O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sábado, 21 de maio de 2011

"A saude no Brasil atinge a perfeicao", ou uma variacao disso...

Nao tenho certeza da frase acima, citada de memoria, talvez tenha sido algo como: "A saúde no Brasil é quase perfeita".
Whatever! Nosso equivocado frasista não tinha o menor compromisso com a verdade, e desejava apenas engrandecer seu desgoverno e as fraudes continuamente praticadas contra os brasileiros pela inepcia dos companheiros encastelados no poder.
Abaixo, um resumo de uma matéria maior da revista The Lancet sobre a saúde no Brasil:
http://www.thelancet.com/series/health-in-brazil?elsca1=BRAZILSERIES-ANNOUNCEMENT&elsca2=email&elsca3=segment

Health in Brazil
Launched in Brasília May 9, 2011

Brazil has made significant improvements in maternal and child health, emergency care, and in reducing the burden of infectious diseases. But the news is not all good. The country continues to have a burden of injury mortality that is different from other countries due to the large number of murders, especially using firearms. Obesity levels are increasing and caesarean section rates are the highest in the world.

Brazil now has the opportunity to move closer towards its ultimate goal of universal, equitable, and sustainable health care as enshrined in the 1988 Constitution. To highlight this opportunity, The Lancet is publishing a Series of six papers that critically examine what the country’s policies have achieved and where future challenges lie. As Cesar Victora and colleagues conclude in the final paper of the Series: "the challenge is ultimately political, requiring continuous engagement by Brazilian society as a whole to secure the right to health for all Brazilian people."

O gigante anestesiado? provavelmente...

Os fatos sao os relatados abaixo. Se, depois de tudo isso, não acontecer nada, é porque o gigante não só foi anestesiado, mas drogado, amarrado, amordaçado, humilhado, pronto para servir de repasto às máfias que disputam o poder...
Primeiro a notícia, depois o editorial...
Paulo Roberto de Almeida

Entre a eleição e a posse de Dilma, Palocci faturou R$ 10 milhões
Catia Seabra
Folha de S.Paulo, 21/05/2011

O faturamento da consultoria do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, no ano passado superou R$ 10 milhões em novembro e dezembro, os dois meses que separaram a eleição da presidente Dilma Rousseff e sua posse. Palocci foi o principal coordenador da campanha de Dilma e chefiou a equipe que organizou a transição para o novo governo nesse período. Dilma anunciou sua escolha como ministro da Casa Civil no dia 3 de dezembro.

O valor obtido nos últimos dois meses do ano pela empresa de Palocci, a Projeto, representa mais da metade de sua receita no ano passado. A consultoria faturou R$ 20 milhões em 2010, segundo duas pessoas que examinaram seus números e foram ouvidas pela Folha.
Sem confirmar os valores, a assessoria da empresa atribuiu a intensa movimentação do fim do ano ao cancelamento de vários contratos após a decisão de Palocci de mudar a Projeto de ramo e encerrar suas atividades como consultor, antes de assumir o comando da Casa Civil. Palocci abriu a Projeto em julho de 2006 e manteve sua atividade empresarial nos quatro anos em que exerceu o mandato de deputado federal e durante a campanha eleitoral do ano passado.

Como a Folha revelou ontem, o desempenho da Projeto no ano passado representou salto significativo em comparação com os R$ 160 mil faturados em 2006, quando a empresa abriu as portas. faturamento da Projeto em 2010 põe a consultoria de Palocci em pé de igualdade com as maiores empresas do ramo no país. A LCA Consultores, que hoje lidera o setor, faturou pouco mais de R$ 20 milhões no ano passado. Entre as empresas que contrataram Palocci nos últimos anos estão a construtora WTorre e a operadora de planos de saúde Amil, como a Folha informou ontem.

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O que o ministro oferecia? Tráfico de influência!
Edtorial - O Estado de S.Paulo
Sábado, 21/05/2011

O então deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci faturou muito mais do que os cerca de R$ 7,5 milhões gastos com os dois imóveis comprados em nome da Projeto, a empresa de consultoria que abriu em 2006 e transformou em administradora de bens no final de 2010, dias antes de assumir a Casa Civil da presidente Dilma Rousseff, de quem tinha sido coordenador de campanha. Nesse período, portanto, ele multiplicou o seu patrimônio declarado por muito mais do que 20 vezes.

Palocci se recusa a falar em números, a identificar clientes e a descrever a natureza dos serviços que lhes prestou. Mas o texto produzido por sua assessoria para orientar os líderes da base parlamentar do governo na sua defesa - e que, por inadvertência, foi amplamente difundido - argumenta que, “no mercado de capitais e em outros setores, a passagem por Ministério da Fazenda, BNDES ou Banco Central proporciona uma experiência única que dá enorme valor a esses profissionais no mercado”, citando ex-autoridades da área que prosperaram na iniciativa privada.

Qual será o valor de mercado de quem tem a oferecer, além da “experiência única”, a credencial de ter permanecido como protagonista de primeira grandeza na esfera das decisões do governo? Palocci sabia não apenas como funciona o poder, mas que rumos o poder tencionava tomar em matérias de interesse direto do empresariado e do sistema financeiro. O escândalo da quebra do sigilo bancário do caseiro que testemunhou as visitas do então titular da Fazenda a uma mal-afamada casa de Brasília custou-lhe o posto, mas não o prestígio.

Enquanto dava lá as suas disputadas consultorias - a carteira de clientes da Projeto incluía pelo menos 20 formidáveis corporações -, ele continuava a ser interlocutor privilegiado do presidente Lula e da elite lulista, no Executivo, na administração indireta e no Congresso. Quando chegou a hora, tornou-se fiador da candidata Dilma Rousseff junto ao grande capital. Dizer, como o aide-mémoire que vazou para todos os lados, que 237 parlamentares exercem atividade econômica é querer jogar areia nos fatos. O deputado Palocci esteve longe de ser mais um.

Relator do projeto social do pré-sal e da proposta de prorrogação da CPMF, presidente da comissão da reforma tributária e membro da comissão do Orçamento, lembra a colunista Maria Cristina Fernandes, do jornal Valor, além de diretamente envolvido na regulamentação da previdência complementar, ele estava em posição de antecipar tendências aos seus consulentes, um certo número dos quais há de ter contribuído para a sua campanha, e de levar em conta os seus interesses. Não está claro em que medida isso estava no cerne de suas consultorias - se é que estava. Mas os ganhos da Projeto são compatíveis com oportunidades dessa magnitude.

Significativamente, talvez, a firma não tinha nome na praça, ao contrário de congêneres como a LCA e a Tendências (de que é sócio o ex-ministro Mailson da Nóbrega, citado como exemplo de sucesso na nota da Casa Civil). Segundo a Folha de S.Paulo, profissionais do setor “nunca ouviram falar da atuação da empresa de Palocci”. O jornal equipara o faturamento da Projeto ao daquelas com uma centena ou mais de clientes - um número bem maior que os do ministro - e dezenas ou uma centena de funcionários. O quadro de pessoal da Projeto é desconhecido.

Em documento enviado à Procuradoria-Geral da República para se antecipar a um eventual pedido de esclarecimento sobre os seus negócios, conforme revelou o Estado, Palocci cita apenas o seu sócio (com 1% do capital da consultora) Lucas Martins Novaes. Por ser ele economista, o ministro - médico de formação - podia ter uma empresa de “prestação de serviços, palestras, análise de mercado”. A explicação é supérflua. Obviamente, nenhuma empresa capaz de pagar o que a Projeto cobrava iria preteri-la em razão das origens profissionais do seu sócio titular.

Nem ele deve tê-la criado para lavar “recursos não contabilizados”, como diriam os seus companheiros petistas ao tempo do mensalão. A lógica dos fatos indica que o ilícito que se poderia atribuir a Palocci, levando às alturas o seu patrimônio, chama-se tráfico de influência.

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Ministro pede a Kassab que preserve sigilo fiscal da Projeto
Por Leandro Colon
O Estado de S. Paulo, 20/05/2011

Para evitar qualquer tipo de quebra ilegal do sigilo fiscal de sua empresa, o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, acionou o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. O petista quer evitar que integrantes de escalões inferiores da administração municipal vazem informações sobre a Projeto Administração de Imóveis, que até o ano passado funcionou como empresa de consultoria.

Um interlocutor do ministro telefonou para Kassab na quarta-feira, 18, para alertar sobre rumores de que adversários do ministro estavam trabalhando para conseguir os valores de tributos municipais recolhidos por sua empresa entre 2006 e 2010, período em que Palocci disse ter prestado consultoria a clientes através da Projeto. A revelação, por exemplo, de quanto o ministro recolheu do Imposto Sobre Serviço (ISS), cuja alíquota é de 5% em São Paulo, poderia indicar o faturamento da Projeto, informação que Palocci tem guardado a sete chaves.

Ao recorrer a Kassab, o Palácio do Planalto mostra que conta com seu apoio na crise vivida pelo ministro da Casa Civil após a revelação de que aumentou seu patrimônio em 20 vezes nos últimos quatro anos. Ao deixar o DEM para fundar o PSD, o prefeito de São Paulo tem sinalizado uma aproximação com o governo da presidente Dilma Rousseff. Na conversa com os interlocutores de Palocci, Kassab mandou o recado de que, se depender dele, não haverá vazamento de dados sigilosos de sua empresa que estão ao alcance da Prefeitura. Kassab escalou assessores para acompanhar o caso.

A aliados, Palocci tem debitado a origem da crise a possíveis divergências políticas dentro do seu próprio partido, o PT. Teme que petistas usem a influência conquistada em escalões inferiores na gestão de Marta Suplicy para conseguir informações sigilosas de sua empresa. Palocci também avalia que políticos do PSDB, de olho em desgastá-lo, atuem para obter dados fiscais da Projeto.

The West and the Rise of the Rest - debate at Chatham House

Vale assistir:

The West and the Rest: the Changing Global Balance of Power in Historical Perspective
Site Chatham House, Monday 9 May 2011 13:30 to 14:30
Location
Chatham House, London

Participants
Niall Ferguson, Laurence A Tisch Professor of History, Harvard University and William Ziegler Professor, Harvard Business School
Chair: Professor Michael Cox, Department of International Relations, The London School of Economics and Political Science

With China projected to overtake the United States in terms of economic output within the next ten years, many commentators are speaking of a new 'Asian century' and the 'decline of the West' long ago predicted by Oswald Spengler and others. The speaker will draw on his work on the last 600 years of world history to offer an insight into the changing global balance in terms not only of economics, but also of geopolitics and 'soft power'.

Event Video:

Resources:
Meeting Transcript (Click to download)
Meeting Recording (Click to download) Click on the play icon to start playing the audio. Hover over the centre of the circle and click again to pause.28.05 MB - Length: 30:39
Q&A Recording (Click to download) Click on the play icon to start playing the audio. Hover over the centre of the circle and click again to pause.26.94 MB - Length: 29:26

Faltou combinar com os russos...

Antes de consultar o proprio interessado, o governo brasileiro declarou abertamente seu apoio, como próximo Diretor-Gerente do FMI, ao ex-ministro das finanças da Turquia, Kemal Dervis, que não é candidato e não cogita sê-lo, como informa esta matéria do NYTimes:

I.M.F. Seeks New Chief by June 30
By GRAHAM BOWLEY
The New York Times, May 20, 2011
(...)
A Turkish official considered one of the leading contenders, Kemal Dervis, who was the country’s economy minister in 2001 and 2002, took himself out of the running for the position on Friday. “Speculation about succession at the I.M.F. has included me in the group of persons with relevant experience,” he said in a statement. “But I have not been, and will not be, a candidate.”
(...)
This time, nations like Brazil and China want a more open process that could see an official from an emerging market be appointed to the position for the first time. The job is considered one of the most prestigious among multinational institutions.
(...)

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Este editorial do mesmo jornal, se alinha à posição já expressa pelo presidente do BC brasileira, Alexandre Tombini, mas sem pagar direitos autorais...

EDITORIAL
Who Should Run the I.M.F.?
The New York Times, May 20, 2011

The arrest of Dominique Strauss-Kahn has turned the International Monetary Fund into front-page news and cast a harsh light on its dysfunctional workplace culture. Whoever is chosen to succeed Mr. Strauss-Kahn must be prepared to address both the European debt crisis and the institution’s own problems.

For 65 years, all of the fund’s managing directors have been chosen from the wealthy industrialized countries of Europe. That tradition, along with the United States choosing the president of the World Bank, may have fairly reflected the economic geography of 1946. But it does not reflect today’s world, and powerful new players like China, India and Brazil rightly resent it.

Both jobs ought to be filled on merit alone, with a strong emphasis on technical and diplomatic competence and managerial skills. That should not exclude qualified Europeans, but neither should it guarantee them the job.

European governments are already lobbying for Christine Lagarde, who is now the French finance minister, a job Mr. Strauss-Kahn also held. The I.M.F. has been led by French managing directors for 36 of its 65 years. That is too clubby for an institution whose main business has been to persuade foundering governments to undertake unpopular economic reforms in exchange for loans.

Even before the Strauss-Kahn scandal, the fund had a reputation among many of its female staff members as a workplace that failed to police unwanted amorous advances and other forms of harassment. The next managing director will have to make zero tolerance the rule.

Ms. Lagarde, who would be the first woman to hold the job, has the experience and many other strong qualities. But there are other talented candidates to consider, including Tharman Shanmugaratnam, Singapore’s finance minister and chairman of the I.M.F.’s financial committee, and Arminio Fraga Neto, a former head of Brazil’s central bank and an architect of that nation’s successful economic reforms. Voting on the governing board is weighted by historic economic heft. So if the European Union lines up behind Ms. Lagarde, no single developing-world alternative emerges and Washington backs Europe’s choice, there may be no real contest. It would be better for the I.M.F., and for the winner, if there was.

A version of this editorial appeared in print on May 21, 2011, on page A18 of the New York edition with the headline: Who Should Run the I.M.F.? The choice should be based on merit, not geography.

Brasil russificado?; parece o caso de se perguntar...

A Rússia está voltando aos tempos do czarismo, num sistema pior, já que o capitalismo é mafioso.
Será que o Brasil se aproxima do padrão?
Paulo Roberto de Almeida

Força bruta contra a oposição
Editorial - O Estado de S.Paulo
20 de maio de 2011

Nunca se viu em algum país civilizado, na vigência do regime democrático, o que o governo fez na manhã da quarta-feira para impedir que o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, fosse chamado a explicar ao Congresso como conseguiu multiplicar o seu patrimônio por 20 enquanto exercia mandato de deputado federal, entre 2006 e 2010. Cumprindo a sua parte na operação decidida na véspera no Palácio do Planalto, o líder do governo na Câmara, o petista Cândido Vaccarezza, acionou os serviços da Casa, com a provável cumplicidade da presidente em exercício, Rose de Freitas, do PMDB, para bloquear - pela força - o acesso dos membros de duas comissões legislativas permanentes às respectivas salas.

Representantes da oposição na Comissão de Finanças e Tributação e na de Fiscalização e Controle pretendiam aprovar requerimentos convocando Palocci a depor sobre as atividades que mantivera em segredo até a divulgação das vultosas transações imobiliárias feitas em nome de uma empresa de consultoria que também se ignorava que ele houvesse criado depois de perder o Ministério da Fazenda. Numa iniciativa equivalente, no plano simbólico, ao fechamento do Poder Legislativo, políticos transformados em cães de guarda do principal quadro do governo Dilma Rousseff mandaram trancar os plenários das citadas comissões - e chamaram a Polícia Legislativa para, no papel de leão de chácara, barrar a passagem dos parlamentares.

A truculência chegou a ponto de impedir um deputado do PPS, Rubens Bueno, de colar cartazes nos corredores da Câmara com a inscrição "Blindagem do Palocci". Quando os oposicionistas se deslocaram para a Comissão de Agricultura, chefiada pelo DEM, para apresentar ali o requerimento que não puderam votar nos locais bloqueados, mais do que depressa Vaccarezza recorreu ao rolo compressor do poder, a modalidade mais costumeira de violência política no Congresso: fez a presidente Rose convocar uma insólita sessão deliberativa matinal da Câmara. Nessas circunstâncias, conforme o seu regimento, nenhuma das 16 comissões da Casa pode se reunir. Em plenário, os pedidos de convocação de Palocci foram rejeitados por ampla maioria.

Na votação mais importante, que o Planalto venceu por 266 a 72, apenas 6 integrantes da base governista não quiseram blindar o ministro. Do lado da oposição, foram 66 votos pela convocação e 6 contrários. O resultado foi atribuído a um acordo fechado com o próprio Palocci, em seu gabinete. Em troca de ele ser poupado da inquirição parlamentar, o governo não apenas permitiria que enfim fosse votado o polêmico projeto de reforma do Código Florestal - o que a presidente se recusava a fazer diante da perspectiva líquida e certa de derrota -, como ainda cederia em um ponto crítico do texto, duramente combatido pelos ambientalistas: a autorização para que continue o plantio em Áreas de Preservação Permanente (APP), iniciado até 22 de julho de 2008. O projeto deverá ser votado na próxima terça-feira.

A conduta dos operadores do Planalto no episódio das comissões da Câmara foi de uma gravidade inconcebível. O trato, uma desmoralização para a presidente da República. "O governo dizia que não aceitaria proposta que ampliasse o desmatamento", lembrou a ex-ministra Marina Silva. O afã que levou o governo a extremos para proteger o titular da Casa Civil é desconcertante. O fato de ser ele, reconhecidamente, o homem forte da atual administração - e sem ninguém a lhe fazer sombra - não é uma explicação satisfatória. Afinal, depois que a sua benevolente Comissão de Ética concluiu que Palocci estava limpo, não vive o governo alardeando que o assunto está encerrado?

Se não há nada que o desabone, se ele não transgrediu nem a legislação nem as normas que regem a conduta dos agentes públicos federais, não se entende por que o governo apelou para a brutalidade e ainda fez um acordo pusilânime para preservar uma figura política que, de mais a mais, raros deputados terão interesse em destruir. Nesse quadro, a política de aversão ao risco adotada pelo Planalto só faz adensar as suspeitas sobre o seu "primeiro-ministro" tão excepcionalmente bem-sucedido nos negócios.

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Addendum em 23/05/2011:

Um leitor me enviou esta matéria: enquanto no Brasil, o ministro pode acumular mais de cinco milhões de dólares impunemente, na Grã-Bretanha, um outro é condenado por ter recebido menos de 50 mil dólares:

Ex-ministro é condenado por transação imobiliária
Walter Guimaraes
Do Contas Abertas, 20/05/2011

Enquanto no Brasil o governo faz de tudo para blindar o chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, pelas dúvidas surgidas na compra de imóveis no valor de mais de R$ 6 milhões em São Paulo, nesta sexta-feira a justiça inglesa condenou ex-ministro do Meio Ambiente a 16 meses de prisão, por ter recebido R$ 79 mil irregularmente.

Na sentença do político do Partido Trabalhista, Elliot Morley, o juiz descreve que houve “desonestidade flagrante” em solicitações de devolução de hipotecas já pagas. No caso, Morley alegava ter R$ 40 mil em créditos hipotecários, quando na verdade teria direito a R$ 4 mil. Além disso, o político apresentou pedidos de R$ 44 mil para a hipoteca sobre um imóvel de sua propriedade perto de Scunthorpe, no norte do país, apesar do valor já ter sido pago.

As denúncias contra Morley surgiram no meio do escândalo de repasses irregulares para parlamentares ingleses publicado pelo jornal Daily Telegraph em maio de 2009. A série de reportagens gerou crise no governo do então primeiro-ministro Gordon Brown, e acabaram por levar à antecipação das eleições que escolheram o atual premier David Cameron.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Escaramuças comerciais Brasil-Argentina: se foi para desfazer, por que fez?

Eu nunca vou deixar de me surpreender com a coerência, a constância, a racionalidade e sobretudo a persistência de nossas políticas públicas em geral, com a fundamentação empírica e legal de nossa política comercial em particular, e em especial com a fabulosa política bilateral Brasil-Argentina, feita de doçuras e belezuras durante mais de oito anos, de repente endurecida (estilo Ché Guevara?) e agora novamente acomodatícia e compreensiva.

Se as salvaguardas "automobilísticas" foram dirigidas a um problema real -- ou seja, as importanções maciças de automóveis estrangeiros que estariam prejudicando a indústria nacional, segundo alegado (e supostamente registrado na OMC) -- como é que agora, com um simples telefonema, cujo teor se desconhece, se volta atrás?
Parabens pela coerência?
Como diria o Garrincha, parece que combinaram tudo com os russos...
Era só para exercer um pouco de machismo comercial, como já escrevi aqui mesmo...
Paulo Roberto de Almeida

Brasil vai apressar entrada de automóveis da Argentina a partir desta sexta
Correio Braziliense online, 20/05/2011

A partir de amanhã (20/5), o Brasil vai agilizar a liberação das licenças de importação de automóveis da Argentina, informou hoje (19) à noite o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A medida ocorre em retribuição ao país vizinho, que vai fazer o mesmo com pneus, baterias e calçados exportados pelo Brasil.

O Ministério do Desenvolvimento esclareceu que as licenças de importação de automóveis continuam não automáticas. Na verdade, o Brasil vai apenas reduzir o prazo de análise da entrada de veículos da Argentina, que atualmente pode levar até 60 dias.

As medidas foram acertadas hoje pelo secretário executivo do ministério, Alessandro Teixeira, e o secretário da Indústria da Argentina, Eduardo Bianchi. Os dois conversaram por telefone e marcaram uma reunião na próxima segunda (25) e terça-feira (26) em Buenos Aires para discutir o impasse comercial criado pelas licenças não automáticas. De acordo com o ministério, a agilização das liberações representa um gesto de boa vontade dos dois países em chegar a um entendimento.

Maquiavel agradece e promete reincidir...

Maquiavel, Paulo Kramer, Murillo Aragão e eu mesmo, nessa ordem, gostaríamos de agradecer a presença do distinto público em nosso lançamento debate em torno deste livro:

O Moderno Príncipe:Maquiavel revisitado,

evento realizado na quarta-feira última, dia 18 de maio, as 19hs, na Casa Thomas Jefferson da Asa Sul de Brasília, e aproveitamos para agradecer aqui, também, o inestimável trabalho da Ana Maria Assumpção, Elizabeth Daniel de Almeida e Luiz Carlos Costa, respectivamente diretora, vice e coordenador de eventos daquela Casa.

Foi uma noite agradável, pelo menos para quem gosta de debates inteligentes como o que -- desculpem a falta de modéstia - ocorreu. O Brasil anda descendo tão baixo na escala dos debates públicos que as pessoas parecem se emocionar com a simples declaração de uma professora reclamando dos baixos salários, geralmente pelos motivos errados e propondo políticos totalmente erradas. Meu "Maquiavel revisitado" tentou debater algumas questões reais em torno dos nossos principais problemas, com base no pensador político mais iconoclasta que possa ter havido na história do pensamento ocidental. Coitado do Maquiavel, se ele retornasse ao nosso convívio, hoje, a única maneira de tentar influenciar o debate público seria fazendo concurso para ser funcionário de Estado (o que aliás ele já era, mas sem garantia de estabilidade, o que me parece correto, como norma geral).

Em todo caso, ao agradecer os presentes pela presença e participação, gostaria de transmitir, abaixo, um texto que deveria ter servido como "orelhas" do livro, mas que pelo fato de eu estar no China no momento da edição, não pude controlar todas as etapas da produção.
A capa, pelo menos, ficou bonita, embora não tivessem dado crédito ao artista que a fez, meu filho arquiteto, Pedro Paulo Palazzo de Almeida (hoje mesmo partindo para um congresso de arquitetos na Croácia, em Split).

Já que o Maquiavel ficou sem orelhas, aqui segue um texto que prolonga o debate:

O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado
Paulo Roberto de Almeida

O que nos separa de Maquiavel?

Se, por alguma fortuna histórica, Maquiavel retornasse, hoje, ao nosso convívio, com as suas virtudes de pensador prático, quase meio milênio depois de redigida sua obra mais famosa, como reescreveria ele o seu manual “hiperrrealista” de governança política? Seriam os Estados modernos muito diversos dos principados do final da Idade Média?

Este Maquiavel revisitado, voltado para a política contemporânea, dialoga com o genial pensador florentino, segue seus passos naquelas “recomendações” que continuam aparentemente válidas para a política atual, mas não hesita em oferecer novas respostas para velhos problemas de administração dos homens. Aqui, como em outros aspectos, a constância dos “príncipes” nos desacertos é notável. Essa capacidade de errar e de provocar danos aos cidadãos não parece ter evoluido muito, desde então.

De fato, Maquiavel permanece surpreendentemente atual – com o que concordariam os filósofos e cientistas políticos da atualidade –, mesmo (talvez sobretudo) nos traços malévolos exibidos pelos condottieri contemporâneos e pelos cappi dei uomine. Ainda que envenenamentos encomendados e assassinatos por adagas, tão comuns no Renascimento italiano, não estejam mais na moda – pelo menos fora do âmbito dos serviços secretos –, e que eles tenham sido substituídos por outros métodos para se desembaraçar de concorrentes e de adversários políticos, as técnicas para se apossar do poder e para mantê-lo exibem uma notável continuidade com aquelas descritas pelo experiente diplomata da repubblica fiorentina do Quatrocento.

O que pode estar ultrapassado, no seu “manual” de 1513, é meramente acessório, pois a essência da arte de comandar os homens revela-se plenamente adequada aos dias que correm, confirmando assim as finas virtudes de psicólogo político – avant la lettre – do perspicaz pensador do Cinquecento.

Este Príncipe Moderno representa, antes de tudo, uma singela homenagem ao diplomata italiano que “inventou” a ciência política, ainda que ele o tenha feito nas difíceis circunstâncias do ostracismo, na sua condição de funcionário de Estado “cassado” pelos novos donos do poder em Florença.

Obra de um momento político – talvez não muito diverso daqueles tempos vividos pelo segretario de cancelleria –, este novo Príncipe, que se pretende tão universal em seu escopo e motivações quanto seu modelo de cinco séculos atrás, oferece novos argumentos em torno dos velhos problemas da administração estatal. A bem refletir sobre a política contemporânea, pouco nos separa de Maquiavel, se não é algum desenvolvimento institucional e uma maior rapidez nas comunicações. Quanto aos homens, tanto os condottieri quanto o popolo, eles não parecem ter mudado muito...

Paulo Roberto de Almeida é cientista social e diplomata, com obras publicadas sobre temas de história diplomática, de relações internacionais e de política externa do Brasil.

www.pralmeida.org

Leia o prefácio, a dedicatória e uma carta a Maquiavel, neste link.

Os dois posts anteriores que convidavam ao debate-lançamento:
http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/05/maquiavel-teria-algo-dizer-sobre.html

http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/05/maquiavel-pouco-maquiavelico.html

Licoes de Portugal para um gigante adormecido...

O "gigante adormecido" é meu, pois o autor só se refere, moderadamente, a "Lições de Portugal" (todas negativas, entende-se).
O Brasil não é tanto um gigante adormecido, quanto um grande boboca anestesiado.
Com tantos problemas a serem resolvidos, o governo fica paralisado por causa de um ministro venal, e o Congresso se ocupa de questões tão relevantes quanto distribuição gratuita de camisinhas em motéis e hoteis, cartilha anti-homofobia, paga com os nossos recursos, e lei contra a palmada.
Dá vontade de dizer "ora, vá catar coquinhos", ambos, claro.
Como não se pode dizer, ou mesmo dizendo não adianta nada, ocupamos nosso tempo livre, lendo artigos inteligentes, como esse do Roberto Macedo.
Paulo Roberto de Almeida

Lições de Portugal
Roberto Macedo
O Estado de S.Paulo, 19 de maio de 2011

Como um dos representantes da Faap, no início de maio fui a Portugal para mais uma das Conferências do Estoril, organizadas a cada dois anos pela Câmara Municipal de Cascais, com apoio do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais de Lisboa e patrocínio da Presidência da República, entre outras instituições. As conferências tratam da globalização, com ênfase na relação entre desafios globais e respostas locais.

Falei sobre o tema na perspectiva do Brasil e ouvi figurões locais e de outros países. Como o economista Nouriel Roubini, famoso pelas previsões que fez da última crise econômica internacional, e o egípcio Mohamed ElBaradei, Nobel da Paz de 2005, que abordou as mudanças políticas em seu país e seu papel pessoal nesta fase de transição para um novo regime; o cientista político Francis Fukuyama, conhecido pelo livro O Fim da História, e Larry King, entrevistador da CNN, lá entrevistado. Ao ser fotografado era instado a abrir o paletó e mostrar os suspensórios, notória marca de sua figura.

Aproveitei para saber mais sobre a crise econômica portuguesa, por jornais locais e conversas com economistas do país. No dia 5 minha presença coincidiu com o anúncio de um daqueles pacotes de grandes ajustes na economia, outrora tão comuns no Brasil. E, ainda, com a presença de um velho conhecido, o Fundo Monetário Internacional (FMI). Só que lá o pacote foi negociado com o que chamam de troika, que também inclui a União Europeia e o Banco Central Europeu. Isso tornou mais complexos a negociação e o cumprimento do acordo, pois há que lidar com essa trinca. E ele veio numa situação agravada pelo fato de o país estar sob governo provisório, já que o atual, do primeiro-ministro José Sócrates, perdeu apoio no Parlamento e novas eleições foram convocadas.

Mas de que país estamos falando? Segundo os últimos dados da ONU, em 2009 Portugal tinha 10,7 milhões de habitantes, equivalentes a apenas 5,6% da população do Brasil, de 190,8 milhões pelo censo de 2010.

Quanto ao PIB, ainda segundo a ONU, o português era de US$ 233,5 bilhões em 2009, também pequeno diante do brasileiro, este de US$ 1,6 trilhão, mas aquele representando 14,9% do nosso, uma porcentagem bem maior do que a da comparação anterior. Assim, os portugueses, com um PIB por habitante de US$ 21,8 mil no mesmo ano, estão bem à frente dos brasileiros, com seus US$ 8,1 mil. Mas seguem atrás de irmãos europeus mais ao norte, onde no mesmo ano esse PIB foi de US$ 41,2 mil na França, US$ 40,5 mil na Alemanha e US$ 35,3 mil na Itália.

No ano passado, o PIB português subiu apenas 1,4%, o do Brasil cresceu 7,5%, com o que estamos menos distantes. Nos próximos anos, a diferença deve cair a nosso favor, pois o Brasil deverá seguir crescendo, ainda que menos, e Portugal sofrerá com esse indigesto pacote.

Quão indigesto? Portugal tomará da troika um empréstimo de 78 bilhões, ou cerca de US$ 110 bilhões! Nunca antes neste Brasil de PIB bem maior houve um pacote importado tão enorme. Com ele, segundo um jornal local, a dívida pública portuguesa deverá alcançar 130% do PIB e será a segunda maior dívida da União Europeia!

Quanto ao conteúdo, é enorme a lista de medidas, que tomou duas páginas de outro jornal local, algumas mais drásticas que as já vistas por aqui. Incluem redução de pessoal na Defesa e de "compensações salariais" em pelo menos 10%, privatizações de várias empresas, entre elas a aérea TAP, aumento do imposto predial e do capital próprio dos bancos, maiores tarifas de serviços públicos, cobrança do ICMS local sobre os serviços de correio, corte de 15% dos dirigentes e organismos autárquicos, imposição de limites de endividamento às empresas estatais, redução das pensões acima de 1.500 por mês, teto para as deduções com despesas de saúde na declaração do Imposto de Renda e uma particularmente invejável, o enterro do projeto do trem-bala português.

E qual é a encrenca? Já na União Europeia, houve em Portugal uma fase de preparo para a chegada do euro em 1999. A inflação caiu, o risco país também. As taxas de juros, idem. Isso e a expectativa de que o euro facilitaria a convergência com o desempenho de outros países estimularam uma política fiscal expansionista, e fortes aumentos do consumo e do investimento, com mais crescimento e queda do desemprego entre 1995 e 2001. Mas a dívida pública subiu e a competitividade do país caiu, acumulando fortes déficits na conta corrente com o exterior, financiados com endividamento.

Desde 2002, entretanto, no que tinha de favorável esse quadro se reverteu; no que tinha de preocupante, agravou-se. Assim, sobreveio um período de taxas baixas ou mesmo negativas de crescimento do PIB e aumento de desemprego, que a crise internacional do final da década só fez agravar, levando a uma deterioração séria do déficit em conta corrente, das dívidas privadas, do déficit público e da dívida do setor. Com tudo isso, o país tropeçou e caiu nos braços da troika.

O Brasil difere de Portugal sob muitos aspectos, como no tamanho citado e na estrutura produtiva. Mas também há problemas similares, como a má gestão do setor público, elevados déficits em conta corrente, o mau estado da educação e a falta de competitividade, principalmente da indústria e dos serviços. Ainda ontem soube que desde o ano passado o Brasil perdeu seis posições numa avaliação de competitividade internacional.

Portugal, portanto, desde já pode dar lições ao Brasil quanto ao que não fazer, como o exagero nos déficits público e externo e projetos de viabilidade muito duvidosa, como esse do trem-bala, que aqui imprudentemente ainda anda. Também será importante apoiar o país e acompanhar o esforço de seu governo, espremido entre seu povo e a troika. Seguramente, uma experiência cheia de novos ensinamentos.

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP, É CONSULTOR ECONÔMICO
E DE ENSINO SUPERIOR

Joseph Nye: o poder muda de maos - entrevista

Entrevista:
O poder muda de mãos
João Villaverde
Valor Econômico, Eu&Fim de Semana, 20/05/2011

Que papel os países ricos e emergentes vão desempenhar num mundo globalizado, com crise econômica, conflitos étnicos e terrorismo?
O professor de Harvard Joseph Nye, uma das principais autoridades em relações internacionais, responde.
Para Nye, assassinato de Bin Laden contribui para "esvaziar o mito de invencibilidade usado por ele desde o 11 de Setembro"

A China vai alcançar os EUA, em termos econômicos, em algum momento desta década. Mas ainda vai demorar outras três décadas para se equiparar aos americanos na divisão per capita da riqueza produzida pelo país. O problema é que os chineses não desfrutam, como os americanos, de uma capacidade para atingir corações e mentes, o "soft power", aquele poder suave capaz de liderar o mundo no campo das ideias e dos costumes. Essa é a avaliação de Joseph Nye, cientista político, professor da Universidade de Harvard e ex-consultor do Departamento de Estado dos EUA, para quem o Brasil conta com um bônus estratégico na correlação de forças no campo das ideias - o fato de crescer rápido sob um regime democrático, com alternância de poder e eleições livres.
"Imagine o México e o Canadá conspirando com a China para reduzir o poder dos EUA. É exatamente o que ocorre com Japão, Vietnã e Coreia do Sul, que buscam os americanos para contrabalançar o poder chinês na Ásia", afirma Nye, em entrevista, por telefone, ao Valor. "Quando falamos de 'soft power', é isso."

Nye obteve reconhecimento internacional em dois momentos muito distintos. No primeiro, em 1977, o cientista político americano desenvolveu o termo neoliberalismo para denominar os ideias dos economistas da Universidade de Chicago, então proeminentes no debate público americano e cujo líder, Milton Friedman, levara o Prêmio Nobel de Economia em 1976. Segundo Nye, os neoliberais defendiam uma política econômica que perseguia a redução do aparato estatal - dos investimentos às agências públicas, passando pela regulação dos negócios - e viam no mercado, especialmente o financeiro, a saída mais razoável para os problemas econômicos.

Já em 2004, seu livro "Soft Power: The Means to Success in World Politics" (Poder suave: a maneira de fazer sucesso na política global, em tradução livre) trouxe para o debate internacional uma atualização da teoria do italiano Antonio Gramsci (1891-1937), que dividia as nações entre as que exerciam um poder de hegemonia dirigente - no campo da cultura e das ideias - e os que exerciam hegemonia dominante - pela via militar.

"Não vejo o declínio americano. O que há é uma ascensão do resto. Em termos absolutos, os Estados Unidos vão ficar bem"

Para Nye, o "soft power", mais eficaz no domínio de uma nação sobre outras mais pobres, era exercido de maneira exemplar pelos Estados Unidos - de onde emanavam os filmes de Hollywood, as celebridades musicais, os políticos carismáticos. Ao mesmo tempo, o "hard power" americano também era forte - o dólar como moeda universal, o poderio militar, a chefia do grupo dos sete países mais ricos do mundo (G-7) e a influência por meio do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Hoje, o neoliberalismo perdeu força diante da emergência de países onde o Estado tem grande influência - como China, Brasil e Índia, em diferentes escalas - e o "soft power" americano é ameaçado pela crise mundial e pelo vazamento de grampos nas embaixadas americanas por parte do WikiLeaks.

Para Nye, que acaba de publicar o livro "The Future of Power" (O futuro do poder, em tradução livre), o Brasil desenvolveu um modelo exportável para outras nações, ao combinar crescimento e democracia, mas não pode deixar a inflação escapar do controle. Ao mesmo tempo, a ideia de uma teoria para suceder ao neoliberalismo, que alguns economistas chamam de capitalismo de Estado, precisa ser colocada em perspectiva. Tal qual ocorreu com o neoliberalismo, diz Nye, "hoje vivemos outra supersimplificação ideológica na economia, que vê no Estado grande uma solução universal para o capitalismo".

A seguir, trechos da entrevista:

Valor: Em 2004, quando o senhor desenvolveu a teoria do "soft" e do "hard power", o mundo vivia o século americano. A China não era estudada com a mesma intensidade de hoje, eram poucos os governos de esquerda com discurso antiamericano na América Latina e as guerras no Afeganistão e no Iraque tinham grande apoio. Depois da crise de 2008, não apenas passamos a ver países como China, Índia e Brasil ganharem mais espaço no noticiário, como o Estado, antes enxugado, passou a ter predominância nas discussões econômicas. O poder está mudando de mãos?

Ruy Baron/Valor

Dilma Roussef: para o professor de Harvard, presidente dá sinais de que seguirá a trilha do progresso de seus antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso
Joseph Nye: Definitivamente, os países emergentes estão aumentando seu "soft power" com uma rapidez sem precedentes. Mas há nuanças entre eles. O "soft power" vem de valores e da cultura e de como as políticas de cada governo são percebidas por outros países, isto é, o jeito como os governantes se vendem. Então, há uma certa atração por países como Brasil, Índia e China, que nasce do sucesso recente. Mas acho que Brasil e Índia têm um bônus, pois são democráticos. A China, por exemplo, gastou muito dinheiro, alguns bilhões de dólares, para aumentar seu "soft power", com seus institutos confucianos e exposição da marca China no mundo inteiro, mas, ao mesmo tempo, prendeu Liu Xiaobo [escritor e ativista dos direitos humanos chinês, preso pelo governo e ganhador do Prêmio Nobel da Paz]. Esse tipo de atitude, perante os holofotes globais, corta rapidamente seus investimentos em "soft power". Já o Brasil, com suas eleições democráticas, a troca de pessoas nos governos, atrai muita atenção, como a Índia. Acho que sim, o "soft power" dos emergentes está aumentando, mas penso que a China tem uma tarefa muito mais complexa do que o Brasil em virtude de seu regime autoritário.

Valor: E o "hard power" dos emergentes, cresce mais rápido que o "soft power"?

Nye: Com 10% de crescimento econômico anual e com orçamento militar crescendo ainda mais rápido que o PIB anualmente, o "hard power" da China está crescendo forte e rápido. Mas sempre que o "hard power" de alguma nação cresce forte, ela pode acabar assustando seus vizinhos. E se você assusta seus vizinhos demais - e não tem seu "soft power" para contrabalançar -, podem surgir coalizões contra você. Se olharmos com atenção, as relações atuais da China com Corea do Sul, Japão, Vietnã e Índia estão piores do que estavam há dois anos. Preste atenção: todos esses países querem a presença americana para contrabalançar o poder chinês.

Valor: E os americanos têm disposição ou dinheiro para isso?

Nye: Certamente podem equilibrar o poder chinês desse jeito. O governo americano tem quase 50 mil tropas no Japão, e os japoneses dão muito suporte financeiro a essas expedições. Não há um grande custo para o orçamento americano. O que os americanos têm de repensar em sua estratégia militar é outra coisa. Deveriam seguir o conselho que [Dwight] Einsenhower [presidente dos EUA entre 1953 e 1961] fez 50 anos atrás: "Não se envolva territorialmente na Ásia". Embora a guerra no Afeganistão esteja nos custando algo como US$ 100 bilhões ao ano, manter tropas no Japão não nos custa muito, não sei quanto exatamente, mas é pouco comparativamente. Os americanos podem pagar por essas operações, que aumentam sua influência em terras estrangeiras? Podem, porque os outros nos querem lá. É quando você não é desejado, como no Afeganistão, que fica caro.

Valor: Quer dizer que o incremento no "hard power" chinês acaba sendo positivo para os Estados Unidos?

AP

Barack Obama: discurso do presidente, segundo Nye, propõe uma política externa mais aberta e colaboradora
Nye: Exatamente. Imagine o México e o Canadá conspirando com a China para reduzir o poder dos EUA. É o que ocorre com Japão, Vietnã e Coreia do Sul, que buscam os americanos para contrabalançar o poder chinês na Ásia. A diferença é que os Estados Unidos têm muito "soft power" no Canadá e no México, e a China não tem muito em Tóquio ou em Nova Déli.

Valor: Para o estrategista Michael Mandelbaum, a geração dos "baby boomers" [os nascidos entre 1946 e 1964, nos EUA] está envelhecendo e, ao mesmo tempo, os EUA estão tendo de lidar com a crise. Haverá dinheiro para pagar aposentadorias e recuperar a economia?

Nye: Se olhar a comissão que Barack Obama destacou para debater o futuro da solvência americana, muitas propostas poderiam resolver os problemas de maneira bem razoável. A questão não é se determinada proposta é pagável, mas se politicamente conseguiremos construir um consenso de forma a trabalhar em torno de um objetivo único. Vemos o início dessas discussões, mas os políticos ainda vão demorar cerca de dois anos para determinar um caminho único.

Valor: Por que algum país ficaria atraído pelos americanos no século XXI, após a explosão da crise econômica mundial?

Nye: Em meu novo livro, "The Future of Power", há um capítulo para discutir isso, ou seja, o futuro dos EUA. Argumento que não vejo o declínio americano. O que há é uma ascensão do resto. Em termos absolutos, acho que os americanos vão ficar relativamente bem, mas, em termos relativos, países como China, Índia, Brasil, estão se aproximando dos EUA e continuarão fazendo isso. Não necessariamente eles ultrapassarão os EUA, mas estão chegando perto. Nesse mundo, os americanos vão precisar de uma estratégia de cooperação e colaboração com os outros. Além disso, é um mundo em que muitas questões vão ficar mais sérias. Temas como mudança climática, segurança cibernética, estabilidade financeira, tudo isso requer cooperação, nenhum país sozinho conseguirá resolvê-los. Os americanos vão ficar com uma política externa mais colaboradora, mais aberta, e isso é muito positivo, mas vai demorar um tempo para que atinjamos esse processo. E acho que Obama está dirigindo-se nessa direção.

Valor: Por quê?

Nye: Não sei se ele está efetivamente se dirigindo à maior cooperação, mas certamente seu discurso e sua figura como presidente vão nessa direção.

Valor: O assassinato de Osama Bin Laden pode desarticular o discurso da "guerra antiterrorismo" e, de certa forma, reverter a perda de hegemonia dos EUA?

Nye: O terrorismo depende de drama e narrativa para capturar a atenção da mídia e impor uma agenda mundial, ou seja, não necessariamente americana, mas de praticamente todos os países. O assassinato de Bin Laden contribui para esvaziar o mito de invencibilidade que ele usou para definir a agenda desde o episódio do 11 de Setembro de 2001. Não é o fim do terrorismo, mas o início de uma série de reveses para a Al Qaeda.

Valor: Na América Latina, assistimos à ascensão de governos que renegam o passado recente de seus países, quando a participação americana era muito grande. Vê espaço para os americanos ampliarem seu "soft power" aqui?

Nye: Não acho que Venezuela e Equador são a onda do futuro, sinceramente. Se perguntar aos países do continente se todos querem seguir a risca esses modelos, não tenho certeza que encontrará a maioria respondendo que sim. Acho que o Brasil é, obviamente, mais importante. Temos visto grande progresso no Brasil. Basta verificar o que fizeram [Fernando Henrique] Cardoso, [Luiz Inácio] Lula [da Silva] e agora Dilma [Rousseff], que também segue o mesmo caminho. São com países como o Brasil que os EUA podem trabalhar muito bem.

Valor: A crise de 2008 reduziu o ímpeto da teoria neoliberal e do Consenso de Washington. Com o recrudescimento do papel do Estado, seja absorvendo empresas e bancos falidos nos países ricos, seja ampliando os investimentos e gastos com pessoal nos países emergentes, o senhor vê uma nova teoria econômica surgindo?

Nye: Algumas pessoas denominam esse modelo pós-crise de capitalismo de Estado, dizendo que esta teoria será majoritária no futuro. Isso é simplista. Da mesma forma que o Consenso de Washington era supersimplificado. Não acho que há um tipo de capitalismo, mas vários. Na Europa, é possível encontrar diferentes modelos de capitalismo: o praticado por escandinavos, outro pelos alemães, outro pelos franceses e outro pelos ingleses. As pessoas esquecem que havia discordâncias entre os teóricos que participaram daquela reunião que gerou o Consenso de Washington.

Valor: Poderia haver alguma divisão, mas, ao fim, era um consenso, não?

Nye: O que caracteriza o Consenso de Washington foi uma simplificação grosseira de que os mercados poderiam resolver tudo e que não precisavam do Estado para nada ou muito pouco. Os tempos de mudança, naquela época, permitiram aquilo. Como ocorre agora, não é? Vivemos hoje outra supersimplificação, de que o Estado capitalista resolve tudo. Mas há nuanças entre China, Índia e Brasil, ou a atuação e o tamanho do Estado nesses países é igual? É claro que não.

Valor: Como o senhor vê os países europeus vivendo a atual situação de dívidas enormes e uma economia de fraco crescimento?

Nye: A Europa vive um período diferente em termos de problemas com dívida soberana. Mas quando se olha alguns anos à frente, sem toda essa urgência do momento, penso que os europeus vão se sair bem. Nada é garantido, claro, podemos ver novos problemas ou surpresas no meio do caminho. Mas acho que a União Europeia vai sobreviver, e, ainda que não vejamos crescimento rápido entre os europeus, podemos esperar algum crescimento, o que já seria ótimo. Penso que, em algum momento, deverá haver uma reestruturação de dívida na Grécia, Portugal, Irlanda ou Espanha, que são os mais problemáticos.

Valor: E nos Estados Unidos?

Nye: Vai depender muito se atingirmos um acordo, nos próximos dois ou três anos, em torno do que fazer e dar prioridade no orçamento. Penso que conseguiremos, mas isso passará pela formação de uma grande aliança. Se olhar os fundamentos de nossa economia, ela ainda é razoavelmente forte. Os EUA, de acordo com o mais recente Fórum Econômico Mundial, ainda é a quarta economia mais competitiva do mundo. Isso diz muito, não? A China é a 27ª.

Valor: Os Estados Unidos ainda poderão ser reconhecidos pela inovação e criatividade?

Nye: Se olhar novas tecnologias, como biotecnologia e nanotecnologia, os Estados Unidos estão na primeira fila da inovação. Ainda que tenhamos problemas para pagar pelo comportamento da última década, não somos uma economia em colapso. É bom lembrar que apenas 12 anos atrás, os Estados Unidos tinham superávit orçamentário. Mas Bush concedeu desonerações fiscais aos mais ricos e entrou em duas guerras que não foram pagas. Esse é um problema sério. Se seremos capazes de resolvê-lo, não sei. Isso depende da política. Mas economicamente é plausível.

Valor: O xadrez geopolítico mudou rapidamente: era um, poucos anos atrás, e outro muito distinto hoje, com EUA e Europa em crise, países emergentes ganhando capa de revistas importantes e revoluções populares em antigas ditaduras árabes. Como será esta década?

Nye: Ainda teremos crescimento rápido em países como Índia, Brasil e China. Acho que a economia americana vai melhorar e caminhar para crescimento de 2% a 3% ao ano, além de considerar bem difícil uma crise em "W". O tamanho da economia chinesa será equivalente à americana em algum momento desta década, em termos de PIB. Mas é importante entender que, mesmo tendo certa equivalência no tamanho da economia, não haverá a mesma qualidade na composição desse crescimento. A China ainda conviverá com grandes bolsões de pobreza e ineficiência. Você mede isso pelo PIB per capita. Nesse caso, a China não será equivalente aos EUA pelas próximas duas ou três décadas.

Valor: Vivemos no Brasil algo relativamente parecido com os EUA dos anos 50, só que sem a União Soviética. Quer dizer, formamos uma classe média, que está por trás do crescimento econômico puxado por mercado doméstico aquecido. O senhor considera esse um modelo exportável?

Nye: Se os brasileiros conseguirem manter a inflação sob controle, a resposta é sim. No Brasil, sob FHC, vocês conseguiram manter a inflação sob controle e Lula foi hábil para continuar aquela política fiscal razoavelmente apertada, especialmente no começo. Ao mesmo tempo, Lula lançou mão do Bolsa Família para fazer algo pela desigualdade. Minha impressão é que se o Brasil continuar com essas linhas, com inflação baixa e queda dos indicadores de pobreza, não há dúvidas que vocês terão um modelo que outros países vão admirar, e eventualmente copiar.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Machismo comercial: de volta aos velhos conflitos Brasil-Argentina?

Minhas observações sobre o estado atual das relações comerciais bilaterais:

A Argentina vem, há muito tempo, desrespeitando o espírito e a letra do Tratado de Assunção, ademais de contrariar todas as regras aplicadas a medidas de salvaguarda no plano do sistema multilateral de comércio.
A rigor, não caberiam medidas de salvaguarda dentro do bloco. Admitindo-se que seja direito da Argentina fazê-lo, ela deveria seguir o Código de Salvaguardas do antigo GATT, hoje administrado pela OMC, e cumprir todas as etapas e requisitos indispensáveis para fazê-lo, o que ela não fez.

De fato, a Argentina aplicou salvaguardas de maneira arbitrária, e ilegal, tanto do ponto de vista do Mercosul como no plano multilateral, e discriminou fortemente contra o ingresso de produtos brasileiros em seu mercado, chegando a propor o absurdo de um mecanismo de ajuste automático, uma espécie de cheque em branco que ela poderia sacar contra o Brasil quando desejasse.
O Brasil ainda negociou um mecanismo comercial bilateral (ao abrigo do ACE-14, e não do ACE-18, que é o TA na ALADI, como seria o normal), que apenas "legaliza" de forma canhestra suas arbitrariedades comerciais. Ao nao ter sido regulamentado o MAC, Mecanismo de Ajuste Competitivo (um nome que é uma paródia ao protecionismo argentino), ela passou a aplicar unilateralmente suas restrições ao comércio (geral, mas afetando mais fortemente o comércio bilateral).

Pois bem, tudo isso ocorreu com a conivência, a complacência, a leniência do governo brasileiro, tentando ser "generoso" e compreensivo com as dificuldades argentinas, e a pretexto de "salvar" o Mercosul, sem ver que isso na verdade contribuia para desmantelar profundamente o Mercosul.

O que deveria ter feito o governo brasileiro? Simplesmente demandado a Argentina sob os mecanismos de solução de controvérsias, reclamado das restrições abusurdas, ilegais, arbitrárias ao comércio bilateral, e solicitado um pronunciamento sob o PRotocolo de Olivos para eliminar essas restrições. Ao não obter satisfação -- o que seria previsível de ocorrer, já que a Argentina também abusou ilegalmente do Uruguai ao manter inacreditáveis restrições de fronteira, com a leniência brasileira, mais uma vez -- o Brasil simplesmente deveria ter introduzido uma petição contra a Argentina no mecanismo de solução de controvérsias da OMC, e obter reparações.
O que o Brasil fez agora foi "machismo comercial", ou seja, está cometendo os mesmos pecados que a Argentina.
Ora isso não é política comercial, mas apenas política, e da pior espécie.

Uma atitude correta seria solicitar uma conferência diplomática para revisar os procedimentos aplicáveis ao caso, de maneira geral e se constatado que os países não pretendem cumprir as regras do TA e as demais normas de política comercial, encetar um profundo processo de revisão do Mercosul, levando inclusive a negociação de novos instrumentos que substituam os atuais.

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Paulo Roberto de Almeida

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Os delinquentes da lingua e os responsaveis do atraso

Eu ja disse aqui, e em varias outras ocasiões, em qualquer lugar aliás, que sou moderadamente pessimista quanto aos rumos da economia brasileira -- acho que continuaremos no crescimento medíocre e com aumentos contínuos na carga fiscal -- mas que sou ABSOLUTAMENTE pessimista quanto aos rumos da educação no Brasil: acredito que caminhamos direto para o brejo, e para a deterioração completa de nossas instituições de ensino.
Isso graças às pedagogas freireanas do MEC, as novas saúvas do Brasil, e aos delinquentes da língua, como os estupores que defendem a versão popular da inculta e bela (hoje feia) como igualmente válida e devendo ser não só respeitada como legitimada.
Como não tenho tempo para escrever a respeito, transcrevo o post de um jornalista conhecido para expressar algumas ideias simples sobre esse debate em si mesmo estapafúrdio, e revelador de quão baixo o Brasil chegou em matéria de educação.

A tropa de choque da “gramática diferenciada” pode botar o burro na sombra; não me assusto com a gritaria dos jihadistas lingüísticos deste aiatolá
Reinaldo Azevedo, 18/05/2011

Marcos Bagno (foto): ele fez fama e fortuna afirmando que aquilo que seus leitores ignoravam não tinha mesmo a menor importância e era só autoritarismo...

Que burrice a tropa de choque dos amigos do professor Marcos Bagno tentar me intimidar na base do “sabe com quem está falando?” Desde quando eu dou bola pra isso? Fico ainda mais animado. Eu adoro chutar o traseiro de especialistas arrogantes, especialmente quando convertem ideologia vagabunda em ciência não menos. Marcos Bagno? Quem é esse há de se perguntar o leitor desavisado.

Às 17h55 desta segunda, escrevi o texto que segue no pé deste post, apontando a responsabilidade intelectual de Bagno nessa história de vale-tudo da língua portuguesa. Eu sabia bem o que estava fazendo. Seria mais grave do que chutar a santa. Bagno é um notório depredador da norma culta da língua e da gramática e transformou isso numa profissão rentável. Está para a lingüística como Gabriel Chalita está para a filosofia. E é quase tão prolífico quanto, mas com um agravante: Chalita é desprezado no mundo acadêmico; fazem chacota dele em qualquer circulo universitário com alguma seriedade. Seus livros, com aquela ignorância palavrosa cut-cut, dão motivos de sobra pra isso.

Já o tal Bagno, o “lingüista”, é visto como um verdadeiro aiatolá da língua alternativa. É também autor de livros infanto-juvenis, adorado pelos professores — em particular por aqueles que são incapazes de entender um manual de gramática. Bagno lhes dá a sensação de que sua ignorância é irrelevante ou é uma inteligência alternativa, e eles acabam achando que não ensinam gramática aos alunos ou porque não querem ou porque seria inútil. O fato é que não sabem.

Bagno é aquele tipo perigoso que, dada a constatação de que níveis de linguagem reproduzem, por óbvio, desigualdades sociais, logo conclui que a língua é causa da desigualdade, não uma conseqüência dela. Então ele tenta mudar a sociedade mudando, ora vejam!, a língua! Fez-se um teórico supostamente refinado do assunto e convence os ignorantes e os incautos com as suas facilidades. Uma coisa é constatar, e todos estamos de acordo, que, no geral, as aulas de gramática têm um nível sofrível; outra é decretar a sua inutilidade.

Segundo os dados do Programa Internacional de Avaliação dos Alunos 2009 (Pisa), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil ainda ocupa o 53º lugar no ranking geral, num total de 65 países que fizeram o exame. Uma vergonha! Os alunos brasileiros ficaram em 53º em ciências e leitura — superando Argentina, Panamá e Peru na América Latina, mas atrás de Chile, Uruguai, México e Colômbia — e em 57º em matemática. No ranking geral dos países avaliados na América Latina, o Brasil fica à frente de Argentina e Colômbia, mas aparece 19 pontos atrás do México (49º), 26 pontos do Uruguai (47º) e 38 do Chile (45º). Foram avaliados os processos educativos em 65 países, 34 deles da OCDE. Vinte mil estudantes brasileiros nascidos em 1993 responderam às provas de leitura, matemática e ciências.

Ora, é vergonhoso que uma economia do porte da brasileira — que, atenção!, investe, sim, relativamente bastante em educação — apresente um resultado miserável como esse. Como se dará o salto necessário? Com a professora Heloísa Ramos, ancorada nas teses de Bagno, a fazer a apologia da ignorância em nome do fim do preconceito lingüístico? Que língua será cobrada desses alunos na vida profissional?

Essa meninada não tem dificuldade nenhuma de se comunicar, por exemplo, na estranha língua das redes sociais, com seus códigos específicos. Ocorre que serão outros os textos que serão chamados a interpretar. A norma, a língua padrão, há de ser o eixo em torno do qual se organizam as demais experiências da linguagem. E ela não pode ser um código para iniciados, a que só alguns poucos têm acesso. É o padrão que nos unifica, já que a desejável diversidade nos separa. Não entender isso é não compreender coisa nenhuma e investir na bagunça. No caso de Bagno e desses professores que têm livros adotados pelo MEC, trata-se de uma bagunça muito rentável.

Pode-se ficar rico no Brasil fazendo profissão de fé na ignorância e ainda posar de democrata e libertador. Pra cima de mim? A turminha bocuda dos “especialistas bagnistas” pode pôr seu burro na sombra; aqui não se cria. A escola existe para tratar da norma. A vida se encarrega da diversidade, e ninguém precisa de professor para ensinar o erro. Uma das qualidades da democracia é permitir que cada um erre segundo a sua própria ignorância. Ninguém precisa de um Marcos Bagno e de Heloísa Ramos como organizadores da ignorância.

Segue o texto sobre Bagno que deixou a turma dele invocada. É assim que eu gosto. Quanto mais bravos ficam esses valentes, mais convicto estou de que foram pegos no pulo. Adoraria ver essa gente toda submetida a uma prova de gramática para testar seu conhecimento da língua. Há muitos malandros ocupados em referendar os erros dos alunos porque eles próprios não sabem o que é o acerto.

Se você já leu o que segue, vá para os comentários.

Este é o sacerdote do erro; é ele o burguês do socialismo na língua portuguesa; é ele quem faz de Lula uma teoria de resistência lingüística!

A professora Heloísa Ramos, a autora do tal livro que faz a apologia do erro, é, do ponto de vista intelectual, apenas uma noviça na área. O verdadeiro sacerdote dessa bobajada se chama Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília. É esse que vocês vêem acima.

O valente tem uma página na Internet. Ele é o propagador, nas escolas brasileiras, do conceito do “preconceito lingüístico”. Bagno denuncia o que não existe e propõe métodos profiláticos contra o mal que ele mesmo inventou. Professores de língua portuguesa, a maioria incapaz de entender e de ensinar gramática, apegam-se a seus textos como o náufrago busca uma bóia: “Ah, finalmente alguém diz que essa conversa de regra é bobagem!”. É batata, queridos! O sujeito radicalmente contrário a que se ensine o que é uma oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo costuma não saber o que é uma oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de infinitivo. E ele sente, então, a necessidade de combater aquilo que ignora.

Resultado: professores de português se tornam “debatedores”. Essa praga está em todo lugar. Não pensem que floresce apenas em escolas públicas, em que não há critérios para medir o desempenho do professor. Textos do tal Bagno são debatidos também nas escolas privadas. Alguns tarados, sob o pretexto de “problematizar” o preconceito lingüístico, brincam mesmo é de luta de classes. A única função meritória de um professor de português é cuidar da harmonia de classes — da classe das palavras.

Na página de Bagno, encontro essas pérolas:
As pessoas que falam e escrevem sobre a língua na mídia em geral são jornalistas, advogados ou professores de português que não estão ligados à pesquisa, não participam do debate acadêmico, não estão em dia com as novas tendências da Lingüística - são os que eu chamo de gramatiqueiros”, critica Bagno. Para ele, esses “pseudo-especialistas”, ao tentar fazer as pessoas decorarem regras que ninguém mais usa, estariam vendendo “fósseis gramaticais”, fazendo da suposta dificuldade da língua portuguesa um produto de boa saída comercial.Outro “mito” tratado no livro Preconceito lingüístico: o que é, como se faz é a idéia, bastante difundida, de que a língua portuguesa é difícil. Bagno afirma que a dificuldade de se lidar com a língua é resultado de um ensino marcado pela obsessão normativa, terminológica, classificatória, excessivamente apegado à nomenclatura. Um ensino que parece ter como objetivo a formação de professores de português e não a de usuários competentes da língua. E que ainda por cima só poderia formar maus professores, já que estaria baseado numa gramática ultrapassada, que não daria conta da realidade atual da língua portuguesa no Brasil."

Viram? É mais um que ataca a norma culta, alegando, para isso, a sua condição de especialista. E todos os que discordam dele seriam meros “gramatiqueiros”. Bagno se tornou a referência culta dos militantes da ignorância. Bagno fez afama e, acho, fortuna afirmando essas coisas. Seus livros sobre preconceito lingüístico são um sucesso. Qualquer um que combata a gramática sem saber gramática é só um vigarista. Bagno é uma espécie de autor de auto-ajuda dos despossuídos da norma. Convenham: o ignorante fica feliz ao ler que aquilo que ignora não teria mesmo importância…

Não por acaso, quem apareceu ontem no jornal O Globo em defesa do tal livro adotado pelo MEC? Ele próprio. E encontrou uma saída típica dos petistas, acusando adivinhem quem… Sim, FHC!!! Leiam:
Não é coisa de petista. Já no governo Fernando Henrique, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação lingüística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo transforma qualquer idioma usado por uma comunidade humana.”

Oh, não me diga! Quem nega que a língua seja viva? Quem nega a existência de diferenças entre a norma culta e a fala? Quem nega a criatividade do falante no uso do próprio idioma? Uma coisa é descrever esses fenômenos, tentar entender a sua gênese, ver como podem servir ao ensino; outra, distinta, é negar as virtudes da norma. É a sua compreensão que permitirá ao aluno, é bom deixar claro, entender direito o que lê.

A ser como quer esse valentão todo cheio de si, muito cônscio da sua especialidade, os brasileiros se dividirão em grupos com determinado domínio da língua e viverão, como dizia aquela musiquinha, presos “a seu quadrado”. O especialista Bagno, tão “progressista”, é um notável exemplo de reacionarismo. A seguir seu modelo, em breve, a língua portuguesa será um arcano cujo domínio pertencerá à elite dirigente. O “povão”, este de que os petistas dizem gostar tanto, que se contente com o domínio precário do idioma. Por que ter mais? Para as universidades vagabundas do ProUni, tá bom demais!

Professor que usa as aulas para debater “preconceito lingüístico” está enganando. Ou joga fora o dinheiro público, se escola pública, ou o dos pais dos estudantes, se escola privada. É como se um professor de matemática ocupasse seu tempo provando a inutilidade da matemática. Muitos se espantam: “Mas por que os nossos alunos são, na média, incapazes de interpretar um texto”. Bagno diria que isso é mentira. É que deram ao jovens o texto errado… Eles precisa ler alguma coisa que seja própria de sua classe. ..

Bagno sai em defesa do petismo porque ele próprio floresce junto com o PT. É o “intelectual” símbolo da cultura disseminada pelos petistas, pouco importa se filiado ou não.

Para todos os efeitos, ele seria o amigo do “povão”, não os seus críticos. Questionado, imediatamente evoca a sua condição de “especialista”, o que não seria o caso dos adversários intelectuais. Propagando a ignorância, tornou-se um nababo da sua própria especialidade: depredar a norma culta da língua. Se alguém tem ainda alguma dúvida sobre qual é a dele, leiam este outro trecho de uma entrevista:
“Outro grande perpetuador da discriminação linguística são os meio de comunicação. Infelizmente, pois eles poderiam ser instrumentos maravilhosos para a democratização das relações linguísticas da sociedade. No Brasil, por serem estreitamente vinculados às classes dominantes e às oligarquias, assumiram o papel de defensores dessa língua portuguesa que supostamente estaria ameaçada. Não interessa se 190 milhões de brasileiros usam uma determinada forma linguística, eles estão todos errados e o que apregoam como certo é aquela forma que está consolidada há séculos. Isso ficou muito evidente durante todas as campanhas presidenciais de que Lula participou. Uma das principais acusações que seus adversários faziam era essa: como um operário sem curso superior, que não sabe falar, vai saber dirigir o país? Mesmo depois de eleito, não cessaram as acusações de que falava errado. A mídia se portava como a preservadora de um padrão linguístico ameaçado inclusive pelo presidente da República. Nessas sociedades e nessas culturas muito centradas na escrita, o padrão sempre se inspira na escrita literária. Falar como os grandes escritores escreveram é o objetivo místico que as culturas letradas propõem. Como ninguém fala como os grandes escritores escrevem, a população inteira em teoria fala errado, porque esse ideal é praticamente inalcançável.”

A pergunta que não quer calar: por que ele próprio se expressa segundo a norma culta? Mais: nessa entrevita, Bagno, agarrado à demagogia, diz que podemos, sim, cultivar e gostar da nossa língua, mas sem esquecer quantas pessoas sofreram para que ela se impusesse. Entendeu, leitor? A cada vez que você ler, sei lá, um verso de Camões, acenda uma vela para o grande cacique Touro Sentado…

Paranoias brasileiras (e sul-americanas): estrangeiros estao indo embora com nossas terras...

Bem, parece que não é possível fugir com as terras embaixo dos braços, não é mesmo, caro leitor?
Então qual a razão das pauras sul-americanas?
Que chineses e outros estrangeiros venham a produzir exclusivamente para a exportação?
Que tragédia não é caro leitor?
Que terrível destino, esse, de um país sendo usado e abusado por estrangeiros, para produzir aqui, exportar daqui, ganhar divisas aqui, ficar rico aqui, só para alimentar estrangeiros...
Deve ser um dilema terrível.
Pois então os paranoicos estão inteiramente certos: é preciso impedir esses estrangeiros de cometerem essas barbaridades contra os nossos interesses.
Imagina se a gente vai permitir que se produza para exportação: o que é nosso, é nosso, tem de ficar aqui.
Vamos lutar para que seja assim.
Aliás, podia começar proibindo as exportações de alimentos, e também de minérios e outras coisas. Afinal de contas, pode faltar por aqui.
Eu sempre me surpreendo comigo mesmo, como não consigo ter essas reações geniais.
Ainda bem que o governo está pensando em minha segurança alimentar e mineral, e vai impedir que esses perversos estrangeiros comprem muitas terras aqui.
Ufa, estamos salvos.
Viva a soberania alimentar, a mineral, a... sexual?
Paulo Roberto de Almeida

Enfim, o Mercosul protege suas terras
Marcela Valente*, da Envolverde-IPS
Outras Palavras, 17/05/2011

Depois do Brasil, também Argentina e Uruguai agem para frear vendas de enormes áreas rurais a estrangeiros. Mas medidas ainda são tímidas e insuficientes.

Buenos Aires, Argentina, 11/5/2011 – Os governos de Brasil, Argentina e Uruguai começam a propor leis para pôr fim à avidez estrangeira por suas cobiçadas e extensas terras aptas para a produção de alimentos. No geral, estas medidas são tímidas. Nenhum dos três sócios do Mercosul, juntamente com o Paraguai, propõe uma rejeição à aquisição de terras por parte de capitais privados e estatais estrangeiros, não fixam regulamentações sobre uso do solo, nem revisam o que já foi vendido. Na verdade, procuram pôr limites ao avanço sobre estas propriedades agropecuárias por parte de países que as cobiçam para facilitar o abastecimento de seus próprios mercados de alimentos ou como instrumento de investimento especulativo.O Brasil já limita a compra de terras por estrangeiros e empresas brasileiras com capital estrangeiro, enquanto na Argentina e no Uruguai estão em estudo projetos que seguem na mesma direção. Em todos os casos, o alerta foi dado pela crescente compra de terras registradas nestes países nos últimos anos devido ao aumento dos preços internacionais dos alimentos e da falta de alternativas de investimento financeiro.

Um estudo apresentado em 2008 pela organização não governamental internacional Grain, que trabalha a favor de camponeses e pequenos produtores rurais, já havia alertado para este processo e mostrado casos concretos. China, Egito, Japão, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Índia, Bahrein, Kuwait, Omã, Catar e Emirados Árabes Unidos estão adquirindo ou arrendando terras férteis em outros países onde nem sempre os alimentos abundam, afirma a ONG.

A investigação mostra que o Camboja, que recebe ajuda do Programa Mundial de Alimentos, arrenda campos de arroz no Catar e no Kuwait, enquanto Uganda cede campos de trigo e milho para o Egito, e às Filipinas chegam interessados da Arábia e dos Emirados. Este avanço não só procura garantir o fornecimento de alimentos. Também há compras de terras com fins especulativos por parte de bancos e financeiras no Brasil, Paraguai, Senegal, na Ucrânia, Nigéria e Rússia, afirma o documento.

Em entrevista à IPS, o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), José Pedro Stédile, disse que no Brasil foi percebida esta presença cada vez mais importante de capitais especulativos no setor. Compraram terras, usinas de álcool e represas, entre outros investimentos, afirmou. “O MST está preocupado porque isto coloca em risco a soberania e causa mais insegurança alimentar”, alertou. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou que há cerca de 4,5 milhões de hectares em mãos de estrangeiros, mas o governo admite que isto não reflete a realidade e que pode ser mais que o dobro.

Stédile aplaude a norma aprovada em setembro, que limita a compra ou o arrendamento de áreas acima de um tamanho mínimo a estrangeiros e fixa em 25% o limite da superfície de um mesmo município que podem adquirir. “A prioridade do uso da terra deve ser produzir alimentos para nosso povo e as empresas estrangeiras compram terras para especular, para proteger seus patrimônios, e plantam o que lhes dá mais lucro”, assegurou.

Na Argentina, o governo federal enviou ao parlamento, em abril, um projeto de lei fixando em 20% o limite para titularidade de estrangeiros em território nacional e não lhes permite comprar mais do que mil hectares em áreas produtivas. No entanto, não limita, como no Brasil, a participação de estrangeiros em fundos de investimento, nem tampouco revisa o que já está vendido.

As autoridades argentinas estimam que haja sete milhões de hectares em mãos estrangeiras, mas a Auditoria Geral da Nação fixou em 17 milhões essa propriedade, o que representa 10% do território ou mais da metade da área plantada. Apenas o magnata italiano Luciano Benetton possui quase um milhão de hectares de terras na região da Patagônia.

A iniciativa governamental reivindica a terra como recurso natural não renovável e baseia-se em uma análise do contexto global no qual se destaca o constante aumento da população mundial e a crescente deterioração das terras cultiváveis. A Federação Agrária Argentina, que reúne produtores em pequena escala, pedia uma norma desse tipo desde 2002, e por isso comemorou o projeto. No entanto, alerta que também é preciso uma lei de arrendamentos.

Nessa lei deveriam ser estabelecidos critérios sobre o que se produz em terras arrendadas. A objeção aponta, por exemplo, para uma polêmica surgida em Rio Negro, província da Patagônia. O governo rionegrense assinou convênio de cooperação com um grupo de empresas chinesas para arrendar 240 mil hectares destinados à produção de soja nos próximos 50 anos, com opção de renovação automática do contrato.

O engenheiro agrônomo argentino Walter Pengue, do Grupo de Ecologia da Paisagem e do Meio Ambiente, da estatal Universidade de Buenos Aires, disse à IPS que se a iniciativa não revisar o que já foi vendido nem regular o uso do solo terá sérias limitações. “O projeto é ótimo, mas me preocupa porque no mundo acadêmico internacional se discute a disponibilidade da terra, e para 2020 se prevê que haverá cerca de 15 países com terras produtivas, entre eles a Argentina”, afirmou. Pengue questiona o acordo do governo de Rio Negro. “Não vendem a terra, mas a arrendam e ali se produz o que o locatário deseja, então, a pegada ecológica de outros países fica para sempre em nosso território”, ressaltou.

No Uruguai, a tentativa do governo de Tabaré Vázquez (2005-2010) de aprovar uma lei que limite a estrangeirização não foi possível de se concretizar, mas a Frente Ampla espera concretizá-la este ano, graças à maioria absoluta que tem no parlamento em seu segundo governo, agora encabeçado por José Mujica. O censo de 2000 indicou que 17% da terra desse país estava em mãos de capitais externos, disse à IPS o geógrafo Marcel Ashkar, da Faculdade de Ciências. Porém, hoje se estima que já cobre entre 20% e 30% das terras aptas para a agricultura.

O Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca informou que, entre 2000 e 2009, foram comercializados mais de seis milhões de hectares e que mais da metade foi adquirida por estrangeiros, principalmente brasileiros e argentinos. O peso da soja, do arroz e do reflorestamento em grande escala atrai capital, além dos de seus dois vizinhos, também da Espanha, Finlândia e do Chile, que aumentam suas posses no Uruguai de mãos dadas com grandes complexos industriais de produção de celulose. Envolverde/IPS

* Colaboração de Fabiana Frayssinet (Rio de Janeiro) e Raúl Pierri (Montevidéu).

Relacoes Brasil-China: reciprocidade e paranoias

Segundo se sabe, o Brasil esta tentando limitar a aquisção de terras por estrangeiros, especificamente preocupado, como se sugeriu, com a compra de grandes extensões de terras por chineses, que aqui viriam plantar "o que é bom para eles", não o que supostamente seria bom para nós.
Enquanto continuarmos a ter esse tipo de paranoia, vai ser dificil inserir o Brasil na globalização ou aumentar a relação com a Chona (sem falar da questão da "reciprocidade": como limitar aqui e pedir que eles abram lá?).
Acho que precisamos colocar ordem no discurso interno.
Paulo Roberto de Almeida

Entrevista: Antônio Patriota
“Não é só entrar, extrair e levar o minério ou a soja embora”
Simone Cavalcanti, de Brasília
Brasil Econômico, 17/05/2011

Segundo ministro, Itamaraty trabalha para assegurar transferência de tecnologia na relação com a China

Uma aposta estratégica. É assim que o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antonio Patriota, vê a posição da China não só em relação ao Brasil, mas à toda América Latina, por se tratar, no conjunto, de uma potência na produção de alimentos e de energia. “E tudo isso tem a ver coma segurança alimentar e energética da China, para que continue crescendo.” Por isso mesmo, o diálogo entre os governos só tem melhorado, diz.

Qual a avaliação dessa visita da delegação chinesa?
Sinaliza a retomada de contatos em nível ministerial que havia desacelerado em 2010, em compasso de espera da eleição aqui. A reunião da subcomissão de comércio permite acompanhar a implementação dos compromissos acordados, como a liberação da carne suína e os jatos da Embraer. E avançar no planejamento futuro para identificação de novos projetos e áreas.
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Como o quê?
Um dos pontos é o setor automotivo. Temos uma experiência que é valorizada internacionalmente em termos de biocombustíveis, e a China poderá ter interesse em participar de produtos com essas características. Quando a presidenta Dilma Rousseff esteve em Pequim, participou de um evento cujo título era Além da Complementariedade. Isso diz muito. Porque a complementariedade a gente conhece. Exportamos muita matéria-prima. Não queremos deixar de exportar, mas queremos também embarcar produtos com maior grau de elaboração. Queremos desenvolver parcerias em áreas tecnologicamente mais avançadas, que contribuam para competitividade industrial.

Quais as áreas consideradas estratégicas pelo governo?
Desde biocombustíveis, nanotecnologia, biotecnologia até a questão das terras raras, incluindo a extração e processamento do lítio. E energia de modo geral.

O que mais foi discutido?
Também discutimos um pouco a questão do turismo e da importância das conexões aéreas. A TAM está querendo estabelecer presença na China. A Air China faz um voo com uma escala apenas em Madri. E agora com Copa do Mundo, Olimpíadas, Rio+20 e outros acontecimentos esperamos que haja um crescimento da visita de lado a lado.

Segundo o Mdic, há um empenho do governo para direcionar os investimentos à cadeia produtiva de setores de interesse nacional.
Isso traz à tona o que pode ser descrito como um novo momento da relação entre Brasil e China. Em termos de quantidade, o comércio e a atração de investimentos vai bem, mas nós queremos operarumsalto qualitativo. Isso inclui diversificação da pauta de exportação, os embarques de produtos de maior valor agregado, buscar parcerias com os chineses em que possamos incorporar um conteúdo de tecnologia mais avançado.

Roger Agnelli, ex-presidente da Vale, já reclamou do fato de os chineses comprarem jazidas no Brasil sendo que há uma proibição para entrada naquele mercado. Como isso está sendo tratado?
Mais do que o Itamaraty, a própria presidenta abordou isso. Quando esteve na China disse que quer continuar atraindo investimento chinês, mas aquele que traga um valor agregado. Não é só entrar, extrair e levar o minério ou a soja embora, sem contribuir para o desenvolvimento seja ele de que tipo for. É essa mensagem.
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Mas não quer dizer que a China vá mudar suas proibições?
Vamos olhar o que acontece no médio e longo prazo. Nós somos uma potência no que se refere à produção de alimento. Se juntar todos da América do Sul somos também uma potência energética. Somos fonte de recursos minerais. E tudo isso tem a ver com a segurança alimentar e energética da China, para que continue crescendo. Isso é um pouco a equação da complementariedade. Quando fala em ir além disso, queremos que não seja uma via de mão única, que também esse relacionamento no sentido inverso nos traga uma contribuição em desenvolvimento qualitativamente superior. A questão da reciprocidade foi levantada, pois empresas nossas têm dificuldade de se estabelecer na China. Se eles aqui têm uma limitação ou se ressentem de alguma dificuldade na aquisição de terras, bom, lá não há nem essa possibilidade. Há uma compreensão das assimetrias e um desejo de superá-las.

Em que prazo?
O calendário de reuniões vai estabelecendo os prazos. Mas nós gostaríamos de ter avanços até a Cosban (Comissão de Alto Nível Sino-Brasileira) que se reúne no segundo semestre.

Politica cambial: a obsessao dos equivocados...

Onze entre dez economistas autodenominados desenvolvimentistas estão preocupados com o câmbio. Alguns, como os que escreveram essa coisa aí abaixo, chegam até a mencionar uma fantasmagórica "política de apreciação cambial", como se isso existisse ou fosse uma política deliberada de governos (malucos?).
É certo que políticos demagogos gostam de câmbio alto: dá a impressão de que somos ricos e de que todo mundo pode viajar para a Disneyworld duas vezes por ano. Claro que isso acontece e eles ficam contentes, mas a intenção inicial não era essa.
Valorização cambial é sempre o efeito de certo "sucesso" econômico: exportações crescentes, atração de capital estrangeiro, facilidade no lançamento de emissões internacionais. Mas ela é sempre o resultado, não a causa dos problemas de competitividade e de desequilíbrios (futuros, quase certamente).
Vejam também a lista dos problemas brasileiros abaixo relacionados:

"1. Carga tributaria elevada.
2. Custo da infraestrutura
3. Folha salarial sobrecarregada com encargos.
4. Custo do investimento.
5. Baixo estágio tecnológico.
6. Estrutura incipiente de investimento em inovação"

Ou seja, nenhum deles, friso, NENHUM, tem a ver com o câmbio. Todos eles são produzidos internamente, são nossos próprios pecados, problemas "made in Brazil", como se diz.
Como é, então, que, partindo desses problemas, se chega à conclusão de que se tem de desvalorizar o câmbio?
Só pode ser obsessão ou burrice.
O câmbio baixo vai reduzir a carga tributária, induzir à inovação, melhorar a infraestrutura?
Não, absolutamente nada, nadicas de peteberebas.
Então porque se tem de mexer no câmbio?
Ora, esse pessoal precisa ser coerente...
Paulo Roberto de Almeida

Os novos riscos de super-real
Blog Outras Palavras, 17/05/2011

Luís Nassif alerta: como nos anos 90, governo hesita em interromper valorização da moeda. Isso comprometerá desenvolvimento – e não será compensado por gambiarras

Pode-se colocar a Petrobras como agencia de desenvolvimento, adquirindo produtos nacionais. Pode-se aumentar substancialmente o capital do BNDES. Pode-se até criar estímulos fiscais para novos investimentos. Mas enquanto não se acertar o câmbio, será apenas uma fantasia, uma gambiarra, um arremedo de política industrial.

Nenhuma economia emergente conseguirá se desenvolver adequadamente sem trabalhar o fator preço, aquele que impacta diretamente o custo final do produto.***

A competitividade é uma soma de ações em diversas áreas, mas não é uma poção mágica, que estabelecerá com os competidores a igualdade de condições da noite para o dia.

A lógica de qualquer política industrial consistente é a de criar condições iniciais favorecidas para a produção nacional, mas visas do mais à frente a sustentabilidade do setor.

Tome-se o caso dos setores que serão beneficiados pelas compras da Petrobras. Em um primeiro momento ganharão encomendas e ampliarão a estrutura. Mas sem preços competitivos se criará uma indústria de estufa, incapaz de oferecer seus produtos a terceiros.

***

Suponha um determinado produto competindo com o estrangeiro. Em relação aos países avançados, o Brasil possui as seguintes desvantagens:

1. Carga tributaria elevada.

2. Custo da infraestrutura

3. Folha salarial sobrecarregada com encargos.

4. Custo do investimento.

5. Baixo estágio tecnológico.

6. Estrutura incipiente de investimento em inovação.

Todos esses fatores encarecem o custo do produto brasileiro de forma expressiva, especialmente nos setores mais dinâmicos da economia, em que há maior valor agregado.

***

São esses setores – mais expostos à concorrência internacional – que garantem o dinamismo da economia, a qualificação do emprego, os avanços tecnológicos, os investimentos, a vitória nas disputas com produtos estrangeiros.

E a arena de batalha não é apenas o comércio internacional, mas o próprio mercado interno. A não ser que se pretenda fechar a economia brasileira, cada dia de apreciação cambial significa mais produtos brasileiros sendo substituídos por produtos importados.

***

Em todo processo de desenvolvimento – seja na Inglaterra do século 18, no Japão, Alemanha e Itália do pós-guerra, na Coréia dos anos 50, o tiro de partida para a recuperação ou para o início do crescimento foi o câmbio.

A razão é simples. Em cada linha de produto, há os de menos e os mais sofisticados. Países adiantados produzem os mais sofisticados, cobrando mais caro. Países menos adiantados apresentam a vantagem do preço.

Depois, à medida que as empresas vão crescendo, aumentam os investimentos em tecnologia e inovação e seus produtos passam a disputar segmentos mais avançados.

Não há mistério nessa fórmula, não se está contando novidade.

***

Ocorre que em momentos cruciais da história – fim do século 19, no pós-guerra, nos anos 90 – prevaleceu a política de apreciação cambial. E ligada a interesses imediatos seja do grande capital (que sempre especulou associado ao capital internacional), seja do populismo cambial de sucessivos governantes, preferindo faturar politicamente com a falsa sensação de fartura trazida pela moeda apreciada.

***

Se não se resolver a questão cambial, pré-sal e companhia não passarão de embromação.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Aceleraçao inflacionaria: finalmente a economia do PT...

Durante anos, os "melhores economistas" do PT pediram uma "outra política econômica", uma que não fosse tão neoliberal e conservadora, que não fosse monetarista e recessiva, que pudesse entregar crescimento e bem-estar para todos, sem aquelas velhas obsessões com o equilíbrio fiscal, os juros altos, o rigor orçamentário, enfim, essas velharias dos economistas ortodoxos.
Eles, como bons estruturalistas e desenvolvimentistas, queriam um melhor desempenho geral, o que significava uma menor preocupação com a inflação e maior com o emprego e a distribuição de renda. Como dizia Celso Furtado, pode-se aceitar um "pouquinho mais de inflação para ter um pouco mais de crescimento e mais emprego".
Deu no que deu: tiveram o seu crescimento e mais emprego, e também mais inflação.
Essa é a herança maldita da era Lula e o "triunfo definitivo" da política econômica petista, como eles queriam, da forma como eles queriam.
Pois bem, se precisavam de mais alguma prova, aí a tem: o teste foi feito.
Deixo vocês com um artigo a respeito.
Paulo Roberto de Almeida

Inflação fora de controle?
Rodrigo Constantino
O Globo, 17/05/2011

A inflação acumulada nos últimos 12 meses, medida pelo IPCA, passou de 6,5%. Rompeu, portanto, o topo da meta do Banco Central (BC). Ao que tudo indica, ela deverá subir ainda mais nos próximos meses. Diante deste quadro preocupante, o governo abusa da retórica, mas faz pouco para domar o dragão.
O BC, que não possui independência legal no Brasil, aposta em uma inflação migrando para o centro da meta em 2012. Seu presidente, Alexandre Tombini, chegou a afirmar que a medida do governo, de impor à BR Distribuidora uma redução de preço dos combustíveis, ajuda a combater a inflação. O ministro Guido Mantega pediu que empresários não repassassem aumentos dos custos. Será que voltamos aos tempos do congelamento de preços, que ataca o sintoma e não as causas da inflação? Qual será o próximo passo? Resgatar os famosos fiscais do Sarney?
O governo tem jogado a culpa da inflação em fatores exógenos, como a alta das commodities. É verdade que seu preço subiu bem nos últimos meses, o que também colaborou para o crescimento da economia brasileira, abundante em recursos naturais. Mas não é correto limitar o problema a este fator. Os preços ligados ao setor de serviços subiram ainda mais que a média geral, chegando perto de 9% nos últimos 12 meses. O que está causando esta acelerada alta dos preços então?
Como sabia Milton Friedman, a inflação é sempre um fenômeno monetário. Os demagogos já culparam até a ganância dos empresários, ou choques de oferta fora do controle dos governos, mas o fato é que nada disso produz aumento generalizado dos preços. Quando isto ocorre, é porque há aumento da base monetária e do crédito na economia. E ambos são controlados pelo governo. A inflação é uma deliberada política de governo.
Esta é a “herança maldita” que o governo Lula deixou para sua sucessora, que pouco tem feito para contornar o problema. Os gastos públicos explodiram nos últimos anos de mandato do presidente Lula, e o “corte” de R$ 50 bilhões anunciado pela presidente Dilma representa, na verdade, um aumento de gasto em relação a 2010, pois corta em cima de um orçamento inflado. O governo deveria efetivamente reduzir, de forma significativa, seus gastos explosivos.
Além disso, a expansão de crédito segue em ritmo irresponsável. O BNDES, que utilizou o argumento de medida anticíclica para aumentar absurdamente seus desembolsos durante a crise, não pisou no freio agora que a economia já está claramente aquecida, quiçá superaquecida. A demanda segue firme, a economia se encontra em pleno emprego e pode-se falar até mesmo em apagão de mão-de-obra em certos setores.
Para piorar a situação, o governo não apresentou uma única reforma estrutural, como a previdenciária, trabalhista ou tributária, que permitisse um choque de produtividade ao país. Os investimentos em infraestrutura e educação continuam pífios e de péssima qualidade. O modelo de expansão calcado em crédito e consumo está perto do esgotamento, e os gargalos levam justamente ao aumento da inflação. A economia brasileira parece um carro popular a 150 km/h em uma estrada esburacada, trepidando e com parafusos começando a se soltar. E há no governo quem pense que a solução é acelerar mais!
O BC fica de mãos atadas neste contexto. Suas medidas macroprudenciais são uma aposta incerta, e contar com a queda do preço das commodities é arriscar demais. Até porque uma correção das commodities poderia ser benéfica para a inflação, mas uma queda drástica poderia deteriorar nosso cenário econômico. Afinal, ele depende muito da melhora dos termos de troca, i.e., da alta do preço dos produtos que exportamos em relação ao que importamos. O governo deveria tomar cuidado com aquilo que deseja.
Para quem possui apenas um martelo, tudo se parece com um prego. Uma vez que o governo não faz sua parte, o único instrumento que o BC tem para atuar contra a inflação é a taxa de juros, além do compulsório dos bancos. Não existe mágica, ao contrário do que pensam os industriais da Fiesp. Manter a taxa de juros artificialmente baixa é permitir a volta do dragão inflacionário, o pior imposto para os mais pobres. Em um país com trauma de inflação e economia indexada, aceitar “um pouco mais” de inflação é brincar com fogo ao lado de um barril de pólvora. Nada recomendável.
A credibilidade de um banco central é crucial para ancorar as expectativas inflacionárias. Enquanto o governo ficar somente no discurso, os agentes de mercado terão motivos para receio. A pergunta é legítima: será que a inflação está saindo do controle?

Etica dos poroes (2): mais se "explica"...

Palocci se justifica, não se explica e tenta botar outros nomes da rodinha, Curiosamente, não cita José Dirceu!
Reinaldo Azevedo, 17/05/11

Quem sai aos seus não degenera, certo, Antonio Palocci? Leiam o que informa Gabriela Guerreiro na Folha Online. Volto em seguida:

A Casa Civil encaminhou nesta terça-feira e-mail a um grupo de senadores com explicações sobre a evolução do patrimônio do ministro Antônio Palocci nos últimos quatro anos. Na mensagem, a Casa Civil justifica a evolução no patrimônio ao lembrar que, como ex-ministro da Fazenda, Palocci recebeu uma “experiência única” que dá valor a profissionais de consultoria no mercado e cita outros ex-integrantes do governo que também enriqueceram ao deixarem seus cargos. “Não por outra razão, muitos outros se tornaram, em poucos anos, banqueiros, como os ex-presidentes do Banco Central e BNDES Pérsio Arida e André Lara Rezende, diretores de instituições financeiras como o ex-ministro Pedro Malan ou consultores de prestígio como o ex-ministro Maílson da Nóbrega.”

A Casa Civil também afirma que todas as informações relacionadas à evolução patrimonial do ministro constam de sua declaração de renda de pessoa física, assim como são “regularmente enviadas” à Receita Federal –incluindo informações da empresa Projeto, da qual Palocci tem 99,9% das ações. Diz ainda que Palocci não reside no apartamento de R$ 6,6 milhões comprado em São Paulo.

A empresa Projeto, segundo a nota, foi aberta em 2006 para a prestação de serviços de consultoria econômico-financeira - por meio da qual o ministro aumentou o seu patrimônio. “Não há nenhuma vedação que parlamentares exerçam atividade empresarial, como atesta a grande presença de advogados, pecuaristas e industriais no Congresso. Levantamento recente mostrou que 273 deputados federais e senadores da atual legislatura são sócios de estabelecimentos comercial, industrial, de prestação de serviços ou atividade rural”, diz a nota.

Na nota, a Casa Civil afirma que a empresa de Palocci prestou serviços para “clientes da iniciativa privada” –tendo recolhido sobre a remuneração os tributos devidos– mas sem mencionar quais os clientes. Diz ainda que muitos “ministros importantes” fizeram o percurso inverso ao vir do setor privado para o governo. “O patrimônio auferido pela empresa foi fruto desta atividade e é compatível com as receitas realizadas nos anos de exercício”, diz a Casa Civil.

O órgão argumenta que o objeto social da empresa foi modificado antes da posse de Palocci no ministério para “vedar qualquer prestação de serviço que implique conflito de interesse com o exercício de cargo público”. Segundo a Casa Civil, a gestão dos recursos da empresa foi transferida a uma “gestora de recursos” com autonomia para realizar aplicações e resgates –para evitar conflitos de interesse, seguindo recomendação da Comissão de Ética Pública da Presidência. Atualmente, segundo a mensagem, a empresa tem a “única função” de administrar os seus dois imóveis em São Paulo.

Voltei [Reinaldo Azevedo]:
Pois é… Palocci, como se nota, resolveu recorrer a alguns colaboradores do governo FHC e até a Mailson, que foi ministro de José Sarney, para se justificar, não para se explicar, já que explicação não há.

Há uma nada ligeira diferença entre os nomes acima elencados: depois que passaram a se dedicar à iniciativa privada, cessaram suas atividades públicas. Mailson, por exemplo, foi ministro — e de um período difícil, bem conturbado, na economia. Quando passou a ser consultor, estava claro que não tinha mais nenhuma interferência nos assuntos da República. Até porque Fernando Collor chegou tentando desmoralizar o governo anterior. Os clientes que confiam nas análises e conselhos de sua empresa sabem que não podem contar com ele para, por exemplo, fazer lobby partidário. Se é, e é, muito bem-sucedido em sua empreitada, é porque deve fazer análises pertinentes.

O mesmo se diga de Pérsio Arida e André Lara Rezende, não é mesmo? A estes dois, em particular a Pérsio, deve-se a engenharia única do Planto Real, que tirou o Brasil da taba. Encerrada as suas atividades no serviço público, todos souberam que eles haviam migrado para a iniciativa privada.

O problema de Palocci é outro. Quem sabia que ele tinha empresa de consultoria? Os primeiros a ignorar tal fato, estou certo, eram seus eleitores. Os três migraram para empresas conhecidas, reconhecidas pelo mercado em suas respectivas áreas. O que distingue a de Palocci na comparação com os exemplos por ele citados é a clandestinidade. Se ele revelasse o nome dos clientes, talvez diminuísse a sombra da suspeita — a menos, claro, que ela aumentasse…

Sua empresa era bem mais clandestina do que a de José Dirceu, que também enriqueceu no ramo da “consultoria”. Por alguma razão, Palocci não citou o caso do “companheiro” de partido. Os petistas mais íntimos, inclusive a presidente Dilma Rousseff, até poderiam saber de tudo, mas nem o mercado sabia — exceção feita aos “clientes” para os quais ele trabalhou. E olhem que Palocci poderia ter feito as coisas às claras, não? Sendo quem é, amado como é por setores do capital, poderia ter ganhado um dinheirão com palestras.

Mas, entendo, poderia pegar mal um deputado cobrar para falar em público. Ele preferiu cobrar para falar privadamente. Mais: há muitos empresários deputados, sem dúvida. Mas com o poder que Palocci tinha para interferir em questões de estado, eu diria, não há um só.