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domingo, 20 de outubro de 2019

Pesquisa Veja/Poder 360: cenários para 2022

Bolsonaro lidera intenções de votos para 2022, diz Veja/FSB

Fernando Haddad tem 17%
Huck aparece com 11%
Ciro Gomes registra 9%
Jair Bolsonaro durante seu 1º desfile num 7 de Setembro como presidente da República Sergio Lima/Poder360 - 7.set.2019

18.out.2019 (sexta-feira) - 7h46
atualizado: 18.out.2019 (sexta-feira) - 16h13
Jair Bolsonaro lidera a disputa para as eleições presidenciais de 2022 apesar de passar por 1 momento de turbulência em seu partido, o PSL. O atual presidente da República conta com 34% das intenções de voto. O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) tem 17%. Em seguida aparecem o apresentador de TV Luciano Huck (sem partido), com 11%, e o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT), com 9%.
João Amoêdo (Novo) fica em 5º lugar com 5% das intenções. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), aparece logo em seguida com 3%.
Há ainda 10% dos eleitores que não escolheram nenhum candidato. Outros 7% não iriam votar ou dizem não saber responder. Nulos e brancos somam 5%. Leia aqui a íntegra do estudo.
Os dados foram divulgados nesta 6ª feira (18.out.2019) pela revista Veja e foram sondados pela FSB. A pesquisa foi feita por telefone com 2.000 eleitores de 11 a 14 de outubro de 2019 em todos os Estados. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.
Eis os outros 2 cenários de 1º turno:

2º TURNO

Segundo o levantamento da FSB, Bolsonaro empata na margem de erro com Huck (38% a 34%) e seu ministro da Justiça, Sergio Moro (38% para o ex-juiz da Lava Jato contra 34% para o militar).

Aprovação: segue estável

A pesquisa mostra que 33% aprovam o governo Bolsonaro, contra 30% da pesquisa anterior, em agosto. A rejeição ficou em 37%; no último levantamento era de 35%

Lula e Bolsonaro, de olho em 2022 - Veja

Lula é o principal nome da esquerda contra Bolsonaro em 2022

Pesquisa exclusiva VEJA/FSB mostra também que atual presidente perderia para Sergio Moro e ganharia por pouco de Luciano Huck num hipotético segundo turno

José Benedito da Silva, Veja, 18/10/2019
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está inelegível desde janeiro de 2018, quando foi condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá. Apesar das várias entrevistas concedidas dentro da cadeia, ele não fala diretamente ao eleitorado e à militância desde abril daquele ano, quando foi encarcerado na Polícia Federal em Curitiba para cumprir uma pena de oito anos e dez meses de prisão. É réu ainda em mais nove processos e investigado em outros inquéritos sob a suspeita de ser corrupto ou ter praticado crimes como lavagem de dinheiro, tráfico de influência e formação de organização criminosa. Além disso, é o principal líder de um partido que foi varrido do poder em meio a uma grave crise econômica e política no país e a denúncias de diversos malfeitos envolvendo sua gestão e a de Dilma Rousseff. Em resumo, uma biografia para enterrar de vez a carreira de qualquer homem público no mundo.
Mas o Brasil, como dizia Tom Jobim, não é coisa para principiantes, e, a despeito dessa ficha da pesada, Lula resiste na forma de um espectro político. Sua capacidade de recuperar o prestígio perdido entre a maior parte da população após a farta relação de malfeitos é discutível. Na esquerda, porém, ele continua sendo o maior nome por aqui (o que também diz bastante sobre a qualidade da esquerda no país). De quebra, pode ainda pregar uns bons sustos nos adversários de fora do universo petista, conforme mostra uma pesquisa exclusiva VEJA/FSB sobre as eleições presidenciais de 2022. Um dos dados mais interessantes do levantamento, realizado entre 11 e 14 de outubro, consiste nas projeções do que seria hoje um confronto de segundo turno entre Jair Bolsonaro e as figuras mais conhecidas da esquerda. Lula perde por 46% a 38% (a margem de erro é de 2 pontos porcentuais para mais ou para menos), mas se sai melhor que políticos de fora da cadeia. Fernando Had­dad, batido por Bolsonaro na última eleição, perderia novamente do atual presidente em 2022 por 47% a 34%. O pedetista Ciro Gomes repete o fiasco de 2018 na pesquisa VEJA/FSB: não chegaria sequer ao segundo turno. Para especialistas, Lula continua a ser uma alternativa forte à esquerda porque soma a fidelidade da base petista à lembrança dos fugazes tempos de prosperidade de sua era no poder. “O primeiro governo dele foi muito virtuoso. Manteve políticas de FHC e foi capaz de oferecer duas coisas que o brasileiro médio deseja: estabilidade macroeconômica e inclusão social. A resiliência de Lula vem dessa imagem que o eleitor tem dele”, avalia o cientista político Carlos Pereira, professor da FGV-RJ.
INIMIGO ÍNTIMO – Bolsonaro e Moro: o ministro é o único que ganharia do presidente em um eventual segundo turno
INIMIGO ÍNTIMO – Bolsonaro e Moro: o ministro é o único que ganharia do presidente em um eventual segundo turno (Eraldo Peres/AP/AP)
A volta de Lula ao jogo político ainda depende do enorme caminho que ele precisa enfrentar na Justiça para limpar sua ficha. Mas essa trilha parece bem menos difícil de percorrer hoje do que há alguns meses. No dia 17, o Supremo Tribunal Federal voltou a se debruçar sobre a questão da prisão após condenação em segunda instância no país. Permitida desde 2016, em meio ao clamor da sociedade pelo endurecimento contra os crimes de colarinho-branco, a medida deve cair, já que o entendimento de alguns ministros sobre o tema mudou. O recuo tiraria Lula de trás das grades, uma vez que seu processo ainda não transitou em julgado, mas não seria suficiente para sua pretensão política, porque ele ainda ficaria inelegível pela Lei da Ficha Limpa, que veta a candidatura de condenado em duas instâncias. Pelo mesmo motivo, Lula recusa-se a aceitar a progressão ao regime semiaberto a que tem direito desde setembro por ter cumprido um sexto da pena e ter tido bom comportamento. A mudança de status permitiria a ele sair da cadeia para trabalhar ou até ir para prisão domiciliar, mas sem poder disputar eleições, pois continuaria ficha-suja. O ex-­presidente mantém a cantilena de que só sairá da cadeia se tiver sua inocência reconhecida — para ele, aceitar a medida paliativa seria concordar com a condenação imposta pelo então juiz Sergio Moro e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e pelo STJ.
O julgamento que de fato importa a Lula é o do recurso que pede a suspeição de Moro com base em várias alegações, que vão dos procedimentos em relação ao petista (como a condução coercitiva em 2016, antes de ele ter sido intimado a depor) à aceitação do convite para ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro, e por ter auxiliado de forma ilegal o Ministério Público Federal na acusação, como demonstraram diálogos entre ele e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba, revelados pelo site The Intercept Brasil em parceria com veículos como VEJA. A questão será decidida pela Segunda Turma do STF, que tem cinco ministros. Dois votaram contra a pretensão do petista — Edson Fachin e Cármen Lúcia. Gilmar Mendes, que pediu vistas e prometeu devolver o processo à pauta até novembro, e Ricardo Lewandowski são votos certos a favor de Lula, o que jogaria a decisão nas mãos do ministro Celso de Mello, que já colocou Moro sob suspeição uma vez. Em 2013, ao julgar um habeas-corpus apresentado pelo doleiro Rubens Catenacci, condenado no caso Banestado, Mello entendeu que o então titular da 2ª Vara Criminal de Curitiba havia extrapolado suas funções ao monitorar os advogados do réu, inclusive com interceptação telefônica, e ajudar o trabalho da acusação — as duas reclamações são feitas também pela defesa de Lula no atual processo. Se prevalecer a tese de suspeição, o julgamento que deixou o petista inelegível será anulado. Nesse caso, ele deixará de ser ficha-suja e poderá se candidatar nas eleições.
ESTRATÉGIA – Doria, no Japão: tentativa de virar a alternativa de centro-direita
ESTRATÉGIA – Doria, no Japão: tentativa de virar a alternativa de centro-direita (Governo do Estado de São Paulo/.)
Mesmo se toda essa reviravolta ocorrer e Lula voltar à disputa, a esquerda terá de bater de frente com Bolsonaro, que se lançou prematuramente à reeleição e continua sendo um adversário duro de superar. Na pesquisa VEJA/FSB, Bolsonaro aparece numericamente à frente em quase todos os cenários. Em levantamento semelhante realizado em agosto deste ano, ele já liderava, algo até certo ponto natural para quem venceu as eleições há menos de um ano, mas que mostra também uma grande resiliência diante de vários percalços enfrentados no período: as queimadas na Amazônia, o desgaste internacional, o barraco sem fim no PSL (confira a reportagem), as polêmicas que envolvem seus filhos e as acusações do uso de candidatas-laranja pela legenda. Bolsonaro também conseguiu manter estáveis os índices de avaliação de seu governo (33% de ótimo/bom), de sua maneira de administrar o país (43% aprovam) e das expectativas em relação ao fim de seu mandato (43% acham que será ótimo ou bom). Embora seja a maior ameaça vinda da esquer­da, a eventual volta de Lula ao palco eleitoral pode, apesar do paradoxo, representar uma boa notícia para o presidente, já que permitiria a ele repetir o discurso vitorioso que o levou ao poder: evocar o fantasma da vitória do PT. Para Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria, não há dúvida de que Bolsonaro tem como principal fonte de capital político o combate à esquerda. “O melhor cenário para ele seria enfrentar o PT, mas não necessariamente Lula, que representa um risco muito maior que Haddad”, afirma Cortez. Por isso, entende o especialista, o presidente usa a estratégia de mobilização permanente do eleitorado que responde mais rapidamente a uma eventual ameaça de volta da esquerda.
PROMISSOR – O apresentador Luciano Huck: conversas políticas constantes
PROMISSOR – O apresentador Luciano Huck: conversas políticas constantes (Antonio Milena/.)
Bolsonaro tem ainda dois possíveis adversários fortes no horizonte. Segundo a pesquisa VEJA/FSB, em simulações de segundo turno, o presidente perde para Moro (38% a 34%) e vence o apresentador Luciano Huck (43% a 39%), em ambos os casos no limite da margem de erro. Para especialistas, o problema deles é chegar ao segundo turno. “O principal fator é que o próprio presidente incentiva a polarização o tempo todo, o que prejudica o centro”, afirma Alberto Carlos Almeida, autor de O Voto do Brasileiro (2018). Caso consigam ultrapassar essa barreira, Huck e Moro provocam uma situação curiosa, segundo a pesquisa: atraem até eleitores da esquerda que, por rejeição ao atual presidente, votariam em qualquer um para derrotá-lo. O apresentador evita colocar-se como candidato, porém tem mantido uma agenda de encontros cujo principal tema é a discussão de problemas do país. Sem estar filiado a nenhuma legenda, mas militante de movimentos de renovação política suprapartidários como RenovaBR e Agora!, ele tem conversado com líderes de siglas diversas — a última especulação é que iria para o Cidadania. Já o ex-juiz da Lava-Jato também nega ser presidenciável, diz que apoia Bolsonaro por uma questão de lealdade, conforme afirmou recentemente em entrevista a VEJA, mas nem o capitão nem seus aliados mais próximos acreditam nisso. O potencial eleitoral de Moro é enorme. Ele aparece à frente em quatro cenários de segundo turno. Além de vencer o presidente, derrota Haddad, Huck e Lula (veja o quadro). Na mesma pesquisa, o ex-­juiz da Lava-Jato é apontado como o melhor ministro do governo por 31% dos entrevistados, bem acima do segundo colocado, Paulo Guedes (Economia), com 6%. A população também apoia algumas de suas propostas, entre elas o encarceramento após condenação em segunda instância — 70% são a favor da medida.
CAMPANHA – Fernando Haddad: nome oficial do PT, mas fará o que Lula mandar
CAMPANHA – Fernando Haddad: nome oficial do PT, mas fará o que Lula mandar (Ricardo Stuckert/.)
Enquanto Huck e Moro surgem fortes na pesquisa VEJA/FSB, o governador de São Paulo, João Doria, ainda enfrenta dificuldades para se mostrar competitivo e emplacar como uma alternativa de poder mais ao centro. Nos três cenários de primeiro turno abordados no levantamento, o tucano tem no máximo 5% dos votos. Em um possível confronto direto com Bolsonaro no segundo turno, perderia por 46% a 26%. Embora negue em público, Doria tem pretensão presidencial e, por isso, já entrou em rota de colisão com Bolsonaro — a quem apoiou em 2018 —, inclusive com bate-bocas públicos. Na terça 15, em Taubaté, no interior paulista, foi recebido por bolsonaristas com carro de som e cartazes e faixas nos quais era acusado de ter traí­do o presidente. “Vai pra casa, vagabundo”, reagiu o tucano. Um dia depois, o governador reconheceu que se excedera no episódio.
POUCOS VOTOS – Ciro: longe de ser alternativa da esquerda para 2022
POUCOS VOTOS – Ciro: longe de ser alternativa da esquerda para 2022 (Miguel Schincariol/AFP)
Enquanto forças mais à direita começam a batalhar, o PT tem sido cauteloso nos movimentos. Para consumo externo, o partido ainda sinaliza com uma nova candidatura de Fernando Haddad e não fala abertamente sobre a hipótese de Lula disputar a eleição, até para não criar mais animosidade em torno do julgamento. Por ora a estratégia petista é defender a ideia de que Had­dad rode o país para apoiar os candidatos do partido na tentativa de reconquistar prefeituras que perdeu em 2016, como a da própria capital paulista. Enquanto isso, avalia-se que o papel imediato de Lula, caso saia realmente da prisão, deve ser o de “líder da oposição”, para reagrupar as forças de esquerda e atrair até o centro. Um dos primeiros compromissos caso a temporada de cárcere em Curitiba se encerre deverá ser procurar o ex-presidente Michel Temer para reconquistar o MDB, que foi fundamental para sustentar os dois mandatos do petista, mas que, ao deixar o governo, também foi decisivo para a queda de Dilma. Hoje, o trabalho do ex-presidente seria muito difícil, até mesmo entre parte da esquerda, que defende há tempos a superação do “lulacentrismo”. Recuperar eleitores perdidos para Bolsonaro também será prioridade do petista. Lula passa parte do tempo na cela vendo programas evangélicos na TV aberta e anotando o nome dos pastores e as ideias que defendem, numa tentativa de, quando for solto, reconquistar esse contingente religioso que já o apoiou, mas migrou para Bolsonaro. Até alguns petistas de carteirinha trocaram de barco. Levantamento feito por VEJA com dados do TSE mostra que 2 631 filiados ao PT foram para o PSL de Bolsonaro, num movimento que supera a questão ideológica. É um indicativo de uma onda maior. A aposta é que, com essa volatilidade, do mesmo jeito que foram, esses eleitores podem voltar. Como a advogada Karina Magalhães, de 29 anos, de Maracaju (MS), que é filha de professora e desde muito jovem teve contato com o movimento sindical da classe, mas trocou o petismo pelo bolsonarismo depois da Lava-­Jato. “Bolsonaro foi a opção para ter renovação, ruptura, mudança”, afirma Karina, eleitora do PT de 2002 a 2014. Agora ela se diz “totalmente contra” algumas das propostas de Bolsonaro, vê o presidente “perdido” e mal influenciado pelos filhos e já não garante o voto nele em 2022.
A ameaça à reeleição de Bolsonaro, de direita ou de esquerda, será maior ou menor dependendo do desempenho do presidente. O analista político da FSB Alon Feuerwerker diz que o capitão precisa se preocupar em evitar um “efeito Macri”, referência ao presidente argentino Mauricio Macri, que deve perder a eleição para a esquerda kirchnerista em razão da crise econômica. “Os principais concorrentes do presidente são dois nomes não filiados a nenhum partido e que nem podem concorrer em 2022: a estagnação econômica e a taxa de desemprego”, afirma. Ainda faltam três anos para as eleições, uma eternidade no frenético e volúvel tabuleiro nacional do poder. Um fracasso de Bolsonaro e a permanência por mais tempo do indesejável clima de polarização radical, que destrói novas alternativas de liderança, representam o alimento capaz de fortalecer o espectro Lula — e a velha assombração política pode ressurgir, fazendo o país retroceder às retóricas e discussões do passado. O Brasil não é mesmo para principiantes.
Colaborou João Pedroso de Campos
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Publicado em VEJA de 23 de outubro de 2019, edição nº 2657

Podcast A+

A nova pesquisa Veja/FSB sobre os possíveis cenários para a eleição presidencial de 2022 é o tema deste episódio do A+, o podcast de política da FSB Comunicação. Com mediação do jornalista Rafael Lisbôa, os analistas políticos da FSB, Alon Feuerwerker e Alexandre Borges, e o diretor do Instituto FSB Pesquisa, Marcelo Tokarski, debatem os números do novo levantamento, que também avaliou o governo Bolsonaro.

Os irmãos siameses em campos opostos, mas reciprocamente dependentes - Mario Vitor Rodrigues (GP)

Bolsonaro é Lula Livre; Lula é Bolsonaro “fala mais”

Imagem: internet
Antes do início do segundo turno, quando até os céticos como eu já haviam entendido que Jair Bolsonaro seria eleito presidente da República, houve quem previsse o pior: tanques nas ruas, fechamento do Congresso e extinção do Supremo Tribunal Federal. O medo pela volta da ditadura era tão palpável que na virada do ano amigos chegaram a me desejar “feliz 1964”. Embora nada perto disso tenha acontecido — vale dizer, até esta data —, o governo se comprovou um pesadelo de proporções inéditas.
Não que o autoritarismo passe longe da atual administração. Ele está tão explícito nas palavras quanto nas atitudes. Se faz presente na promiscuidade entre Estado e religião para garantir um específico curral de votos, na defesa de pautas que agridem o meio ambiente, na desinibição com a qual o presidente favorece seus filhos, na postura obsequiosa do ministro da Justiça quando a Operação Lava Jato é esvaziada e no incentivo para que uma militância em absoluto estado de negação abafe quaisquer críticas ao governo.
Contudo o bolsonarismo não é feito somente de arroubos autoritários. É também inapto. Eis a realidade: para além dos vícios de ordem moral, a gestão Bolsonaro é acima de tudo ruim. A pior em décadas. Um descalabro capaz de reposicionar na história a imagem da Era Dilma Rousseff.
Pois, dados esses dez primeiros meses catastróficos, só há uma pessoa capaz de reanimar o governo e seu projeto de poder, dito conservador por muitos, ainda que não passe de populismo escancarado: Lula.
Constatada a incompetência da atual gestão no comando do país, o bolsonarismo se vê fadado a bater o bumbo da dicotomia ideológica. Uma ladainha movida a espantalhos como o da volta do PT e da corrupção associada à sua imagem.
Acontece que oposição, na prática, não há. Pelo contrário, a esquerda se mostra tão manquitola que acaba enfraquecendo o já surrado discurso bolsonarista. De resto, e isso até o maior fã do capitão precisa reconhecer, fica a dúvida se, mesmo em seus melhores dias, ela, a oposição, conseguiria provocar tantos estragos quanto o mito e seus comandados são capazes de infligir a si mesmos.
Luiz Inácio, entretanto, tem o poder de funcionar como uma bandeira vermelha tremulando diante do touro bravio. Não será capaz de tornar o governo competente, disposto ao diálogo e preocupado em combater a corrupção, todavia pode estimular sentimentos que, se bem manipulados, tendem a reforçar o antiesquerdismo e a narrativa do “pelo-menos-não-é-o-PT”.
O líder petista aposta nisso. É astuto. Se sua liberdade será usada do outro lado do balcão para estimular a militância pró-governo, o mesmo impulso, no sentido contrário, servirá para animar os seus correligionários.
O cenário favorece os extremos. Bolsonaro precisa de Lula como quem clama por oxigênio; Lula conta com a verve raivosa e o amadorismo do governo para reposicionar a sua tropa de olho em 2022. Esta é a má notícia.
A boa é que o desgaste em ambos os polos tende a aumentar. Resta saber se será suficiente para acordar a sociedade.

sábado, 19 de outubro de 2019

Pensamento Econômico no Brasil - Ralph Miguel Zerkowski


Pensamento Econômico no Brasil
Primeira Parte: Colônia, Independência até à Proclamação da República


Ralph Miguel Zerkowski
Economista (In memoriam)
Revista Aeronáutica, n. 304, 2019, pp. 16-17 (ISSN: 0486-6274; www.caer.org.br) 

Há poucas ideias econômicas na Idade Antiga e na Idade Média. Na primeira, o primado do Direito e, na segunda, as ideias religiosas. Na Antiga, os filósofos Platão e Aristóteles. O primeiro falando do meio rural e, o segundo, do político embrião da economia. Já na Média, a questão da ética religiosa e dos juros com Tomás de Aquino, dentre outros.
A partir dos séculos XVI, XVII e XVIII é que as ideias econômicas florescem impulsionadas pelos movimentos de Reforma e do Renascimento, bem como pelas necessidades administrativas dos governos, sobretudo pela operação da colonização.
Neste período, é muito importante a estruturação do governo, que resultaria no século XIX na formação do Estado-Nação. É nele também que florescem as primeiras ideias puramente econômicas, que vão se desvinculando das ideias filosóficas e religiosas, ao menos parcialmente.
Aparecem os Fisiocratas, pioneiros do Liberalismo Econômico, com ênfase na Agricultura e na produção dela derivada. Seguem-se os Mercantilistas, mais realistas, introduzindo o padrão ouro e vinculados ao Patrimonialismo, à doutrina da intervenção estatal no domínio econômico e ao protecionismo, que anos mais tarde teriam uma enorme importância na agenda dos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.
De uma maneira geral, Adam Smith, com seu livro Riqueza das Nações (1723-1790), é considerado o Pai da Ciência Econômica e é, até hoje, o mais homenageado, e a ele sempre se retorna, pois discursou sobre todos os temas: divisão do trabalho, preços, custos, salários, comércio internacional, desenvolvimento econômico, História econômica e social. Teve ampla repercussão na Europa e nos Estados Unidos.
E Portugal nisto tudo, como se apresenta? Sendo um país periférico, ora influenciado pela França, ora economicamente dependente da Inglaterra, oscila, mas a balança pende para o Mercantilismo e para o Intervencionismo; pouca racionalidade econômica anglo-saxônica. Isto é objeto de discussão de Raimundo Faoro em sua obra Donos do Poder, que terá importantes desdobramentos conforme veremos a seguir.
Entretanto existem segmentos liberais mesmo em Portugal. Existem contradições; afinal o Colbertismo mercantilista-protecionista é francês, da mesma forma que a Fisiocracia é mais liberal. Portugal, como mais tarde no Brasil, pela influência inglesa, chegaria com um certo atraso.
O pensamento básico na colônia brasileira é influenciado logicamente por Portugal, por definição. À medida que se penetra no século XIX, a influência inglesa é percebida, sobretudo pela vinda de comerciantes ingleses vinculados ao comércio internacional. Há quem fale em modernização econômica, que mais tarde no século XX seria exercida pelos Estados Unidos. 1
Um episódio marcante tanto para a Economia como para o pensamento econômico da época é a vinda do rei de Portugal, D. João VI, para o Brasil: abertura dos portos, criação do Banco do Brasil, além de outros polos de desenvolvimento econômico. A importância destes fatos só pôde ser avaliada recentemente por estudos e pela aplicação de análise econômica moderna.
E os intelectuais da época? O que pensavam? Os Bonifácio Andrada encaravam o problema econômico como parte de um problema maior: o da reafirmação do Brasil como nação, sobretudo considerando os problemas administrativos decorrentes da Independência. A grande exceção é o Visconde de Cairú, uma espécie de Adam Smith tropical. Sua obra principal de nosso interesse é Princípios de Economia Política, de 1804. Elaboraria mais tarde um Código de Comércio (1809). Além de tudo foi o inspirador da tradução da obra de Smith para o português, em 1812. Recebeu influências importantes dos autores do Iluminismo escocês, dentre os quais destacamos David Hume e Edmund Burke.
Quais eram os temas econômicos mais tratados nessa época? Se a atividade econômica era, sobretudo, associada ao comércio internacional, à exportação e à importação, por via de consequência, o câmbio, ou melhor, a taxa cambial é que era objeto das atenções, já que influenciavam de modo decisivo a expansão e a distribuição da Renda Nacional. Assim é que, se a taxa melhorava, aumentava a renda nacional, a das pessoas e a do governo. Se ao contrário, ela se contraía, isto redundava em problemas internos para a produção, ou seja, se o dinheiro circulava ou não, afetava outros setores, principalmente o comércio.
Naturalmente a gestão das finanças públicas era de crucial importância, não somente para o governo central como para as províncias. Eles eram pressionados a resolver a insuficiência de meios que havia numa nação recentemente emancipada, com um aparelho estatal deficiente e com encargos de toda a natureza. Por exemplo, certas nações, sobretudo as de colonização inglesa, conforme foi visto mais tarde, herdariam máquinas administrativas mais eficientes, muito embora em alguns casos terminassem também por se desestruturarem.
Outro objeto de preocupação, decorrente em parte dos déficits públicos, era a gestão da moeda. A cobertura destes buracos ora se fazia por emissões de moeda, ora por empréstimos que redundavam em desvalorizações, e só não provocavam maiores estragos porque o país era formado por um conjunto de ilhas econômicas não integradas, de modo que o impacto sobre os preços de certa forma se diluía. Mais tarde, já na República, sobretudo a partir dos anos 30 do século passado, esta atenuante viria a cair.
Claro que estes fenômenos despertariam a curiosidade de certa elite pensante, resultando em explicações mais ou menos condizentes com o nível de conhecimento de Economia à época. Nestas arengas entravam médicos, engenheiros, e, naturalmente, advogados, juristas, além de letrados de uma maneira geral. Em boa parte do Império os estudos eram feitos em Portugal, Coimbra principalmente.
Aumentando um pouco o espectro visual, diferente era a situação no tocante às ideias econômicas nos Estados Unidos, aonde, principalmente após a Guerra da Secessão aos 60 do século XIX, a demanda por Economia se fazia necessária, sofrendo influências da Inglaterra e, também, da Alemanha. Naturalmente isto também está relacionado ao desenvolvimento das universidades de uma maneira geral.
Infelizmente não pudemos pesquisar o ensino de Economia nas faculdades de Direito do Recife, da Bahia, de São Paulo e do Rio de Janeiro, já na segunda metade do século XIX, quando o ensino de Economia se concentrava em termos mais sistemáticos. Isto ficaria mais claro no século XX. É lícito supor que a influência seria a francesa, já que a intelectualidade também assim o era. 2
No Reino Unido, à medida que Smith, Malthus, David Ricardo e Stuart Mill iam produzindo os seus livros, os famosos clássicos da Ciência Econômica, seu conteúdo era discutido no Parlamento inglês. No Brasil, os fatos econômicos eram também discutidos no Parlamento e, talvez, tenha sido o local mais importante aonde se podem aquilatar melhor o teor das ideias que então circulavam. 3
Como vimos, o quadro brevemente traçado é relativamente pobre. As pressões, sobretudo as urbanas, só se fariam sentir ao longo do século XX, ou seja, na República. Há que assinalar as repercussões das duas grandes guerras mundiais, que foram decisivas, e, no plano externo e no interno, a Revolução de 1930.

Notas:
1 Importante assinalar uma importante diferença entre Brasil e Estados Unidos. Neste, a influência da corrente migratória denominada Mayflower (1609-1622) se transferiu para os Estados Unidos em virtude das perseguições religiosas, que afetariam profundamente a vida cultural do país. Foi uma das fontes de inspiração weberiana para descrever a ética protestante e explicar o atraso relativo em países católicos.
2 Na Filosofia, a Escola de Tobias Barreto seria famosa.
3 A Editora da Câmara dos Deputados tem uma coleção de discursos avultando Bonifácio de Andrada, José de Alencar e José Antonio Saraiva, chegando a Santiago Dantas.