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domingo, 15 de julho de 2018

Uma revelacao surpreendente, uma explicacao necessaria - Paulo Roberto de Almeida

Uma revelação surpreendente, uma explicação necessária

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: retirar fundamento de um boato; finalidade: esclarecimento público]

Minha atenção foi chamada, recentemente, para uma revelação surpreendente, feita em tom de confidência por um amigo que a ouviu, direta ou indiretamente, de algum colega diplomata, segundo a qual eu estaria integrando a equipe de apoio de um dos candidatos às próximas eleições presidenciais – ou seja, fazendo parte de um grupo de formulação de políticas – e que eu poderia vir a ser membro de seu ministério, na área das relações exteriores, se por acaso esse candidato, classificado à direita no âmbito do espectro político, viesse a ser eleito. Não sei exatamente de onde pode ter saído tal “informação”, mas ela não corresponde absolutamente à minha postura, na atual campanha eleitoral, por motivos que julgo relevante explicar, por simples cuidado de transparência, aliás confirmada em relação a minha produção intelectual e atividades públicas, objeto de registro e divulgação em minhas ferramentas de comunicação social, como por exemplo o blog Diplomatizzandoe o meu site pessoal, nos quais estão consignadas minhas listas de trabalhos originais e os publicados. 
Não estou, por razões de ética profissional e de simples acatamento a uma postura totalmente independente em relação a partidos e movimentos políticos, a serviço de qualquer um dos atuais ou futuros candidatos à presidência da República, assim como não postulo, e não desejo, por razões eminentemente práticas, exercer qualquer cargo executivo em eventual governo que venha a tomar posse em janeiro de 2019. Preservo total autonomia de pensamento e ação no terreno da política e, embora seja um cidadão consciente de minhas obrigações cívicas nessa área, não aspiro cargos ou assessorias em qualquer governo que venha a se formar a partir das eleições de outubro do corrente ano. Pretendo manter minha atitude de distanciamento crítico em relação a qualquer um dos candidatos à presidência do Brasil, em especial em relação ao candidato ao qual pretendem, contra a minha vontade, me vincular politicamente.
Essa revelação surpreendente pede algum esclarecimento sobre suas prováveis origens, assim como minha postura aqui exposta apela a uma explicação credível; é a isto que se destina a presente nota. Meus colegas de carreira estão quase amplamente informados, mas não necessariamente o público externo, de que, dentre os diplomatas que, na vigência dos governos do PT, foram considerados como “adversários políticos” de um regime que eu nunca hesitei em considerar nefasto ao Brasil, eu fui o único que permaneci, na inteira vigência daquele “reinado”, sem qualquer cargo ou função na Secretaria de Estado, aliás até o presente momento. Desde o início de 2003, quando fui expressa e deliberadamente vetado para um cargo no Itamaraty, ao qual eu tinha sido convidado em razão de minha capacitação na área, atravessando os dois governos Lula e um e meio de sua sucessora, e até o momento mesmo do impeachment, em maio de 2016, eu nunca exerci qualquer função na Secretaria de Estado, vetado que estava para o exercício das atividades às quais eu estava vinculado por dever de ofício, e isso contrariamente a normas administrativas a que o Ministério deveria estar adstrito. Já me expliquei, em diversas ocasiões, mas especialmente em dois textos divulgados em meu blog pessoal – uma primeira vez em 18 de dezembro de 2016, uma segunda em 26 de junho de 2018: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/uma-longa-travessia-do-deserto.htmlhttps://diplomatizzando.blogspot.com/2018/06/duas-pedras-no-meio-do-caminho-paulo.html– sobre como transcorreu essa longa travessia do deserto funcional a que estive relegado, um exílio involuntário que durou exatamente o dobro de meu primeiro exílio, voluntário, a que fui levado durante o período da ditadura militar. 
Pois bem, a que se poderia atribuir a “informação” em questão, dado que sempre fui extremamente discreto quanto às minhas escolhas políticas, mas deliberadamente aberto e transparente quanto ao que penso em relação a políticas e políticos em geral? Provavelmente ao fato que nunca escondi o que pensava – e isto está registrado em inúmeros trabalhos publicados desde antes de 2003 – sobre o partido companheiro e suas políticas esquizofrênicas para a administração do país. Paralelamente às minhas atribuições profissionais na carreira diplomática, exerço desde sempre atividades complementares no mundo acadêmico, sendo autor de muitos livros e artigos sobre os mais diversos assuntos de interesse em meu universo de preocupações intelectuais. Pode-se dizer que fui o único diplomata a ter escrito e publicado artigos e livros que podem ser classificados como objetivamente – e até subjetivamente – críticos em relação ao regime e suas políticas públicas, especialmente sua política externa, que sempre chamei de “lulopetismo diplomático”. 
Entendo que devo a essa postura de objeção pessoal à maior parte das políticas companheiras, em especial na área externa, o fato de ter sido agora alinhado “à direita” do espectro político, posição que rejeito não apenas por convicções ideológicas, mas também porque ela não corresponde absolutamente à verdade dos fatos. Aliás, eu nunca fui crítico do PT e das políticas companheiras porque estas e o seu partido seriam “de esquerda”, o que eu considero plenamente admissível no terreno das opções políticas disponíveis a qualquer cidadão consciente e participante ativo do jogo político, como aliás eu mesmo sou, mesmo sem estar integrado a qualquer partido, o que nunca fiz e não pretendo fazer. Sempre fui opositor daquelas políticas e de seus promotores pelo fato singelo de que sempre considerei que eles fossem totalmente ineptos na condução das políticas públicas, e por saber, de antemão – o que depois se revelou amplamente – que eles eram tremendamente corruptos no exercício do poder, além de dominados por um inaceitável espírito totalitário. 
Creio que os inúmeros textos meus divulgados a esse respeito – a maior parte deles livremente disponíveis nas ferramentas pessoais e na plataforma Academia.edu, e os mais representativos no livro Nunca antes na diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais(Appris) – podem ter causado essa impressão de que eu estaria identificado com, ou trabalhando para, um desses candidatos também crítico aos companheiros, o que eu desminto formalmente. Recentemente formulei algumas propostas de política econômica externa – notadamente o capítulo sobre “relações internacionais” no livro organizado por Jaime Pinsky, Brasil: o futuro que queremos(Contexto, 2018) – o que pode, mais uma vez, ter aberto espaço para esse tipo de associação que absolutamente inexiste. 
Se ouso ser ainda mais transparente quanto às minhas preferencias políticas, posso confirmar, formalmente, que não sou, nem pretendo ser, eleitor do candidato em questão, por divergir filosoficamente, e absolutamente, de suas posturas gerais em uma variedade muito ampla de terrenos e políticas públicas. Se existe algum candidato que se aproxima mais ou menos daquilo que eu mesmo penso quanto à natureza e sentido das medidas que deveriam ser implementadas por algum estadista (até aqui inexistente) eventualmente alçado à condição de presidente, esta pessoa seria o candidato do partido Novo, com o qual a minha interface de ideias é mais ampla e bem mais convergente. Depois de ter sido marxista na juventude, sou, na idade madura, um libertário puro. 
Espero que estas minhas explicações sejam suficientes para eliminar qualquer questionamento quanto às minhas preferências políticas, ou qualquer “revelação” de que eu estaria interessado em exercer cargos executivos, mesmo em minha área de trabalho. Sou, e pretendo continuar sendo, um espectador engajado, e não mais do que isso. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de julho de 2018

sábado, 14 de julho de 2018

Brasil: trajetória econômica desde o Plano Real - Paulo Roberto de Almeida

Trajetória econômica do Brasil desde o Plano Real

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: sobre os problemas estruturais da economia; finalidade: debate público]

Alinho, nos parágrafos seguintes, uma breve explanação sobre o itinerário econômico do Brasil a partir da estabilização macroeconômica efetuada desde 1994.
O Plano Real teve suas limitações ao início porque o presidente Itamar se opôs a um verdadeiro ajuste fiscal, pois dizia ele que não queria ser o presidente da recessão e do desemprego. À falta de forte ajuste fiscal — que precisa ocorrer em qualquer processo inflacionário — a solução foi trabalhar com âncora cambial e juros altos, o que redundou nos déficits comerciais acumulados nos anos seguintes.
Os ajustes introduzidos em 1999-2000 – metas de inflação, flutuação cambial, manutenção de superávit primário – prepararam o Brasil para a fase de crescimento seguinte, baseada no tripé econômico montado por Pedro Malan e Armínio Fraga, o que foi mantido nos primeiros anos do governo Lula.
O sucesso relativo dessa estabilidade também levou à valorização do real, aliás até maior do que na primeira fase da estabilização. Mas não se fizeram as demais reformas necessárias a um crescimento sustentado, com busca de novos instrumentos para ganhos de produtividade e conquista de maior competitividade da oferta brasileira global, ou seja, externa igualmente. As despesas públicas aumentaram continuamente e de forma alarmante ao longo de todo o período lulopetista, ao lado do crescimento da carga fiscal e do peso dos aumentos reais da massa salarial para as empresas. 
A desindustrialização precoce do Brasil advém desse duplo processo, que se reflete no balanço de pagamentos. Mas, o câmbio é apenas o reflexo desses fatores, não o causador do desastre econômico criado a partir do segundo governo Lula, e que se agravou tremendamente sob a gestão absolutamente inepta da sua sucessora, o que nos levou ao que eu chamo de Grande Destruição, a inédita e especialmente grave recessão econômica, a maior eliminação de riqueza de nossa história, inteiramente fabricada no Brasil, em nada atribuível a fatores externos ou cambiais. Deixo de lado a gigantesca corrupção construída deliberadamente durante todo o período lulopetista, pois seu efeito é residual sobre os grandes equilíbrios macroeconômicos, ainda que a roubalheira generalizada orquestrada pelos companheiros – estendida aos demais meliantes cúmplices no processo – tenha tido uma enorme influência na deterioração geral da governança ao longo desses anos, impactando fortemente a solidez das instituições: a erosão moral, o descalabro ético são provavelmente superiores aos efeitos da proverbial incompetência administrativa dos companheiros mafiosos. 
Depois do afastamento do poder, em 2016, da organização criminosa que dele tomou posse em 2003, temos agora um longo e penoso caminho de difícil reconstrução pela frente, pois a amplitude da Grande Destruição impõe um ajuste de pelo menos 5 ou 6% do PIB, o que não será feito antes de vários anos (pois o Congresso, os sindicatos e os partidos de esquerda são totalmente irresponsáveis).
O Brasil necessita de: estabilidade macroeconômica, competitividade microeconômica, governança responsável, alta qualidade de capital humano — o que só se conseguirá com uma verdadeira revolução educacional, necessariamente delongada — e, sobretudo, abertura econômica e liberalização comercial, com total ausência de restrições ao capital estrangeiro. Eu disse total, o que também implica a plena privatização dos monstrengos estatais ainda existentes.
Vamos conseguir fazer tudo isso? Não creio. O ajuste econômico até terá de ser feito, do contrário soçobraremos em crise terminal especialmente grave — em vista dos déficits orçamentários (previdência, juros da dívida pública e despesas com o funcionalismo) e da total ausência de competitividade externa, dada nossa baixíssima produtividade — mas não acredito que a revolução educacional necessária será feita, pois as mentalidades — de todas as elites, empresariais, políticas e acadêmicas — são anacrônicas, tremendamente atrasadas.
É uma pena, mas a deseducação geral é tão grande, que só temos a preservação da mesma classe política predatória no poder, e desses capitalistas promíscuos que sustentam políticas que transferem renda do conjunto da população para quem já é rico, por meio de um Estado extrator e disfuncional.
Considero relevantes os dados sobre transações externas na economia brasileira, fonte e origem da maior parte das crises que enfrentamos ao longo do século XX e no início deste. Mas isto não é mais válido para esta última crise, inteiramente construída pela inépcia administrativa e corrupção lulopetista (aliás continuada). Trata-se de uma crise 100% made in Brasil, e que continua sendo aprofundada na sua vertente fiscal pela irresponsabilidade do Congresso e do próprio Executivo, com a ajuda dos membros podres do Judiciário.
Dito isto, não considero que o fulcro dos problemas atuais esteja nas transações correntes, dado o nível de reservas e a flutuação cambial: apenas ficaremos um pouco mais pobres. Mas a não resolução dos problemas fiscais afundará o Brasil, e com ela toda perspectiva de retomada do crescimento sustentado. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14 de julho de 2018

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Historia diplomatica: livros de Ricupero e de Affonso Santos


O trabalho feito pelo Affonso Santos, sobre os cadernos de notas do Barão, foi excepcional, pois que confrontadas as notas com documentos da chancelaria francesa.
Aproveito para transcrever minha resenha do livro do embaixador Ricupero:

“O Brasil segundo a diplomacia”, [Resenha de A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016(Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017)], O Estado de S. Paulo(domingo, 8 de outubro de 2017, p. E2, Caderno Aliás, Política, sob o título “História da diplomacia no Brasil tem novo livro definitivo”,em 7/10/2017, link: http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,historia-da-diplomacia-no-brasil-tem-novo-livro-definitivo,70002030739). Divulgado no blog Diplomatizzando(link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/09/cesse-tudo-o-que-musa-antiga-canta.html); novamente, depois de publicada, no blog Diplomatizzando(link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/10/resenha-do-livro-do-ricupero-publicada.html).

Construindo a nação pelos seus diplomatas: o paradigma Ricupero

Paulo Roberto de Almeida

Em meados do século XX, os candidatos à carreira diplomática tinham uma única obra para estudar a política externa brasileira: a de Pandiá Calógeras, publicada em torno de 1930, equivocadamente intitulada A Política Exterior do Império, quando partia, na verdade, da Idade Média portuguesa e chegava apenas até a queda de Rosas, em 1852. Trinta anos depois, os candidatos passaram a se preparar pelo livro de Carlos Delgado de Carvalho, História Diplomática do Brasil, publicado uma única vez em 1959 e durante muitos anos desaparecido das livrarias e bibliotecas. No início dos anos 1990, passou a ocupar o seu lugar o livro História da Política Exterior do Brasil, da dupla Amado Cervo e Clodoaldo Bueno. Finalmente, a partir de agora uma nova obra já nasce clássica: A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016(Rio de Janeiro: Versal, 2017, 780 p.), do embaixador Rubens Ricupero, ministro da Fazenda quando da introdução do Real, secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento nos anos 1990, atualmente aposentado.
O imenso trabalho não é uma simples história diplomática, mas sim uma história do Brasil e uma reflexão sobre seu processo de desenvolvimento tal como influenciado, e em vários episódios determinado, por diplomatas que se confundem com estadistas, aliás desde antes da independência, uma vez que a obra parte da Restauração (1680), ainda antes primeira configuração da futura nação por um diplomata brasileiro a serviço do rei português: Alexandre de Gusmão, principal negociador do Tratado de Madri (1750). Desde então, diplomatas nunca deixaram de figurar entre os pais fundadores do país independente, entre os construtores do Estado, entre os defensores dos interesses no entorno regional, como o Visconde do Rio Branco, e entre os definidores de suas fronteiras atuais, como o seu filho, o Barão, já objeto de obras anteriores de Ricupero. 
O Barão do Rio Branco, aliás, é um dos poucos brasileiros a ter figurado em cédulas de quase todos os regimes monetários do Brasil, e um dos raros diplomatas do mundo a se tornar herói nacional ainda em vida. Ricupero conhece como poucos outros diplomatas, historiadores ou pesquisadores acadêmicos a história diplomática do Brasil, as relações regionais e o contexto internacional do mundo ocidental desde o início da era moderna, professor que foi, durante anos, no Instituto Rio Branco e no curso de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Formou gerações de diplomatas e de candidatos à carreira, assim como assessorou ministros e presidentes desde o início dos anos 1960, quando foi o orador de sua turma, na presidência Jânio Quadros. 
Uma simples mirada pelo sumário da obra confirma a amplitude da análise: são dezenas de capítulos, vários com múltiplas seções, em onze grandes partes ordenadas cronologicamente, de 1680 a 2016, mais uma introdução e uma décima-segunda parte sobre a diplomacia brasileira em perspectiva histórica. Um posfácio, atualíssimo, vem datado de 26 de julho de 2017, no qual ele confessa que escrever o livro foi “quase um exame de consciência... que recolhe experiências e reflexões de uma existência” (p. 744). Ricupero concluiu o texto principal pouco depois do impeachment da presidente que produziu a maior recessão da história do Brasil, e o fecho definitivo quando uma nova crise “ameaça engolir” o seu sucessor. O núcleo central da obra é composto por uma análise, profundamente embasada no conhecimento da história, dos grandes episódios que marcaram a construção da nação pela ação do seu corpo de diplomatas e dos estadistas que serviram ao Estado nessa vertente da mais importante política pública cujo itinerário – à diferença das políticas econômicas ou das educacionais – pode ser considerado como plenamente exitoso. 
A diplomacia brasileira começou por ser portuguesa, mas se metamorfoseou em brasileira pouco depois, e a ruptura entre uma e outra deu-se na superação da aliança inglesa, que era a base da política defensiva de Portugal no grande concerto europeu. Já na Regência existe uma “busca da afirmação da autonomia” (p. 703), conceito que veio a ser retomado numa fase recente da política externa, mas que Ricupero demonstra existir embebido na boa política exterior do Império. A construção dos valores da diplomacia do Brasil se dá nessa época, seguido pela confiança no Direito como construtor da paz, o princípio maior seguido pelo Barão do Rio Branco em sua diplomacia de equilíbrio entre as grandes potências da sua época. Vem também do Barão a noção de que uma chancelaria de qualidade superior devia estar focada na “produção de conhecimento, a ser extraído dos arquivos, das bibliotecas, do estudo dos mapas” (p. 710). Esse contato persistente, constante, apaixonante pela história, constitui, aliás, um traço que Ricupero partilha com o Barão, o seu modelo de diplomata exemplar, objeto de uma fotobiografia que ele compôs com seu antigo chefe, o embaixador João Hermes Pereira de Araujo, com quem ele construiu o Pacto Amazônico, completando assim o arco da cooperação regional sul-americana iniciada por Rio Branco setenta anos antes. 
O livro não é, como já se disse, uma simples história diplomática, mas sim um grande panorama de mais de três séculos da história brasileira, uma vez que nele, como diz Ricupero, “tentou-se jamais separar a narrativa da evolução da política externa da História com maiúscula, envolvente e global, política, social, econômica. A diplomacia em geral fez sua parte e até não se saiu mal em comparação a alguns outros setores. Chegou-se, porém, ao ponto extremo em que não mais é possível que um setor possa continuar a construir, se outros elementos mais poderosos, como o sistema político, comprazem-se em demolir. A partir de agora, mais ainda que no passado, a construção do Brasil terá de ser integral, e a contribuição da diplomacia na edificação dependerá da regeneração do todo” (p. 738-9). O paradigma diplomático já foi oferecido nesta obra; falta construir o da nação.

[Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de setembro de 2017]


quarta-feira, 11 de julho de 2018

Sun Tzu para diplomatas: uma estrategia não belicosa - Paulo Roberto de Almeida

Um amigo destes espaços cibernéticos enviou-me o excelente livro de Michael I. Handel, Masters of War: classical strategic thought (3rd edition, revised, expanded), o que me fez lembrar de um divertissement que eu tinha feito alguns anos atrás.
Fui buscar, justamente parodiando o mestre da estratégia militar desde a mais remota antiguidade.
Ei-lo.


Formação de uma estratégia diplomática
Relendo Sun Tzu para fins menos belicosos

Paulo Roberto de Almeida

Resumo: Releitura introdutória do clássico Arte da Guerra, de Sun Tzu, adaptando seus argumentos para o objetivo de formulação de uma estratégia diplomática, necessariamente distinta da concepção militar que presidiu à sua elaboração.



Os argumentos constantes do presente ensaio analítico se inserem num conjunto de trabalhos – já feitos ou em preparação – que podem ser enfeixados na categoria dos “clássicos revisitados”, entre os quais um Manifesto Comunista adaptado a estes tempos de globalização,[1]e um Moderno Príncipe,[2]que pretende aproveitar os conceitos do florentino para a política atual. Da mesma forma, pode-se reler Sun Tzu e aproveitar os ensinamentos contido na Arte da Guerra[3]para uma reflexão de caráter conceitual sobre a estratégia diplomática – referida simplesmente como ED – no contexto das relações internacionais contemporâneas. A esse título, não se trata de refazer, obviamente, uma “arte da guerra para diplomatas”, e sim tão somente de tecer considerações sobre uma (e não a) estratégia diplomática, com base nos argumentos basicamente filosóficos – e, claro, muitas regras práticas – presumivelmente redigidos pelo conhecido mestre chinês, legitimamente considerado o “pai da estratégia” (no seu caso, militar).

Da diplomacia como um instrumento do Estado
A diplomacia é de vital importância para o Estado. Talvez não tão crucial quanto a defesa do Estado por suas forças armadas, pois destas depende a própria sobrevivência física do Estado. Este pode, teoricamente sobreviver sem manter intensas relações internacionais, ou sem exercer uma diplomacia ativa. Mas ele dificilmente teria vida longa, ou conseguiria preservar seus interesses vitais, sem uma capacitação adequada em matéria de instrumentos defensivos (que são, igualmente, mecanismos ofensivos, credíveis, tanto para a dissuasão quanto para o ataque).
A diplomacia é, todavia, crescentemente relevante não apenas para a defesa dos interesses fundamentais de um Estado, mas sobretudo para se alcançar os objetivos nacionais relevantes de uma nação no contexto contemporâneo, partindo do pressuposto que a sociedade humana e a comunidade das nações se afastam, cada vez mais, do direito da força para aderir à força do direito. O mundo contemporâneo abandonou, progressivamente, os esquemas restritos dos arranjos interimperiais – embora a última instância da política internacional permaneça com as grandes potências – para adentrar no multilateralismo dos esquemas de segurança coletiva consolidados nos instrumentos onusianos. Da diplomacia depende – paralelamente ao exercício potencial do poder militar – a preservação de um ambiente de paz e de estabilidade, tanto quanto de cooperação nos planos bilateral, regional ou multilateral a que aspira todo Estado que privilegia a solução de controvérsias pela via das negociações. Esta é uma condição essencial, hoje indispensável, para o crescimento econômico sustentado, os avanços tecnológicos, o progresso social, a preservação do meio ambiente, enfim, para a prosperidade comum.
Adaptando nossa releitura de Sun Tzu ao contexto diplomático, poderíamos dizer que a arte da diplomacia implica cinco fatores principais, que devem ser objeto de nossa contínua reflexão, com vistas a aperfeiçoá-los e incorporá-los cada vez mais às nossas práticas de servidores do Estado no campo da política externa. Estes cinco fatores são: a doutrina, a interação entre a conjuntura e a estrutura, os condicionantes econômicos e geopolíticos da ação diplomática, o comando e a disciplina. A partir desses cinco fatores é possível elaborar uma “estratégia diplomática”, que será objeto da segunda seção deste ensaio introdutório.

doutrina tem a ver com a concepção mesma da diplomacia, a sua razão de ser. Ela diz respeito aos princípios inspiradores da diplomacia, aos valores que fundamentam a sua ação, às diretrizes que guiam essa ação na prática. Ela também se refere a uma noção clara dos interesses nacionais e aos instrumentos indispensáveis à implementação dos objetivos fundamentais do Estado, cujo pressuposto básico  é, obviamente, o ato de dispor de uma doutrina básica para sua atuação diplomática – sem esquecer uma estratégia militar --  no cenário internacional.
interação entre a conjuntura e a estrutura pode ser vista como o equivalente funcional daquilo que Sun Tzu chamava de tempo. Essa interação supõe a combinação da sincronia e da diacronia – ou seja, o momento presente e a flecha do tempo –, que constituem os dois vetores de atuação diplomática ao longo de um determinado período. Toda diplomacia lida com o aquie o agora, mas ela o faz tendo em vista as consequências futuras das ações adotadas na presente conjuntura e levando em consideração a herança recebida do passado recente, que imprime sua marca sobre a mente dos diplomatas e determina, em grande medida, a forma como eles vão agir no presente.
Os condicionantes econômicos e geopolíticos representam o fator que Sun Tzu chamava de espaço, isto é, o ambiente concreto no qual devem se movimentar os “exércitos” diplomáticos, em busca da materialização dos objetivos nacionais.
comando atende aos mesmos critérios estabelecidos pelo mestre chinês da arte da guerra para esse conceito. Ele tem a ver com a capacidade exibida pelas lideranças diplomáticas – o estadista, o chanceler, os altos responsáveis pela formulação da doutrina e pela definição das principais diretrizes diplomáticas – de indicar claramente aos membros da comunidade diplomática nacional quais são os objetivos pelos quais eles devem se bater.
Sun Tzu considerava que o comando deveria ter as seguintes qualidades: sabedoria, sinceridade, benevolência, coragem e disciplina. Dessas cinco qualidades, a primeira é certamente necessária ao comandante, assim como a quarta, embora esta deva pertencer mais ao comandante militar do que propriamente ao chefe da diplomacia. Maquiavel certamente descartaria a segunda e a terceira, ou seja, a sinceridade e a benevolência, embora considerasse esta última como um recurso a que o condotierpoderia apelar quando estivesse em situação de força, justamente. Quanto à ultima, deve ser considerada mais como uma variante do rigor consigo mesmo do que o exercício da disciplina “contra” seus próprios subordinados, que é o objeto do último fator da arte da diplomacia.
disciplina, no plano da diplomacia, tem a ver com organização e métodos, ou seja, a construção de uma ferramenta burocrática que seja, ao mesmo tempo, eficiente e inovadora, prudente e ousada, preparada no plano da informação e do conhecimento e apta a seguir instruções de forma ordenada e coerente, atuando como uma agência homogênea e uniforme. Isto é possível quando o estamento burocrático-diplomático possui processos de socialização e de construção de um pensamento relativamente unificado e convergente.
Com base nesses cinco fatores, as autoridades diplomáticas de um Estado podem planejar seus objetivos externos – a que chamaremos de “estratégia diplomática – a partir de um conjunto adicional de fatores instrumentais que têm a ver, essencialmente, com a implementação prática desses objetivos, quaisquer que sejam eles. Entre esses fatores figuram os seguintes: a capacidade dos dirigentes diplomáticos em formular metas realistas e adequadas para a mobilização efetiva do estamento profissional diplomático; a avaliação correta dos limites e possibilidades oferecidas pelo sistema internacional para que aqueles objetivos possam ser alcançados; o uso eficiente de todos os mecanismos e instrumentos do sistema internacional – instituições formais, grupos informais, coalizões temporárias de interesse, combinação de iniciativas bilaterais, coordenação regional e exploração dos canais multilaterais – segundo a natureza de algum objetivo específico; coordenação interna das agencias públicas que detêm alguma interface internacional e instruções claras aos agentes diplomáticos nas diversas frentes negociadoras para se alcançar eficácia máxima nas iniciativas diplomáticas desse Estado.
Mesmo sob condições democráticas, e portanto transparentes, a eficiência e a eficácia na ação diplomática de um Estado depende, em parte, do tratamento discreto que possa atribuir a determinados temas de seu interesse crucial na frente externa. Toda negociação diplomática é, por definição, uma barganha entre interesses por vezes convergentes, mas em certa medida contraditórios, quando não divergentes ou opostos (na medida que todo e qualquer acordo sempre implica em custos políticos e econômicos, a começar pela perda relativa de soberania, o que se deve limitar o máximo possível). Daí a necessidade de se encaminhar um determinado tema com base em argumentos de utilidade geral e de benefício recíproco que podem oferecer a base para um entendimento mais próximo dos interesses nacionais.
Esta questão implica também que o trabalho de avaliação deve envolver não apenas os interesses próprios do Estado em questão, mas igualmente os interesses do Estado, ou dos Estados com os quais se negocia, de maneira a permitir as acomodações necessárias. Dito isto, caberia, portanto, passar aos argumentos principais, que têm a ver com a elaboração e a implementação de uma estratégia diplomática (ED). 

Da estratégia diplomática como uma das artes especializadas do Estado
Analogamente a seu equivalente militar, mas nisso talvez destoando um pouco de Sun Tzu, poderíamos dizer que a ED consiste na mobilização de instrumentos políticos, econômicos emilitares – ponderados com base numa avaliação comparada e em análises conceituais e factuais sobre as intenções dos demais participantes do jogo diplomático – com vistas à consecução de objetivos nacionais bem definidos, mas sem o recurso à, ou a ameaça do uso da, força militar ou à guerra. Nesse sentido, a ED se opõe à, ou se distingue da, estratégia militar, que pressupõe, de sua parte, o uso ou a ameaça de uso da força bruta, segundo linhas que já foram suficientemente discutidas ao longo da história, desde Sun Tzu até os modernos estrategistas militares, passando por Clausewitz, Henry Kissinger ou Raymond Aron.
No plano puramente conceitual, a formulação de uma ED implica a análise dos fatores contingentes, de obstáculos conjunturais e de barreiras de caráter estrutural que dificultam – em alguns casos até obstaculizam – o atingimento dos objetivos nacionais, tais como definidos pelos estrategistas de um determinado Estado, uma comunidade variada que pode envolver desde estadistas até burocratas do planejamento governamental, passando por representantes da cidadania e consultores independentes (membros da academia, especialistas setoriais, etc.). No plano operacional, a ED pressupõe a mobilização de todos os instrumentos à disposição desse Estado para o atingimento daqueles objetivos, o que implica o uso dos meios propriamente diplomáticos, mas também o apoio das forças armadas e da comunidade econômica do país. 
Todo Estado moderno, atuante, inserido na comunidade internacional, normalmente dotado de órgãos executivos e de planejamento, possui, ou deveria possuir, uma ED. Não se deve, evidentemente, superestimar uma ED: não se trata de algo fixo ou rígido, estruturalmente determinado, mas de uma concepção determinada por fatores conjunturais e até contingentes, concomitante às iniciativas dos Estados e às ações humanas.
Uma ED realista e flexível deve submeter-se, desde logo, a constantes revisões, tantos são os fatores de mudança conjuntural e as alterações no cenário político internacional que influenciam ou impactam os objetivos nacionais de um Estado. Ela deve estar, portanto, sujeita a avaliações regulares por parte de um staffespecialmente preparado para essa finalidade e dedicado funcionalmente a esse tipo de tarefa. Não conviria, aliás, que o órgão encarregado da elaboração de uma ED fosse exclusivo e excludente, ou seja, trabalhando unicamente em torno da ED, e sim que ele seja aberto a insumos externos e à colaboração de especialistas e consultores alheios ao próprio órgão, de forma a manter uma atmosfera aberta inovadora, permitindo até revisões radicais da “velha” ED (ou seja, indo temporariamente num sentido contrário à “razão de Estado”). 

Uma ED, ainda que elaborada por um governo determinado, não é, ou não deveria ser, uma concepção e uma ação de um governo, e sim uma iniciativa e uma postura de Estado, ou seja, interessando antes à Nação do que aos partidos e personalidades ocupando temporariamente o poder. Como atividade típica de Estado, a ED deve estar sujeita ao escrutínio de todas as forças, movimentos e grupos de opinião representativos da Nação, ser objeto de discussão e de avaliação quanto a seus fundamentos concretos, seus instrumentos operacionais, seus objetivos explícitos e suas metas implícitas. Normalmente é isso que ocorre em sistemas democráticos, tanto mais intensamente quanto mais abertos e transparentes são os elementos centrais que definem e ajudam a implementar uma ED.
Os processos de concepção, elaboração e de revisão da ED se dão no corpo do Estado, envolvendo as agências voltadas para as relações exteriores, os órgãos de defesa e o governo central, ademais das instâncias voltadas precipuamente para planejamento de políticas e de análises aplicadas; eles passam pelo parlamento e alcançam a sociedade, por meio da opinião pública, devidamente informada pelos órgãos de informação. 

O planejamento de uma ED implica, antes de qualquer outra ação, tratar dos meios próprios a uma organização diplomática: de nada serve ter uma ED sem a ferramenta que a implementará. Estamos falando aqui de funcionários, equipamentos, recursos, organização, enfim, todos os meios com os quais todo e qualquer Estado leva sua ED da fase de concepção à de aplicação no terreno. Na diplomacia, como na guerra, nada existe estaticamente, ou de forma puramente passiva, mas, sim, compõe-se de interações dinâmicas; os meios precisam ser sempre mantidos, aperfeiçoados, substituídos, instruídos e monitorados.
Diferentemente da guerra, porém, não é preciso ter um planejamento logístico destinado a concentrar forças e operações ofensivas num espaço de tempo delimitado e num terreno previamente estudado. Em outros termos, as ações diplomáticas não necessitam de uma “concentração de fogo” para se lograr alguma vantagem decisiva no calor da batalha. A dinâmica diplomática é mais cumulativa, do que “destrutiva”, e as operações podem ser delongadas em função de uma avaliação contínua e mutável das condições do “terreno”, em função da interação com o “adversário”, que, no ambiente diplomático, não significa uma atitude de confrontação como na guerra e nas demais operações militares. A ED é bem mais intangível do que a EM, baseada no planejamento, certamente, mas em última instância na força bruta. 
Diferente da guerra, também, a conduta diplomática se baseia menos em meios materiais, ou equipamentos “pesados”, e mais em negociações diretas, quase pessoais, entre os atores. Não se trata de “aniquilar” o inimigo, mas sim de convencer e compor com um parceiro, mais que um adversário. A guerra desgasta, se mantida durante muito tempo, ao passo que a diplomacia avança, com a composição de interesses. A “logística” da diplomacia possui uma lógica própria, baseada – aliás, como no caso das operações militares – na presença sobre o “terreno” e na interação constante com o “adversário”; diferentemente, porém, não se trata de vencê-lo, mas de compor com ele um novo terreno de interações e de cooperação. 
Essa presença tem um “preço”, que é o custo da manutenção de representantes diretos – os “agentes avançados” dos serviços de inteligência militar – e do envio de missões temporárias e permanentes, assim como o engajamento pleno em negociações em nível bilateral, regional ou multilateral. Esse preço pode ser o equivalente funcional da manutenção, bastante custosa no âmbito militar, de equipamentos pesados que se destinam, na verdade, a não serem usados, mas que servem basicamente para dissuasão. No caso da diplomacia, a “dissuasão” é na verdade o diálogo e o entendimento, se possível no mais alto nível (mas de ordinário mantida pelo representante permanente, normalmente chamado de embaixador). 
A condução da diplomacia será, evidentemente, diferente, segundo o Estado ostenta um regime político centralizado ou unitário, próximo do autoritarismo, ou se esse Estado exibe características claras de descentralização, com dispersão relativa dos centros de poder e participação de vários atores políticos e sociais. O Estado do mestre chinês da arte da guerra, não obstante a descontinuidade ocasional trazida por uma sucessão extraordinária de dinastias, invasões e de reconstruções sucessivas do sistema político, exibiu notável continuidade na centralização imperial, no limite do despotismo “hidráulico”. Nesse tipo de regime, a condução da diplomacia obedece, simplesmente, à vontade do soberano, com alguma participação dos cortesãos e membros do aparato estatal restrito (antigos mandarins, modernos aparatchiks).

A condução da diplomacia nas modernas condições democráticas se faz sob forte pressão de forças sociais suscetíveis de expressar posições distintas e de influenciar o processo de tomada de decisão no plano externo. A despeito da legitimidade que possam exibir essas demandas, seria conveniente que o Estado, em especial seu aparelho diplomático, preservasse sua latitude de ação e ampla margem de opções, de maneira a escolher as melhores vias – que envolvem alianças ocasionais, coordenações formais e até iniciativas individuais – para alcançar os objetivos nacionais desse Estado. Pode-se inclusive conceber certa autonomia de iniciativa e de ações atribuída ao negociador principal, da mesma forma como se concede pleno poder de comando ao general em seu campo de batalha. Em momentos decisivos, essa autonomia deve ser plena, posto que a autoridade responsável pelo sucesso (ou fracasso) de uma negociação ou iniciativa diplomática é o próprio agente no terreno, não o soberano em sua capital distante.
Em todas essas questões, Sun Tzu tem muito a ensinar aos diplomatas profissionais (e até aos iniciantes). 

Brasília, 5 março 2011.
2251. “Formação de uma estratégia diplomática: relendo Sun Tzu para fins menos belicosos”, Brasília, 5 março 2011, 8 p. Sun Tzu revisitado com o objetivo de traçar uma estratégia diplomática. Publicado na Espaço Acadêmico(ano 10, n. 118, março 2011, p. 155-161; ISSN: 1519-6186; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/12696/6714). Republicado em Mundorama(7/03/2011; link: http://mundorama.net/2011/03/07/formacao-de-uma-estrategia-diplomatica-relendo-sun-tzu-para-fins-menos-belicosos-por-paulo-roberto-de-almeida/). Postado no blog Diplomatizzando(09/08/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/08/sun-tzu-tem-algo-ensinar-aos-diplomatas.html)


[1]Ver Paulo Roberto de Almeida, Velhos e novos manifestos: o socialismo na era da globalização (São Paulo: Juarez Oliveira, 1999).
[2]Cf. Paulo Roberto de Almeida, O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado(Brasília: Senado Federal, 2010). 
[3]O clássico de Sun Tzu pode ser encontrado facilmente na internet, numa infinidade de edições eletrônicas, em várias línguas e nas mais diferentes traduções e adaptações para o Português, voltadas tanto para o contexto militar quanto para o mundo dos negócios.

Quem são os inimigos da nação? - Paulo Roberto de Almeida

Quem são os inimigos do Brasil?

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: esclarecimento geral; finalidade: indicar os verdadeiros inimigos]


Quem são, quais são os principais inimigos do Brasil e do povo brasileiro? 
Pela minha ordem de prioridades, são os seguintes personagens: 

1) congressistas e políticos em geral, em todos os níveis, de todos os tipos, mas especialmente aqueles em conluio com capitalistas promíscuos e banqueiros amorais

2) partidos e movimentos de esquerda em geral, não por serem de esquerda, longe disso, pois este é um mal menor, mas por serem economicamente ineptos, totalmente incompetentes em matérias econômicas, o que é partilhado com grande número de políticos, obviamente, mas é que os de esquerda são especialmente estúpidos, muitos por ignorância crassa, mas um grande número também por má-fé, por interesse próprio em roubar, desviar, extorquir; 

3) sindicatos de uma forma geral, tanto os de patrões quanto os de trabalhadores, por roubar o conjunto da sociedade, por impedir pleno emprego, inovação tecnológica e melhorias de modo amplo, ao preservar o corporativismo e a rapina oficialmente sancionada; 

4) mandarins da República de uma forma geral, mas especialmente a classe aristocrática dos magistrados e assemelhados, por terem construído um regime de privilégios em tudo e por tudo semelhante, senão absolutamente similar, ao do Ancien Régime; 

5) acadêmicos em geral, mas especialmente os gramscianos da academia, por serem supostamente pessoas de saberes especializados, mas absolutamente incompetentes para resolver os problemas da sociedade, aliás para resolver até mesmo os problemas das próprias universidades públicas, que eles conseguem afundar na inconsciência de seu conhecimento inútil; 

6) capitalistas rapineiros, de uma forma geral, mas especialmente os que vivem de subsídios públicos e cujo esporte principal é correr frequentemente os ministérios de Brasília para pedir uma tarifa protetora, uma desgravação tributária exclusiva, um financiamento generoso, a taxas camaradas, dos bancos públicos, um subsídio direto para os seus negócios, enfim, “espaços para políticas setoriais”, o que nada mais é do que uma forma de achacar toda a sociedade; 

7) banqueiros cartelizados de uma forma geral, mas especialmente os gigolôs da dívida pública, que adoram funcionar em regime de baixíssima competição, num ambiente regulado para justamente permitir ganhos extorsivos de um Estado que necessita continuamente de novos financiamentos do mercado. 

Existem muitos outros inimigos - por exemplo, artistas e “intelequituais”, sempre em busca de financiamento público - mas esses acima são os principais, sem falar de algo intangível e impessoal, que é a indigência intelectual das elites em geral, o atraso mental desses supostos representantes da nação, a incompetência manifesta dos que aspiram a cargos públicos, com muito poucas exceções. 
Sorry, por ser tão negativo com todos esses personagens.
Sim, posso acrescentar que eu também sou um mandarim do Estado, ou seja, um privilegiado.
Sorry por isso...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de julho de 2018

terça-feira, 10 de julho de 2018

Luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente (PRA)

Por que designei este trabalho de "A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente"? Ele é a base do trabalho posterior, sobre a experiência da luta armada no Brasil (nr. 2595), mas o "quase combatente" expressa efetivamente o que estava na linha do tempo naquela conjuntura (final dos anos 1960). Resolvi sair do Brasil antes que me impedissem de viajar, e passei sete anos num autoexílio dedicado basicamente aos estudos (graduação e mestrado, início do doutoramento) e algumas outras atividades paralelas sobre as quais escreverei um dia.
O trabalho abaixo é o primeiro testemunho pessoal sobre essa trajetória não planejada.
Ele pode ser lido no seguinte link: http://www.academia.edu/37006010/A_luta_armada_no_Brasil_depoimento_de_um_quase_combatente

Paulo Roberto de Almeida

Hi Paulo Roberto, 
Congratulations! You uploaded your paper 2 days ago and it is already gaining traction. 
Total views since upload: 
You got 28 views from the United States and Brazil on "A luta armada no Brasil: depoimento de um quase combatente". 
Thanks,
The Academia.edu Team

Fim da Unasul, fim do lulopetismo diplomático: seria real? - PRAlmeida

Na apresentação à compilação que efetuei de alguns trabalhos meus –  poucos, fui seletivo – sobre o que chamei de "lulopetismo diplomático", e colocada à disposição dos leitores com este título: 
Apogeu e declínio do lulopetismo diplomático
(disponível neste link: https://www.academia.edu/s/e421c22bd9/miseria-da-diplomacia-apogeu-e-declinio-do-lulopetismo-diplomatico)
eu perguntava o seguinte: 
    Treze anos de misérias diplomáticas: estaria o Brasil vacinado?

Creio sinceramente que não. Grande parte da academia, e algumas partes da própria diplomacia profissional parecem achar que a tal de "ativa e altiva" era a melhor diplomacia que o dinheiro pode comprar (ou roubar). Muitos suspiram de saudade em relação a essa estupidez geográfica chamada "Sul Global", imaginando que um país "periférico" como o Brasil só poderia mesmo praticar essa burrice da chamada "diplomacia Sul-Sul". Alguns, não sei se ingênuos, desinformados, ou simplesmente de má-fé acham que agora passamos a olhar só para o Norte, esperando as diretrizes desse monstro metafísico chamado "Consenso de Washington". 
Mas, a desocupação da sede da Unasul pelo governo pouco leninista de Lenin Moreno, no Equador, prometer encerrar com a triste trajetória desse outro avatar bolivariano que foi a Unasul, uma invenção original do lulopetismo para escapar da "tutela do império", e logo dominada, desviada e dominada pelos petrodólares chavistas para cumprir um triste papel de linha auxiliar do Foro de S. Paulo, essa emanação do Partido Comunista Cubano, orquestrada servilmente pelos companheiros alinhados do Brasil para servir como uma espécie de Cominform do castrismo enquanto durou a aventura dos ineptos e corruptos.
Ainda há muita coisa a ser feita para limpar o entulho totalitário deixado pelos êmulos do neobolchevismo latino-americano.  Mas já é alguma coisa.
Reproduzo aqui o sumário dessa minha compilação e a sua introdução escrita rapidamente no primeiro semestre deste ano, mais exatamente em fevereiro.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de julho de 2018

Apogeu e declínio do lulopetismo diplomático

Índice geral

Treze anos de misérias diplomáticas: estaria o Brasil vacinado? , 9

1.     Epitáfio do lulopetismo diplomático , 15
2.     O Itamaraty e a diplomacia em tempos não convencionais , 19
3.     Do lulopetismo diplomático a uma política externa profissional , 29
4.     O renascimento da política externa , 37
5.     Política externa e política econômica no Brasil pós-PT , 51
6.     O que faria o Barão hoje, se vivo fosse? , 57
7.     Auge e declínio do lulopetismo diplomático , 65
8.     O lulopetismo diplomático: um experimento exótico , 85
9.     O Itamaraty e a nova política externa brasileira , 91
10.   A política externa e a diplomacia no século XXI , 109
11.   Crimes econômicos do lulopetismo na frente externa , 123
12.   Uma visão crítica da política externa: a da SAE-SG/PR , 131
13.   Depois da diplomacia companheira: o que vem pela frente? , 153
14.   A diplomacia na construção da nação: qual o seu papel? ,  157
15. Política externa brasileira recente: algumas questões tópicas , 167

Relação cronológica dos trabalhos recentes sobre diplomacia brasileira , 179
Livros de Paulo Roberto de Almeida ,  181
Nota sobre o autor  ,  185

Treze anos de misérias diplomáticas: estaria o Brasil vacinado? 

Esta nova compilação de trabalhos sobre a política externa e a diplomacia brasileira pode ser vista como dando continuidade a uma assemblagem anterior, que eu havia feito apressadamente para apoiar um curso sobre esses temas no primeiro semestre de 2017: Quinze anos de política externa: ensaios sobre a diplomacia brasileira, 2002-2017(Brasília: Edição do Autor, 2017, 366 p.; blog Diplomatizzando: (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/05/quinze-anos-de-politica-externa-ensaios.html). Essa coletânea, por sua vez, já incorporava uma relação preliminar feita ao final de 2016: “Uma seleção de trabalhos sobre a política externa brasileira na era Lula, 2002-2016” (Brasília, 6 junho 2016, 13 p.; também disponível no blog Diplomatizzando:http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/06/a-politica-externa-brasileira-na-era.html). Ambas se ocupavam, basicamente, da política externa e da diplomacia nos primeiros três lustros do século XXI, quando vigorou aquilo que eu logo chamei de “lulopetismo diplomático”, uma das principais facetas do lulopetismo em geral, que havia literalmente atropelado o país durante todo aquele período. 
Tanto a política lulopetista em geral, quanto sua vertente externa foram por mim acompanhadas atentamente, a cada passo, a cada medida, a cada iniciativa do bizarro regime, que no entanto dispunha de amplo apoio na sociedade, nos meios políticos e especialmente na academia, sem esquecer a própria diplomacia. Na postagem dessa relação de junho de 2016 eu dizia que os trabalhos possuíam um “caráter geralmente acadêmico, mas não posso recusar certa orientação opinativa (e portanto subjetiva, mas bem informada, pela minha condição de diplomata) sobre esses tempos não convencionais nas relações exteriores do Brasil, um período no qual a diplomacia brasileira esteve associada ao Foro de São Paulo (uma organização controlada pelos comunistas cubanos) e aos chamados bolivarianos. Agora que isso passou, posso ser mais crítico, e incisivo, sobre esses anos de chumbo da diplomacia brasileira.”
Mas, antes mesmo de ser enterrado o bizarro regime, e sem ter certeza de que a sociedade conseguiria superar a fraude e a mistificação daqueles anos excepcionais, eu já tinha publicado um livro inteiro sobre o “rabo diplomático” do “cachorro lulista”, este aqui: Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014). Esse livro não foi feito pensando nas eleições presidenciais daquele ano, mas não deixou de ser surpreendente que, consideradas todas as informações já disponíveis sobre os descalabros econômicos, as fraudes políticos, e o espetáculo de corrupção desvendado desde o início daquele ano, que os companheiros obtivessem mais um mandato para arruinar o país. Por uma dessas ironias da história, a continuidade das investigações revelou que o candidato da oposição também estava profundamente envolvido numa gigantesca teia de corrupção, que unia as grandes empresas do país aos principais partidos políticos e seus líderes.
Seria inevitável que o ativismo lulopetista em todas as direções, por quaisquer meios disponíveis, não poupasse tampouco o lado internacional das políticas públicas. Aliás, o “rabo” da diplomacia chegou mesmo a abanar o “cachorro” do lulopetismo, tal a importância dada a essa política pelo chefe da “organização criminosa” – segundo o ministro Celso Melo, do STF – que dominou o país desde o início de 2003, como já tinha sido evidenciado por ocasião do Mensalão, em 2005. Essa importância foi bastante ressaltada pelas investigações de um jornalista, Fabio Zanini, cujo livro foi objeto de uma resenha aqui inserida; mas, à diferença do Mensalão, não haviam sido detectadas até recentemente todas as manobras criminosas empregadas pela tropa de meliantes políticos que desviou recursos de fontes brasileiras e estrangeiras.
Minha relação de trabalhos cobrindo essas áreas é bem superior, mas coletei neste volume apenas aqueles que já tinham sido publicados ou divulgados pelos canais habituais que utilizo. Alguns outros serão divulgados oportunamente, o que permitirá justificar plenamente o título escolhido para este volume e esta apresentação: “miséria da diplomacia”, o que me parece muito evidente, sobretudo a partir de uma visão interna, portanto bem informada e “prevenida”, sobre as iniciativas tomadas na vertente externa do Brasil. Essa visão precede, inclusive, a própria diplomacia e o regime dos companheiros, pois se estende, originalmente, às organizações da esquerda armada que provocaram a radicalização do regime militar desde meados dos anos 1960 até o final do período autoritário. Um conhecimento sobre os métodos de atuação dos militantes neobolcheviques que se integraram ao partido hegemônico da esquerda, aqueles que eu chamei de “guerrilheiros reciclados”, permitiu retirar elementos de convicção quanto à ação deletéria, em grande medida encoberta, desenvolvida por eles igualmente na frente externa, o que entretanto é difícil de ser evidenciado, em virtude, precisamente, da falta de provas documentais de muitas dessas ações nessa vertente (sobretudo aquelas feitas em direção, e em acordo com regimes vinculados ao Foro de São Paulo). 
Esse lado da “miséria diplomática” talvez não possa ser exposta em toda a sua extensão, pois, à diferença daquilo que ocorreu com os papeis da Stasi, no momento da queda do muro de Berlim e da incorporação relativamente rápida da RDA à República Federal da Alemanha, os companheiros e seus aliados externos tomaram as devidas precauções para “neutralizar” possíveis evidências da diplomacia paralela conduzida de modo obscuro durante toda a duração do regime companheiro. Em alguns dos meus escritos aqui coletados eu abordo esse aspecto da “miséria diplomática”, que é o seu lado obscuro, mas que ainda não foi objeto de estudos mais detalhados. 
Como conhecedor de longa data do movimento comunista internacional, e de seus “derivativos” nacionais, surpreende-me que doutrinas, práticas e argumentos já devidamente denunciados e expostos claramente desde os estertores do regime stalinista nos anos 1950 – objeto de inúmeros livros esclarecedores a esse respeito, entre eles um dos mais famosos, O Ópio dos Intelectuais, de Raymond Aron, prefaciado no Brasil por Roberto Campos, o Aron brasileiro –, ainda tenham plena vigência nos meios políticos e acadêmicos do Brasil, e encontrem bastante aceitação em camadas mais amplas da opinião pública. Mais surpreendente ainda é que, a despeito de todas as denúncias e condenações já oficializadas quanto aos atos criminosos perpetrados pelos principais chefes do partido hegemônico da esquerda, várias dessas pessoas bem informadas ainda insistam em apoiar os personagens. Não é preciso lembrar aqui que o próprio chefe da chancelaria brasileira durante boa parte do regime lulopetista, diplomata de carreira, figura nessa tropa de choque constituído para uma defesa quase impossível, de certo modo desesperada, do grande responsável pela corrupção avassaladora a que assistimos durante todos esses anos de euforia, de fraudes e de mistificações. 
Meus textos não se ocupam de tais crimes comuns, mas várias das ações externas conduzidas pelo poder petista, com base em recursos nacionais, podem configurar o que eu chamaria de “crimes econômicos” (talvez não muito diferentes de crimes comuns), uma vez que diversas “intervenções” externas pelo então chefe de Estado, depois ex-presidente, foram precipuamente conduzidas para se integrar a essa cadeia de corrupção montada deliberadamente por esses líderes políticos em pleno acordo com os dirigentes de grandes empresas geneticamente corruptas. Por outro lado, pontos obscuros da ação externa dessa diplomacia lulopetista foram diversas vezes detectados em determinados episódios – nacionalização de ativos brasileiros no exterior, apoio financeiro a aliados ideológicos, por exemplo – também poderiam ser catalogados sob a rubrica de “crimes diplomáticos”, ou seja, mais um aditivo definidor da “miséria da diplomacia” que legitima a opção pelo título deste compêndio. Continua a existir uma imensa zona de sombras sobre o desenvolvimento de toda a diplomacia lulopetista.
Ainda assim, e a despeito de todas as evidências e sinais “precursores” de que coisas estranhas estavam acontecendo na diplomacia brasileira durante esses anos de euforia do lulopetismo, sua vertente diplomática continuou a dispor de amplo apoio entre os principais formadores de opinião no Brasil, notadamente nos meios acadêmicos e jornalísticos, com ampla capacidade de convencimento dos “corações e mentes” dos brasileiros comuns, simples eleitores ou até membros das chamadas elites. Nisso, a esquerda em geral e o lulopetismo em particularmente foram particularmente eficientes – sobretudo usando recursos do Estado para divulgar sua versão deformada da realidade e sustentar propaganda mentirosa por diversos canais de comunicação – na veiculação e na disseminação de uma visão do mundo conforme a seus princípios ideológicos, que encontram, por isso mesmo, grande aceitação em diversos meios. 
Tenho plena consciência de que meus escritos destoam, em grande medida, das análises acadêmicas e dos próprios argumentos diplomáticos normalmente encontrados nos diferentes veículos que se dedicam à discussão e análise da política externa, das relações internacionais e da diplomacia brasileira. Talvez porque eu me dedique não só a uma exposição descritiva do que é feito na vertente externa das políticas públicas do Brasil, mas também por que é feito, e por quem é conduzido, e com quais motivações. Começo, aliás, por discordar frontalmente da terminologia geralmente empregada nas exposições e análises “normais”, que tendem a caracterizar as ações diplomáticas como sendo “do Brasil”, quando eu me inclino a falar diretamente da “diplomacia lulopetista” como sendo diferente, específica e peculiar às forças que controlaram o poder do Estado durante os anos de seu controle dos executivos federais (e até de outros poderes). 
Meus artigos – os aqui compilados, os demais em livros ou periódicos, inclusive os ainda não divulgados  – não esgotam, obviamente, a análise de todos os aspectos conceituais e operacionais daquilo que eu chamei de “miséria da diplomacia” no Brasil. Isso que vai requerer ainda certa pesquisa (mas existem muitos fatos sem documentação adequada) e acesso adequado a atores envolvidos em vários episódios não devidamente documentados ao longo desses anos de fraudes, mentiras, de mistificações e de crimes, de diversas ordens. De minha parte não tenho nenhuma hesitação em expressar minha opinião fundamentada sobre esses anos pouco gloriosos de nossa trajetória política. Só não tenho certeza de que o Brasil e os brasileiros estejam devidamente vacinados contra essa “doença de pele”, que representou o lulopetismo, a despeito de todos os crimes desvendados e de todos os processos concluídos ou em curso. Talvez ele seja mais do que uma simples “doença de pele”, e conforme uma predisposição “genética” na incorporação de concepções políticas e econômicas absolutamente nefastas e prejudiciais à boa governança do país, e nisso se confunda com outras “epidemias” muito comuns no Brasil: patrimonialismo tradicional, corporativismo entranhado, protecionismo exacerbado, nepotismo e fisiologismo extensivos, nacionalismo primário e ingênuo, estatismo atávico e outros “ismos” desde longe presentes em nossa cultura e no sistema político. 
Na diplomacia, no entanto, vigorava, um profissionalismo meritocrático – ainda que contaminado por diversos resquícios “feudais” – e uma excelente capacitação dos recursos humanos, o que sempre distinguiu o serviço exterior no conjunto das carreiras de Estado e das instituições de boa qualidade a serviço do Estado e dos governos. O período lulopetista afetou apenas superficialmente o serviço diplomático em si, ainda que tenha contaminado mais amplamente a orientação da política externa e da atuação do Estado brasileiro em escala regional e internacional. Esperemos que ao menos o serviço diplomático tenha sido vacinado contra o exotismo e a bizarrice dessa presença deformadora em nossa diplomacia, com um mínimo de efeitos colaterais sobre suas ações futuras. É o que posso esperar como participante e analista – relativamente objetivo e independente – de nossa política externa e de nossa diplomacia nos últimos 40 anos de atividades e de reflexões nesse campo especializado da ação estatal.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de fevereiro de 2018