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sábado, 24 de novembro de 2018

A burguesia, enquanto classe, em julgamento - Percival Puggina

Suponho que deva ter sido um desses marxistas desempregados, contratado como professor das novas disciplinas obrigatórias do ciclo médio, sociologia e filosofia, que induziu jovens adolescentes da classe média (portanto da pequena, da média e da alta burguesia) do Colégio Rosário de Porto Alegre (religioso, pois não?), a julgar a burguesia enquanto classe, mas o veredito já estava obtido previamente: ela era inevitavelmente culpada de todos os crimes de que era acusada, e portanto merecia ser condenada nos tribunais da história.
Os bolcheviques bem que tentaram eliminar a burguesia enquanto classe. Chegaram perto disso, não a total eliminação física, pois muitos se disfarçaram de "proletários", ou de "fieis servidores do partido". Mas, eliminaram a burguesia enquanto categoria política, e a "nova burguesia", mas totalmente improdutiva, foi constituída precisamente pelos apparatchiks do partido, uma "nova classe", como a classificou Milovan Djilas.
Acho que o professor que organizou esse "julgamento" com veredito pré-arranjado deveria ler um pouco de história econômica, os livros de Deirdre McCloskey, por exemplo: Bourgeois Virtues, Bourgeois Dignity e Bourgeois Equality.



De nada.
Paulo Roberto de Almeida

A BURGUESIA EM JULGAMENTO



 A burguesia, essa imprecisa classe social, foi levada a júri simulado no Colégio Rosário, em Porto Alegre. A exótica atividade pedagógica ocorreu no mês de outubro. Divulgada com destaque no site do educandário, causou alvoroço entre muitos pais.
Com efeito, era uma notícia incomum. Tratava de um julgamento concluído, mas noticiava apenas o conjunto das acusações formuladas por sete turmas da segunda série do ensino médio. O que foi dito pela ré, por seus advogados, bem como os eventuais argumentos que a poderiam livrar do patíbulo não mereceu uma linha sequer no conteúdo veiculado pela escola. 
Penso que juris simulados podem ser excelente instrumento pedagógico para estimular a participação de adolescentes e promover debates frutuosos. No entanto, é preciso prudência na escolha do réu, que deve ser impessoal, por exemplo - o sistema de governo, um vício, um projeto de lei. Eventos dessa natureza, com adolescentes, preenchem aquele requisito do pluralismo que deve caracterizar a apresentação de temas controversos.
O que não tem o menor cabimento é submeter a júri simulado uma classe social inteira. Isso nos remete aos períodos mais terríveis das revoluções comunistas do século XX! Estas, ao deixarem de lado o juízo sobre a responsabilidade individual dos réus, julgando-os segundo os grupos sociais a que pertenciam, regrediram na história. Impulsionadas pela luta de classes, escalaram a burguesia para a condição de ré mais comum, sempre considerada hostil. Levá-la à completa extinção foi tarefa que deu muito trabalho aos bolcheviques da Tcheka, o terrível “Comitê extraordinário pan-russo de combate à contrarrevolução e sabotagem”.
Uma breve resenha das acusações que as várias turmas do Colégio Rosário fizeram à burguesia nacional inclui este cardápio de atrocidades: exploração de mão-de-obra e recursos naturais, obsessão pelo lucro em detrimento da dignidade humana, estímulo à competividade e à ganância, degradação da saúde mental das sociedades, individualismo e consumismo, apropriação privada dos meios de produção, criação de um ciclo vicioso de desigualdade, falta de compaixão, desumanização da população e desrespeito aos direitos; venda da força de trabalho pessoal, ruptura do princípio da autodeterminação. Vilã miserável essa tal burguesia, não é mesmo?
Quem lança tais acusações, em absoluta consonância com Karl Marx e seu Manifesto, deve presumir que o comunismo seja um depositário das mais nobres virtudes e não um grotesco genocida. Aliás, genocida com 100 milhões de vítimas, e fracassado que não consegue apresentar, em mais de quatro dezenas de experiências históricas, uma única democracia, uma economia que fique de pé após o consumo dos bens usurpados, e um estadista que possa ser nominado sem constrangimento.

* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Oliveira Lima: um historiador das Américas: IPRI, 28/11, 10hs


Oliveira Lima: um historiador das Américas 
Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo 
(Recife: CEPE, 2017, 175 p.; ISBN: 978-85-7858-561-7). 

Debate sobre o papel do diplomata-historiador na política externa brasileira e na historiografia nacional, com os dois autores, no Anexo II do Itamaraty.

1. História diplomática. 2. Relações internacionais. 3. Política externa. 4. História do Brasil. 5. Cultura brasileira. 6. Itamaraty. 7. Manuel de Oliveira Lima. 8. Américas 9. Brasil. 10. América Latina.

Índice

  
Apresentação: O maior historiador diplomático brasileiro
       Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo

1. O Barão do Rio Branco e Oliveira Lima: vidas paralelas itinerários divergentes
       Paulo Roberto de Almeida

2. Oliveira Lima, intérprete das Américas
       André Heráclio do Rêgo

3. O império americano em ascensão, visto por Oliveira Lima
       Paulo Roberto de Almeida   

Apêndice: O Brasil e os Estados Unidos antes e depois de Joaquim Nabuco
       Paulo Roberto de Almeida   

Notas aos capítulos
Sobre os autores 

Apresentação
O maior historiador diplomático brasileiro

Paulo Roberto de Almeida
André Heráclio do Rêgo

O Itamaraty, nos anos finais do século XIX e iniciais do XX, congregava três personalidades cuja atuação se espraiava desde as lides diplomáticas até a área cultural.
A primeira delas, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, era, ademais do negociador e do chanceler que marcou época, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Brasileira de Letras. O segundo, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, além de haver sido o paladino do pan-americanismo e nosso primeiro embaixador em Washington, já na idade madura, após uma juventude em que deixou sua marca na História do Brasil, ao dedicar-se à causa abolicionista, era também historiador e memorialista, considerado por Gilberto Freyre como um dos maiores estilistas da língua portuguesa.
Essas duas primeiras personalidades foram consagradas ainda em vida. Nabuco, desde a campanha abolicionista; Rio Branco, desde as questões de limites. Multidões acorreram aos respectivos enterros, o de Joaquim Nabuco no Recife, em 1910, o de Rio Branco no Rio de Janeiro, ao início de 1912, ocasião na qual inclusive o carnaval teve que ser adiado.
A terceira personalidade não teve consagração em vida, e ainda hoje não alcançou completamente nem a póstuma. Trata-se de Manuel de Oliveira Lima. Pernambucano como Nabuco, Oliveira Lima era bem mais jovem do que os outros dois. Além da diferença generacional, também não compartilhava com eles a formação nos cursos jurídicos de Olinda e de São Paulo. Ao contrário, graduou-se em Lisboa, no curso superior de Letras, tendo uma formação ‘profissional’ nas áreas de História e Literatura. Terá sido, pois, na sua época, o único grande historiador brasileiro que não foi autodidata. Também ao contrário de Nabuco e Rio Branco, foi republicano na juventude e na idade madura flertou com a monarquia.
Entrou no Itamaraty no princípio da última década do século XIX, numa época em que a situação política de Rio Branco e Nabuco não era das melhores. Paralelamente à carreira diplomática, logo se iniciou na escrita da História, tendo publicado ainda nesta década dois livros, que possibilitaram sua entrada na Academia Brasileira de Letras entre os 40 primeiros integrantes, ou seja, como membro fundador, glória que, se não pode ser comparada à de Nabuco, que além de fundador foi o idealizador da instituição, ao lado de Machado de Assis, foi bem superior à de Rio Branco, que teve de esperar a abertura de uma vaga para entrar no grêmio.
Oliveira Lima poderia ter sido um êmulo do barão do Rio Branco, nosso grande chanceler e modelo da diplomacia até hoje, se tivesse mais ‘diplomático’. Sua caracterização como ‘diplomata dissidente’ é adequada; em alguns casos terá sido também um “rebelde com causa”, que foi a de sua luta pelo desenvolvimento social, político e econômico e do Brasil, para ele espelhando, mas apenas parcialmente, os magníficos progressos da nação americana, em cuja capital ele trabalhou como jovem diplomata, mas já totalmente consciente das grandes diferenças que separavam o mundo anglo-saxão do errático universo ibero-americano que ele soube analisar tão bem numa fase já madura de sua vida.
Não sendo muito diplomático e não aceitando ficar à sombra do poderoso barão, voltou-se cada vez mais para os estudos históricos, contando para tanto com a ajuda do próprio chefe desafeto, que lhe propiciava longos períodos de inatividade diplomática. Graças a esses longos períodos em disponibilidade e às longas licenças que tirava – o que certamente não agradava à chefia superior, que paradoxalmente o punia com longos períodos em disponibilidade, teve tempo para pesquisar e escrever, erguendo uma obra historiográfica mais sistemática e consistente que as de Rio Branco e Nabuco. Nela, foi muitas vezes pioneiro e precursor: da história da vida privada, por exemplo, ao indicar a utilização de romances como fonte historiográfica; da utilização das obras de viajantes estrangeiros sobre o Brasil. Sua obra antecipou, de certa forma, os escritos de Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro e José Honório Rodrigues, entre outros. Se passarmos para o campo da patriotada, poderíamos dizer até que ele foi precursor de Norbert Elias e de Lucien Febvre, respectivamente nos conceitos de processo civilizatório e de instrumentos mentais, e até mesmo de Georges Duby, no que se refere à caracterização tripartite da sociedade. Além disso, Oliveira Lima foi pioneiro em estudos comparatistas, e era o historiador brasileiro que mais sabia da história de Portugal, dispondo para tanto de uma capacidade de síntese sem igual.
Ele, como Nabuco e Rio Branco, foi único e incontornável, mas a História lhe foi ingrata, algumas vezes por culpa sua, por ser corajosamente sincero, ao ponto de ser incômodo. Após um começo brilhante, sua vida profissional e intelectual passou a se caracterizar por um ressaibo amargo de incompletude e de frustração, no que se poderia considerar uma trajetória interrompida. Ao contrário de Rio Branco e de Nabuco, ao seu enterro não compareceram multidões, apenas a esposa, que compartilhava com ele o ‘exílio’ em Washington, e mais uns poucos.
Aos 150 anos de seu nascimento, no Recife, em dezembro de 1867, vale examinar alguns dos seus muitos escritos com o objetivo de constatar que ele foi, efetivamente um dos grandes, senão o maior dos historiadores diplomáticos brasileiros, pesquisador incansável dos arquivos, leitor das crônicas dos contemporâneos, colecionador de manuscritos, de livros e de obras de arte, leitor da literatura de cada época, dos jornais do momento e dos grandes historiadores do passado. Sua obra completa excede as possibilidades de um único estudioso e, talvez por isso, temos de nos contentar com uma Obra Seleta, e com vários outros trabalhos, reeditados de forma dispersa e errática, ao sabor do interesse de editores, de admiradores e de alguns poucos acadêmicos devotados ao estudo de uma imensa série de livros, resenhas, notas e artigos de revista e de jornais, que pode facilmente encher mais de uma estante de livros.
Sua biblioteca, depositada na Universidade Católica de Washington, oferece um testemunho de seu voraz interesse por toda a história das civilizações ocidentais desde os descobrimentos, com um grande foco no hemisfério americano, daí o título desta coletânea por dois estudiosos e admiradores de sua obra, que é especialmente relevante no plano pessoal, não apenas pela mesma condição profissional, a de diplomatas de carreira, mas igualmente pelo que ela oferece como interpretação significativa, e ainda válida, a despeito da passagem de um século, sobre o desenvolvimento comparado dos povos das Américas. Oliveira Lima não foi apenas historiador, mas também sociólogo, cientista político, fino psicólogo dos personagens estudados – como D. João VI, por exemplo – e também uma espécie de antropólogo cultural, como tal inspirador de uma outra rica obra construída pelo conterrâneo Gilberto Freyre, que com ele conviveu em sua fase iniciante e já na fase madura e derradeira do grande historiador pernambucano.
Os trabalhos aqui coletados não podem representar a justa homenagem que lhe é devida no 150o aniversário de seu nascimento, mas eles representam, ainda assim, um testemunho de apreço, nos planos sociológico e historiográfico, pelo valor intelectual da produção ímpar do historiador e diplomata Oliveira Lima. Não temos nenhuma dúvida de que nos próximos 150 anos essa obra continuará a ser lida e a servir de inspiração a novos historiadores e sociólogos das civilizações do hemisfério americano.



Francisco Seixas da Costa: autobiografia

O maior, o melhor, o mais interessante, mais inteligente, arguto, educado, o maior intelectual, leitor voraz, diplomata português que conheci.
A diplomacia brasileira é boa?
Pois isso devemos à excelente diplomacia portuguesa, que nos fez como somos.
Paulo Roberto de Almeida

Se a vida são dois dias, aproveitemos as noites

Nasci, ao que me disseram, já o dia tinha entrado há muito pela noite. Sempre me perguntei se isso não terá marcado o meu destino. Sou um assumido militante da noite, embora só raramente tenha sido um notívago. Ou melhor, fui sempre um notívago sereno.

O imperativo “apaga a luz!” persegue-me desde a infância. Dou por mim, lá por Vila Real, a tentar ler Júlio Verne e coboiadas importadas do Brasil, graças a um candeeiro escondido sob os lençóis. Em férias, em Viana do Castelo, com a luz já apagada por imposição paterna, recorria à luminosidade declinante de uma Nossa Senhora fosforescente para observar, sob os lençóis, páginas inacabadas dos Tintin. Foi também pelas noites que, no final da adolescência, ouvia a Radio London e a Radio Caroline, as rádios-pirata que me traziam a música anglo-saxónica e, mais tarde, também as rádios épicas da liberdade que, para os “amigos, companheiros e camaradas” de quem me ia sentindo próximo, por cá tardava em chegar.

Quando, em meados dos anos 60, fui estudar para o Porto, foram as noites, da Candeia à Japonesinha, das conversas no lar da Torrinha ou no quarto a meias na Miguel Bombarda, além de um mundo de aventuras sem fim, e que afinal apenas vingavam o meu jejum adolescente vilarrealense, que viriam a arruinar, de vez, o percurso académico do engenheiro que então julgava poder vir a ser. O teatro, o atletismo, até o incipiente jornalismo, compunham a sofreguidão do usufruto de um quotidiano que me desviava daquilo que me estava destinado. As noites no Rádio Clube, com o Alfredo Alvela, que acabavam em madrugadas no Ginjal ou no Transmontano, fizeram o resto. Vistas as coisas em perspetiva, ainda bem!

Lisboa, para onde depois me mudei, mudou-me um pouco, mas não no essencial. Na escola onde Adriano Moreira preponderava, descobri um percurso académico que me agradava. Afinal, “tirar o curso”, desiderato à época essencial, talvez fosse possível. A vida, porém, levou-me por muitos e inesperados caminhos de interesses. Passei a encontrar-me com outras noites, da Granfina ao Montecarlo e ao Bolero. As olheiras com que entrava nas aulas, bem como, mais tarde, na Caixa Geral de Depósitos, onde entretanto me empregara porque sobressaltos académicos a isso haviam obrigado, eram produto do contraste dos horários, agora imperativos, com esse tempo lúdico que eu teimava em não deixar escapar. Havia já então por ali bastantes livros, muitos em francês, lidos avidamente por madrugadas, no meu quarto nos Olivais, com a chama vermelha de Cabo Ruivo a ver-se ao longe. Chama vermelha essa que, noutro registo, adubado por lutas académicas e aventuras cívicas mais ou menos óbvias para a minha geração, me pôs na pista de amanhãs que acabaram finalmente por cantar, também numa noite, claro, de um certo dia 25. E aí, sim! Fardado de abril, com farto bigode e cabelo a desafiar as NEP’s, foram então muitas mais as noites de sonhos acordados, tentando apressar o futuro, já com família, num tempo excitante e, esse sim!, bem novo.

Um dia, por um acaso da vida, as minhas noites (e, vá lá!, também os dias), mudaram de latitude. Recordo, da janela da minha casa, em Oslo, rodeado de livros, com uma Aquavit a aquecer-me as leituras, com música em fundo, ver a neve cair no escuro, com Holmenkollen no horizonte. Vivi muito bem as famosas longas noites nórdicas e, dentro delas, tive conversas com amigos que me ficaram para a vida. A diplomacia, nesse entretanto, acabaria por ser a minha via profissional definitiva, que aliás nunca me passara pela cabeça seguir, à qual me habituei com forte dificuldade interior (confesso agora), mas que, com o tempo, passou a fazer parte de mim. Olhando para trás, não trocaria essa “estranha forma de (boa) vida” por nada! 

Outros dias, e outras grandes noites, surgiriam, logo depois, na Luanda que o futuro me destinou. O “recolher obrigatório” criava por ali uma espécie de noites compulsivas, que vingávamos com muita festa, muitos copos, muita risada, como que a compensar a nervoseira de um quotidiano da guerra que se vivia no país, de insegurança nas ruas, de um sabe-se lá o que será o amanhã. Tínhamos a idade para isso, os amigos à mão, a genica para as noitadas imensas. Esses anos, que poderiam ter sido chatíssimos, acabaram por ser dos melhores das nossas vidas. Até no trabalho, muito interessante e intenso.

Regressado a Lisboa, surgiu-me pela frente a grande aventura europeia do país. Eu era então um “soberanista” ferrenho, desconfiado da bondade do projeto bruxelense, como impenitente esquerdista que então me orgulhava de ser. Nos anos que se seguiram, a profissão levou-me bastante pelo mundo, da África à Ásia, do Pacífico à América. Grandes noites de conversa, de viagens transatlânticas, de jet-lag sucessivos! Talvez tenha sido, em parte, esse contraste com gentes muito diversas que tenha ajudado a convencer-me da “bondade” do projeto europeu de integração. E a amortecer, de caminho, algum radicalismo do passado. Nunca o saberei! 

Quando, em 1990, na rotação a que a profissão obriga, aterrei na nossa embaixada em Londres, no tempo do estertor de Thatcher, alguma coisa mudara já dentro de mim. Mergulhei noites inteiras na leitura, na conversa, nos teatros e na música da mais viva capital europeia. Foi um dos postos mais trabalhosos da minha vida, mas um dos mais interessantes.

Por um inesperado acaso, Lisboa voltaria a surgir-me no destino, quatro anos mais tarde. E por ali mergulhei, de novo, nas coisas europeias, que estavam então “na berra” da nossa política externa. Foi esse também o tempo áureo das noitadas na tertúlia do Procópio, tutelada pelo Nuno Brederode, das jantaradas num Bairro Alto que andava na moda mas que já começava a não caber nessas costuras - ah! e para que não restem dúvidas, nunca fiz parte das “tropas” do Frágil e da movida que chegou ao Lux! Sempre fui de outra Lisboa, de outras “equipas”, sem veleidades de modernidade vanguardista. E sempre me dei bem assim!

Um dia, quase de surpresa, mas com alguma lógica de percurso, acabei por tomar posse de um lugar governativo onde, ironicamente, iria, por mais de meia década, tutelar - ele há cada uma! - a integração europeia do país. A vingança, diplomática, afinal serve-se fria. Pertencer a um governo tem graça, desde que a ele nos não habituemos. Nunca me arrependi da opção que fiz. As mordomias, os carros, os jantares, as vénias de alguns - tudo isso passou por mim sem (julgo eu!) me afetar excessivamente. Trabalhei então imenso, cansei-me muito, dormi muito pouco (lá estão as noites!), viajei talvez demasiado, mas, caramba!, também me diverti à brava! Olhar o mundo desse lado não nos deixa iguais embora, no meu caso, me tenha deixado (sei que muitos não acreditam, mas que se há-de fazer?) sem a menor vontade de praticar um “remake”. 

Com o cabelo muito mais branco, regressei um dia, de forma planeada e sem o menor “stress”, à profissão que já tinha por minha e por destino. Na vida que aí vinha, estava Nova Iorque, a fantástica cidade que, trinta anos antes, eu visitara nas minhas primeiras férias como funcionário bancário. Quase ainda a desempacotar as minhas coisas, vi as Torres Gémeas caírem ali ao lado, mudando muito mais do que uma cidade. Foi um tempo intenso, interessante, de imensa aprendizagem, com dias cheios e, infelizmente, escasso usufruto das noites.

Tempos depois, novo rumo de vida: Viena. Não sou muito dado a dourados palacianos, prefiro o jazz à valsa, gosto mais da Broadway do que do Musikverein. Mas o que tem de ser tem muita força e lá tive eu de encher-me de noitadas no meu terraço sobre o Graben. Muitas jantaradas de Wienerschnitzel e Sachertorte, regadas a Riesling. Viena, por esse tempo, acabaria por se transformar numa espécie de placa giratória: dali descolei, incessantemente, para as misteriosas fronteiras da nova Rússia, para os Balcãs e vários outros destinos, para “fact-finding missions” ou para palestrar sobre temas etéreos, quase sempre em áreas instáveis e turbulentas. Foram, contudo, tarefas muito interessantes. E as noites, nesses mundos muito eslavos, foram muitas e longas, com gente muito diversa, fora do paradigma tradicional ocidental. Aprendi imenso! E diverti-me, claro! Foi um tempo de muitas libações, ilustradas por alguns belos vodkas, conversas pouco óbvias num tempo polémico em que o fim da “détente” já se prenunciava.

A graça da vida diplomática é a sua incerteza. Para quem, como eu, acabou por ter 21 ministros dos Negócios Estrangeiros na sua carreira, viver em sete cidades estrangeiras, em diversos continentes, não pode assustar. O Brasil, uma das mais complexas - se bem que, aparentemente, simples - relações bilaterais de Portugal, saiu-me depois em rifa. Em boa hora! Aprendi, desde logo, que devia ser “obrigatório” para qualquer diplomata português ter um contacto com a realidade brasileira, para pôr fim a alguns mitos, diluir preconceitos e ajudar-nos a situar melhor no mundo. Quatro anos de Brasil, visitando 23 dos seus 27 Estados, fez-me perceber muitas coisas. A vida correu-me bem por lá, mas eu fiz bastante por isso. 

Quando, quatro anos depois, aterrei em Paris, senti-me quase em casa. No final dos anos 60, eu chegara àquela cidade, saído à boleia de Lisboa, como um peregrino que chega a Meca. Depois, viciei-me e passei muitas mais vezes por lá. Regressar como embaixador seria, contudo, muito diferente, muito mais do que eu pensava. Claro que havia os restaurantes e as livrarias, mas as horas foram sempre muito contadas, nos anos em que, até à minha reforma, por ali fiquei. Trabalhei muito, assisti a tempos muito diversos, nem sempre bons, em especial para a imagem de Portugal no mundo. E, como em todo o lado, alimentei-me por ali da serenidades das noites, onde conversei imenso, li muito e, em especial, pensei. 

Em 2013, tal como estava planeado desde há muito, regressei, definitivamente, a Portugal. Era a reforma? “Sort of”, como dizem os anglo-saxónicos. Não parei, desde então, um segundo. Houve empresas que quiseram passar a ouvir a minha opinião sobre as áreas internacionais dos seus negócios, universidades que me contrataram para dar aulas ou me convidaram para as aconselhar, jornais que me ofereceram colunas para eu escrever o que pensava. Fora dessa dimensão mais “séria”, que muito me agrada, divirto-me com o usufruto outros prazeres, como os livros, a escrita, a gastronomia e as viagens. Leio, leio muito, escrevo um blogue pela noite dentro, frequento tertúlias muito diversas. E, pelos dias, mas essencialmente pelas noites, estou com os amigos, com a família. Às vezes, perco alguns deles, dos bons, o que me deixa nostálgico, confesso. Mas tento olhar em frente, aproveitar, ao máximo, este país renovado, magnífico, sereno, que gargalha para as aves agoirentas, para os profissionais da inveja e do mal-dizer, figuras que apetece irritar - e eu faço-o, com algum gosto. Uma terra que agora anda bastante mais feliz do que, ainda há pouco, parecia condenada a ser. Carpe diem! 

(Publicado no JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, em 7 de novembro de 2018)

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

“Percursos Diplomáticos” com o emb. Sérgio Duarte: IRBr, 23/11, 15hs

“Percursos Diplomáticos” com o embaixador Sérgio de Queiroz Duarte
O Instituto Rio Branco (IRBr), a Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) têm o prazer de convidar para uma nova apresentação na série “Percursos Diplomáticos”, com o embaixador Sérgio de Queiroz Duarte, no dia 23 de novembro, às 15h, no Auditório Araújo Castro, do IRBr.

O embaixador Duarte ocupou importantes cargos na diplomacia brasileira e no sistema da ONU, em especial nos temas das tecnologias sensíveis, do desarmamento e da não-proliferação nuclear.

Juca Paranhos, Barao do Rio Branco - Emb. Luis Claudio Villafane - 23/11, 10hs

IPRI: palestra-debate “Juca Paranhos, o Barão do Rio Branco”


O Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) tem o prazer de convidar para mais um evento da série “Diálogos Internacionais do IPRI” com a palestra-debate “Juca Paranhos, o barão do Rio Branco”, em torno da obra recentemente publicada do embaixador Luís Claudio Villafañe G. Santos. 
O evento será realizado em 23 de novembro, às 10h, no Auditório Paulo Nogueira Batista, Anexo II do Ministério das Relações Exteriores.

PSOE critica presidente eleito - Pedro Luiz Rodrigues

 Brasil e Espanha em rota de colisão?
Irresponsabilidade do PSOE põe em risco 30 anos de excelente relacionamento Brasil-Espanha
PEDRO LUIZ RODRIGUES

Diário do Poder - 21.11.2018

É uma pena, mas o governo da Espanha parece estar decidido a transformar em poeira trinta anos de construção de um excelente relacionamento com o Brasil. Isso porque o governo espanhol parece ter deixado que interesses secundários, meramente partidários, se sobrepusessem aos verdadeiros interesses nacionais.
 Durante a campanha do segundo turno das eleições presidenciais no Brasil, o presidente de governo  da Espanha, Pedro Sánchez Pérez-Castejón – dirigente máximo do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), decidiu tomar partido onde não era chamado, e passou a atacar duramente o então candidato, e hoje presidente-eleito do Brasil, Jair Bolsonaro.
No que constituiu uma inaceitável intromissão de um governo estrangeiro em assuntos  internos brasileiros, Pedro Sánchez explicitou “enorme preocupação” com a agenda de Bolsonaro, considerando que o então candidato nada teria a ver “com os princípios e os valores que compartilhamos (…) que têm a ver com a democracia”. O dirigene espanhol também não desautorizou que seu partido, além de apoiar formalmente o candidato do PT, atacasse Bolsonaro de maneira grosseira.
 Mesmo depois do resultado das eleições, Pedro Sánchez não deu o braço a torcer, preferindo não seguir o ritual que  certamente lhe terá sido recomendado por sua própria diplomacia. Limitou-se a fazer uma mensagem muito rastaquera a Bolsonaro, a quem não parabenizou explicitamente pela vitória, prevendo enormes desafios para o Brasil em sua gestão.
Resta saber como o governo Bolsonaro (já que o governo Temer parece não ter feito nada a respeito) reagirá à indevida e grosseira  intromissão do governo espanhol em questões da política interna brasileira e às ofensas que publicamente seu dirigente dirigiu ao novo presidente brasileiro.
 Verdadeiros estadistas, diferentemente de líderes políticos de segunda classe, têm a obrigação de preocupar mais com os interesses permanentes de seu país do que com quaisquer outros. Nesse sentido, sabem que devem empregar as palavras com precisão e correção.  Aliás, esse tipo de comportamento é o que esperamos os brasileiros de nosso futuro presidente, que foi um tanto prolífico em manifestações pouco refletidas durante sua campanha. Nenhuma, contudo, dirigida à Espanha ou aos espanhóis.
Pedro Sánchez, cujo país tem excelentes relações econômicas, financeiras e comerciais com o Brasil, deveria desculpar-se formalmente com o governo brasileiro, se desejar conosco manter uma relação madura e construtiva. Que guarde o dirigente espanhol seus arrobos para o trato da questão do separatismo catalão, da questão de Gilbratar ou para se dirigir aos envolvidos nos enormes escândalos de corrupção em que nos últimos anos enlamearam a política espanhola.
O PSOE é uma versão espanhola do PT. Ficou absolutamente silencioso quando vieram à tona as notícias sobre os escândalos de corrupção do mensalão e do Lava-Jato, onde dirigentes petistas foram responsáveis por bilionárias falcatruas envolvendo dinheiro público. Não disse nada, também, quando o Santander, então presidido por Emílio Botín, se viu compelido a demitir uma analista brasileira que, com toda propriedade, havia previsto que as irresponsabilidades da ex-presidente Dilma Rousseff acabariam por levar o Brasil ao desastre.
Não é à toa que a Espanha vem perdendo espaço no universo das relações internacionais. Está pisando na bola com o Brasil, seu principal parceiro na América do Sul; tenta uma aproximação com a Argentina, até agora não muito exitosa. A Espanha é, além disso, sub-representada nos organismos de cúpula da União Europeia. 
Relações bilaterais 
Desde a década de 1990 vem se fortalecendo o relacionamento entre o Brasil e a Espanha, com ênfase particular no universo econômico, tendo o país ibérico iniciado um forte programa de investimentos no Brasil. Segundo dados do Itamaraty, a visita do presidente  Mariano Rajoy ao Brasil, em 2017, acompanhado de dirigentes das doze principais empresas espanholas, procurou criar as bases para uma nova “onda” de investimentos.
 O Brasil representa uma das principais fontes de resultados positivos para as grandes empresas espanholas; Somos o segundo principal destino dos investimentos da Espanha no mundo, situados atrás de Singapura. Ao mesmo tempo, a Espanha ocupa também o segundo lugar entre os principais investidores estrangeiros no Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos.
O autor é jornalista e diplomata.
DIARIO DO PODER 22.11.2018

PEDRO LUIZ RODRIGUES
¿Por qué no te callas?
Segunda parte do artigo sobre tensões no relacionamento Brasil-Espanha

Os líderes espanhóis parecem incapazes de se desvestir do sentimento de superioridade que mantêm em relação aos povos e aos dirigentes de suas ex-colônias na América Latina.  Esse sentimento, com tinturas de preconceito, se manifesta de tanto em tanto, mesmo quando tratam com os mais altos dirigentes de nossa região, talvez por percebê-los como figuras indignas de respeito e consideração.
Nesse sentido, episódio de grande notoriedade foi protagonizado pelo rei Juan Carlos, que durante a XVII Conferência Ibero-Americana (Santiago do Chile, 2007) encrispou-se com a verborragia do presidente venezuelano Hugo Chávez, e, como se estivesse se dirigindo a um lacaio, mandou-o calar a boca.  Correu o mundo seu ríspido “¿Por qué no te callas?”. Embora Chávez fosse de fato um grande falastrão, não cabia a um chefe de Estado, da ilustre casa de Borbón e das Duas Sicílias, não republicano portanto, dirigir-se dessa maneira a um dirigente legitimamente eleito por seu povo.
Mais recentemente, o presidente de governo da Espanha, Pedro Sánchez Pérez-Castejón, dirigente do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), embora de sangue plebeu, parece ter recebido o espírito de Hernán Cortez, o conquistador do México.  Sem ter sido provocado, atacou de maneira ríspida e grosseira, o então candidato brasileiro à Presidência da República – e hoje Presidente-eleito do Brasil, Jair Bolsonaro. Além da grosseria, o presidente espanhol cometeu algo que não é aceitável nas relações internacionais: a intromissão em assuntos internos de outros países.
Como certamente é do conhecimento de Dom Pedro Sánchez, não fomos colônia espanhola e nem temos por seu país essa veneração toda que exibem alguns tantos países hispano-americanos. Na verdade, questionamos mesmo a conveniência de se manter existindo a Conferência Ibero-Americana, que parece atender com prioridade os interesses do Reino da Espanha mais do que os de Portugal e os das repúblicas americanas.
Dessa maneira, parece que o governo brasileiro já deveria ter convocado o embaixador espanhol em Brasília para exigir um pedido de desculpas oficial,  com retratação do presidente espanhol pelos ataques feitos ao futuro Presidente da República . Caso essa retratação não seja considerada adequada, deveria ser considerada, como primeira medida, reduzir o nível da representação diplomática brasileira em Madri, retirando-se o Embaixador e se mantendo um Encarregado de Negócios.
Pessoalmente, não tenho dúvidas de que o presidente espanhol se retratará das inaceitáveis grosserias que dirigiu, durante a campanha, ao atual Presidente-eleito.   Sabemos que o PSOE, do qual Pedro Sánchez Pérez-Castejón é também dirigente, tem a mesma tendência verborrágica que tinha Hugo Chávez e têm os dirigentes do PT: costumam falar impulsivamente, de maneira impensada, sem levar em consideração as razões de Estado.
Os vínculos econômicos  

Comércio– A Espanha não tem qualquer motivo de buscar conflito com o Brasil. Segundo dados do MDIC, o comércio entre os dois países alcançou US$ 6,67 bilhões em 2017 , o que significou um crescimento de quase 30% em relação ao resultado do ano precedente. O país europeu foi o 12º parceiro comercial do Brasil, com 1,81% do comércio exterior brasileiro em 2017. Já o Brasil foi o 17º exportador (com 0,9%) e o 16º importador de produtos espanhóis, com 1,3% do total.
Após três anos de déficits, o Brasil reverteu a tendência deficitária no comércio bilateral e obteve superávit de US$ 39 milhões em 2016 e de US$ 963 milhões em 2017. Um dado importante para os espanhóis: enquanto exportamos para a Espanha principalmente produtos básicos (79% do total), de lá importamos majoritariamente (94%) produtos industrializados.
No ano passado, as principais aquisições brasileiras de produtos espanhóis foram: óleo refinado de petróleo (18,8% do total ou US$ 537 milhões); inseticidas, fungicidas, herbicidas (3,5% ou US$ 101 milhões); compostos orgânicos de enxofre (2,7% ou US$ 76 milhões); medicamentos em doses (2,6% ou US$ 74 milhões); partes e acessórios de veículos automóveis (2,7% ou US$ 71 milhões) e virabrequins, cambotas, manivelas e rodas de fricção (2,4% ou US$ 68 milhões).

Investimentos –Dados do Itamaraty e do Banco Central demonstram que característica principal dos investimentos espanhóis é a presença de grandes conglomerados multinacionais com atuação destacada na América Latina, os quais funcionam em setores que possuem barreiras de entrada de mercado em função da necessidade de extenso investimento inicial, como os sistemas bancário, de transportes e logística, de telefonia, de engenharia, entre outros.
A Espanha é o segundo maior país investidor no Brasil. Os investimentos espanhóis concentram-se nos setores financeiro, de transportes, telecomunicações e construções. As principais empresas espanholas com presença no Brasil são: ABERTIS (infraestrutura), AERONOVA (aviação e transporte naval), ACCIONA (infraestrutura), COMSA (infraestrutura), CEG (gás natural), FERROVIAL (transportes), IBERDROLA (energia elétrica), INDRA (T.I.), ISOLUX CORSÁN (infraestrutura), Meliá (hoteleiro), REPSOL (óleo e gás), Santander e Telefónica.
O Brasil é o oitavo maior investidor externo da Espanha. Merece destaque, nesse escopo, a compra da siderúrgica SIDENOR pela GERDAU. As principais empresas brasileiras com presença na Espanha são: GERDAU, Andrade Gutierrez, ITAÚ UNIBANCO, TAM, VOTORANTIM e WEG.
Área bancária – O grupo Santander obteve, em 2017, lucro líquido de 6,6 bilhões de euros (aumento de 7% em relação a 2016), o que em boa parte se deveu ao forte crescimento do lucro do Santander Brasil (42%). Graças ao bom desempenho no Brasil, que representou, pelo segundo ano consecutivo, a principal fonte de lucros para o grupo espanhol, o lucro total do Santander em 2017 superou a soma dos lucros dos demais grandes bancos espanhóis. O peso da filial brasileira foi ainda maior em 2017, uma vez que o lucro do Santander no Brasil registrou crescimento de 42% em relação a 2016. O lucro ordinário obtido no Brasil, de 2,54 bilhões de euros, representou 26% do total do grupo. Essa é a maior participação da filial brasileira nos lucros nos últimos cinco anos. 
Telefonia –  A Vivo, subsidiária brasileira do conglomerado espanhol Telefónica, foi apontada em setembro de 2017 como a empresa mais lucrativa do grupo. A Telefônica Brasil encerrou o ano passado como líder do mercado brasileiro de telefonia, com 97,8 milhões de acessos. A Telefónica pretende replicar no Brasil a experiência de expansão da fibra ótica até o lar na Espanha, país com o maior acesso na Europa e o terceiro da OCDE. Em setembro de 2017, as linhas de fibra ótica da Telefónica Brasil cresceram 44% em termos anuais. A empresa lidera o mercado brasileiro de internet de banda larga de alta velocidade com 82% de quota. A empresa anunciou planos de investir R$26,5 bilhões até 2020, dos quais R$ 2,5 bilhões na expansão da fibra ótica até o lar. O presidente da Telefónica Brasil mostrou-se otimista em relação às perspectivas da economia brasileira e à continuidade da rentabilidade por dividendo da empresa, atualmente na faixa de 6%. 

O autor é jornalista e diplomata.

Reforma tributaria - Kleber Castro (Poder 360)

Não precisamos de outro manicômio fiscal, diz Kleber Pacheco de Castro

Roberto Campos foi 1 ‘visionário’
O IVA, porém, é muito importante
Marcos Cintra ignora outros países
Leia artigo de Kleber Pacheco de Castro
Um novo imposto sobre transações financeiras traria 1 manicômico fiscal, escreve Kleber Pacheco de Castro Serasa Experian 
22.nov.2018 (quinta-feira) - 5h50
atualizado: 22.nov.2018 (quinta-feira) - 7h26
Em 1999, Roberto Campos, escreveu 1 artigo para a Folha de S.Paulo intitulado “Como sair do manicômio fiscal” no qual, sucintamente, criticava o projeto de reforma tributária do deputado Mussa Demes e enaltecia 1 projeto alternativo, do deputado Marcos Cintra.
Resumidamente, Campos destacava que 1 tributo do tipo IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) –objeto da principal proposta de reforma tributária– estava em desuso frente à realidade da “sociedade eletrônica” e que o melhor caminho seria se fundar em 1 tributo de fácil recolhimento e baixo potencial de arrecadação, como 1 tributo sobre as transações financeiras –objeto da proposta alternativa de reforma tributária.

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Pode-se afirmar que, do ponto de vista tributário, pouca coisa mudou no Brasil nesses quase 20 anos entre o referido artigo e os dias atuais. A despeito de alguns pequenos ajustes, o sistema tributário brasileiro, pouco mudou.
As competências federativas são as mesmas, as bases de incidência dos tributos pouco mudaram, a burocracia tampouco regrediu… e, além disso, mais uma vez “disputam a corrida” da reforma tributária dois modelos: o IVA e o imposto sobre transações financeiras.
Fora alguns deméritos, como classificar o IR (Imposto de Renda) de “safadeza socialista” e afirmar que a cumulatividade da CPMF é uma “cascata benigna”, o artigo de Roberto Campos lança mão de uma ideia importante e que hoje está muito em voga: os sistemas tributários “clássicos” precisam se reinventar frente às transformações (digitais) pelas quais a sociedade e a economia vêm passando. Neste aspecto, Roberto Campos foi 1 visionário.
Entre a visão e a prática, porém, há uma diferença. Tomemos os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) como referência: do fim da década de 1990 até 2015, o IVA não apenas não encolheu sua participação da carga tributária média desses países, como se expandiu ligeiramente (de 18% do total para 20% do total).
Ou seja, a visão de Campos –tomada como certa por grande parte dos analistas de tributação– ainda não se concretizou. Em outras palavras, o IVA, com todos os seus defeitos, continua sendo 1 tributo muito importante para os principais sistemas tributários do mundo.
Por que foi necessária tanta digressão para trazer uma informação tão simples?
Na “guerra” dos modelos de reforma tributária brasileira, há uma celeuma de opiniões, por vezes, sem respaldo técnico, em torno do IVA. Notavelmente, o economista Marcos Cintra – o autor daquele projeto da década de 1990, defendido por Roberto Campos – tem sido o “bastião” de representações contra o IVA.
Para ficar limitado apenas aos últimos meses, cito 3 artigos de ataques diretos ao IVA, sem grandes fundamentos acadêmicos: “O ultrapassado IVA, piora o que é ruim”, “IVA é incompatível com o mundo digital”, “IVA será desastroso”. Para o autor, todos os problemas do IVA seriam solucionados rapidamente substituindo-o por 1 tributo sobre transações financeiras –algo semelhante à antiga CPMF.
Em outro artigo, no qual o IVA não é citado explicitamente, Marcos Cintra chega a apontar uma boa referência para respaldar suas críticas, indicando 1 dos relatórios recentes da OCDE sobre a erosão da base fiscal na era da economia digital. Ele esquece, porém, de dizer que o relatório respalda apenas suas críticas e não a sua solução.
Ao contrário do que faz parecer em seus textos, os países envolvidos nas discussões do BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) –das quais mais de 80 têm participado ativamente– não abandonaram o IVA em favor de uma “revolução” via transações financeiras, mas têm buscado soluções para corrigir o próprio IVA, como, por exemplo, a partir da adoção do princípio do destino nas operações internacionais do tipo B2C (business to consumer).
Ainda que os relatórios do BEPS reconheçam que os sistemas tributários têm 1 desafio mais “sistêmico” frente às mudanças da economia digital, não propõem aventuras/experimentos como possível solução.
Podemos ainda identificar outros movimentos internacionais de reação aos novos paradigmas econômicos.
Um bom exemplo foi a proposta de criação de 2 tributos “digitais” pela Comissão Europeia em março desse ano: 1) 1 tributo sobre rendas e lucros de empresas que não estão fisicamente sediadas nos países da União Europeia, mas atuam naquele território de forma virtual; e 2) 1 tributo sobre os serviços digitais, incidente sobre receitas de atividades que atualmente não compõem a legislação tributária europeia (ex: venda de dados de usuários de plataformas digitais e venda de espaço publicitários on-line).
Também nesse caso, não há menções ou movimentos em direção a uma solução mais heterodoxa, como a proposta por Cintra.
Em uma busca rápida pelo Google, verifica-se que nenhum país intenciona apostar na tributação sobre transações financeiras como respostas para o iminente estrangulamento fiscal proporcionado pela economia digital. Isso pode soar pouco relevante para 1 autor que simplesmente ignora o que outros países estão fazendo, como ele mesmo destaca em seu livro de 2009.
Ainda assim, 1 esforço foi empreendido para buscar alguma ideia que se aproxime das ideias de Cintra. Foi identificada uma proposta de reforma tributária feita na Índia no ano passado –não como solução para a economia digital, mas como solução para a complexidade do sistema indiano– mas que foi prontamente descartada.
Um estudo mostrou que, entre outros problemas, o referido tributo: 1) necessitaria de uma alíquota muito elevada para dar o mesmo resultado fiscal; 2) incentivaria a desintermediação financeira; 3) teria incidência em cascata (cumulatividade); e 4) não permitiria ao governo extrair outra finalidade do sistema tributário, que não o aumento da arrecadação.
Em suma, todas as críticas que já foram feitas ao projeto nacional de Marcos Cintra, com o bônus de não descartarem a possibilidade de sonegação fiscal, que é provavelmente a tese mais defendida por Cintra.
Em 1 de seus artigos, Cintra afirma que: “[…] muitos analistas, por desconhecimento ou por preguiçoso apego aos paradigmas convencionais, não reconhecem que os sistemas tributários tradicionais se mostram incapazes de atender às necessidades do mundo virtual e das novas tecnologias de produção, de comercialização e de movimentação de bens e de serviços no mundo digital”.
Muito surpreendente parece, contudo, que o próprio autor, por desconhecimento ou apego a 1 dogma, não reconheça que o imposto sobre transações financeiras não é solução para os problemas do sistema tributário brasileiro (e, aparentemente, para nenhum país do mundo). Corrigir o “IVA brasileiro” não representa o “aperfeiçoamento do obsoleto”.
Se trata, tão somente, de –por mais estranho que isso possa parecer– colocar o país no caminho da obsolescência, haja vista que atualmente sequer temos caminho. Como mostra a Europa, não há solução pronta para os problemas que nos aguardam, sendo o mais prudente, neste caso, se agarrar às melhores práticas convencionais, não tirando do campo de visão as mudanças que serão necessárias no futuro próximo.
Se aventurar na ideia da proposta do imposto sobre transações financeiras seria como entrar em outro manicômio. Sai-se de 1, entra-se em outro. Não precisamos de outro manicômio fiscal.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Historiografia da politica externa brasileira - IRBr, 21/11, 9hs-18hs

FUNAG / CHDD / IPRI
A Historiografia da Política Externa Brasileira
Auditório Araújo Castro, Instituto rio Branco-IRBr, Brasília – DF 
22/11/2018 às 9h00.
9h00min         Abertura: Apresentação 
Embaixador Gelson Fonseca Júnior, Diretor do CHDD;
Embaixador Paulo Roberto de Almeida, Diretor do IPRI;
Embaixador Marcos Bezerra Abbott Galvão, Secretário-Geral do MRE;

9h30min         Painel da Manhã: A historiografia do Império à Primeira República
Moderador: Amado Cervo.
João Daniel de Almeida. “A independência portuguesa: 200 anos de olhar nacionalista sobre o desmembramento de um império global”;
Francisco Doratioto. “O Primeiro Reinado”;
Gabriela Nunes Ferreira. “O Segundo Reinado (1840-1889)”;
Clodoaldo Bueno. “A Primeira República (1889-1930)”.

12:30               Almoço

14h30min       Painel da Tarde: Da Revolução de 1930 à Nova República
Moderador: Matias Spektor.
Fábio Koifman. “Da Revolução de 1930 até o fim de 1945”;
Antônio Carlos Lessa. “A Nova República (1946-1964)”;
Paulo Vizentini. “O Regime Militar (1964-1985)”;
Embaixador Paulo Roberto de Almeida. “Da redemocratização aos nossos dias (1985-2018)”.

17h00min       Encerramento
Embaixador Gelson Fonseca Júnior.
Conferência de encerramento: Amado Cervo.

Augusto Nunes responde a Celso Amorim

O ex-chanceler Celso Amorim volta das trevas para chorar a morte da política externa da canalhice, escreve Augusto Nunes:


A política externa da canalhice nasceu do acasalamento incestuoso de stalinistas farofeiros do PT e nacionalistas de gafieira do Itamaraty, uns e outros sonhando com a Segunda Guerra Fria que destruirá para sempre o imperialismo ianque. Adotada pelo candidato vitorioso na eleição presidencial de 2002, esse aleijão subiu a rampa acampado na cabeça baldia de Lula e ficou aos cuidados da dupla de babás vigaristas formada por Celso Amorim, fantasiado de ministro das Relações Exteriores, e Marco Aurélio Garcia, assessor da Presidência para complicações cucarachas.

Nesta semana, Amorim reapareceu no noticiário jornalístico para louvar a diplomacia da cafajestagem. A política externa de Jair Bolsonaro, concluiu antes mesmo que o novo governo tivesse começado, é mais que um retrocesso. “É um retorno à idade média”, recitou o ex-chanceler que comandou o Itamaraty ajoelhado no altar do chefe que chamava de “Nosso Guia”. Durante oito anos, fantasiado de potência emergente, o governo envilecido pela abolição de valores morais não perderia nenhuma chance de reafirmar a opção preferencial pela infâmia.

O Brasil de Lula ajoelhou-se quando a Bolívia confiscou ativos da Petrobras e rasgou o acordo sobre o fornecimento de gás. Hostilizou a Colômbia democrática para afagar os narcoterroristas das FARC. Confrontado com bifurcações ou encruzilhadas, nunca fez a escolha certa. Quando o Congresso de Honduras, com o aval da Suprema Corte, destituiu legalmente o presidente Manuel Zelaya, o Itamaraty dobrou-se às vontades de Hugo Chávez. Decidido a reinstalar no poder o canastrão convertido ao bolivarianismo graças a doações de petróleo venezuelano, Chávez convenceu Lula a transformar a embaixada brasileira em Tegucigalpa na Pensão do Zelaya.

Obediente a Fidel Castro, Lula aprovou a deportação dos pugilistas Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux, capturados pela Polícia Federal quando tentavam fugir para a Alemanha pela rota do Rio. Entre a civilização e a barbárie, o fundador do Brasil Maravilha invariavelmente cravou a segunda opção. Com derramamentos de galã mexicano, prestou vassalagem a figuras repulsivas como o faraó de opereta Hosni Mubarak, o psicopata líbio Muammar Kadafi, o genocida africano Omar al-Bashir e os aiatolás atômicos do Irã, fora o resto. Coerentemente, o último ato do estadista de galinheiro que se julgava capaz de resolver com conversas de botequim os conflitos do Oriente Médio foi promover a asilado político o assassino italiano Cesare Battisti.

A herdeira Dilma Rousseff ampliou esse acervo de opções e parcerias abjetas. Entre o governo constitucional paraguaio e o presidente deposto Fernando Lugo, ficou com o reprodutor de batina. Juntou-se com muita animação à conspiração tramada para afastar o Paraguai do Mercosul e permitir a entrada da Venezuela. Caprichou no papel de mucama de Chávez até a morte do bolívar-de-hospício que virou passarinho. Para adiar a derrocada de Nicolás Maduro, arranjou-lhe até papel higiênico vendido a preço de ocasião.

Enquanto Lula prosperava como camelô de empreiteiras que colidiriam com a Lava Jato, Dilma transformou a Granja do Torto na casa de campo de Raúl Castro e presenteou a ditadura cubana com o superporto que o Brasil não tem. Avançava no flerte com os companheiros degoladores do Estado Islâmico quando o impeachment chegou. Potencializada pela crise econômica, a maior roubalheira da história apressou a demissão da mais bisonha governante do mundo. Os crápulas que gerenciavam o Itamaraty acompanharam a chefe no caminho do esquecimento.

Celso Amorim voltou das trevas para chorar o enterro desse capítulo vergonhoso da nossa história. “Com Bolsonaro, o Brasil perderá o protagonismo no cenário mundial”, lamentou o farsante que ainda no berçário perdeu a vergonha na cara. Entrevistar Amorim é perda de tempo. Melhor devolvê-lo imediatamente à lata de lixo da História.