonization, that allowed international human rights to emerge as a viable program, rather than merely a propaganda tool employed by antagonistic political systems. If Moyn’s argument isn’t persuasive, it is in large part because an alternative history to his own is far too easy to construct.

Belinda Cooper, a senior fellow at the World Policy Institute, is the editor of “War Crimes: The Legacy of Nuremberg.”

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Liberdade economica no mundo em recuo...

Economic Freedom Suffers Global Setback

Brief presentation:
The Economic Freedom of the World: 2010 Annual Report, released this week, revealed the very first regression in economic freedom since the inception of the index:
This year's report notes that economic freedom suffered its first setback in decades. The average economic freedom score rose from 5.55 (out of 10) in 1980 to 6.70 in 2007, but fell back to 6.67 in 2008, the most recent year for which data are available. Of the 123 countries with chain-linked ratings in 2007 and 2008, 88 exhibited rating decreases and only 35 recorded rating increases. In this year's index, Hong Kong retains the highest rating for economic freedom, 9.05 out of 10, followed by Singapore, New Zealand, Switzerland, Chile, the United States, Canada, Australia, Mauritius, and the United Kingdom.
Individual chapters are available for download for free in PDF format at our website, where you can also find an interactive map and PDF versions of previous editions.

Overall presentation:
Economic Freedom of the World: 2010 Annual Report
By James Gwartney, Joshua Hall, and Robert Lawson and contributions from Christopher J. Coyne, John W. Dawson, Horst Feldmann, John Levendis, Russell L. Stobel, and Edward Peter Stringham This year's report notes that economic freedom suffered its first setback in decades. The average economic freedom score rose from 5.55 (out of 10) in 1980 to 6.70 in 2007, but fell back to 6.67 in 2008, the most recent year for which data are available. Of the 123 countries with chain-linked ratings in 2007 and 2008, 88 exhibited rating decreases and only 35 recorded rating increases. In this year’s index, Hong Kong retains the highest rating for economic freedom, 9.05 out of 10, followed by Singapore, New Zealand, Switzerland, Chile, the United States, Canada, Australia, Mauritius, and the United Kingdom.

This year's report also contains new research showing the impact of economic freedom on unemployment rates and homicides. According to Horst Feldmann, more economic freedom appears to reduce joblessness, and the magnitude of the effect seems to be substantial, especially among young people. Edward Peter Stringham and John Levendis examine the effect of economic freedom on rates of homicide in Venezuela, Colombia, South Africa, Latvia, and Lithuania. The results suggest that increases in economic freedom lead to decreases in homicides.

The first Economic Freedom of the World Report, published in 1996, was the result of a decade of research by a team which included several Nobel Laureates and over 60 other leading scholars in a broad range of fields, from economics to political science, and from law to philosophy. This is the 14th edition of Economic Freedom of the World and this year's publication ranks 141 nations for 2008, the most recent year for which data are available.

Contents:
Table of Contents [pdf, 36.6Kb]
Executive Summary [pdf, 93.5Kb]
Chapter 1 [pdf, 588Kb]
Chapter 2, Country Data Tables [pdf, 954Kb]
Chapter 3 [pdf, 234Kb]
Chapter 4 [pdf, 472Kb]
Chapter 5 [pdf, 345Kb]
Chapter 6 [pdf, 337Kb]
Appendix [pdf, 196Kb]
Acknowledgments [pdf, 61.8Kb]

A piada da semana...

Primeiro, uma noticia, anodina, como muitas outras:

[Nota preventiva PRA: O redator da noticia seria que segue carece de conhecimentos de espanhol, bem como da terminologia burocratica americana; onde ele escreve que os EUA "desertificaram" a Bolivia, ele quer dizer, na verdade, "decertified", ou seja, retirou a certificaçao de pais que combate a droga. Como esta' escrito, parece que os EUA pretendem transformar a Bolivia num deserto, o que tambem poderia ser, mas ai ja seria outra piada.]

Narcotráfico mueve más de US$ 700 millones en Bolivia
21/09/2010 - 15h33

La semana pasada, el gobierno boliviano anunció la negociación de acuerdos de cooperación con Brasil, Reino Unido y Rusia, para el combate al narcotráfico, después de ser desertificado por Estados Unidos.
Ahora, se admite que el narcotráfico mueve hasta US$ 700 millones en el país, valor que está dentro del previsto por la Organización de las Naciones Unidas (ONU).
El propio vicepresidente, Álvaro García Linera, reconoce que por lo menos 3% del total de la economía boliviana es influenciada por el narcotráfico.
Linera afirmó que Bolivia seguirá buscando formas de combatir las actividades vinculadas al narcotráfico, pero descartó que la agencia norteamericana de combate a drogas, DEA, vuelva al país.
De acuerdo con información de la ONU, de ese total de US$ 700 millones, una parte inexpresiva llega al productor o intermedio andino.
En el mundo, el narcotráfico genera alrededor de US$ 72 mil millones en lucros.
Estados Unidos mantiene Bolivia en la lista negra de países productores de drogas, de la cual fueron excluidos Brasil y Paraguay.

Agora sim, a piada:

Bolivia teme invasión militar norteamericana
24/09/2010 - 10h51

Pasado miércoles, el vice presidente de Bolivia, Álvaro García Linera, afirmó que Estados Unidos puede utilizar al narcotráfico como pretexto para invadir al país.
Linera pidió a los productores de coca que contribuyan con el gobierno en la lucha contra el narcotráfico como forma de neutralizar los planes de Washington.
Según él, “hay potencias extranjeras que utilizan cualquier pretexto para silenciar el deseo del pueblo. Quiero decirles que tengamos cuidado con eso, que asumamos el tema de la producción de coca como un tema de repercusión mundial y sigamos el presidente Morales en su estrategia. El riesgo de invasión de una potencia que no acepta nuestra dignidad y desarrollo propio, es siempre latente”.
En la evaluación del vice presidente boliviano, Estados Unidos quiere tener siempre los otros países en la condición de subordinados y como Bolivia nacionalizó empresas estratégicas, se volvió un problema.
Álvaro García Linera entiende que el mismo pretexto fue utilizado por Estados Unidos para “invadir” Colombia hace 20 años.
Por lo tanto, pidió para que no produzcan coca en los parques nacionales y para que los programas de sustitución de cultivos sean facilitados.

A frase da semana

Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância.

Karl Raimund Popper

Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica - Paulo R. Almeida

Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica
Paulo Roberto de Almeida
revista Politica Externa, vol. 19, n. 2, set.-out.-nov. 2010

Nota preliminar do autor: O resumo imediatamente seguinte, constante do site da revista Política Externa, foi feito sob responsabilidade da edição da revista, a partir de argumentos efetivamente constantes no artigo, embora sob outra forma. Mais abaixo segue o texto originalmente encaminhado a revista.

Resumo: O presente ensaio de análise crítica deve ser considerado apenas como uma etapa preliminar e parcial do esforço de avaliação objetiva da diplomacia brasileira na era Lula. Dado o grau de politização alcançado por essa diplomacia – que atingiu de modo grave o Itamaraty –, um exame ponderado desses resultados terá provavelmente de esperar tempos mais serenos e menos sujeitos a querelas ideológicas. O julgamento provisório e preliminar contido no artigo se baseia, em parte, na constatação de que os insucessos e limitações da diplomacia de Lula em seus dois mandatos podem ser debitados, antes de tudo, a erros de concepção derivados de uma visão partidária limitada – e equivocada – das relações internacionais, bem como de uma seleção de “parceiros”, ou aliados, decorrente dessa mesma visão amadora do mundo e da região.

Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica
Paulo Roberto de Almeida *

Resumo: Análise crítica dos fundamentos conceituais e da agenda diplomática do governo Lula (2003-2010), com exame dos elementos teóricos que sustentaram suas iniciativas, no plano das relações exteriores e da política internacional do Brasil, e das iniciativas práticas que moldaram sua diplomacia nos oito anos de mandato. Ocorreu nítido realce da presença do Brasil no cenário internacional, com aumento geral da interlocução, mas os resultados efetivos para o Brasil não foram exatamente positivos, já que os grandes objetivos da diplomacia de Lula – cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, reforço e consolidação do Mercosul, como base de um grande espaço econômico sul-americano, e conclusão exitosa das negociações comerciais multilaterais – não foram alcançados, e podem inclusive ter acumulado barreiras mais consistentes. O único sucesso dessa diplomacia parece ter sido a promoção da figura de seu mentor, com grande reforço de sua projeção pessoal, em detrimento do próprio serviço diplomático, relegado a mero executor de iniciativas conduzidas por vezes de modo amadorístico.
Palavras-chave: Brasil. Política Externa. Relações Internacionais. Fundamentos conceituais. Agenda diplomática.

A política externa do Brasil, nos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010), pode ser apresentada e discutida em função de dois conjuntos de questões bem delimitadas: de uma parte, analisando-se os elementos conceituais que presidem à sua formulação e legitimação política; de outra parte, sob uma perspectiva de ordem essencialmente prática, pelo exame dos temas e prioridades da agenda diplomática do Brasil enquanto ator emergente na agenda global e, com maior ênfase, no contexto regional da América Latina (da América do Sul em particular).
Esta análise crítica se propõe abordar esses dois conjuntos de questões, num esforço que pode ser considerado como de contribuição ao debate sobre os fundamentos políticos e sobre os procedimentos de tipo operacional usados e mobilizados pela diplomacia brasileira, no governo Lula, com vistas a uma futura avaliação sobre sua adequação à realidade brasileira e regional e sobre sua eficácia para os fins por ele mesmo proclamados.

1. Conceitos do governo Lula em política internacional
A primeira observação que poderia ser feita em relação à diplomacia de Lula é a de que ela deixou de representar a unanimidade aparente das principais correntes da opinião pública nacional para suscitar, ela mesma, divergências e discordâncias quanto às suas prioridades e métodos de ação; ou seja, que ela deixou de ser consensual para tornar-se, de fato, controversa e sujeita a avaliações opostas, por vezes de modo agudo. A expressão “aparente” se justifica, na medida em que algumas orientações da política externa nem sempre gozaram de unanimidade na opinião pública – como o “terceiro-mundismo” alegado por algumas correntes de opinião, ou o suposto alinhamento ao “império”, invocado por outras – mas não se tem registro, nos principais meios de comunicação, de controvérsias tão acirradas quanto as suscitadas por iniciativas e alinhamentos do governo Lula, geralmente em direção de regimes tidos por progressistas na região e fora dela, mas que conformam, no mais das vezes, sistemas autoritários, quando não totalitários, em total contradição com os princípios democráticos e de defesa dos direitos humanos da Constituição.
Quais são, em todo caso, as idéias e pensamentos políticos que orientam a política externa brasileira no governo Lula? O pensamento político da política externa brasileira, no governo Lula, pode ser definido, por ordem de relevância, como um híbrido conceitual entre:
(a) posições e preferências políticas do Partido dos Trabalhadores (com ênfase no próprio presidente Lula e no ex-Secretário Internacional do PT e assessor internacional da Presidência da República);
(b) preferências políticas pessoais dos dirigentes da chancelaria (o Ministro de Estado e seu Secretário Geral no período 2003-2009, Samuel Pinheiro Guimarães, com maior incidência “teórica” deste último, um dos raros diplomatas que escreve para um público mais vasto, com bastante audiência nos círculos acadêmicos);
(c) posturas e tradições diplomáticas estrito senso, ou seja, da chancelaria brasileira, embora as posições desta, tecnicamente fundamentadas, tenham sido temperadas pelas novas concepções e prioridades políticas dos dirigentes políticos; elas vêm em último lugar, mas sempre foram operacionalmente importantes.
Os dois primeiros conjuntos de formuladores e de tomadores de decisões são obviamente mais importantes, no plano das definições políticas, do que o último, que tem um simples papel de assessoramento técnico ou de fundamentação operacional, atuando, portanto, mais no plano dos procedimentos do que no das grandes orientações a serem adotadas (ou já adotadas e em curso de implementação). Em todo caso, o número mais elevado de atores envolvidos nas decisões mais relevantes da política externa brasileira – em relação ao padrão relativamente homogêneo e unificado do passado, quando até os assessores presidenciais eram diplomatas de carreira, assegurando, portanto, uma perfeita unidade de posições entre a presidência e a chancelaria – pode significar maiores riscos para a unidade conceitual e operacional da diplomacia brasileira. Esse risco foi inclusive maior na fase inicial do governo Lula, quando o primeiro chefe da Casa Civil, também líder preeminente do PT, se envolvia em política externa, sem mencionar o antigo chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e de Assuntos Estratégicos, ambos afastados em 2005 e 2006, respectivamente, na sequência de crises políticas de relativa gravidade no âmbito do governo.
Cabe examinar, em primeiro lugar, as principais posições teóricas e o universo conceitual dos diferentes atores envolvidos na política externa, já que esses elementos conceituais são relevantes para explicar, mais adiante, as principais escolhas práticas e opções estratégicas da diplomacia brasileira. Essas idéias e posições recuperam todo um estoque de políticas pertencentes ao arco desenvolvimentista e nacionalista, tradicional no pensamento brasileiro de meados do século XX, acrescentadas de várias – mas não todas – contribuições da chamada esquerda brasileira em matéria de relações internacionais. Essas contribuições têm como base o socialismo, embora temperado pelas experiências de derrota e fracasso nas várias tentativas ao longo do século XX, o que obviamente diminuiu o ímpeto para reformas ou orientações econômicas declaradamente estatizantes ou dirigistas. Permaneceram, entretanto, entre seus principais líderes, o apelo e o apoio a supostos regimes de esquerda, na região e fora dela, em primeiro lugar o de Cuba, mas igualmente, e de forma crescente, os novos governos de esquerda radical identificados com a corrente dita “bolivariana” latino-americana, em sua maior parte estimulada pelo líder venezuelano Hugo Chávez, e seguida com diferentes matizes pelos presidentes da Bolívia (Evo Morales) e do Equador (Rafael Correa).
Essas idéias misturam e promovem um conjunto de conceitos muitas vezes contraditórios que pertencem tanto ao arco da esquerda moderada – que o intelectual, e ex-chanceler, mexicano Jorge Castañeda chamou de esquerda “herbívora” – quanto ao universo mental dos “instintos básicos” da esquerda carnívora do passado (à qual se filiam muitos militantes do PT ainda hoje, muito embora eles talvez não tenham muita importância decisória no governo). Como o PT nunca realizou aquilo que os comunistas italianos poderiam chamar de aggiornamento, ou seja, um processo de revisão moderadora de suas posições marxistas do passado – evolução registrada no caso do SPD alemão desde o congresso de Bad Godesberg, em 1959, no Partido Socialista Francês desde o seu controle pelo líder François Mitterrand nos anos 1970, e no Labour britânico sob o comando de Tony Blair, que modelou o New Labour em 1995 –, não se pode estranhar que muitos elementos conceituais do discurso do PT (inclusive em temas de política internacional) se filiem ainda ao velho arsenal teórico dos típicos partidos esquerdistas latino-americanos, quase todos anacrônicos.
Os “instintos básicos” da velha esquerda latino-americana – em grande medida refletida no Foro de São Paulo, um agrupamento de partidos de esquerda estimulados pelo governo de Fidel Castro e patrocinado desde o primeiro momento pelo PT – poderiam ser resumidos nos seguintes elementos: (a) anti-capitalismo (agora moderado, em vista da falta completa de alternativas, nas modernas economias de mercado, num mundo globalizado); (b) rejeição do mundo da alta-finança e das multinacionais (o que não impede posturas pragmáticas, de ‘aliança’ com a chamada burguesia nacional, mais por necessidade política, do que por convicção ideológica); (c) anti-imperialismo instintivo, de velha inspiração leninista (mas agora carente de maiores reflexões sobre o que significa, na verdade, ser anti-imperialista na atualidade, quando o poderio americano se encontra em declínio); (d) um antiamericanismo de certa forma ingênuo, na medida em que a potência imperial estaria supostamente identificada com o apoio a regimes de direita e a ditaduras militares, sem mencionar o antigo embargo a regimes socialistas (entre eles Cuba) e a natural preferência pelo capital, em lugar da classe trabalhadora (mas também simplesmente pelo fato de os EUA se apresentarem como a maior potência capitalista do planeta, ipso facto oposta ao “campo socialista”, que ainda recebia um apoio do princípio dos partidos de esquerda, indiferentes ao totalitarismo desses regimes); (e) estatismo exacerbado, que sempre ficou como uma marca registrada de movimentos ditos de esquerda (e nesse particular não ocorreu qualquer recuo filosófico, apenas uma acomodação temporária ou oportunista).
Essas preferências e orientações correspondem a uma ideologia difusa, não formalizada em grandes obras teóricas ou reflexões mais elaboradas no plano histórico ou conceitual, mas apenas em programas e declarações partidárias, de escassa consistência analítica. No plano diplomático, elas se traduzem numa série de posturas, algumas velhas, outras novas, que caracterizam e definem as preferências atuais da diplomacia brasileira; essas preferências podem ser alinhadas da seguinte forma:
(a) terceiro-mundismo instintivo (já que o Brasil é definido como país em desenvolvimento, e aparentemente condenado a sê-lo);
(b) soberanismo retórico, em grande medida agitado para fins de imagem política;
(c) nacionalismo superficial (mas que encontra eco nos meios militares e em setores de opinião identificados com velhas reações de introversão econômica);
(d) desenvolvimentismo substitutivo, recuperado numa agenda típica do passado do Brasil, com tarefas industrializantes típicas do velho protecionismo introvertido em matéria econômica;
(e) anti-hegemonismo infantil, pois que justificando algumas “alianças estratégicas” com parceiros que não são exatamente modelos acabados de democracias ou de regimes comprometidos com uma gestão econômica de mercado;
(f) ativismo em políticas setoriais, decorrente do instinto estatizante acima referido, o que se traduz em oposição de princípio a todo e qualquer avanço multilateral que implique regulação restritiva do ponto de vista das políticas públicas e setoriais, ou a regulação permissiva do ponto de vista das empresas e dos particulares em geral;
(g) apoio irrefletido a movimentos ditos progressistas, o que inclui governos, partidos, ONGs, com uma nítida prevalência de objetivos sociais ou políticos sobre metas econômicas ou comerciais, como revelado no caso de OGMs (organismos geneticamente modificados), agricultura familiar, subsídios a programas sociais, mecanismos de correção de “assimetrias” sociais e regionais, etc.;
(h) limitação da cooperação bilateral basicamente a países do Sul, ou cooperação com o Norte apenas em temas estritamente definidos.
No plano da diplomacia prática, essas posturas redundaram em diversas iniciativas, aliás, múltiplas, num hiper-ativismo que parece ter sido expressamente conduzida para superar o registro numérico da diplomacia presidencial anterior (do governo Fernando Henrique Cardoso), aliás criticada como parte da “herança maldita” de suposta submissão a interesses externos, falta de soberania e de defesa dos interesses nacionais. As tentativas reiteradas de classificar ações e posturas do governo anterior como “anti-nacionais” ou como “submissas ao império” ultrapassam a simples luta política e revelam, talvez, desvios de caráter, mais do que preocupações legítimas ou fundamentadas no plano dos princípios políticos. Exemplos abundam, entre elas a ridícula reiteração de um simples exemplo de conformidade a controles de segurança como representando “renúncia de soberania”.
Três grandes temas sempre estiveram no topo das prioridades da agenda externa do governo Lula:
(a) reforço e expansão do Mercosul, servindo como base da criação de uma zona de livre comércio na América do Sul, a partir de esquemas de coordenação política nos quais a liderança brasileira ficasse realçada naturalmente;
(b) busca de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, vista como uma das grandes “aspirações nacionais” e objetivo maior da diplomacia multilateral do Brasil, em função da qual foi montada a operação Haiti;
(c) busca de acordos comerciais no âmbito regional ou multilateral, com a rejeição concomitante de acordos intrusivos com as grandes potências comerciais (ou limitando-os a meros acordos de acesso a mercados).
Estas eram e continuam a ser as três grandes prioridades diplomáticas do governo Lula, expressamente citadas no discurso inaugural de 1o. de janeiro de 2003, e reafirmadas ainda no discurso inicial da segunda administração Lula, em 2007. Mas outras grandes questões também figuram na agenda diplomática da administração Lula; na continuidade da listagem inicial, elas são relacionadas a seguir:
(d) dinamização e estimulo à integração regional, com escassos resultados práticos, mas ainda assim diversas iniciativas políticas e sociais (à falta de resultados tangíveis no terreno econômico e comercial);
(e) alianças seletivas no contexto da diplomacia Sul-Sul, ditas estratégicas: IBAS, cúpulas interregionais com África e países árabes, mas também o grupo Bric (Rússia, Índia e China);
(f) protagonismo mundial, para reforçar as pretensões ao Conselho de Segurança da ONU e para criar uma nova relação de forças no plano mundial;
(g) reforma das instituições econômicas internacionais, embora a agenda aqui seja pouco clara, além de propostas mudancistas que estão quase no limite dos slogans do Fórum Social Mundial;
(h) preservação da agenda ambiental anterior, que de fato beneficia os maiores poluidores do mundo em desenvolvimento, e tentativa de transferência dos custos da mitigação brasileira para os países mais desenvolvidos e as agências internacionais (com uma mudança na direção de assunção de metas quantificadas no período imediatamente anterior à conferência de Copenhagen, em dezembro de 2009);
(i) iniciativas de combate à fome e de redução da pobreza, com mobilização de apoios internacionais, duplicação de esforços já mantidos pelas agências multilaterais e definição de mecanismos inovadores de financiamento (mesmo em contradição com os interesses do Brasil, pois que tendentes, num primeiro momento, a fórmulas equivalentes à da Tobin Tax ou taxação de transações específicas).
Todos esses elementos conceituais e idéias políticas impulsionam um número relativamente elevado de prioridades, cuja implementação requer a mobilização de muitos instrumentos típicos da diplomacia tradicional e outras “ferramentas” políticas. Nesse processo de diplomacia hiperativa, são mobilizados diversos tipos de atores, não apenas os diplomatas profissionais e assessores presidenciais, mas também outros representantes ministeriais. Existiriam, ademais: interlocutores informais (partidários, por exemplo); empresários; líderes da opinião pública; representantes de ONGs; talvez até mesmo personagens não identificados (já que há uma agenda político-partidária que não se exerce pelos canais institucionais normais, mas que podem envolver mecanismos não revelados, como pode estar ocorrendo, por exemplo, mediante a Secretaria de Assuntos Internacionais do PT e seus vínculos no Foro de São Paulo, um instrumento que serve sobretudo aos interesses de Cuba; ou ainda com representantes da Via Campesina e outros grupos obscuros).
A multiplicação de canais e de interlocutores pode fragilizar a unidade de comando e execução da política externa brasileira, quando já não ocorre o mesmo com sua própria concepção e formulação, partilhada por vários setores do próprio governo. Múltiplos canais de formulação e execução da política externa representam um convite à dispersão de ações, quando não à emissão de sinais contraditórios no plano externo, deixando confusos os interlocutores oficiais. O resultado pode ser perda de credibilidade e superposição de ações, com grande potencial de geração de conflitos internos e até externos.
Por fim, o hiperativismo presidencial, exageradamente colocado na linha de frente de vários dossiês negociais, sobretudo no âmbito regional, torna difícil a gestão dos diversos itens da agenda e, o que é mais grave, a sua administração em escalas gradativas de responsabilidade (pois que engajando já em primeira instância a palavra presidencial, da qual é difícil se desviar em fases ulteriores). Decisões diplomáticas de sérias repercussões nacionais podem, assim, estar sendo tomadas sem o necessário trabalho de estudo e reflexão prévios, baseadas puramente num impulso do momento ou sob pressão de outros dirigentes nacionais. Isso provavelmente já ocorreu no âmbito da integração regional, ou de projetos de conexão física.

2. A agenda diplomática do Brasil nos dois governos do presidente Lula
Quais foram as prioridades externas do Brasil no governo Lula e que meios operacionais foram mobilizados para alcançá-las? Caberia, talvez, fazer uma primeira distinção, importante, entre o que seria, ou que deveria ser, prioritário para o Brasil, enquanto nação e enquanto economia, na agenda internacional, e o que parece ter sido prioritário para o governo Lula na frente externa, inclusive, aparentemente, para fins de prestígio pessoal dos dirigentes e dos agentes diplomáticos, em contraposição ao que poderia representar uma atuação diplomática puramente objetiva, em função de uma agenda de prioridades nacionais.
Quais seriam, portanto, as prioridades nacionais ‘ideais” do Brasil, em termos de atuação externa, em função do cenário internacional? Uma listagem não exaustiva indicaria estes temas:
(a) a manutenção de um ambiente aberto aos negócios (comércio, investimentos, finanças e tecnologia) e aos intercâmbios de todo o tipo, o que torna a política econômica externa especialmente relevante para fins de diplomacia executiva (com destaque para as negociações comerciais multilaterais e os acordos regionais ou mesmo bilaterais);
(b) a intensificação dos laços de todo o tipo com os vizinhos regionais, com base numa agenda clara de abertura econômica recíproca e de liberalização comercial, ao lado dos projetos de integração física e da cooperação educacional e tecnológica;
(c) a redução dos riscos ambientais, energéticos ou militares para o desenvolvimento dos negócios, o que compreende uma agenda de segurança abrangente, compatível com os riscos percebidos;
(d) a intensificação dos esforços de cooperação externa, em especial com parceiros mais avançados, para a superação de um dos mais importantes gargalos no processo desenvolvimento nacional, que é a insuficiente capacitação educacional e tecnológica da população brasileira, o que implica projetos focados nos modelos tidos como de excelência no plano mundial.
Quais foram, em contrapartida, os temas privilegiados pelo governo Lula em sua agenda externa? A lista é enorme, indicando, em primeiro lugar, um hiperativismo diplomático construído bem mais em função da busca de protagonismo mundial para o governo Lula do que em conexão com um esforço ponderado de reflexão sobre as prioridades nacionais no plano mais geral do desenvolvimento nacional ou no âmbito mais restrito das relações exteriores. Cabe registrar, em segundo lugar, que as iniciativas foram se deslocando do entorno regional, onde os resultados foram de qualquer modo limitados, para o ambiente internacional de forma geral, com a ampliação das viagens e visitas presidenciais até em terrenos nos quais o grau de preparação técnica da diplomacia brasileira é reconhecidamente limitado (como o Oriente Médio, por exemplo), o que não eximiu o chefe supremo da diplomacia de exercícios pacificadores dotados de certa ambição retórica.
O objetivo da conquista de um assento permanente para o Brasil no CSNU parece ter tomado a dianteira desde muito cedo, motivando ações as mais diversas em múltiplas frentes de atuação; a conquista de oportunidades comerciais, no sentido restrito de acesso a mercados para os produtos brasileiros de exportação, ficou restrita, praticamente, ao âmbito multilateral, a rodada Doha da OMC, já que o governo se empenhou em sabotar as negociações da Alca (o projeto americano de uma área de livre comércio das Américas). Em função desse objetivo, o Brasil renunciou unilateralmente a débitos bilaterais, em modalidades que confrontam antigas resoluções do Senado Federal quanto aos limites do Executivo na negociação de financiamentos externos concedidos pelo Brasil; nunca se fez um balanço estritamente financeiro de todos os custos diretos e indiretos incorridos nessa busca obsessiva por apoios externos, sendo que vários write-offs incorreram, provavelmente, em vícios de procedimento, quando não em atos ilegais no plano das operações financeiras externas. No plano estritamente diplomático, duas iniciativas merecem destaques: a abertura de embaixadas plenas em diversos postos de escassa relevância substantiva para a política externa nacional, com novos custos diretos e indiretos a serem computados nos anos à frente, e a conformação do G4 – com Alemanha, Japão e Índia, o que pode ter “amarrado” o Brasil a países que enfrentam notórias resistências de membros permanentes do CSNU.
A integração regional foi perseguida, de fato, com muito ardor, mas aparentemente como um objetivo em si mesmo, sem medir os custos relativos das modalidades adotadas desde 2003 nessa frente negociadora. Os capítulos econômicos e comerciais, que constituem o núcleo básico do Mercosul, foram praticamente deixados de lado, tomando prioridade os aspectos sociais ou políticos. Mais grave ainda: a administração Lula foi leniente, quando não conivente, com diversas medidas de defesa comercial adotadas unilateralmente pela Argentina, em detrimento não apenas dos interesses comerciais de exportadores brasileiros, mas também de dispositivos pertinentes dos acordos existentes no Mercosul, quando não não em total contradição com as regras multilaterais contraídas no âmbito do GATT-OMC. Na prática, o Mercosul mais recuou do que avançou no período, independentemente de altas e baixas nos fluxos comerciais intra-bloco, que mais dependem da dinâmica dos agentes privados e do comportamento das economias, como um todo, do que de disposições e medidas governamentais. Um concepção enviesada, e totalmente irrealista, de supostas “assimetrias” no bloco levou o governo Lula a propor e financiar majoritariamente um “fundo” de dimensões extremamente modestas para o financiamento de obras nos países menores, duplicando em grande medida o trabalhos dos bancos multilaterais existentes, sem contar com a séria análise técnica dos projetos conduzida nessas entidades de fomento.
Não se pode dizer, por outro lado, que a busca de resultados concretos no terreno mais limitado da integração física sul-americana – tal como delimitado no primeiro encontro de chefes de Estado e de governos sul-americanos, realizado a convite do presidente Fernando Henrique Cardoso em Brasília, em 2000, do qual resultou a criação da IIRSA, Iniciativa de Integração Regional Sul-Americana – tenha avançado concretamente, já que não se tem registro de grandes obras nos terrenos das comunicações, infra-estrutura ou energia, ademais daquelas, limitadas, de interesse específico do Brasil (ou de suas grandes companhias de serviços) e financiadas com recursos nacionais (BNDES, geralmente). Aliás, em matéria de financiamentos a projetos, o governo Lula resolveu aderir a uma das mais infelizes iniciativas do presidente Hugo Chávez, tendente a criar um “banco da América do Sul”, um bancosur que o líder venezuelano logo pretendeu estender a outras regiões – inclusive para cumprir funções análogas às de um “fundo monetário regional”, além de entidade de fomento – e que realiza a proeza de duplicar esforços e mandatos de outros organismos existentes nessa área – como o BID, a CAF, o próprio BIRD – sem possuir a qualidade técnica de seleção de projetos destes e sem condições de exercer um controle estrito quanto ao mérito do financiamento com base em contrapartidas e seguimento especializado dos financiamentos empreendidos. Para alívio geral e preservação da racionalidade financeira no continente, a iniciativa não chegou a sair do papel, mas constitui mais uma das iniciativas mal-concebidas e mal-planejadas a que aderiu o governo Lula (junto com o natimorto projeto de integração energética da Venezuela ao Cone Sul, de custos inacreditáveis e resultados imprevisíveis).
A busca de “aliados estratégicos” entre parceiros do Sul, definida de modo amplo para abrigar também a Rússia, condicionou toda uma linha de atuação diplomática que demandou enormes investimentos sem uma avaliação realista dos resultados prováveis. Tanto no plano conceitual, quanto no terreno prático, tratou-se de uma seleção preventiva, e quase unilateral, de parceiros, para se buscar, em seguida, uma agenda concreta para preencher a moldura assim criada. O critério básico aqui seguido parece ter sido a condição de “ator não-hegemônico” do parceiro em questão, independentemente da amplitude da interface diplomática, ou da coincidência de posições nos terrenos dos valores e princípios que fundamentam, constitucionalmente, as relações internacionais do Brasil. Esses princípios, aliás, foram colocados diversas vezes em testes severos, como nos casos do programa nuclear do Irã ou da crise política em Honduras, onde a regra constitucional da não-intervenção nos assuntos internos de outros Estados foi seriamente abalada.
Com a possível exceção dos grandes temas da segurança internacional – ainda assim com o ativo envolvimento do Brasil nas questões multilaterais da área nuclear e de armas de destruição em massa, de modo geral, bem como por ocasião da presença ocasional no CSNU –, a diplomacia do Brasil tem buscado o envolvimento e maior presença em praticamente todos os foros abertos à sua participação. Provavelmente por orientação presidencial, o Brasil também buscou a liderança política em diversos órgãos do multilateralismo contemporâneo – BID, OMC, OMPI, OACI, UIT – ademais do já referido protagonismo regional, no âmbito do qual ele se ofereceu para “secretariar” a Casa, o foro de coordenação sul-americana que acabou sendo substituído pela Unasul. O ex-presidente argentino Nestor Kirchner chegou a dizer uma vez, em tom de galhofa, que o Brasil buscava inclusive a liderança do Vaticano, quando da escolha do novo papa, na sucessão de Karol Wojtilla.
Mesmo sem uma presença direta nas instâncias diretivas dessas instituições, o grau de envolvimento brasileiro aumentou e – por força da candidatura ao CSNU – as obrigações financeiras com todas elas estiveram, pela primeira vez em muitos anos, totalmente regularizadas. Mais especificamente, ocorreu uma seleção de foros para a atuação prioritária da diplomacia brasileira, bem mais identificados com os chamados interesses do Sul, do que com os da “interdependência capitalista”. Foram, assim, revitalizados os laços com mecanismos regionais ou de países em desenvolvimento e, de certa forma, rechaçados aqueles que tinham a ver mais diretamente com o “universo capitalista”, como a OCDE.
Mais ativamente ainda, a diplomacia brasileira forjou foros próprios de atuação, a começar do IBAS, das parcerias estratégicas, das reuniões de cúpula com os países africanos e árabes, ademais de um intenso programa de viagens e visitas presidenciais em todos as latitudes e longitudes, mas em especial no Sul e com grande ênfase na África. No contexto regional, os esforços foram ainda duplicados, ainda que os aspectos comerciais e econômicos, de modo geral, da integração regional não tenham conhecido progressos notáveis (talvez até mesmo estagnação, quando não retrocesso). O Mercosul foi “oferecido” a novos parceiros regionais: Chile, Bolívia, Equador e, sobretudo, Venezuela, com uma perigosa diluição dos compromissos jurídicos e das regras pertinentes à união aduaneira. Foram especialmente valorizados novos aspectos da integração regional, como os “políticos” – com a constituição de um Parlamento do Mercosul, superdimensionado – e “sociais” – igualmente com comissões e grupos de trabalho envolvendo todo tipo de interlocutores nessa esfera.
O objetivo mais ambicioso, quiçá, foi a Casa, oportunamente substituída pela Unasul, num formato talvez não desejado inteiramente pelo Brasil, que teve de ceder espaços de administração e controle para outros parceiros (secretariado instalado em Quito, por exemplo). Também de iniciativa brasileira foi o Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da Unasul, que, como a iniciativa mais abrangente da Cúpula da América Latina e do Caribe (Calc), carrega um leve sabor anti-hegemônico (o que foi, aliás, expressamente reconhecido pelos organizadores brasileiros, que se orgulharam de que, em quase 200 anos de história independente, era a primeira vez que se fazia uma reunião de cúpula sem a presença de “potências tutelares”). A despeito dos esforços engajados na criação da Unasul e do Conselho de Defesa não se pode dizer que sua atuação tenha sido de alguma forma relevante no tratamento do tema mais grave de segurança regional: o de grupos armados de narco-traficantes, em especial da FARC, que violam a soberania dos países, perpetram ações criminosas na Colômbia e nos países vizinhos, contribuem para reforçar o perfil de grandes exportadores de drogas que vem caracterizando esses vizinhos e cujos resultados práticos são os de contaminar de modo crescente a sociedade brasileira (do lado das drogas e da lavagem de dinheiro criminoso) e de envolver ainda mais o Brasil com o comércio mundial de produtos ilegais.
A reforma dos organismos internacionais e, em especial, das instituições financeiras internacionais já fazia parte do programa do PT desde praticamente a sua origem, não sendo de se estranhar que o tema reaparecesse de maneira mais enfática na presente fase da diplomacia brasileira. Além da demanda, porém, não existe uma visão muito clara sobre como devem ser feitas essas reformas, a não ser pelo desejo genérico de que a presença e a capacidade decisória dos países em desenvolvimento, em especial a do Brasil, sejam reforçadas. Tendo em vista que o processo é necessariamente lento, a despeito dos esforços conduzidos, havendo a consciência de que dificilmente se conseguirá romper o monopólio das grandes potências nessas instâncias, a diplomacia do Brasil tem-se voltado para a constituição de instâncias paralelas, ou informais, que possam trazer-lhe presença internacional, sem ter de passar pelos mecanismos de controle dos países mais ricos.
Em consequência, o formato dos grupos tem sido realçado e privilegiado, desde o G3 (IBAS), até o tradicional G77, passando pelo G4 (reforma do CSNU, com os outros três candidatos assumidos), pelo G20 comercial (que o Brasil liderou desde o início), pelo G20 financeiro (que assumiu maior importância com a crise financeira), pela eventual transformação do G8 em G13 (com a incorporação do Outreach-5) e por uma miríade de outros grupos mais ou menos informais, como o Bric. Alguns são discretamente abandonados – como o foro iberoamericano, em função, justamente, da presença das ex-metrópoles coloniais – enquanto outros são revitalizados e reforçados, como o Grupo do Rio – que estava praticamente desativado, mas que foi “renascido” para acolher Cuba numa instância de diálogo latino-americana (já que seria difícil incorporá-la diretamente ao Mercosul; aliás, seu ingresso naquele grupo foi apresentado como um grande sucesso diplomático).
De forma geral, todos esses grupos e instâncias de coordenação e de atuação em determinados foros – ONU, OMC, agências especializadas – visam a potencializar a ação da diplomacia brasileira, embora os fins explícitos e proclamados sejam o reforço da solidariedade dos países em desenvolvimento para os objetivos tradicionais desses países: comércio, cooperação, transferência de tecnologia, reforma das instituições, etc. Esse ativismo brasileiro, por vezes, pode criar focos de fricção ou de resistência por parte de alguns parceiros, que se sentem melindrados com a desenvoltura diplomática do Brasil, ou até com o que eles possam classificar como oportunismo e protagonismo excessivos. Tal ocorreu, por exemplo, com o impulso para o exercício de uma liderança regional brasileira, mal recebida em vários países da região sul-americana. Outros exercícios improvisados de liderança mundial – em especial no âmbito do Oriente Médio, com as questões palestina e do programa nuclear do Irã – confirmaram essa vocação para os holofotes, com muita retórica associada, mas pouca substância negociadora capaz de sustentar os esforços feitos.
Os objetivos brasileiros em cada uma das várias iniciativas diplomáticas podem ser específicos aos foros e temas envolvidos na agenda de cada uma dessas instâncias, mas o objetivo geral parece ser um só, e é de natureza essencialmente política: realçar a presença do Brasil, provavelmente a do próprio presidente, no plano internacional, como parte de um projeto de colocar o Brasil no círculo restrito das grandes potências mundiais (senão no terreno militar ou econômico, pelo menos nos planos político e diplomático). Em torno desse projeto forma mobilizados grandes recursos materiais e humanos e é em função dele que está construída a agenda de viagens presidenciais. Os temas envolvidos em cada uma dessas iniciativas recebem um tratamento superficial no campo diplomático – já que várias iniciativas carecem de estudos aprofundados para o seu adequado embasamento técnico, e podem, inclusive, representar perdas econômicas para o Brasil – mas são sistematicamente apresentados como consistentes com o interesse nacional brasileiro.
O problema da integração energética na América do Sul e a questão mais geral da cooperação Sul-Sul representam dois exemplos de investimentos políticos carentes de análise mais profundas no plano técnico. A despeito do imenso potencial existente e da diversidade de fontes em matéria de energia no continente sul-americano, parece evidente que o neonacionalismo energético e a orientação estatizante em cursos nos diversos países – inclusive no Brasil – não deve favorecer um processo real de integração nos próximos anos: a constante mudança de regras e a utilização da matriz energética para outros fins que seus objetivos precípuos num terreno puramente econômico, estão de fato afastando as possibilidades da integração para um horizonte distante. Quanto à cooperação Sul-Sul, registre-se a multiplicação de convênios e protocolos de cooperação com todos os parceiros possíveis, num esforço bem mais quantitativo do que seletivo na promoção de projetos viáveis: neste terreno, como em vários outros, a intenção parece ser a de formular uma agenda de viagens e depois redigir alguns atos, quaisquer atos, para serem assinados na ocasião. Em outros termos: monta-se a moldura e depois vai se buscar o que colocar em seu interior.

3. As roupas novas da diplomacia brasileira
Da exposição precedente, em suas duas partes – ou seja, tanto nos elementos conceituais, como na agenda prática – se pode concluir que o governo Lula foi bem mais propositivo no terreno das intenções diplomáticas do que ele conseguiu realizar, para todos os efeitos concretos, como resultados efetivos para o Brasil. Sem dúvida o Brasil tornou-se um ator mais relevante no plano internacional, com maior projeção de seus interesses nos cenários externos, mas essa presença ampliada também pode ser atribuída à continuidade de sua estabilidade econômica interna e à atratividade crescente aos capitais internacionais, dois resultados cujos fundamentos já tinham sido colocados no governo anterior, do presidente Fernando Henrique Cardoso. Com efeito, os elementos fundamentais da situação econômica brasileira – cujo sucesso nunca foi bem acolhido pela esquerda brasileira, passavelmente esquizofrênica em matéria econômica – tinham sido estabelecidos no início do segundo governo FHC, em 1999: sistema de metas de inflação, regime de flutuação cambial, superávits primários na gestão do orçamento nacional e lei de responsabilidade fiscal, que impede os políticos executivos de gastar de forma irresponsável e de deixar a dívida para os sucessores (lei que o PT, quando na oposição, tentou contestar no Supremo Tribunal Federal).
Foi precisamente em função da boa gestão econômica – que a esquerda do PT sempre chamou desdenhosamente de ‘neoliberal’ – que o governo Lula encontrou boa receptividade entre os governos do G7-G8. Seu governo dispõe, obviamente, de grandes recursos publicitários e pode contar, em parte, com o desconhecimento ou alheamento do grande público – para nada dizer dos próprios jornalistas – em relação aos itens da agenda externa, dado que é notório que o Brasil carece de centros de pesquisa e de especialistas em temas internacionais. O governo conta, assim, com grande latitude de ação, mas também com o respeito que a diplomacia profissional do Itamaraty granjeou ao longo do tempo. Mais importante, talvez, para seus objetivos imediatos e propagandísticos, ele conta com um grande capital de simpatia adquirida ou já ganha por antecipação, de muitos atores sociais, seduzidos pelo aparente progressismo de sua política externa, que atua como uma espécie de compensação prática para os aspectos mais conservadores de sua política econômica.
Existem poucas avaliações independentes e poucos estudos fiáveis, inclusive envolvendo o lado do custo-benefício, da maior parte das iniciativas diplomáticas do governo Lula. Alguns jornalistas bem informados, sobretudo na área econômica, exibem algum espírito crítico, mas eles são relativamente raros. Apenas o jornal O Estado de São Paulo tem exercido sua visão crítica sobre a diplomacia brasileira, acompanhado de maneira muito tênue pela Folha de São Paulo e O Globo. Não há perspectiva de que esse panorama pouco crítico – inclusive de escassa reflexão mais aprofundada – venha a mudar no horizonte previsível, o que permite supor a continuidade da concepção segundo a qual foi o governo Lula quem “colocou” o Brasil no mundo, não a de que este conquistou a posição de destaque de que goza hoje por mérito próprio, do país e de seus empresários, em função das características de sua economia estabilizada e da dimensão de seus mercados internos de bens e serviços – inclusive no terreno bancário do financiamento externo do consumo e no de grandes retornos para os investidores de curto prazo em suas bolsas e mercado de títulos governamentais – bem mais do que como resultado das grandes linhas da sua diplomacia ou de aspectos específicos da política externa brasileira.
No plano institucional, o Itamaraty foi de certa forma enquadrado pela diplomacia partidária e teve de cumprir missões, em especial na região, em relação às quais uma análise técnica e profissional, conduzida em bases puramente internas, teria provavelmente recomendado outro curso de ação, sobretudo no que se refere aos países ditos “bolivarianos”. O perfil estritamente profissional, sempre discreto, dos diplomatas de carreira contornou algumas situações mais constrangedoras, que uma atuação partidária amadora criou para a diplomacia nacional, não sem algum desgaste público, como revelado em diversos episódios comentados na imprensa (como o de Honduras, por exemplo). O terreno no qual o Brasil mais poderia ter exercido um papel de estabilizador e de garantidor da paz, da democracia, de promoção dos direitos humanos sempre foi, não é necessário lembrar, o da América do Sul, onde sua diplomacia tem condições de exercer algum papel de relevo, em função da longa presença e da capacidade interna, do Itamaraty, de “digerir” e de encontrar terrenos de entendimento e de conciliação compatíveis com o tamanho e a importância relativos do País. Contraditoriamente, porém, foi também o terreno no qual mais se fez sentir sua ausência em iniciativas apaziguadoras – em face de notórios problemas existentes ou criados por aliados inconvenientes – ao mesmo tempo em que a diplomacia de Lula se lançava em aventuras mundiais de desfechos imprevisíveis ou antecipadamente inócuos. Não seria necessário lembrar aqui esses muitos casos – em especial o conflito Argentina-Uruguai em torno das “papeleras”, bem como as tensões e fricções entre a Colômbia e seus vizinhos, a respeito do problema do narco-terrorismo – para comprovar que a reivindicação explícita ou implícita à liderança careceu de bases regionais compatíveis e condizentes com as pretensões mundiais do governo Lula.
Independentemente, porém, das ações governamentais, parece claro que o Brasil tem emergido como grande ator regional e, quiçá, internacional, em função da dimensão própria de sua economia, da estabilidade macroeconômica alcançada desde o Plano Real e a partir dos regimes de metas de inflação e de flutuação cambial, da sua capacidade decorrente de atrair capitais de risco e da sua posição naturalmente protagônica no quadro da América do Sul, como maior mercado regional. No plano da mídia mundial, o Brasil tem de fato ocupado maiores espaços em função do ativismo de sua diplomacia e da superexposição de presidente Lula. Cabe a esse respeito indagar se esses esforços vêm sendo direcionados para os temas e objetivos mais adequados aos interesses permanentes do Brasil.
Ao fim e ao cabo, não obstante o sucesso de imagem obtido pela diplomacia do governo Lula – aliás construído expressamente para essa finalidade específica – um julgamento mais adequado de sua diplomacia terá de esperar um debate ponderado entre observadores imparciais e independentes, além e acima dos interesses conjunturalmente relevantes ligados aos enfrentamentos políticos do período eleitoral. No que concerne à visão crítica exercida neste ensaio de avaliação, o julgamento provisório e preliminar que se poderia oferecer vem baseado nestas constatações: os insucessos e limitações da diplomacia de Lula em seus dois mandatos podem ser debitados, antes de tudo, a erros de concepção derivados de uma visão partidária limitada – e equivocada – das relações internacionais, bem como de uma seleção de “parceiros”, ou aliados, decorrente dessa mesma visão amadora do mundo e da região, atando o Itamaraty a uma cadeia de compromissos e de iniciativas que destoaram de suas linhas tradicionais de atuação; no terreno da prática, em segundo lugar, a multiplicação de iniciativas, amplamente centradas na figura presidencial, também careceu de um exame técnico mais ponderado, por parte da diplomacia profissional, quanto às condições de seu sucesso, o que também contribuiu para o registro limitado de resultados efetivos, à exceção da própria exposição da figura presidencial, como já mencionado.
Em suma, o “pensamento” e a “ação” da diplomacia de Lula são compatíveis e coincidentes com a sua figura e com as concepções e métodos de atuação de seu partido; ambos levam as marcas da personalidade presidencial e do universo “mental” – se é o caso de empregar a expressão – do movimento político que ele representa; a ambos devem ser debitados os resultados diplomáticos dos oito anos do mandato de Lula. Dado o grau de politização alcançado por essa diplomacia – o que atingiu de modo grave o Itamaraty – um exame ponderado desses resultados terá provavelmente de esperar tempos mais serenos e menos sujeitos a querelas ideológicas. O presente ensaio de análise crítica deve, portanto, ser considerado apenas como uma etapa preliminar e parcial desse esforço de avaliação objetiva da diplomacia brasileira na era Lula.

Theory and practice of Lula’s diplomacy: a critical assessment
Paulo Roberto de Almeida *
Abstract: Critical evaluation of the conceptual foundations and of the diplomatic agenda of Lula’s government (2003-2010), with an examination of the theoretical elements that support its initiatives, both in Brazil’s external relations and international policy, as well as of the practical measures that marked its eight years administration. Brazil grew significantly in world scenarios, with an enhanced posture, albeit not followed by concrete results. Lula’s three main diplomatic priorities – to gain a permanent membership at UN Security Council, strengthening and consolidating Mercosur and the regional economic integration in South America, and successfully concluding multilateral trade negotiations – were not achieved, and may be not achievable in the near future. There was one single success: Lula’s personal promotion as world leader, at the expense of professional diplomacy.

Key-words: Brazil. Foreign Policy. International Relations. Conceptual foundations. Diplomatic agenda.

* Paulo Roberto de Almeida é doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984), Mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia (1977) e diplomata de carreira desde 1977; é autor de numerosos livros e ensaios sobre as relações internacionais e a política externa do Brasil (www.pralmeida.org).

Direitos Humanos: MRE vs ONG, um debate saudavel

Direitos humanos a sério
Oscar Vilhena Vieira
O Estado de S.Paulo, 25 de agosto de 2010

Em recente artigo publicado na imprensa, o ministro Celso Amorim busca refutar as crescentes objeções que vêm sendo feitas à política externa brasileira no campo dos direitos humanos. O fato de o chanceler vir a público justificar a condução da política externa é, em si, um avanço. A manifestação também é positiva na medida em que reitera o compromisso do governo com os direitos humanos. O que se pretende aqui questionar é se as premissas e as ações do governo são condizentes com esse compromisso, reiterado pelo ministro.
De acordo com Amorim "reprimendas ou condenações públicas" não constituem o melhor caminho para obter o respeito aos direitos humanos. A seu ver, é mais eficaz dar o "exemplo e, ao mesmo tempo, agir pela via do diálogo franco". Essa premissa, além de moral e juridicamente discutível, não pode ser comprovada faticamente. São inúmeras as experiências em que a denúncia e a pressão internacional desempenharam papel fundamental na derrubada de regimes violadores, como o emblemático caso sul-africano. Teria sido melhor se a comunidade internacional, incluindo as Nações Unidas, em vez de denunciar e impor duras medidas ao regime racista, tivesse apenas buscado o diálogo respeitoso com seus líderes? Teria sido melhor que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que no final dos anos 1970 denunciou corajosamente a tortura e os desaparecimentos forçados na Argentina e no Chile, tivesse optado pelo diálogo com Augusto Pinochet ou Jorge Videla? Por acaso as denúncias feitas pelo presidente Jimmy Carter em 1977 sobre a tortura no Brasil não contribuíram para a redemocratização? Deveria ter optado por uma atuação mais discreta, para não incomodar nossos generais?
O diálogo e a persuasão são instrumentos não apenas válidos, como importantes, mas não podem dispensar o reconhecimento público das violações, a responsabilização dos violadores e a reparação às vítimas, especialmente pelos mecanismos internacionalmente concebidos para proteger os direitos humanos. Ao se propor uma atuação "conciliadora" não apenas de Estados, mas dos próprios mecanismos multilaterais de direitos humanos, a política brasileira tem contribuído para fragilizar esses mesmos mecanismos, com consequências nefastas para as vítimas.
Ao buscar superar o maniqueísmo e a seletividade que imperam na conduta de muitos países do Norte, o Brasil corre o risco de criar um novo maniqueísmo e uma nova seletividade. Muitas das recentes manifestações do Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU têm causado inconformismo entre aqueles que tomam os direitos humanos a sério. É o que se pode identificar nos casos de Irã, Sri Lanka, Mianmar, Sudão (Darfur), República Democrática do Congo, em que a participação brasileira não se alinhou a resoluções voltadas para apurar as violações, responsabilizar os violadores ou mesmo manter mecanismos internacionais para aferição de tais violações. O Brasil parece estar criando uma nova seletividade, em que o que importa não é a natureza ou a gravidade das violações, mas a origem das acusações ou a proximidade política com o violador. No caso do Sri Lanka, o Brasil juntou-se ao próprio governo desse país, a Cuba, Paquistão, Irã e Sudão, entre outros governos não-democráticos, para derrubar uma resolução proposta pela União Europeia. O Brasil já vinha se comportando seletivamente na antiga Comissão de Direitos Humanos. Basta verificar como se manifestou em relação às resoluções que cuidavam de violações na China, na Chechênia, no Zimbábue e em Belarus. Esse mesmo padrão de diálogo não se aplica, por exemplo, quando o assunto é a condenação das violações promovidas por Israel no caso dos palestinos. O Brasil, porém, não ousa promover resoluções que condenem as violações sérias e existentes em países do Norte, como, por exemplo, as conhecidas manifestações contra os direitos básicos dos prisioneiros de Guantánamo.
O caso da Coreia do Norte talvez seja o mais emblemático. Apesar de gravíssimas denúncias de existência de campos de concentração e execuções de dissidentes políticos, e das inúmeras demonstrações de que o regime de Pyongyang não está disposto a cooperar, o Brasil vislumbrou uma "janela de oportunidades" e negou-se a apoiar uma resolução que propunha renovar o mandato do relator especial para aquele país. Somente depois de ver suas propostas ignoradas pelo regime totalitário de Pyongyang e ser interpelado pelo Ministério Público Federal, o Itamaraty finalmente mudou sua posição. O resultado desse processo foi o estabelecimento de um conjunto de recomendações ao governo para que não mais olvide suas obrigações constitucionais no trato das questões de direitos humanos.
A política de direitos humanos brasileira tem avançado em diversas frentes, como na discussão sobre propriedade intelectual, medicamentos, meio ambiente e luta contra a pobreza, porém tem se demonstrado ambígua quando se reporta às violações cometidas por regimes repressivos. Se o Brasil quer representar algo novo no cenário internacional, não apenas no aspecto econômico, mas também ético, não pode mais invocar o "simplório" e ultrapassado princípio da não-interferência; não pode mais praticar uma seletividade enrustida e ressentida; não pode mais fragilizar a autoridade dos mecanismos internacionais de direitos humanos e das ONGs que operam nesse campo.
Se a proposta é estabelecer um "diálogo franco", isso significa disposição para o reconhecimento das violações, responsabilização dos violadores e reparação às vítimas. Esta, porém, não parece ser a postura de muitos dos interlocutores do governo brasileiro.

DIRETOR JURÍDICO DA CONECTAS DIREITOS HUMANOS, É PROFESSOR DA ESCOLA DE DIREITO DE SÃO PAULO DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Pausa cinematografica (dolorosa e sem pipoca)

Deveria ser a piada da semana, talvez do mes, quem sabe do ano:

Filme "Lula" vai representar o Brasil em disputa por vaga ao Oscar
DE SÃO PAULO, 23/09/2010 - 12h24

Final de "Lula, o Filho do Brasil" será mudado para a versão internacional

O filme "Lula, o Filho do Brasil", de Fábio Barreto, foi o escolhido nesta quinta-feira por uma comissão de especialistas para representar o Brasil na disputa por uma vaga ao Oscar de melhor estrangeiro em 2011. O longa foi eleito por unanimidade.

A Academia divulga a lista dos finalistas no dia 25 de janeiro. A cerimônia de premiação acontece no dia 27 de fevereiro, em Los Angeles.

A comissão que escolheu o filme foi formada por representantes do MinC, da Secretaria do Audiovisual, da Agência Nacional de Cinema e da Academia Brasileira de Cinema.

Roberto Farias, presidente da Academia Brasileira de Cinema, disse à Folha que o corpo de jurados escolheu o filme por unanimidade e que a definição levou em conta o fato de Lula ser uma figura conhecida internacionalmente. "Talvez seja o nosso maior astro", disse.

Ele se defende de críticas de que esta foi uma escolha política. "A nossa posição não tem nada a ver com as eleições. É uma coincidência ter escolhido esse filme num ano de eleição", afirma.

Para Newton Cannito, secretário do Audiovisual, a escolha foi uma questão estratégica. "É o filme que tem mais chance de ganhar esse prêmio. Não é o melhor nem o mais popular", explica.

Foram o júri Cássio Henrique Starling Carlos, Clélia Bessa, Elisa Tolomelli, Frederico Hermann Barbosa Maia, Jean Claude Bernardet, Leon Cakoff, Márcia Lellis de Souza Amaral, Mariza Leão Salles de Rezende e Roberto Farias.

Concorriam os filmes "As Melhores Coisas do Mundo", "A Suprema Felicidade", "Antes que o Mundo Acabe", "Bróder", "Carregadoras de Sonhos", "Cabeça a Prêmio", "Cinco Vezes Favela, Agora Por Nós Mesmos", "Chico Xavier", "É Proibido Fumar", "Em Teu Nome", "Hotel Atlântico", "Nosso Lar", "Olhos Azuis", "Ouro Negro", "O Bem Amado", "O Grão", "Os Inquilinos", "Os Famosos e os Duendes da Morte", "Quincas Berro D'Água", "Reflexões de um Liquidificador", "Sonhos Roubados" e "Utopia e Barbárie".