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domingo, 11 de novembro de 2018

Como será a política externa do governo Bolsonaro - Fernando Martins (Gazeta do Povo)

Como será a política externa do governo Bolsonaro 

Fernando Martins

Gazeta do Povo, 11/11/2018

Esvaziamento do Mercosul e de outros blocos “ideológicos” de nações do qual os brasileiros fazem parte dos planos de Jair Bolsonaro para a política externa. | Mauro Pimentel/AFP
Pressão intensa e até mesmo guerra, se for necessário, para derrubar a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela. Rompimento de relações diplomáticas com Cuba. Forte alinhamento com os Estados Unidos e outros países comandados por conservadores, como Israel e Itália. Extradição de Cesare Battisti. Briga com a China para que ela não “compre o Brasil, mas compre no Brasil”. Esvaziamento do Mercosul e de outros blocos “ideológicos” de nações do qual os brasileiros fazem parte. Mudança da Argentina pelo Chile como parceiro preferencial na América do Sul. Abertura comercial ampla.
Durante a campanha eleitoral e até mesmos nos primeiros dias pós-eleições, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e seus aliados deram a entender que o Brasil dará uma profunda guinada em sua política externa a partir de 2019. Especialistas em relações internacionais dizem que ainda é cedo para saber exatamente como será a diplomacia brasileira sob o comando de Bolsonaro. Mas eles acreditam que uma mudança muito profunda dificilmente vai acontecer. A possibilidade de o país dar um cavalo de pau na cena mundial tende a ser freada pelo risco de haver prejuízo para os interesses nacionais. 
Ou seja, a realidade da geopolítica vai se impor sobre o discurso do presidente eleito. “O Brasil não são os Estados Unidos e o Bolsonaro não é o Trump”, explica Giorgio Romano, professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). A nação norte-americana é uma superpotência militar e econômica com instrumentos para impor suas vontades – algo que não está disponível ao Brasil.
Bolsonaro, aliás, parece já ter tomado um choque de realidade ao anunciar que escolherá um profissional do ramo para o Itamaraty. O futuro ministro das Relações Exteriores será um diplomata de carreira .
Giorgio Romano lembra ainda que Bolsonaro, na campanha, buscou se contrapor à política externa do PT. Mas o governo de Michel Temer (MDB) já havia promovido mudanças em relação à diplomacia das gestões petistas, adotando uma visão mais pragmática. Com Temer na Presidência, o Brasil se distanciou da Venezuela, aproximou-se dos Estados Unidos e promoveu uma abertura ao capital externo – caso da permissão para que empresas estrangeiras explorem o pré-sal sem estarem subordinadas à Petrobras. A aproximação com países do Pacífico, como o Chile, tampouco é exatamente uma novidade na agenda brasileira.
O professor da UFABC aposta que Bolsonaro tende a manter as linhas gerais das relações exteriores do governo atual. Mas, para ele, haverá mudança no estilo da diplomacia presidencial: “A diferença entre o Temer e o Bolsonaro é que o Bolsonaro vai cacarejar antes de colocar o ovo”. Ou seja, o presidente eleito tende a ser mais “falastrão” que o antecessor.
Além de falar mais, o país também tende a ser mais falado no mundo. Para o professor de relações internacionais Argemiro Procópio, da Universidade de Brasília (UnB), o alinhamento do governo Bolsonaro com os Estados Unidos, se efetivamente ocorrer, vai dar mais visibilidade internacional ao Brasil, o que não necessariamente será bom. “Falem bem ou falem mal, mas falem de mim”, resume Procópio.

Especialista diz que país precisa recuperar imagem desgastada

Contudo, Alberto Pfeifer, coordenador do grupo de análise da conjuntura internacional da Universidade de São Paulo (USP), acredita que o Brasil teria de caminhar justamente na direção de ser “bem falado” no mundo. Segundo ele, a imagem internacional do país está muito desgastada devido aos escândalos de corrupção, ao impeachment de Dilma Rousseff (visto por parte da opinião pública internacional como um “golpe”), à prisão de Lula (interpretada como injusta pela mesma parte da opinião pública externa) e pela própria imagem de Bolsonaro, mostrado no exterior como autoritário, machista, homofóbico, fascista.
Pfeifer aposta ainda que a política externa do governo Bolsonaro vai estar sujeita à agenda econômica: será mais um instrumento para promover o crescimento. E isso tende a ser feito por meio da abertura comercial.
Mas a política de livre comércio internacional também pode esbarrar nas circunstâncias internas. “Bolsonaro vai ter de superar a resistência da Fiesp [a Federação da Indústria do Estado de São Paulo]”, diz Giorgio Romano, professor de relações internacionais da UFABC. Ele alerta que uma abertura comercial unilateral traz o risco de quebrar o que sobrou da indústria brasileira – daí a possível resistência da Fiesp, a principal organização industrial do país.

Venezuela: guerra de palavras não deve virar guerra de fato

O caso da Venezuela é emblemático para mostrar como o discurso de campanha de Bolsonaro pode ser bem diferente do que vai acontecer na prática. 
A ditadura bolivariana de Nicolás Maduro foi usada na propaganda eleitoral de Bolsonaro como exemplo do que o Brasil se transformaria se o PT vencesse a disputa. A retórica pesada, associada a outros fatores, leva muita gente a acreditar que o presidente eleito pode até mesmo declarar guerra se for necessário para tirar Maduro do poder.
Filho do presidente eleito, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), pouco antes do primeiro turno, em uma manifestação a favor de seu pai, em 30 de setembro, sugeriu que o Brasil invadisse a Venezuela para depor a ditadura bolivariana. “O general [Hamilton] Mourão [vice de Bolsonaro] já falou: a próxima operação de paz do Brasil será na Venezuela. O melhor para a crise imigratória que nós vivemos é a saída de Maduro do poder”, disse. 
Não era bem o que Mourão havia dito. Ele apenas havia afirmado que, se a ONU decidisse realizar uma operação de paz na Venezuela, o Brasil poderia participar – descartando a invasão militar pura e simples. O próprio Bolsonaro, pouco antes do segundo turno, disse não querer guerrear com a Venezuela. Ainda assim, o discurso do filho do então candidato serviu para inflamar os eleitores antipetistas. 
A declaração juntou-se a outros fatores que alimentaram a ideia de que, com Bolsonaro no Planalto, haverá a possibilidade de o Brasil compor uma coalização internacional para depor Maduro. Trump – a quem Bolsonaro admira e tenta se aproximar – afirmou publicamente em agosto de 2017 que cogitava a “opção militar” para lidar com o caso venezuelano. O presidente americano também teria conversado com os atuais presidentes do Brasil e da Colômbia sobre o assunto – o que foi negado pelo Planalto.
No dia 29 de outubro, logo após o segundo turno, a Folha de S.Paulo publicou reportagem em que afirma que fontes do governo colombiano diziam que o país estaria disposto a apoiar uma intervenção militar na Venezuela encabeçada pelo Brasil. A Colômbia negou a informação. E um dos principais braços-direitos de Bolsonaro, o general Augusto Heleno, também. “Isso contraria os princípios das nossas relações exteriores. Nós temos como preceito fundamental a não ingerência (...) em assuntos internos de outros países”, disse Heleno.

“O Brasil não vai cometer o suicídio de se meter numa brincadeira armada na Venezuela”

Rumor ou não, o fato é que uma guerra com os venezuelanos seria muito custosa ao país, o que tende a esfriar qualquer ânimo nesse sentido. “O Brasil não vai cometer o suicídio de se meter numa brincadeira armada na Venezuela”, diz Argemiro Procópio. “Eles podem não ter comida nos supermercados; mas têm muita bala”, complementa o professor, lembrando que a Venezuela dispõe de Forças Armadas bem aparelhadas, com equipamentos modernos comprados da Rússia, China e Europa.
Procópio afirma que há outras condições limitantes para uma ação brasileira mais radical em relação à Venezuela. O estado de Roraima não está interligado ao sistema elétrico brasileiro e depende de energia venezuelana. E há grandes empresas brasileiras com negócios no país vizinho, que seriam prejudicados num rompimento radical de relações. “O pragmatismo tende a falar mais alto”, diz.
Isso não significa, contudo, que o governo Bolsonaro não terá uma atitude diplomática dura em relação à Venezuela. Até mesmo porque o Brasil vem sendo afetado diretamente pela crise humanitária na nação vizinha, recebendo grandes levas de refugiados. Isso traz uma série de problemas como segurança, custos de acomodação, deslocamento, saúde.
“O presidente eleito provavelmente apoiará sanções e medidas mais rigorosas para conter o fluxo de refugiados venezuelanos para o Brasil”, escreveu o analista norte-americano Kevin Allison no relatório Signal do último dia 31, publicação de relações internacionais do Eurasia Group.
Para Giorgio Romano, a relação Brasil-Venezuela vai para a geladeira no governo Bolsonaro. Coordenador do grupo de análise da conjuntura internacional da Universidade de São Paulo (USP), Alberto Pfeifer acredita que é possível que haja um alinhamento diplomático do Brasil sob Bolsonaro com a Colômbia para pressionar a Venezuela. Os colombianos também estão recebendo milhares de imigrantes venezuelanos – aliás, muito mais refugiados do que o Brasil.

Estados Unidos: Trump pode ser ‘amigo’ de Bolsonaro, mas negócios à parte

Bolsonaro tem proximidade ideológica com Donald Trump. Ambos são conservadores e de direita. Argemiro Procópio lembra que o americano foi um dos primeiros chefes de Estado a telefonar para cumprimentar Bolsonaro após ele vencer o segundo turno. “Isso é significativo.”
Alberto Pfeifer destaca que a inclinação pró-norte-americana de Bolsonaro ocorre também do ponto de vista pragmático. Os Estados Unidos, afinal, são um parceiro fundamental no comércio, investimentos, transferência de tecnologia. E os brasileiros têm interesse em ampliar essa relação. 
Contudo, Giorgio Romano pondera que a proximidade ideológica entre Bolsonaro e Trump não terá influência nas negociações comerciais quando os interesses dos dois países se chocarem. “Todo amor que o Bolsonaro quer dar aos Estados Unidos não vai ter reciprocidade”, aposta Romano.
Trump vem adotando uma política econômica nacionalista, de proteção da indústria local, que contraria os interesses brasileiros. No fim de setembro, o norte-americano indicou que vai endurecer o jogo comercial com o Brasil. Disse que o país trata as empresas dos Estados Unidos “injustamente” e que esse comércio é “o mais difícil do mundo”. Trump também já havia fixado cotas para a importação de aço brasileiro.

Mercosul e América Latina: além do comércio, Brasil tem outros interesses que vão impedir mudanças profundas 

Logo após Bolsonaro ter sido eleito presidente, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a Argentina e o Mercosul “não são prioridade”. Segundo ele, o bloco tornou o Brasil “prisioneiro de alianças ideológicas”. O anúncio de que o Chile será o primeiro país que o presidente eleito vai visitar após a posse também reforçou a percepção de que haverá um esvaziamento do Mercosul (bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e a hoje suspensa Venezuela). O objetivo seria priorizar o comércio com outros países vizinhos.
Alberto Pfeifer admite que o Mercosul tem problemas e precisa se modernizar. Mas ele acredita que o futuro ministro da Economia desconhece todas as atribuições do bloco. “O que o Paulo Guedes fala de política externa não vale um vintém”, diz. Pfeifer lembra que o Mercosul não é apenas uma união comercial. Os países têm fronteiras e outras questões em comum que são de interesse do Brasil: circulação de cidadãos, tráfico de armas e drogas, vigilância sanitária. 
Argemiro Procópio, contudo, diz que Guedes pecou pela sinceridade. “Às vezes o Mercosul é mais ficção do que realidade.” Procópio diz que o bloco é um grande exportador de commodities agrícolas, essencial para garantir a segurança alimentar mundial. Portanto, teria de ter mais peso. “O Mercosul é uma bela onça que mia como um gato.”
Por isso, Procópio vê o bloco como uma oportunidade para o Brasil. Até mesmo porque há um alinhamento de direita com os governos da Argentina e do Paraguai para promover mudanças mais liberais no Mercosul.
Pfeifer avalia ainda que a Argentina não deixará de ser importante para o país. “A Argentina é grande compradora de manufaturados do Brasil; não é interessante mudar isso.” Ele também acredita que o Brasil pode ampliar a aproximação, que já está ocorrendo, do Mercosul com nações como o Chile, Colômbia e Peru (países que fazem parte da Aliança do Pacífico junto com o México).
Giorgio Romano diz que não é estratégico para o Brasil abrir mão de blocos com os quais pode vir a ter mais peso em negociações internacionais. A partir do ano que vem, aliás, o Brasil vai presidir o Mercosul, a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e os Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Cuba é uma incógnita: Bolsonaro diz que pode cortar relações

Na América Latina, há ainda outra incógnita: a relação com Cuba. A ilha comunista, assim como a Venezuela, foi outro país usado na campanha de Bolsonaro para dizer o que aconteceria com o Brasil se o PT vencesse. Após ser eleito, ele disse que poderia cortar relações diplomáticas com o país por desrespeitos aos direitos humanos dos cubanos. Mas o presidente eleito deixou aberta a possibilidade de não fazer isso.

China: Brasil vai perder muito se desafiar seu maior parceiro comercial

Bolsonaro passou a campanha dando a entender que entraria numa briga com a China se fosse eleito. Afirmou que não quer que os chineses “comprem o Brasil, mas comprem no Brasil” – referindo-se a sua rejeição a que os estrangeiros adquiram terras e estatais brasileiras, que pretende privatizar. Além disso, em março ele visitou Taiwan – o que teria irritado a China, considera que esse não é um país independente, mas uma província rebelde.
Pequim esperou a eleição passar para dar uma resposta. E ela foi incisiva. Editorial do China Daily, o principal jornal do governo chinês em língua inglesa, advertiu Bolsonaro. Disse que suas críticas ao país asiático podem “servir para algum objetivo político específico (...), mas o custo econômico pode ser duro para a economia brasileira, que acaba de sair de sua pior recessão da história”. “Ainda que Bolsonaro tenha imitado o presidente dos Estados Unidos ao ser verbalmente ultrajante para captar a imaginação dos eleitores, não existe razão para que ele copie as políticas de Trump [que adotou medidas protecionistas contra a China]”, prossegue o editorial.
A pressão diplomática também foi feita pessoalmente. Na última segunda-feira (5), Bolsonaro recebeu uma comitiva de empresários chineses encabeçada pelo embaixador da China no Brasil, Li Jinzhang. O embaixador saiu sem dar declarações.
A posição do presidente eleito sobre a China foi alvo de manifestação inclusive do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Se formos por esse caminho, vamos levar o Brasil para uma posição como se fosse os Estados Unidos, mas sem ser os Estados Unidos. Nós não temos esta possibilidade. A China é nosso maior parceiro comercial e, se o Brasil tomar certas medidas, eles vão reagir”, disse FHC. 
Os analistas de política internacional concordam. “O pragmatismo vai falar mais alto; Bolsonaro vai perceber que precisa tratar bem seu principal parceiro comercial”, diz Alberto Pfeifer. Giorgio Romano lembra que Bolsonaro tem apoio dos produtores rurais, que dependem do mercado chinês: “O agronegócio vai pedir para ele baixar a bola”.

Israel: a grande mudança de fato, mas que também esbarra em interesses comerciais

A aproximação do Brasil com Israel talvez seja a principal mudança de fato na diplomacia brasileira no governo Bolsonaro. Especialmente porque Bolsonaro dá sinais de que essa aliança se dará na mesma medida em que haveria um esfriamento das relações com a Palestina.
A intenção do presidente eleito de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo o exemplo dos Estados Unidos, é emblemática nesse sentido. Trata-se do reconhecimento de que a cidade sagrada é a capital dos israelenses. Isso não é aceito pelos palestinos e pelo mundo árabe em geral, que também reivindicam Jerusalém como sua capital. 
Na prática, o gesto de Bolsonaro dá respaldo internacional à política do atual primeiro-ministro de Israel, o conservador Benyamin Netanyahu, que congelou as negociações para a formação de dois Estados no atual território israelense: a Palestina e Israel. Netanyahu inclusive planeja comparecer à posse de Bolsonaro, numa visita que seria inédita de um premiê israelense ao Brasil.
Giorgio Romano afirma, se isso ocorrer, o Brasil rompe com a tradição histórica da diplomacia brasileira, que sempre apoiou a existência dos dois Estados. “É bastante drástico.” A mudança da embaixada, segundo ele, pode ter efeitos ruins e bons para o Brasil.
Do lado positivo, Romano diz que o Brasil pode firmar uma aliança estratégica com Israel, um país com alta tecnologia militar, de irrigação, de informação. Argemiro Procópio concorda. Segundo ele, Israel é um país boicotado no cenário internacional e essa proximidade poderia render bons frutos ao Brasil .
Contudo, há riscos. O principal é a ameaça de que países árabes promovam uma retaliação deixando de comprar produtos brasileiros – sobretudo frango e carne. O mundo árabe, aliás, é um dos principais mercados da indústria de carne brasileira – o que pode fazer com que haja pressão externa e interna sobre Bolsonaro para que ele desista da ideia de mudar a embaixada. 
Autoridades palestinas já criticaram a intenção de Bolsonaro. E o governo egípcio foi o primeiro aliado da Palestina a dar um sinal diplomático de seu descontentamento com a questão da embaixada. Desmarcou em cima da hora a visita que o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, faria ao Egito entre os dias 8 e 11 deste mês. Oficialmente, foi um problema de agenda. Mas, nos meios diplomáticos, o gesto foi visto como um recado.
Bolsonaro parece ter percebido os riscos de mudar a embaixada. Recentemente, vem dizendo que ainda não bateu o martelo sobre o assunto.

Itália: Battisti pode ser um símbolo de aproximação, mas jogo comercial será duro

A Itália tende a ser a “ponte” de Bolsonaro com a Europa. É um país com o qual ele pretende se aproximar em função de um alinhamento ideológico de direita entre o presidente eleito com o do atual governo italiano. 
A extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, mantido no Brasil por decisão do ex-presidente Lula, seria um gesto simbólico nessa direção. Bolsonaro já anunciou que, se o Supremo Tribunal Federal autorizar, vai enviá-lo à Itália, onde Battisti foi condenado pelo assassinato de quatro pessoas. 
Mas a possível aliança Brasil-Itália, do mesmo modo que ocorre com a aproximação com os Estados Unidos, pode esbarrar nos interesses econômicos divergentes dos dois países. O professor Giorgio Romano afirma que a direita italiana é nacionalista e o governo italiano vem buscando privilegiar as empresas do país – o que seria uma dificuldade para um comércio mais amplo entre as duas nações.

Meio ambiente será fator de pressão externa sobre o Brasil

A questão ambiental será um fator de pressão internacional sobre o futuro governo brasileiro. “Bolsonaro é um cético da mudança climática. E, embora tenha recuado de promessas anteriores de tirar o Brasil do Acordo Climático de Paris (...), ele prometeu facilitar as exigências de licenciamento ambiental para projetos de infraestrutura. (...) Não está claro o quanto isso afetaria o já acelerado desmatamento da Amazônia, mas ativistas ambientais estão preocupados”, escreveu o analista norte-americano Kevin Allison, num relatório do Eurasia Group.
Isso pode virar motivo de pressão internacional sobre o Brasil, inclusive com retaliações comerciais. Por exemplo: a fusão dos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente, que ainda não foi decidida nem completamente descartada, já foi alvo de críticas de fora do país, além das internas.
O professor Argemiro Procópio, da UnB, avalia que Bolsonaro pode até mesmo resgatar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCE) para responder às críticas ambientais que possivelmente sofrerá. Procópio diz que a OTCE, que reúne os países amazônicos, foi usada por muito tempo como fórum de defesa dessas nações contra a pressão internacional sobre a Amazônia.

Paulo Guedes: o custo do aprendizado - Pedro Paulo Zahluth Bastos

Normal que quem nunca trabalhou no governo tenha certa dificuldade em adentrar nos arcanos na burocracia governamental, que tem seus ritos, procedimentos, dificuldades e peculiaridades dos processos próprios a cada área, sem necessariamente coordenação entre elas.
Vai ser um duro processo de aprendizado, embora possam ocorrer surpresas no meio do caminho.
Vamos aguardar e dar um crédito de confiança.
Paulo Roberto de Almeida

Gestão

Em que mundo vive Paulo Guedes?

Carta Capital, 09/11/2018 16h53
O “superministro” não sabe como se prepara um OrçamentoShare
Fernando Frazão/Agência Brasil
Em que mundo vive Paulo Guedes?
Guedes desafia a lógica
Não acreditei, confesso, quando li a mensagem de WhatsApp: só pode ser fake news. Um técnico do IPEA informava que o futuro ministro da Economia do governo Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, tinha acabado de ter uma reunião com integrantes do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Os técnicos discutiam a LOA e foram interrompidos pelo futuro ministro: o que mesmo é a LOA? Sério? Não pode ser. Como é possível que um economista experiente prestes a assumir o Ministério da Economia não saiba que a LOA é a Lei Orçamentária Anual? Só pode ser brincadeira de petista infiltrado.
Só que não. A jornalista Cristiana Lobo revelou anteontem em rede nacional que o presidente do Senado, Eunício Oliveira, convidou Guedes para discutir o orçamento e sua lei. A LOA. Guedes não se interessou, respondendo que faria o orçamento de 2019 só depois de tomar posse, no ano que vem. O senador precisou explicar que a LOA era o orçamento “do ano que vem”.
Os sinais de desorientação na cúpula econômica do novo governo não são novos, diga-se de passagem. Na entrevista em que destratou uma jornalista do El Clarín da Argentina apenas por lhe perguntar se o Mercosul seria prioridade do novo governo, Guedes revelou desconhecer o básico.
Afirmou que “o Mercosul quando foi feito foi totalmente ideológico...Eu só vou comercializar com Argentina? Não. Eu só vou comercializar com Venezuela, Bolívia e Argentina?... Não, não é prioridade. É isso o que você quer ouvir?”
Guedes precisa de algumas informações básicas. Número 1: o Mercosul foi assinado por Fernando Collor e Carlos Menem em 1991, e não por Lula e Kirchner em algum ano da década passada. Se “quando foi feito foi totalmente ideológico”, a ideologia do Mercosul era a de neoliberais como Guedes.
De fato, não há regras trabalhistas, ambientais ou fiscais comuns no Mercosul, o que permite que as empresas se desloquem em busca de normas mais “amigáveis” (livre poluição, por exemplo), ou salários e impostos menores.
Era exatamente por isso que o pai do neoliberalismo, Friedrich Hayek, era um entusiasta do livre mercado europeu, como Quinn Slobodian nos lembrou recentemente. O ex-embaixador Rubens Barbosa, que de nacionalista parece ter muito pouco, adora certas coisas no Mercosul.
Ex-sócio da firma da insuspeita secretária de Estado dos EUA no governo Bill Clinton, Madeleine Albright, Barbosa é presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP desde 2013. Nesta condição, promoveu seminário para estimular industriais brasileiras a se deslocarem para o Paraguai.
Em português claro: na fronteira do lado de lá, podem pagar salários de fome e impostos, digamos, paraguaios, montando bens finais reexportados para o mercado brasileiro. Ah, como se sabe, também podem poluir com menores custos de controle ambiental “xiita”.
Informação básica número 2: nem Bolívia nem Venezuela, dois dos três países citados por Guedes, são integrantes originais do Mercosul. Foi apenas em maio de 2018 que a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, com relatoria de deputado neoliberal do PRB, aprovou a adesão da Bolívia ao Mercosul, ainda pendente.
E desde 2016 a Venezuela está suspensa porque, felizmente, o bloco tem uma “cláusula democrática” entre seus participantes.
Informação básica número 3: o Brasil tem superávit comercial com o Mercosul e com a América do Sul em geral. As exportações industriais são parte importante deste saldo comercial favorável. Muitas delas são feitas por filiais de grandes grupos multinacionais que tecem cadeias produtivas globais, exportando insumos e bens finais entre plantas produtivas. O Brasil é o principal centro regional delas basicamente porque tem o maior mercado interno e porque o Mercosul facilita as trocas regionais.
Alguém tem que fornecer outras informações básicas sobre o mundo em que vivemos para os futuros ocupantes do Planalto. Nem Clinton, nem George Bush nem Barack Obama aceitaram abrir o mercado agrícola local para os exportadores brasileiros apesar da insistência de FHC e Lula. Trump, o protecionismo-mor, é quem vai fazê-lo?
Avisem por favor que Trump incluiu a chamada “pílula de veneno” na renegociação do NAFTA do Canadá e México. Assim, ele pode retaliar caso os “parceiros” fechem acordos com a China, com a qual, aliás, Trump está em guerra comercial aberta.
Alguém tem de avisar Bolsonaro e Guedes que a China é o principal destino das exportações brasileiras. E é bom que Bolsonaro pense duas vezes antes de voltar a visitar Taiwan, considerada uma província rebelde em Pequim.
Alertem por gentileza que sair do Acordo de Paris para o clima sujeitará o Brasil a retaliações comerciais da União Europeia. E que os árabes vão deixar de importar carnes halal do Brasil caso mudemos nossa embaixada para Jerusalém por pressão não da comunidade judaica, mas de igrejas evangélicas que apoiaram Bolsonaro. Torçamos para que fanáticos do outro lado não passem a ver a camisa brasileira com ódio nas praias do Egito ou na Copa do Mundo no Catar.
Talvez alguns industriais tenham apoiado Bolsonaro por  imaginarem que, com ele, não seria mais necessário transferir empresas para o Paraguai para pagar salários e impostos paraguaios. Tudo bem, talvez não saibam que os trabalhadores gastam seus salários antes do fim do mês, transformando-os em lucros de outros empresários aqui mesmo no mercado interno.
Talvez não saibam também que o corte prometido do gasto público vai afetar vendas e lucros das empresas, pois o governo não compra em Marte e sim no Brasil. Mas ao menos alguns estão arrependidos por terem apoiado um presidente cujo “Posto Ipiranga” disse que vai “salvar a indústria apesar dos industriais”.
Não vou dizer bem-feito porque, apesar da Fiesp, sou nacionalista. Não proponho rebatizar a Fiesp de Federação das Importadoras do Estado de São Paulo. Só aviso que os níveis de provincianismo e desinformação em Brasília vão aumentar perigosamente no ano que vem. A Barra da Tijuca, apesar da réplica da Estátua da Liberdade, não é Nova Iorque.

General Villas Boas, comandante do Exercito: entrevista (FSP)

'Bolsonaro não é volta dos militares, mas há o risco de politização de quartéis', diz Villas Bôas

Para o comandante do Exército, o presidente eleito é mais político do que militar

O Exército está preocupado com o risco de politização dos quartéis na esteira da eleição do capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência. Seu comandante, general Eduardo Villas Bôas, quer estabelecer uma linha divisória entre instituição e governo.
“A imagem dele como militar vem de fora. Ele é muito mais um político. Estamos tratando com muito cuidado essa interpretação de que a eleição dele representa uma volta dos militares ao poder.
Absolutamente não é”, disse, em entrevista à Folha no Quartel-General do Exército.
O militar, que completou 67 anos na quarta (7), falou sobre a “inevitável associação” entre Exército e o novo governo e sobre a possibilidade de “ideias serem personalizadas” nos quarteis —um eufemismo para quebra de hierarquia. Considera o risco baixo, mas diz estar atento. Descarta riscos à democracia pelo voluntarismo do presidente eleito.
Villas Bôas revisita o turbulento período político de seu comando, iniciado em 2015, e diz ter agido “no limite” quando publicou no Twitter mensagens na véspera do julgamento de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 3 de abril.
Ali, sua “preocupação com a impunidade” foi vista como ameaça velada ao STF, o que nega. Hoje, o general considera o saldo do episódio positivo.
Fragilizado fisicamente por uma doença degenerativa do neurônio motor, ele falou de forma pausada e com auxílio de respirador por mais de uma hora. Deixará o comando, assim como os chefes das outras Forças, com o novo governo.
Faz considerações sobre o papel dos militares na segurança pública, para ele agora “segurança nacional”, dada a gravidade da situação. “Vai ter de participar”, disse.
*
O sr. esteve com o presidente na terça (6). Como foi a conversa? 
Era mais uma visita de cortesia. Tivemos uns dez minutos de conversas específicas. Aqui no Exército será alguém da turma dele, e os quatro generais mais antigos são da turma dele. Sugeri que colocasse um civil na Defesa. Com o ministério com tantos militares, teria um equilíbrio interessante. Mas ele insistiu que fosse um oficial-general de quatro estrelas.
Eu sugeri que o general [da reserva Augusto] Heleno fosse para o GSI [Gabinete de Segurança Institucional], e ele já estava com essa ideia na cabeça.
Daí falamos um pouco sobre política externa, questionei quem eles tinham em mente para o Itamaraty. Achei curioso, eles estavam em um nível bem superficial, com vários nomes, inclusive de pessoas que eles não conheciam e estavam prospectando.
Senti que em alguns setores eles estão com a coisa bem definida, e em outros, ao contrário, estão tateando.
Bolsonaro é o primeiro militar eleito pelo voto direto desde 1945, é o primeiro no poder desde o fim da ditadura. Como o Exército vê um membro de seus quadros hoje na Presidência? 
A imagem de Bolsonaro como militar é uma imagem que vem de fora. Ele saiu do Exército em 1988. Ele é muito mais um político.
Ele foi muito hábil quando saiu para se candidatar a vereador, passou a gravitar em torno dos quartéis, explorando questões que diziam ao dia a dia dos militares. Ele nunca se envolveu com questões estruturais da defesa do país. Mas aí criou-se essa imagem de que ele é um militar.
Estamos tratando com muito cuidado essa interpretação de que a eleição dele representa uma volta dos militares ao poder. Absolutamente não é.
Alguns militares foram eleitos, outros fazem parte da equipe dele, mas institucionalmente há uma separação.
E nós estamos trabalhando com muita ênfase para caracterizar isso, porque queremos evitar que a política entre novamente nos quartéis.
A rigor, desde 1977 [quando Ernesto Geisel demitiu o ministro do Exército, enquadrando a linha-dura] ela está fora.
Isso para nós é essencial.
Vocês identificam algum risco de isso acontecer? Uma coisa é o ambiente aqui, entre oficiais de quatro estrelas, mas o risco não é maior lá embaixo, de haver uma empolgação com a persona militarista do presidente? 
Hoje as Forças Armadas estão muito afastadas das questões políticas no dia a dia. Mas não há dúvida de que há um risco de ideias serem personalizadas. De um fulano trabalhar por aumentos de salários.
Sempre há o risco de que esses interesses pessoais venham a penetrar na Força, e gerar alguma polarização. Mas vemos como um risco sério. De qualquer forma, há uma preocupação em se evitar isso.
O presidente tem essa persona militar e seu entorno é cheio de militares. A associação com o Exército é inevitável, não? 
É inevitável. Até porque a população de certa forma estava pedindo isso. Houve uma pesquisa recente que perguntou se a população era a favor de uma intervenção militar. Deu um índice de 45%.
Eu não via nada de ideológico nisso, esquerda ou direita, é mais uma reclamação sobre a questão dos valores.
As Forças Armadas são consideradas um repositório de valores mais conservadores. Havia essa demanda por parte da população, então é decorrência natural essa interpretação de que há uma volta de militares ao poder.
Assessores de Bolsonaro creem que o ensino sobre 1964 é enviesado. O próprio Bolsonaro elogiou várias vezes a ditadura, tem o [antigo chefe do centro de tortura DOI-Codi] Brilhante Ustra como herói. O sr. acha que um movimento de reanálise de 1964 neste governo seria incômodo para o Exército? 
Não digo incômodo, mas acho não produtivo. Em relação a 1964, muitos protagonistas estão vivos. Então, não há perspectiva histórica isenta possível.
Por outro lado, o Brasil dos anos 1930 a 1980 foi o país do mundo ocidental que mais cresceu. Tínhamos uma ideologia de desenvolvimento, um sentido de grandeza, de projeto.
O país perdeu isso, está meio à deriva. Estamos carecendo desse foco. A gente não tem uma política externa definida. Seria importante que se discutisse de forma prospectiva, de ter um sentido mínimo de coesão.
Olhar para trás impede que a gente convirja. É ridículo. De 1964 para cá, se passaram 54 anos. Imagine se em 1954 estivessem discutindo 1900. Não acho que devemos jogar para baixo do tapete. Até a Comissão da Verdade foi um desserviço nesse sentido.
Fiquei com a sensação de que a eleição do Bolsonaro liberou uma energia, algum nacionalismo que estava latente e que não podia ser ser expresso. Só podia haver nacionalismo de Copa do Mundo, seleção brasileira. Nesse sentido, acho a eleição positiva.
Desde que o presidente foi eleito, ele tem buscado fazer gestos simbólicos de deferência à Constituição e à democracia. Ao mesmo tempo, ele tem feito ameaças explícitas a órgãos de imprensa, como este jornal e outros, que não falem o que ele considera ser a verdade. Aliás, ele sempre fala em verdade... 
Uma coisa meio messiânica, né?
Isso. Mas enfim, é compatível a defesa da democracia e esses chutes na canela de instituições que fazem parte da democracia?
Acho que, se nós olharmos da perspectiva dele, esse é um marketing que ele faz em torno de si, que  explora.
Eu não creio que ele vá materializar isso a ponto de ameaçar o funcionamento das instituições.
O país está amadurecido, tem um sistema de freios e contrapesos que não permite que essas coisas prosperem a ponto de ameaçar a eficiência do processo democrático.
O seu comando foi marcado pela moderação em momentos de crise, que foram vários. Como o sr. analisa o período? O que considera sua melhor marca e onde não deu certo?
Nós assumimos em fevereiro de 2015 e logo em seguida começou a crise que resultou no impeachment. Começou uma instabilidade, e ao mesmo tempo surgiu a demanda crescente pela tal da intervenção militar.
Intervenção militar constitucional, até hoje não descobri como é que faz isso. Até houve discussões de juristas sobre isso, que o Exército teria um mandato para intervir, e isso foi verbalizado pelo general Mourão, gerando uma pequena crise [em 2015].
Em função dessa pressão, elaboramos diretrizes que transmiti internamente e que passaram a preencher espaço externamente. A conduta seria baseada em três pilares.
Primeiro, a manutenção da estabilidade. Segundo, a legalidade: o Exército jamais agiria fora de preceitos legais, dentro do artigo 142 da Constituição e leis subordinadas.
O terceiro pilar, a legitimidade, que o Exército foi acumulando ao longo dos tempos exatamente pelo posicionamento apolítico.
Caso fôssemos empregados, jamais poderíamos ter essa intervenção interpretada como favorecendo um lado ou outro. Temos imparcialidade.
Os militares da reserva, com muita frequência, têm influência. Foram comandantes, instrutores do pessoal da ativa. Então quando eles se pronunciam, isso muitas vezes repercute interna e externamente.
Eu precisei ter o domínio da narrativa. Por isso, às vezes nós éramos mais enfáticos na expressão, sempre no limite para não invadir o espaço de outras instituições.
Eu reconheço que houve um episódio em que nós estivemos realmente no limite, que foi aquele tuíte da véspera da votação no Supremo da questão do Lula.
Ali, nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite. Mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais enfática. Me lembro, a gente soltou [o post no Twitter] 20h20, no fim do Jornal Nacional, o William Bonner leu a nossa nota.
Aí vieram as críticas.
Do pessoal de sempre, mas a relação custo-benefício foi positiva. Alguns me acusaram... de os militares estarem interferindo numa área que não lhes dizia respeito. Mas aí temos a preocupação com a estabilidade, porque o agravamento da situação depois cai no nosso colo. É melhor prevenir do que remediar.
O Exército resistiu a participar da segurança pública mais ativamente devido a questões como a segurança jurídica. Agora, novos governadores usam retórica mais linha-dura e buscam apoio do Exército, indicam militares para a segurança. Como o sr. vê essa militarização?
O chamamento de militares para ocupar cargos em outras áreas é uma volta à normalidade. Havia um certo preconceito, um patrulhamento. “Ah, está militarizando”, diziam, falavam em fascismo. Eu vejo de forma positiva.
Agora, o nível de gravidade está tão alto que deixou de ser segurança pública e já se transformou numa questão de segurança nacional. Mais de 60 mil pessoas assassinadas por ano, todos os indicadores, o narcotráfico, o crescimento das organizações criminosas, isso tem de ser tratado com abrangência.
Naturalmente, de acordo com o que a Constituição prevê, os militares inexoravelmente terão de participar desse esforço nacional.
Quer como protagonistas, quer como coadjuvantes. Vai ter de participar. O que nos preocupa é que, na maioria das situações, o pessoal considera que, em empregando as Forças Armadas, está resolvido.
Elas são o meio que dá condições para que outros setores, mais pertinentes, inclusive a política, venham a atuar e alterar a realidade de vida em determinadas regiões onde há o ambiente físico e de valores extremamente propício para a proliferação da doença.
Infelizmente, isso não é encarado assim. Eu acompanhei no comando a intervenção na favela da Maré. Ficamos lá 14 meses, gastamos R$ 1 milhão por dia. Houve períodos em que a prefeitura nem o lixo recolhia.
As Unidades de Polícia Pacificadora não foram instaladas. O ambiente era horroroso. Uma semana depois de termos saído de lá, tudo tinha voltado ao que era antes.
Acaba sendo inócuo.
Esse tipo de atuação é como o que ocorre em forças de paz da ONU. As forças estão lá para criar condições para a reconstrução, mas se a ONU não atua com a ênfase necessária... Nós saímos do Haiti e aquilo está em efervescência de novo.
E a intervenção no Rio? Vamos deixar um legado. O problema é falta de gestão, mais do que de recurso.

Raio x

Eduardo Villas Bôas
Nascimento: Cruz Alta (RS), em 1951 (67 anos)
Função: Comandante do Exército
Carreira: Desde 1967 na Força, é general-de-exército (quatro estrelas, topo da hierarquia). Foi comandante militar da Amazônia e comandante de Operações Terrestres. Comanda o Exército desde 2015, quando era o terceiro mais antigo na linha sucessória. é casado e pai de três filhos.

sábado, 10 de novembro de 2018

Desafios da Politica Comercial de Bolsonaro - Marcos Sawaya Jank (FSP)

Desafios da Política Comercial de Bolsonaro

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 10/11/2018

Marcos Sawaya Jank (*)

Precisamos de uma política comercial que amplie significativamente a nossa inserção no mundo.

Com Paulo Guedes, Tereza Cristina e um diplomata experiente do Itamaraty, o governo Bolsonaro tem todas as condições para construir uma política comercial consistente e ambiciosa para o Brasil.

Nas duas últimas décadas, os resultados da política comercial brasileira foram sofríveis: acordos irrelevantes, imobilismo ou regressão no Mercosul, resultados parcos da prioridade Sul-Sul e deterioração das condições de acesso a mercados afetando principalmente as exportações agropecuárias. Até mesmo o acordo UE-Mercosul, há duas décadas em negociação, corre o risco de não ver a luz do dia.

No momento, o mais importante é priorizar temas relevantes em países estratégicos (eu diria no máximo 15) com base em metas factíveis de aumento de comércio e investimentos. Resultados palpáveis poderiam ser obtidos no cotidiano das relações bilaterais com acordos específicos —por exemplo, nas áreas de sanidade, investimentos e tecnologia—, protocolos para abertura de determinados segmentos de mercado (caso dos miúdos de carnes) e trade-offs que levem à abertura recíproca de setores protegidos.

O que falta é uma melhor coordenação intragoverno e com o setor privado, que leve a uma presença internacional semelhante à de nossos concorrentes.

Na área de negociações comerciais mais amplas, creio que o foco deveria estar na Ásia - Japão, Coreia, ASEAN (nações do Sudeste Asiático) e na Parceria Transpacífico -, se possível com o Mercosul, se não, sozinhos. 

Valeria também dar um ultimato à União Europeia, abrindo ao mesmo tempo conversas sérias para um acordo bilateral com os EUA. Apesar de o mundo caminhar hoje via acordos bilaterais, em tempos de guerras comerciais é do nosso interesse preservar a OMC e o seu mecanismo de solução de controvérsias, de modo a impedir que as relações de poder interfiram no comércio.

É preciso atentar para que a política externa não prejudique a política comercial. A transferência da Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém pode efetivamente prejudicar os crescentes volumes de exportações para o mundo islâmico. Nossa venda de carnes para esses países atingiu US$ 4,25 bilhões em 2017, com incrível crescimento de 16% ao ano desde 2000.

Na guerra comercial EUA-China, que já está se transformando em uma segunda Guerra Fria, parece-me que ganharemos mais ficando equidistantes e oscilando de forma pragmática entre os dois rivais, que aliás, são os países mais importantes para solidificarmos parcerias estratégicas globais.

Os EUA são a maior economia de mercado do mundo, um país com imensa capacidade de se reinventar graças à concorrência e à inovação. Mas por razões ideológicas foi deixado de lado na área comercial a partir de 2003, quando o PT enterrou a Alca e apostou nos países bolivarianos. É hora de reverter o jogo e construir uma parceria mais efetiva com os americanos.

Mas isso não deveria ser feito em detrimento da relação com a China, que é o principal parceiro comercial desde 2009 e hoje o maior investidor no Brasil. Precisamos sim de visão estratégica e mão forte para negociar os chineses. Não tem cabimento que apenas soja, minério de ferro e petróleo respondam por 80% das exportações para aquele país. Restrições de toda ordem impedem ou dificultam as nossas vendas de óleos, farelo, milho, arroz, açúcar, etanol, carnes e frutas

Já vimos muita coisa ser anunciada com grande estardalhaço na área da política comercial e terminarmos de mãos abanando, isolados e queixosos.

O Brasil perdeu peso específico e confiança. Agora precisa dar passos firmes na direção de uma política comercial que amplie significativamente a nossa inserção no mundo.


(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido?: gaining traction... - PRAlmeida

Recebo o seguinte aviso de Academia.edu: 
Hi Paulo Roberto, 
Congratulations! You uploaded your paper 2 days ago and it is already gaining traction. 
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Por que sou um contrarianista? - Paulo Roberto de Almeida

Por que sou um contrarianista?


Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: minha postura básica; finalidade: caráter didático]


No contexto do imenso supermercado de ideias, que todos nós frequentamos na vida acadêmica, na vida profissional, ou em qualquer outro tipo de situação social ou de condição pessoal – e em face de todas as ofertas de ideias, ideologias, opções políticas, filosóficas, religiosas, ou quaisquer outras que são oferecidas nas estantes abertas e nas geladeiras fechadas desses estabelecimentos, em sua variedade infinita, e com produtos sempre renovados, alguns até atraentes e “novedosos” –, confesso que a postura que melhor se enquadra em minhas preferências pessoais, a que melhor combina com meu modo de ser, com a minha maneira de encarar o mundo, o ceticismo sadio me parece ser a mais adequada a meu espírito rebelde. Já explico do que se trata, mas, antes, uma outra digressão sobre minhas opções preferidas no supermercado de ideias.
Considero-me não apenas um cético – mas não doentio, como pode revelar o adjetivo sadio –, mas sobretudo um contrarianista, condição que deve ser vista não como o equivalente de algo próximo a um negativista sistemático, mas justamente como o complemento, talvez radical, de minha atitude básica em favor do ceticismo sadio. O contrarianista é aquele que, apresentado a qualquer argumento, afirmação, lição, tese, hipótese ou defesa de tal ou qual postura ou proposta, levanta o dedo e diz de imediato: “Espere um pouco, vamos examinar essa questão mais de perto”. Ou então: “Certo, mas vamos considerar o que poderia desmentir tal afirmação, vamos examinar em quais circunstâncias sua proposta pode ser válida, ou se existem elementos que a contestem, ou invalidem”. Resumindo, pode ser algo próximo da frase em inglês que diz: “Think again”. Ou seja, pense duas vezes, antes de concretizar sua proposta ou de validar a sua afirmação. Desse ponto de vista, minha postura ao considerar-me um contrarianista corrobora, de certa forma, minha opção pelo ceticismo sadio.
Os dois parágrafos acima querem simplesmente dizer que eu nunca vou “comprar” um produto, no supermercado de ideias, sem antes examinar cuidadosamente seus componentes, proceder a uma análise, mesmo rudimentar, de custo-benefício – isto é, o produto vale o que se pede por ele? –, pensar nas consequências de seu consumo ou utilização, e verificar se não existem produtos alternativos, que melhor se encaixem em minhas preferências de “consumidor”, ou de aderente a uma ideia ou ideologia que se me oferece naquela feira livre de opiniões, no supermercado de ideias e ideologias. Tem sido assim desde os tempos remotos de minha formação intelectual, e antes em face de certas angustias religiosas, que se me apresentaram na catequese da primeira comunhão, antes, portanto, de adentrar na adolescência. 
Desconfie sempre do que pretendem lhe fazer acreditar, foi essa a minha atitude precoce quando, vindo de um ambiente familiar marcado por uma adesão natural ao culto católico, fui levado a frequentar os bancos da igreja, onde eu simplesmente deveria decorar, e repetir, aquele conjunto de respostas simples, e simplistas, que deveriam nos preparar a uma santa primeira comunhão. Em resumo, primeiro me tornei um agnóstico – o que já quer dizer um cético –, depois fui sendo levado a uma postura de indiferença prática com respeito aos cultos religiosos, o que combina inteiramente com a minha definição no que tange essa questão: sou um irreligioso, ponto. 
Atenção: isso não quer dizer ateu, pois o ateu é comumente definido como aquele que não crê em Deus, ou em qualquer deus. Isso não tem nada a ver com a minha posição em face dessa questão, que para mim é uma não-questão: a ideia de deus não faz o menor sentido para mim, não tem qualquer substância lógica, qualquer fundamento empírico, e portanto não posso considerar que se trate de uma questão de escolha, acreditar ou não acreditar. Devo essa primeira atitude contrarianista em relação à religião às minhas leituras de história e de ciências sociais em geral, que eu fazia na biblioteca pública de meu bairro desde que aprendi a ler na escola primária. Monteiro Lobato foi uma constante nessa fase, em especial o livro “História do Mundo para as Crianças”, uma tradução e adaptação de obra original americana, que li várias vezes, e posso dizer que praticamente devorei e decorei o livro. Com ele, muitos outros desse autor, e quaisquer outras leituras interessantes que se me apresentassem, em especial literatura de viagens e de aventuras, como Jules Verne, Emílio Salgari, Karl May.
A postura política, ou a filosofia social, ou ainda, a ideologia social veio depois, quando eu já tinha resolvido aquela primeira questão, e foi colocada simultaneamente ao golpe militar de 1964, quando eu entrava na adolescência e buscava, portanto, me informar melhor sobre o que estava acontecendo no país. Fui naturalmente levado a me posicionar contrariamente ao regime militar, depois de uma primeira e feliz adesão ao “golpe”, que correspondia ao “alívio” que uma família de classe média baixa, como era a minha, podia sentir em face do término da grande bagunça, da ameaça inflacionista, do grevismo agressivo, que marcaram os anos turbulentos do governo João Goulart. Digo que fui “naturalmente levado” porque quase toda a literatura de cunho político a que se tinha acesso naqueles primeiros anos do regime militar, nos estabelecimentos de ensino em que convivi, ou tinha contatos, era predominantemente de esquerda, a despeito de um esforço sincero do governo, mas canhestro e mal apresentado, de convencer os brasileiros que eles tinham sido “salvos do comunismo”. 
Lembro-me, por exemplo de uma edição especial da revista americana, fartamente distribuída naqueles anos, Seleções do Readers’ Digest, com a tradução em português de um longo artigo que se chamava algo assim: “A nação que se salvou a si mesma” (ou seja, os americanos não tinham nada a ver com o golpe). Os materiais da esquerda, por sua vez, asseguravam que “o golpe começou em Washington”. Mesmo jornalistas que, ao início se posicionaram a favor da intervenção militar, logo se colocaram em oposição ao regime, sem que eu percebesse imediatamente as razões. Também me lembro de ter lido, logo em 1965, uma seleção de artigos de Carlos Heitor Cony, “O Ato e o Fato”, que já traduzia essa contrariedade com os caminhos do regime militar. Isso já era contemporâneo às minhas primeiras leituras de literatura marxista.
Pois bem, mesmo lendo já intensamente o material de esquerda disponível, de nível universitário (a que tive acesso precocemente, talvez dois ou três anos antes de ingressar no ensino de terceiro ciclo), eu nunca deixei de acompanhar o “outro lado”, como se poderia dizer. Em outros termos, a despeito de ter sido conquistado, também precocemente, por uma posição de esquerda, e de me ter familiarizado muito cedo toda a literatura marxista, eu nunca deixe de ler todas as críticas disponíveis ao marxismo, que também entravam em minha lista de leituras. Ou seja, ao lado de Marx e Lênin, eu lia Raymond Aron e Roberto Campos, o que me fez afirmar, desde muito cedo, que eu era um “marxista não religioso”, ou seja, não aderente a um culto exclusivo.
Assim foi sendo construída minha formação intelectual, impregnada desde cedo de marxismo, ou de socialismo, e no entanto aberta à leitura dos críticos inteligentes de “direita”, como podiam ser considerados os dois acima citados. No plano prático, sendo um aderente a certas ideias, mas não um “true believer”, nunca considerei me filiar a qualquer partido político de qualquer tendência que fosse, ainda que partilhasse de modo amplo das posições da esquerda, mas de uma esquerda não dogmática, não religiosa, como já afirmei. Sendo de esquerda, como estava convencido que era, sendo socialista pelo lado da ideologia econômica, nunca apreciei o sistema soviético, e menos ainda o ridículo das posições maoístas, que me pareciam justamente beirar um tipo de fanatismo religioso. Por leituras também precoces de Rosa Luxemburgo – uma crítica de esquerda do bolchevismo –, sempre tive objeção ao sistema opressivo construído pelos bolcheviques e mais rejeição ainda tinha às posturas ridículas dos maoístas brasileiros, que me pareciam uma seita tresloucada. No auge de minha adesão às posturas de esquerda, no máximo fui um defensor da Revolução cubana, como muitos jovens de esquerda de minha época, mas desde o final dos anos 1960 eu estava acompanhando o que se passava na ilha, a repressão aos intelectuais e a condenação praticamente stalinista de “dissidentes” do PCC, como a fração Escalante. Na verdade, eu também já tinha lido a biografia de Stalin, por Isaac Deutscher, um trotsquista, e não podia, obviamente, aderir a um psicopata exemplar, ainda que comunista. 
Fui portanto aperfeiçoando a minha cultura política e econômica, com base num conjunto de leituras que eu chamaria de ecléticas, ou seja, pertencendo a todas as correntes de opinião e a todas as vertentes da teoria e do universo doutrinal das ideias políticas. Mais importante ainda: fui, desde muito cedo, um leitor constante de jornais, sobretudo do reacionário e burguês O Estado de S. Paulo, extremamente interessante, ainda que de direita. Não perdia um suplemento cultural nos fins de semana, e lia todos os grandes artigos de opinião e ensaios eruditos, traduzidos, que eram publicados nas edições de domingo. E mais importante ainda: sempre fui um observador atento da realidade, mais do que um aderente ingênuo ao que lia nas páginas dos livros ou nas folhas de jornais. Viajante precoce no Brasil e no Cone Sul, também pude ver o Brasil e o mundo sob outras perspectivas que não as exclusivamente nacionais, e também esforçava-me desde cedo para ler em outras línguas, com dicionário do lado. 
Quando saí pela primeira vez do Brasil, ainda jovem estudante universitário, abandonando no segundo ano o curso de Ciências Sociais da famosa FFLCH da USP, fui direto ao socialismo – na então República da Tchecoslováquia –, decidido a continuar ali meus estudos. Começou ali mesmo a revisão também precoce de minhas crenças, se existiam, nas virtudes do socialismo: a experiência prática de um sistema fatalmente erigido sobre a utopia é o melhor antídoto que se possa ter contra qualquer adesão ingênua a credos a partir apenas da leitura dos profetas do culto. Abandonei o socialismo em menos de três meses, e me instalei por quase sete anos no capitalismo da Europa ocidental, para trabalhar e dar prosseguimento a meus estudos de ciências sociais. A primeira coisa que fiz quando retomei esses estudos na universidade de Bruxelas foi elaborar uma lista imensa de leituras, o que me levou a permanecer a maior parte do tempo na Biblioteca do Instituto de Sociologia. Foram anos e anos de contato direto com as estantes internas, graças à boa vontade das bibliotecárias. 
Mantive, durante muitos anos, cadernos quadriculados para anotações de leituras, cada um dedicado a um campo do conhecimento: sociologia, antropologia, história, Brasil, e naturalmente marxismo. Ainda os conservo, embora minhas notas tenham sido retomadas no computador, desde que o equipamento esteve disponível, mas isso foi bem depois de terminar a tese de doutorado: esta foi feita inteiramente na máquina de escrever, uma elétrica, que me custou quase tanto quanto um carro usado.
Nunca deixei de viajar, por todos os capitalismos reais e socialismos surreais, o que é uma boa maneira de aprender, bem como de desmentir, e recusar, afirmações desprovidas de qualquer fundamentação empírica, o que podia ocorrer de ambos os lados das ideologias então em disputa: as democracias burguesas e o capitalismo, de um lado, as repúblicas populares de sistemas socialistas, de outro. Não é preciso dizer o que resultou dessa confrontação direta, na teoria e na prática, entre os dois sistemas de crenças, ou de realidades. Depois de ter sido um socialista estatizante, tornei-me um socialista light, ou seja, reformista e alinhado com a socialdemocracia, até converter-me totalmente aos regimes de democracia de mercado e de livre economia. Mas isso não apenas teoricamente, o que também seria válido, mas basicamente em função de uma vivência direta, um conhecimento íntimo sobre como não funcionam os sistemas socialistas, e como podem ser obstrutores da criação de renda e riqueza os sistemas dominados pelo Estado.
O que explica o atraso do Brasil, o que está na origem dos nossos problemas e o que nos impede de nos tornarmos uma nação rica, uma economia avançada e uma sociedade próspera e aberta? Acho que nem preciso responder. O Brasil acaba de ser rebaixado, no mais recente relatório sobre as liberdades econômicas no mundo, à quarta categoria de países, aqueles que simplesmente não são livres, depois de ter estacionado durante anos na terceira categoria, os parcialmente não livres, o que é uma vergonha. 
Por isso mesmo sou um contrarianista a tudo o que vejo em nosso país, e prefiro manter o meu ceticismo sadio a propósito de todas as políticas públicas implementadas em nosso país desde sempre, atualmente, e possivelmente no futuro também. O Brasil é, das supostas democracias de mercado o país mais “socialista” que existe, não tanto por um regime econômico estritamente definido, mas pelo peso do Estado, da burocracia, do corporativismo, do dirigismo, do intervencionismo, do protecionismo, das formas mais disformes de corporativismo, nepotismo, prebendalismo, fisiologismo, e vários outros ismos que, inevitavelmente, alimentam nossa frondosa e ativa corrupção, em todas as esferas da vida pública. 
Isso vai mudar um dia? Possivelmente, mas não antes de uma revolução mental que nos retira dessa humilhante crença nas virtudes supostamente distributivistas do Estado, e façam do Brasil um país simplesmente simpático à iniciativa privada, que nos remeta a um regime de amplas liberdades, em todas as esferas da vida pública, justamente. Vai ser difícil, reconheço, pois as mentalidades dos formadores de opinião – acadêmicos, jornalistas, “intelequituais” em geral – estão amplamente comprometidas com uma visão do mundo dominada pela regulação estatal, pela “justiça social”, pelo igualitarismo ingênuo, pelo anti-capitalismo visceral. É duro, mas é forço reconhecer que é assim.
Vou continuar defendendo meu ceticismo sadio, e sendo um contrarianista em todas as áreas de atividades que me forem concedidas atuar. Acho mais racional...


Paulo Roberto de Almeida


Na estrada, entre Porto Alegre e Santa Maria, RS, 9 de novembro de 2018