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domingo, 16 de dezembro de 2018

Alexandre Schwartsman e a Lei de Irresponsabilidade Fiscal do Congresso

Mundo velho sem porteira

Por Alexandre Schwartsman

…revela-se o que já sabíamos: boa parte, senão a maioria dos municípios do país, é financeiramente inviável sem as transferências federais, o que deveria nos levar a questionar sua existência autônoma, não o perdão ao comportamento irresponsável.

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Já não tinha qualquer dúvida acerca do completo divórcio entre a classe política e a realidade das contas públicas no país, mas, se tivesse, bastaria a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) perpetrada recentemente pela Câmara para ter certeza absoluta a este respeito.

A LRF estabeleceu que estados e municípios não podem gastar mais do 60% de sua receita corrente líquida com pessoal, condição infringida mais vezes do que seria saudável, levando ao uso de critérios nebulosos de contabilidade para disfarçar a real extensão do problema. Já a mudança da LRF permite a municípios a violação deste limite, caso sua receita tenha caído mais do que 10% por força da redução das transferências federais (devido a isenções tributárias concedidas pela União), ou queda nos royalties.

À primeira vista parece uma mudança bastante razoável. Afinal de contas, o governante não poderia ser punido por fatores fora de seu controle como os acima descritos. Um olhar mais aprofundado, porém, revela consequências potencialmente destrutivas da decisão.

A começar porque, como sabe qualquer família, não é prudente fixar suas despesas em níveis elevados quando suas receitas podem variar. As receitas relativas a royalties flutuam, por exemplo, com os preços de commodities, como ilustrado pela crise do Rio de Janeiro. Caso as despesas, com pessoal inclusive, sejam definidas com bases em receitas originadas em um momento favorável do ciclo econômico, torna-se bastante provável seu “estouro” quando vier a reversão cíclica.

Neste sentido, a Câmara deu permissão a este tipo de comportamento, ao sinalizar que administradores não sofrerão sanções por conta de um evento que, num período razoavelmente longo, é praticamente uma certeza.

Afora isto, revela-se o que já sabíamos: boa parte, senão a maioria dos municípios do país, é financeiramente inviável sem as transferências federais, o que deveria nos levar a questionar sua existência autônoma, não o perdão ao comportamento irresponsável.

Abre-se, por fim, um precedente perigoso. Nada impede, mais à frente, que novas alterações ampliem o leque de alternativas para aumento de gastos, em particular relativos a pessoal.

Tudo isto ocorre num contexto em que, sob a LRF, municípios vêm gastando como nunca. As despesas municipais, medidas a preços constantes, atingiram R$ 606 bilhões (8,9% do PIB) nos 12 meses terminados em junho de 2018 contra R$ 490 bilhões (7,6% do PIB) em 2010. No mesmo período, as despesas com pessoal saltaram de R$ 223 bilhões (3,5% do PIB) para R$ 298 bilhões (4,4% do PIB), ou seja, de 46% para 49% da despesa corrente.

A contrapartida foi a queda da participação da provisão de serviços à população (de 35% para 30% da despesa). É bastante claro que o aumento do gasto beneficiou mais aos servidores municipais do que os munícipes, replicando um padrão infelizmente comum no setor público brasileiro.

Este episódio apenas reforça a percepção muito clara sobre a apropriação do orçamento público por grupos corporativos, alegremente sustentados por políticos cuja conexão com o interesse da população é mínima.

Num país em que estados importantes se encontram à beira da falência e mesmo o governo federal enfrenta sérias dificuldades, a última coisa que precisamos é abrir as porteiras para o gasto desenfreado. No entanto, é exatamente isto com que o Congresso nos brindou.

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* ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

sábado, 15 de dezembro de 2018

Agenda de Trump nao serve ao Brasil - Sandra Rios (Poder 360)

Tempos duros pela frente, entre avançar para maior prosperidade, ou continuar no pântano da mesmice. Esta economista tem a coragem de dizer o que pensa, mesmo não sendo do agrado dos novos donos do poder.
Paulo Roberto de Almeida

País não deve importar agenda de política externa de Trump, diz Sandra Rios

Distanciamento da China é ‘prejudicial’
Defende abertura econômica do país
Diretora do Cindes, Sandra Rios defende redução das tarifas de importação Acervo Pessoal 

15.dez.2018 (sábado) - 5h50
atualizado: 15.dez.2018 (sábado) - 8h45
Economista e diretora do Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), Sandra Rios, 59 anos, acredita que seria prejudicial para as relações comerciais do país embarcar na agenda de política externa do presidente dos EUA, Donald Trump.
Jair Bolsonaro (PSL) se elegeu defendendo 1 processo de abertura no mercado internacional. Declarações do militar e de membros de sua equipe, no entanto, causaram preocupações em relação a 1 possível distanciamento de parceiros comerciais como China e países árabes.
“Não faz sentido o Brasil entrar nesse movimento de transferência da embaixada em Israel para Jerusalém. Também não vale a pena entrar em disputa comercial com a China, que é o nosso principal mercado”, disse em entrevista ao Poder360.
Para ela, ir adiante com esses posicionamentos seria importar uma agenda norte-americana “sem levar em consideração que os recursos de poder e interesses dos países são muito diferentes”.
A economista criticou também a possibilidade, exposta por Bolsonaro, de o Brasil deixar o Acordo de Paris. “A agenda da sustentabilidade interessa ao país, reforça nossos interesses econômicos”, disse.
Sandra foi uma das autoras da “Carta Brasil”, documento elaborado por 112 economistas com propostas para o futuro governo. Entre os pontos destacados no texto para ampliação do comércio exterior está a redução de tarifas de importação, a busca de novos parceiros comerciais e a transformação do Mercosul em área de livre comércio.
“O Brasil deve continuar negociando acordos comerciais, mas são processos complexos e demorados (…). Em economia, não se pode esperar tanto tempo”, disse.
Para a especialista em negociações internacionais e política de comércio exterior, a incorporação do Mdic (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) ao Ministério da Economia poderá facilitar o processo de abertura. “Tem a vantagem de garantir coerência às políticas”, afirmou.
Eis o que disse a economista:
Poder360: O que acha da inclusão do Mdic no Ministério da Economia? O que deve mudar?
Sandra Rios: O lado positivo dessa mudança é que facilita a coordenação das políticas de comércio exterior. Hoje, os instrumentos de política comercial são distribuídos em diferentes ministérios, principalmente nos atuais Mdic e Fazenda. E eles costumam ter visões distintas sobre política comercial, abertura, necessidade de proteger 1 ou outro setor. É claro que é uma mudança muito grande e há riscos operacionais, mas acho que tem a vantagem de garantir coerência às políticas.
Qual o cenário hoje no Brasil em termos de comércio exterior?  
A última reforma comercial relevante foi feita na 1ª metade da década de 1990. Naquela época, abrimos a economia, negociamos o Mercosul e deixamos o país mais ou menos em linha com o que a maior parte dos países em desenvolvimento estava fazendo. A partir de 1995 não houve mais nenhum movimento de abertura e, ao contrário, a partir de 2008 1 conjunto de medidas acabou aumentando a proteção à indústria nacional. Isso teve 1 impacto importante sobre a evolução da produtividade e nossa capacidade de competir no mercado internacional.
O que é fundamental agora é atualizar a nossa política comercial para ficarmos mais em linha com outros países em desenvolvimento de grande porte, como Indonésia e México.
Quais são os principais itens dessa agenda?
O 1º elemento é a redução da tarifa de importação, levar o país a padrões de outros países em desenvolvimento. Essa reforma é muita vezes combatida com o argumento de que é melhor abrir a economia negociando acordos comerciais, porque aí você abre o mercado, mas ao mesmo tempo ganha mais acesso ao mercado exportador.
Achamos que o Brasil deve continuar negociando acordos comerciais, mas são processos complexos, demorados. Estamos negociando com a União Europeia, por exemplo, há mais de 20 anos. O acordo ainda não foi concluído e acho que não vai sair tão cedo.
Em economia, não se pode esperar tanto tempo. Ninguém está falando em eliminar tarifas de importação, mas reduzir 1 pouco os níveis para tornar a estrutura mais racional enquanto se negocia acordos comerciais.
Na Carta Brasil, vocês falam na busca de novos parceiros comerciais. O que o país deve procurar nesses acordos? De quais países deveria se aproximar? 
Um critério importante é a relevância do parceiro. Nos últimos anos, mais notadamente a partir de 2010, a gente concluiu acordos que não vão promover nenhuma mudança na nossa estrutura produtiva e capacidade de competir. O acordo com a UE, esse sim, se fosse implementado, faria com que sentíssemos uma mudança grande no futuro.
O país deve buscar parceiros relevantes, que tenham oferta complementar à nossa. Isso vale, por exemplo, para EUA, Canadá, Japão e Índia. Mas em todos esses casos são negociações complexas.
Quais mudanças defende em relação ao Mercosul?
O Mercosul foi criado como uma união aduaneira. Mas desde o início ficaram evidentes as dificuldades de se implementar o modelo que, em teoria, é superior em termos de integração comercial. Se pudesse funcionar assim, seria ótimo.
Só que os países têm estruturas produtivas diferentes, prioridades diferentes e o que aconteceu foi que se estabeleceu regimes de exceção que foram aumentando com o tempo. Além disso, os países, principalmente Brasil e Argentina, colocaram barreiras ao comércio intrabloco. Assim, não avançamos em vários pontos.
A questão é se vale a pena manter o modelo de união aduaneira, que toma muito tempo das negociações. Nossa visão é que é melhor colocar a atenção nas questões relacionadas à área de livre comércio.
Declarações de Bolsonaro em relação a Israel e China, por exemplo, causaram dúvidas sobre o futuro das relações comerciais. Há preocupação nesse sentido? 
As declarações me parecem equivocadas. Não faz sentido o Brasil entrar nesse movimento de transferência da embaixada em Israel para Jerusalém. Também não vale a pena entrar em disputa comercial com a China, que é o nosso principal mercado. É uma importação da agenda do Trump sem levar em consideração que os recursos de poder e interesses dos países são muito diferentes.
No caso da China, é claro que isso foi provocado também pela percepção de que o país está investindo em setores estratégicos do Brasil, mas mesmo que a gente se aproxime dos EUA, o que acho importante, não vamos vender para eles os produtos que vendemos para a China.
Tem também a questão da retirada do Brasil do Acordo de Paris, que vejo como outro equívoco. A agenda da sustentabilidade interessa ao país, reforça nossos interesses econômicos.
O futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deu declarações controversas em relação a questões diplomáticas. Qual sua visão sobre a indicação?
O que preocupa são manifestações no sentido de distanciamento do Brasil de organismos multilaterais. Há críticas do governo eleito, por exemplo, à participação da OMC (Organização Mundial do Comércio) na nossa agenda de política comercial, mas a instituição é muito importante para 1 país como o Brasil, que tem pequena participação no mercado internacional e exporta produtos agrícolas, cuja regulação se dá basicamente na OMC.
Qual a sua avaliação do que foi apresentado até agora pela equipe do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, em relação ao comércio exterior?
O que vem sendo ventilado é de abertura em diversas frentes. Parece positivo, mas ainda não temos detalhes.

Soljenitsyn: um gigante na literatura de resistência - Jessica Hooten Wilson

Alexander Soljenitsyn, tanto quanto Ronald Reagan e a sua denúncia do "império do mal", tanto quanto João Paulo II e sua condenação do "império ateu", foi absolutamente essencial no desmantelamento do "império da mentira e da opressão", representado pela União Soviética e pelo Estado totalitário do Partido Comunista. Ele não tinha atrás de si todo o poderio econômico e militar do grande império americano, como Reagan, tampouco todo o poderio espiritual e ideológico da Igreja Católica, como João Paulo II (o bispo polonês Karol Wojtylla); ele, na verdade, não tinha nada, a não ser a força das palavras, o poder das ideias, o ariete da verdade, com seus escritos, suas denúncias, sua coragem de arrostar a repressão soviética e ousar proclamar que o imperador estava nu, que o imenso império totalitário fundado sobre a mentira e a opressão não tinha, na verdade, nada a oferecer ao povo russo, senão mentiras, penúria, opressão. Defender ideias pode ser perigoso, mas são elas que, em última instância, fazem a diferença. Não foi o poderio econômico e militar do império americano que liquidou o império soviético, e sim a ideia de liberdade, o poder da verdade, tanto quanto demonstrou o papa João Paulo II.

Paulo Roberto de Almeida

Solzhenitsyn's Literary Ascent

The year 2018 marks the 50th anniversary of Aleksandr Solzhenitsyn’s In the First Circle. Because the Soviets were in power in Russia at the time that Solzhenitsyn wrote the novel, it was only partially published and only in the West. Not until 2009 was the book fully restored and has gained prominence in Russia. Although the title alludes to Dante’s Divine Comedy (the “first circle” refers to limbo where the pagan intellectuals reside in hell), the novel goes largely unread by Western audiences, never discussed alongside Dante. In the passing decades, Russians have come to embrace the novel and view its author as a descendant of Tolstoy or Dostoevsky. However, if In the First Circle is read in the West, at all, it has a flickering life among political thinkers for what it reveals about Soviet ideology.
Even a decade after his death, Solzhenitsyn remains one of the most misinterpreted writers of the twentieth century. As Hilton Kramer noted in 1980, Solzhenitsyn, “although world famous, is virtually unrecognized as a literary artist.” Readers reduce his work to messages. If Americans know of Solzhenitsyn, they regard him through a “political prism,” to use Edward E. Ericson’s words, which “distort[s] his image.” Based on his political views, the Western media denigrated Solzhenitsyn as “a freak, a monarchist, an anti-semite, a crank, a has-been.”[1] When Solzhenitsyn was asked in a 1993 interview to respond to these charges, he lamented that the Western Press did not “read my books. No one has ever given a single quotation from any of my books as a basis for these accusations. But every new journalist reads these opinions from other journalists.” Apparently, the West is as guilty of group-think, in Solzhenitsyn’s estimation, as the “Soviet press was before.”
A corrective to this political lens would be a critique of Solzhenitsyn’s fiction that centers on the aesthetic merits. For instance, if we read In the First Circle in conversation with Dante, we would note how Solzhenitsyn’s setting, the Marfino sharashka, a prison outside of Moscow, resembles the initial realm of inferno. While Dante’s sinners, the likes of Ptolemy, Homer, and Socrates, recline in a verdant field discussing lofty ideas, Solzhenitsyn’s zeks, as the prisoners were called, are assigned tasks in a more hospitable version of prison than the rest of the gulags. As one of Solzhenitsyn’s characters reflect, “The special prison is the highest, the best, the first circle of hell. It’s practically paradise.”[2] In Inferno, the scene is seductive, so much so that readers can almost forget that we are in hell. Only after Dante has journeyed to the darkest regions of the infernal pit does he come to realize how forsaken are even these souls, how meaningless their conversations, which have no further bearing on life and no connection to the “Love that moves the sun and other stars.” It is this abject state and its guises of liberty that Solzhenitsyn explores in his novel.
Like Dante’s poem, which relies on the voices of hundreds of shades in the afterlife to tell of one shared journey, so Solzhenitsyn chooses not a single narrator but thirty-five perspectives, including that of Stalin. Solzhenitsyn exercises polyphony as a way of countering the one-voiced narrative of the Soviet regime. Whereas the Party allows only one view of things, determined by its ignoble head, the self-titled “great man” Stalin, Solzhenitsyn’s novels exhibit dozens of perspectives all in conversation with one another and not in harmonious accord.
The Stalin of In the First Circle exhibits a constricted vision. Readers observe him lounging in his study, paging through his own Biography, an example of his inwardly bent, tautological vision. He mistakes himself as the center of the universe, fated to be Emperor of the Earth, more significant than any other human being on the planet. Yet, he is locked within his room because he fears assassination. The master enslaver is himself enslaved unawares. And, while Stalin stays up at night, attempting to “perform some great scientific feat” by contributing to philology—an obvious joke on Solzhenitsyn’s part, he is unable to engage in dialogue with others: “There was no one he could consult;” “Stalin felt so lonely because he had no one to try out his thoughts on, no one to measure himself against.” In contrast to the rest of In the First Circle, Stalin is monologic, speaking only to himself, about himself, and for himself.
Because of Stalin’s Article 58, which purged the nation of those that he deemed a threat to his power, Solzhenitsyn was arrested and sent to the gulags; he spent four years at Marfino. Like Dante banned from Florence by Boniface VIII, Solzhenitsyn used his suffering to produce art that would defeat the lies of the false rulers. While The Divine Comedy may be read as a political poem—as might we read In the First Circle—it may also be experienced as a love poem, and I would argue the latter reading more suited to both works.
A Russian philosopher who greatly influenced Solzhenitsyn’s thought, Vladimir Solovyov, believed “that Christian love, embodied in the Church, was the supreme political value” (paraphrased here). Politics is only a means toward a greater end. “True progress,” as Solzhenitsyn puts it (in his 1993 Liechtenstein Address), is “the sum total of spiritual progresses of individuals.” Just as Dante tells not the story of his but “our” journey, as it says in the opening line of The Divine Comedy, so Solzhenitsyn invites everyone into his narratives. His tales are never merely the record of one life but represent the lives of millions. Moreover, Solzhenitsyn, again like Dante, writes in such a way that his stories may be read fifty years later and still be “our” story. If we read In the First Circle alongside Dante, we won’t consign the novel to a political treatise or mere journalism, good for one political moment and not for others.
The beginning of In the First Circle is a parable for the relationship between Solzhenitsyn and his Western audience. It opens with a riveting scene in which one hero, Innokenty Volodin, calls the American Embassy to warn them about his Soviet commanders’ plans to assemble an Atomic Bomb. The distance between the two parties, coupled with the language barrier, causes a miscommunication. In response to the frenetic speech of Volodin, the attaché calmly responds, “I don’t quite understand.” One hears this as Americans’ response to Solzhenitsyn’s attempts to caution us. “Listen! Listen!” Volodin cries “in despair.”Instead of heeding his words, the attaché questions him: “Who are you, anyway? How do I know you’re speaking the truth?” This is the question for all prophets—on whose authority do you speak? As evidence for his claims, Volodin exclaims, “Do you know what a risk I’m taking?”Likewise, Solzhenitsyn risked his very life to tell the true story of what was happening in Soviet Russia. His risk got him arrested, as Volodin’s phone call does for him.
The novel ends with another warning to the West, or rather an indictment. A Moscow correspondent from the West “on his way to a hockey match” observes a meat truck passing by him and jots down in a notebook, “Every now and then, one encounters on the streets of Moscow food delivery trucks, spick-and-span and impeccably hygenic. There can be no doubt that the capital’s food supplies are extremely well organized.” What the correspondent does not realize is that the “gaily painted orange-and-blue truck” is a prisoner transport truck, carrying zeks to a lower level of hell.
Solzhenitsyn is a descendant of Dante, Tolstoy, and Dostoevsky, writers who believed in literature’s power to transform culture. Ericson writes, “Instead of camouflaging the didactic impulse, [Solzhenitsyn] accepts the age-old definition of literature as delightful instruction.” His novel cannot be reduced to its kerygma or moral, for the meaning would wilt away without its form. If we are to understand, we must listen. If we are to know the truth, we must trust the authority of the speaker, who risks everything to tell us what is happening. We must practice habits of imagination, like those of Solzhenitsyn, which grant us a prophet’s knowledge of our own time.

[1] Joseph Pearce, Solzhenitsyn: A Soul in Exile (Ignatius Press, 2011), p. 280.
[2] Aleksandr Solzhenitsyn, In the First Circle, translated by Harry Willets, Foreword by Edward E. Ericson, Jr., (Harper Perrenial, 2009), p.  740.

Jessica Hooten Wilson is an associate professor of literature and creative writing at John Brown University. She is the author of three books, including  Walker Percy, Fyodor Dostoevsky & the Search for Influence and Reading Walker Percy's Novels.

A tragedia da Presidencia publica - Ricardo Bergamini

A Previdência geral é uma tragédia programada, pois as receitas não conseguem acompanhar a marcha irresistível da demografia.
A Previdência pública é uma tragédia construída, pois resulta do assalto aos recursos da coletividade pelos donos do poder, ou pelas corporações que controlam o acesso a esse poder.
Ela deixa de ser, portanto, um problema econômico, como a geral,  para tornar-se um problema moral, o da apropriação da renda dos mais pobres por uma casta de privilegiados.
Paulo Roberto de Almeida

Previdência no Brasil deveria ser considerada como sendo crime contra a humanidade (Ricardo Bergamini).

Na tragédia brasileira não existem inocentes. Somos todos cúmplices por omissão, covardia ou conivência (Ricardo Bergamini).
Na defesa de interesses corporativos todas as ideologias existentes no Brasil são aliadas históricas (Ricardo Bergamini).
Prezados Senhores
Chegou a hora de sabermos quem luta na defesa do Brasil, ou de seus interesses individuais e corporativos.
Vide abaixo ser impossível pensar em reforma da previdência no RPPS da União, onde existem 1,28 ativos para 1,00 inativos. No curto prazo somente existe o remédio da tributação, como propõem o professor Paulo Guedes.
Regime Próprio de Previdência Social da União

Ricardo Bergamini
                                                                                                                        
Vou analisar apenas o regime dos servidores públicos da União, onde existe a maior distorção, e por ser o maior gerador de déficit do sistema.

Todas as premissas utilizadas são com base nos números divulgados pela Secretaria da Previdência do Ministério da Fazenda relativo ao ano de 2017.

(1) Em dezembro 2017 existiam 1.321.779 servidores federais ativos (civis, militares e intergovernamentais*) que custaram ao Tesouro Nacional o montante de R$ 180,7 bilhões. 

(2) Em dezembro 2017 existiam 1.028.415 servidores federais inativos (civis, militares e intergovenamentais*) que custaram ao Tesouro Nacional o montante de R$ 123,4 bilhões.

(3) Com base nos números acima podemos chegar a duas conclusões de nível primário ou de primeiro grau:

(3.1) Em dezembro 2017 existia uma relação de 1,28 servidores federais ativos para 1,00 servidores federais inativos. Número obtido dividindo-se 1.321.779 ativos por 1.028.415 inativos. Aí reside a primeira distorção do serviço público federal montado através de várias distorções e privilégios gerados de longa data. Num regime atuarial normal essa relação seria de 5,00.

(3.2) A segunda conclusão primária ou de primeiro grau é a de que a União necessita de 68,28% do correspondente aos salários dos servidores federais ativos para o pagamento dos servidores federais inativos. Número obtido dividindo-se os gastos com servidores federais inativos de R$ 123,4 bilhões pelos gastos com servidores federais ativos de R$ 180,7 bilhões. 

Demonstrativo do RPPS da União – Fonte MF – Base: R$ Bilhões
Benefícios Pagos aos Servidores Militares (Reserva, Reforma e Pensão).
(41,0)
Benefícios Pagos aos Servidores Civis da União (Aposentadorias e Pensões).
(82,4)
Total de Benefícios Pagos aos Servidores Inativos da União.
(123,4)
Contribuição Patronal (União).
20,0
Contribuição dos Servidores Civis.
13,8
Contribuição dos Servidores Militares.
3,3
Total de Contribuições Recebidas no RPPS da União.
37,1
Total de Déficit Previdenciário Gerado no RPPS da União.
(86,3)

Como acima demonstrado o governo além da parte patronal legal de R$ 20,0 bilhões teve que cobrir o déficit previdenciário de R$ 86,3 bilhões, totalizando gastos de R$ 106,30 bilhões, ou seja: na realidade o governo participou com 58,82% (legal e déficit) dos gastos com pessoal ativo e os servidores (ativos e inativos e pensionistas) com 9,46% dos salários dos ativos para pagamento dos inativos e pensionistas.

Arquivos oficiais do governo estão disponíveis aos leitores 
Ricardo Bergamini

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A era dos paradoxos, agora ou mais adiante? - Paulo Roberto de Almeida

Não sei se já vivemos, e estamos deixando de ter, paradoxos, ou se ainda vamos viver uma nova era de paradoxos.
Difícil dizer.
Em todo caso, vários meses atrás, convidado por uma faculdade para falar sobre "paradoxos" na atualidade, acabei compondo o trabalho que vai abaixo, esperando que ele nos reconforte, ou angustie, segundo o entendimento de que eles já ficaram para trás, ou se ainda teremos muitos pela frente. Você decide...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14 de dezembro de 2018

As relações internacionais numa era de paradoxos

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: notas para palestra pública; finalidade: debate com estudiosos da área]

Introdução: o que são paradoxos, e quais seriam alguns exemplos corriqueiros?
Paradoxo, segundo os dicionários, constitui o contrário de uma opinião admitida como válida, ou contrária ao que se espera do ponto de vista do senso comum. Também pode significar ausência de nexo ou de lógica. Seus sinônimos seriam: contra senso, incoerência, contradição, divergência, ambivalência ou indecisão (Cf. “Dicionário inFormal”: https://www.dicionarioinformal.com.br/paradoxo/). 
Paradoxos não são exclusivos de nossa era de, uma vez que eles podem ser encontrados em praticamente todas as épocas, já que esse tipo de contradição é implícito às decisões dos governantes, está presente em todas as atividades políticas e é próprio de todas as ações humanas. Do ponto de vista da política externa dos países, paradoxos representam decisões políticas cujos efeitos ou consequências são contrários ao pretendido inicialmente. 
Vamos dar, imediatamente, um exemplo corriqueiro: um dirigente nacionalista, ou populista, provavelmente ignorante em economia, pretende reduzir ou eliminar um eventual saldo comercial negativo nos planos bilateral ou multilateral, e adota medidas protecionistas, com a intenção declarada de preservar emprego e renda de sua clientela eleitoral. O que ele provavelmente acaba recolhendo, ao contrário, é aumento dos preços internos, possível deslocamento de empresas nacionais para o exterior (em vista dos níveis mais elevados de salários com que teriam de trabalhar no país), e eventual desvalorização da moeda dos parceiros comerciais assim prejudicados temporariamente, o que torna suas exportações ainda mais atrativas para as mesmas empresas que se dedicam à fabricação daquele produto objeto de salvaguarda ou aumento de tarifa. 
Vocês podem estar pensando que eu estou me referindo a algum líder falaz de um poderoso país avançado, mas o próprio Brasil se encaixa numa série de paradoxos, em sua política externa, ou em várias políticas macroeconômicas e setoriais. Outro exemplo corriqueiro logo vem à mente: o órgão arrecadador de impostos está sempre prioritariamente visando um aumento constante das receitas, por todos os meios cabíveis, imprimindo maior eficiência à máquina arrecadadora, independentemente da criação de novos impostos ou aumento das alíquotas dos existentes. O paradoxo, neste caso, é que a administração das receitas pode provocar elisão ou evasão fiscal, gerar mais informalidade, fechamento de empresas na jurisdição em causa e deslocamento de atividades para paragens fiscalmente mais amenas. Um outro paradoxo, conhecido dos economistas como sendo a “curva de Laffer”, diz o seguinte: a partir de um determinado ponto da carga tributária as receitas começarão a cair, em lugar de aumentar.
Vamos, no entanto, tratar dos paradoxos em política externa, onde eles podem ser tão frequentes quanto no mundo da política e da economia. Antes dos paradoxos atuais, façamos um retrospecto do que tem sido o mundo nos últimos dois séculos.

Nos últimos duzentos anos, o mundo conheceu nações e impérios: 
1) Conflitos napoleônicos que, ao atingir os reinos ibéricos, precipitaram as independências das colônias nas Américas, já agitadas pelas ideias iluministas do século XVIII, pela independência americana e pela revolução francesa.
2) Ocorreu a segunda grande restruturação das relações internacionais, depois da primeira guerra de trinta anos e dos acordos de Westfália do século XVII, no quadro do Congresso de Viena, que no entanto nem se abriu, uma vez que as principais questões foram resolvidas em conciliábulos entre as quatro grandes potências cristãs – Reino Unido, Áustria, Prússia, Rússia – com alguma tolerância em relação à França restaurada em sua legitimidade monárquica, e aos interesses de atores secundários (como Portugal, Espanha e alguns outros).
3) Nesse ambiente ocorreram as independências latino-americanas, seguidas de avanços europeus sobre novas áreas de colonização ou de submissão imperial na África e na Ásia. Não ocorreu, no entanto, nenhuma mudança significativa dos padrões de inserção desses novos Estados na economia crescentemente global, uma vez que eles permaneceram, em sua maior parte, exportadores das mesmas commodities que já transacionavam no período colonial.
4) No cenário europeu e no de seus descendentes diretos, ocorreram revoluções democráticas, em 1830 e em 1848, por exemplo, que ampliaram franquias eleitorais e reforçaram o princípio de governos constitucionais, com alguma resiliência no caso dos regimes autocráticos – como os da Santa Aliança: Prússia, Áustria e Rússia –, ao passo que o avanço da burguesia triunfante era contrabalançado pelo sindicalismo operário e pelo surgimento de partidos socialdemocratas, já na segunda revolução industrial.
5) A partir de meados do século XIX, amplia-se a dominação europeia sobre o mundo, geralmente em direção da África e da Ásia, com reforço dos impérios coloniais e a lenta conformação de uma economia global, feita de centros avançados e periferias formal ou informalmente vinculadas aos primeiros; trata-se da consolidação do mundo norte-atlântico, que dominou o mundo entre os descobrimentos e o século XXI.
6) Esse mundo de nações e impérios herdado do século XIX seria desmantelado no meio século seguinte, que corresponde a uma “segunda Guerra de Trinta Anos”, ao longo da qual o sistema europeu de dominação universal seria destruído por obra e graça dos próprios impérios europeus, com a ajuda dos nacionalismos emergentes e a emergência da Ásia em formatos variados (primeiro o Japão, depois a China e os novos atores da economia mundial a partir da segunda metade do século XX.
7) De Sarajevo a Hiroshima estamos no próprio coração dessa “segunda Guerra de Trinta Anos”, que não é o “breve século XX” de que falou Eric Hobsbawm, nem o “longo século XX” de que falou Giovanni Arrighi: trata-se da transformação das guerras nacionais do século XIX, ainda de estilo napoleônico em guerras globais, duas, nas quais toda a capacidade técnica do industrialismo da segunda revolução industrial é colocada a serviço de uma dinâmica de guerra total, envolvendo todo o potencial dos beligerantes. Sarajevo ainda é século XIX, ou se quisermos, uma guerra feudal, como bem caracterizado por Arno Meyer em seu estudo sobre a persistência do antigo regime nos impérios centrais europeus, que foram os responsáveis pela carnificina dos quatro anos seguintes, cujo centenário de conclusão vai ser “comemorado”, se é possível dizer, no dia 11 de novembro de 2018. Mas Hiroshima já a impossibilidade prática de uma guerra total, já que ela significaria a virtual destruição da vida civilizada no planeta.
8) O que temos, no longo, ou no breve, século XX, é um duplo movimento, do lado econômico e do lado político de um dos períodos mais mortíferos da história humana. Por um lado, a interrupção da segunda onda de globalização em 1914, e sua retomada já na última década do século, com um poderoso desafio às economias de mercado e às democracias constitucionais lentamente formadas no período precedente pela via de ideologias desafiadoras da ordem global, os coletivismos econômicos e os autoritarismos políticos sob a forma de opostos aparentes, mas gêmeos de fato: os fascismos e os socialismos, que foram, segundo Raymond Aron, duas religiões seculares, num século que deveria ser o da técnica, mas também foi o das ideologias. 
9) Outubro de 1917, o putsch bolchevique, vai se encerrar em outubro de 1989, a queda do muro de Berlim, seguido pouco tempo depois pela dissolução do império soviético, segundo Vladimir Putin, a “maior catástrofe geopolítica do século XX”. Pode-se concordar totalmente com o significado dessa implosão quase sem mortos, para dizer que foi a catástrofe mais benigna que poderia ter acontecido ao cabo de um dos séculos mais devastadores que tivemos desde as invasões bárbaras no Ocidente. Mas a Rússia não deixa de ser um ator relevante na geopolítica mundial, devido justamente à posse de armas atômicas e a um sentido nacional imperial que permanece o mesmo, desde Pedro, o Grande, desde Catarina, desde os neoczaristas bolcheviques, atualmente representados pelo próprio Putin. Mas a China também emerge lentamente de seu longo sono declinista, de quase dois séculos, com alguns anos significativos marcados em 9.
10) Temos uma revolta estudantil em 1919, quando jovens modernizadores pós-arranjos de Versalhes manifestam seu descontentamento com o novo quadro imperial então constituído, que dava novas credenciais ao Japão, enquanto deixava a China reduzida a um estatuto semi-colonial. Esta é a condição que a Terceira Internacional, o Komintern reconhecia na China, quando os comunistas orientados desde Moscou, a nova Meca do comunismo mundial, tentam uma tomada frustrada do poder, apenas para serem esmagados pelas forças do Kuomintang, o partido nacionalista chinês criado em 1912, logo após a revolução republicana de 1911 que derrocou um império de mais de dois mil anos. Os estudantes voltaram a se revoltar em 1989, sob o signo da estátua da Liberdade, apenas para serem esmagados pelos novos mandarins da República comunista, criada por Mao Tsé-tung em 1949. Em 1979, após décadas de delírio maoísta, atravessando o período das “mil flores”, o “grande salto para a frente” de 1959 e a revolução cultural de meados dos anos 1970, temos o retorno de Deng Xiao-ping ao poder, o homem que completaria o retorno da China ao capitalismo, e que colocaria as bases de um novo império, agora presidido por Xi Jin-ping. 
11) A paz belicosa da Guerra Fria geopolítica, como a classificou Raymond Aron, na caracterização genial feita desde 1948 – paz impossível, guerra improvável –, é seguida agora, segundo minha própria caracterização, por uma nova Guerra Fria geoeconômica, após um breve interlúdio de unipolarismo arrogante por parte dos Estados Unidos, levado ao máximo de seu poderio imperial pela implosão da União Soviética e pelo fato da China estar ainda engatinhando na sua inserção econômica na terceira onda da globalização e em seu retorno político à diplomacia planetária. Já não mais temos impérios coloniais como até ainda os anos 1960, mas tivemos a chamada “grande divergência”, que foi a nítida divisão do mundo entre nações avançadas, o “clube dos ricos” da OCDE, e países subdesenvolvidos, depois chamados de nações em desenvolvimento, e mais recentemente de economias emergentes. Esta é a problemática do desenvolvimento, agora que estamos numa “lenta convergência” entre essas duas metades do planeta, o que nos leva ao mundo atual e futuro. 

Os paradoxos da modernidade: globalização macro e micro, soberanias resistentes
12) A despeito da evolução do sistema de relações internacionais, com a criação da ONU e de todas as suas agências especializadas, ainda temos velhas nações e novos impérios, mas também, e isso é inédito, os blocos de integração. A modernidade da qual estamos falando começa, na verdade, logo ao início da Guerra Fria, e à sua sombra. Enquanto Estados Unidos e União Soviética se acomodavam aos esquemas de divisão do mundo traçados em Ialta – a segunda grande divisão do mundo entre impérios, depois de Tordesilhas, no final do século XV –, os europeus decidiram encerrar a sua “segunda Guerra de Trinta Anos”, iniciada em 1914 e terminada em 1945, por meio de um mecanismo absolutamente inédito no plano dos arranjos determinados em Westfália, baseados na soberania absoluta dos Estados nacionais. 
13) Começou, então, o esquema comunitário da integração europeia, na verdade iniciada em 1951, pelo Tratado de Paris criando a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, e completada pelos tratados de Roma, de 1957, criando o Euratom e, sobretudo, o Mercado Comum Europeu. Não se tratava mais de um simples acordo interestatal, mas de uma explícita cessão de soberania, sob a forma de direito comunitário, isto é, um mecanismo pelo qual estados soberanos transferem uma parte de sua soberania a um ente supranacional, ou pelo menos supostamente desnacionalizado. Esse foi o preço a pagar para que a França não fosse invadida uma quarta vez pela Alemanha, economicamente mais poderosa e dotado de um militarismo prussiano altamente eficiente. Muitos outros acordos foram negociados subsequentemente, até chegarmos na atual União Europeia, que comporta igualmente uma moeda comum, o euro.
14) Países latino-americanos tentaram replicar o modelo europeu de integração, primeiro pela Associação Latino-Americana de Livre Comércio (1960), depois pelo Pacto Andino (1969), depois pela Associação Latino-Americana de Integração (1980) e, finalmente, pelo Mercosul (1991), mas nunca conseguiram ir além de meros esquemas de preferências tarifarias e liberalização comercial ao estilo mercantilista, de forma que o bloco europeu permaneceu rigorosamente solitário como o único exemplo exitoso de uma união econômica funcional, ainda que estressado por tendências centrifugas e permanência de assimetrias políticas e culturais que também refletiam condicionantes geopolíticos do teatro europeu. O Mercosul, enquanto união aduaneira incompleta, avançou de modo razoável em seus primeiros anos, mas depois sofreu retrocessos, em especial sob os regimes populistas de Lula e Kirchner, que se desviaram de seus objetivos comercialistas originais, passando a adotar uma orientação puramente política, o que limitou suas possibilidades de inserção na economia global.
15) O traço mais óbvio do sistema de relações internacionais contemporâneo é a relativa dominância da diplomacia multilateral sobre antigas formas de relacionamento bilateral ou plurilateral, o que se reflete, por exemplo, no sistema multilateral de comércio, mas que ainda assim possui seus desvios “minilateralistas”, sob a forma de acordos bilaterais ou plurilaterais de livre comércio, que derrogam explicitamente à cláusula de nação-mais-favorecida. Este é um dos paradoxos do sistema multilateral de comércio, um dos muitos que existem, e que precisam ser avaliados em sua dimensão própria. O antigo Gatt, o Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio, criado em 1947 e atualmente incorporado ao quadro institucional da Organização Multilateral de Comércio, é considerado como sendo um promotor do livre comércio, e como tal é objeto de críticas dos chamados antiglobalizadores, uma tribo de militantes totalmente equivocados, o que não deixa de ser um desses paradoxos: o Gatt, na verdade, assim como as instituições de Bretton Woods, não são, a despeito do que se crê, promotores dos livres mercados e do liberalismo irrestrito. Eles são, sim, o reflexo de rupturas econômicas graves na economia mundial e como tal promovem o intervencionismo, o mercantilismo e a regulação estatal, uma vez que o protecionismo, tradicional nos estados soberanos, o dirigismo crescente das burocracias contemporâneas se refletem inteiramente nas instituições do multilateralismo econômico e em outras esferas.
16) A Carta da ONU reconhece expressamente o princípio da igualdade soberana das nações – tal como defendeu Rui Barbosa na II conferência internacional da paz, em Haia, em 1907 –, mas na prática, e no direito, existe a realidade de conviverem nesse sistema quase universal os “iguais”, e os “mais iguais”, ou seja, as cinco grandes potências que são os membros permanentes do Conselho de Segurança, o decisor em última instância das questões de paz e segurança no planeta (com os problemas decorrentes de seus desacordos também permanentes). Esse é talvez o maior dos paradoxos existentes no atual sistema de segurança internacional: certas guerras civis, determinados conflitos dentro ou entre estados soberanos podem, sim, ser objetos de resoluções do CSNU e entrar em alguma missão de manutenção da paz ou até de manutenção da paz (peace keeping, ou peace making), sendo que o Brasil participou de várias missões na primeira categoria, mas de nenhuma na segunda. 
17) O outro grande paradoxo nesse campo é oferecido pelo próprio Brasil, cujas tentativas de aceder a uma cadeira permanente no CSNU são sempre classificadas como sendo com o objetivo de “democratizar o sistema internacional de defesa da paz e da segurança”, tornando-o mais representativo do mundo atual. Ora, o argumento é falho, pois tal pretensão nada mais representa do que o seu ingresso num clube restrito, apenas expandindo moderadamente o sistema oligárquico tal como ele existe desde 1945. O outro argumento defendido pelo Brasil, o de tornar o processo decisório do CSNU mais representativo da diversidade política e econômica do mundo, é também um paradoxo, pois parece que claro que um Conselho ampliado para refletir essa diversidade irá inevitavelmente redundar em sua menor eficiência e em possíveis entraves a uma decisão sempre difícil no plano dos equilíbrios geopolíticos. 
18) Seguindo no mesmo terreno, um terceiro paradoxo, sempre oferecido pelo Brasil, foi o de criar um grupo, o G-4, supostamente para reforçar essa pretensão, mas que pode ter atuado, ao contrário, no sentido de complicar ainda mais a candidatura do país, uma vez que reunindo países – Japão, Índia e Alemanha – que possuem “vetores de bloqueio” provavelmente muito mais poderosos e consistentes do que aqueles que o Brasil encontra em sua própria região. O Japão, por exemplo, encontra sérias objeções do lado da China, fruto dos terríveis crimes contra a humanidade cometidos contra o gigante asiático na primeira metade do século XX. A Índia também pode encontrar resistências por parte da mesma China, e adicionalmente do Paquistão. A Alemanha, por sua vez, enfrenta restrições por parte de seus próprios parceiros do continente europeu, o que torna particularmente difícil a aceitação de propostas do G-4. Ainda um quarto paradoxo, o governo da “diplomacia ativa e altiva” dos companheiros no poder – uma designação pelo menos pretensiosa, e provavelmente enganosa – proclamou em altos brados esse seu objetivo de fazer o Brasil aceder a essa cadeira permanente, o que não deixou de afetar a autoestima de vizinhos que se julgam tão merecedores quanto este candidato. Por fim, um quinto e último paradoxo, mas que também simboliza uma expressão da concepção primária dos amadores que comandaram a diplomacia do Brasil nesses anos, a ampliação desmesurada das representações diplomáticas do país ao redor do mundo, como se a decisão sobre a reforma da Carta da ONU e a eventual ampliação dos membros permanentes do seu Conselho de Segurança fosse ser resolvida apenas pelo número de votos obtidos na Assembleia Geral. 
19) A terceira onda da globalização deveria, supostamente, produzir uma “nova ordem mundial”, caracterizada pela ausência de oposições radicais entre modelos dicotômicos, como tinha sido o caso durante a vigência do comunismo na União Soviética e a de sua extensão mundial, seja na primeira metade do século XX, com a existência do Komintern – a terceira Internacional, a Comunista, criada por Lênin em 1918, extinta por Stalin em 1943 –, seja na segunda, a época da Guerra Fria, primeiro com o Cominform – o órgão de coordenação dos partidos comunistas criado por Stalin em 1947 – e depois com a expansão agressiva do movimento comunista em diversas regiões do planeta, bem como o próprio fortalecimento militar da alternativa comunista às democracias de mercado. Tudo isso acabou entre 1989 e 1991, com a débâcle e depois a implosão final do comunismo – que no entanto sobrevive em dois pequenos países miseráveis nas antípodas –, mas a “nova ordem mundial”, feita de cooperação, de convergência dos modelos políticos e econômicos, de ampla abertura aos intercâmbios e relações de todos os tipos entre povos, nações, estados, movimentos sociais e pessoas. Não é isso, infelizmente, o que tivemos na sucessão de uma curta fase de acomodações tentativas entre os Estados nacionais, ainda separados pela história, pela cultura, pelas tradições políticas e que, finalmente, voltaram a se afirmar em seus exclusivismos nacionais, em seu mosaico de expressões políticas, em seus níveis desiguais, por vezes opostos, de desenvolvimento econômico, enfim, em vários casos de restrições estatais às liberdades (amplamente assimétricas) concedidas aos indivíduos. Este é mais um paradoxo da contemporaneidade: o fim da “cortina de ferro”, a queda do muro de Berlim, a supressão de várias “prisões dos povos”, não significou a disseminação de sistemas abertos como se esperava. Em alguns casos, a implantação de sistemas formalmente democráticos deu lugar a experimentos recorrentes na história política da humanidade, como o bonapartismo, o cesarismo, o democratismo plebiscitário, quando não as autocracias, que não são tiranias abertas apenas porque espaços para esses tipos de experimentos diminuíram, não por falta de vontade de certos dirigentes.
20) Um outro paradoxo, ainda mais preocupante, é o fato de, a despeito de toda a disseminação do conhecimento, da elevação dos padrões educacionais um pouco em todas as partes, do amplo acesso à informação, praticamente instantânea e global nos dias que correm, os eleitores continuam a se render à demagogia política e ao populismo econômico, deixando se seduzir por propagandistas superficiais que se instalam no poder pela via democrática e contribuem na sequência a deteriorar a qualidade dos sistemas democráticos ou a de suas políticas econômicas. Por vezes, esses retrocessos se devem a fatores circunstanciais, como crises econômicas, ou afluxo excessivo de levas de imigrantes, refugiados econômicos de países pobres ou vítimas de conflitos graves em seus locais de origem. O populismo é uma deformação da democracia de qualidade, e um desvio quanto ao suposto itinerário de elevação constante dos padrões de governança política, ao, inevitavelmente, produzir respostas simplistas, geralmente equivocadas, aos problemas sociais e culturais existentes. Ele começa pela divisão do país entre povo e elite, pela deformação das políticas no sentido de estimular uma sensação fugaz de melhorias sociais, e termina invariavelmente por uma crise fiscal e por eventual recessão econômica, quando não deriva para regimes autoritários, e mesmo celerados, como foi o caso, não raramente, na história da América Latina.
21) Finalmente, o grande paradoxo das relações internacionais contemporâneas constitui, em minha visão, o caráter duplo da globalização, um processo irrefreável em sua essência, mas eventualmente contido, limitado, desviado de seu curso natural pela ação de governos e de organismos internacionais. Costumo distinguir, a esse propósito, entre uma globalização microeconômica e uma outra, que podemos chamar, talvez, de macroeconômica, mas que não é exatamente uma globalização e sim, no fundo, uma antiglobalização. A primeira é aquela feita pelos inovadores individuais, pelos pequenos e grandes “gênios” das novas tecnologias, das soluções práticas aos problemas da vida corrente, ou aqueles inventores de coisas com as quais sequer sonhávamos antes, e que introduzem, individualmente pela internet, ou por meio dos mercados com o suporte de empresas – grandes, médias, pequenas, físicas ou virtuais – novos produtos e novos serviços, ou transformam velhos produtos e serviços com a ajuda dos processos por eles inventados, modificados, remodelados e em seguida disseminados nas redes sociais, nas lojas online, nas simples comunicações entre indivíduos, dando até uma aparência de free lunch ao que, na verdade, traz todo um marketing acoplado a esses novos intrusos em nossa vida cotidiana. Essa globalização, de origem e natureza essencialmente microeconômica, pois que feita por indivíduos e empresas, é praticamente irrefreável, pois ultrapassará todas as barreiras que governos autocráticos insistem em erigir para defender seus sistemas fechados e antidemocráticos. Ela é a verdadeira essência da globalização, e a ela devemos toda a modernidade que consumimos avidamente todos os dias. 
22) A outra globalização, a que eu chamei de macroeconômica, constitui na verdade uma contrafação da globalização, e se expressa nos foros multilaterais, nas grandes conferências internacionais, nos exercícios de regulação nessas organizações interestatais, nas negociações bilaterais ou plurilaterais, que pretendem, alegadamente, “normatizar”, estabelecer padrões uniformes, disciplinar o uso, coibir práticas tidas como nocivas ou deletérias à saúde, à segurança, à paz social das nações, quando no mais das vezes representam os esforços de burocratas nacionais e internacionais para enquadrar e controlar a primeira globalização, que é espontânea e que pode, na verdade, ser usada para fins diametralmente opostos. Pensemos, por exemplo, no caso das moedas virtuais, que fogem ao monopólio emissionista dos governos, ao controle das autoridades monetárias e das respectivas administrações fiscais, mas que também podem servir para a lavagem de dinheiro e para a prática de crimes ainda mais graves. Essa “globalização”, feita de acordos, protocolos e outros atos internacionais, ou ainda, de medidas nacionais – leis, decretos, portarias regulatórias, estatutos, etc. – tenta enquadrar processos espontâneos de inovação tecnológica, ou até comportamental, uma vez que essa é a missão dos governos nacionais, mesmos os mais democráticos: eles querem sempre tutelar a vida dos indivíduos, dizer o que eles podem e, sobretudo, o que eles não podem, fazer, uma vez que as burocracias nacionais (ou as internacionais) adquirem vida própria e se exercem em seu próprio mundo circular. O que faria um burocrata senão emitir normais, guias, regulamentos, para controlar os súditos?

Uma conclusão pouco conclusiva: a eterna disputa entre duas lógicas
23) Termino pelo paradoxo maior em nossas vidas, que não é contemporâneo, nem sequer traduzível numa expressão única da vida em sociedade, uma vez que ele é da própria essência da vida em sociedade. Existe uma contradição básica, irredutível, um paradoxo insuperável entre a vida econômica e a atividade política, e essa divisão radica na própria natureza desses processos sociais. Vou estender-me, para finalizar, sobre uma e outra.
24) A vida econômica será tanto mais dinâmica, viva, criadora de prosperidade, de bem estar, talvez de felicidade humana, quanto mais livre ela for, quanto mais estiver desimpedida pelos entraves regulatórios que são criados pelos governos para corrigir supostas “falhas de mercado”. Ora, para mim não existem “falhas de mercado”, pois eles são uma impossibilidade prática. Os mercados não entes dotados de vontade própria, que se movem como se obedecendo a ordens superiores, ou comandos unificados. Mercados, na verdade, não são espaços físicos, e sim interações momentâneas entre indivíduos e organizações, uma relação que se estabelece entre um ofertante e um demandante, entre um vendedor e um comprador, que decidem livremente concluir uma transação entre si. Sendo a expressão da vontade soberana de indivíduos conscientes e companhias organizadas, de milhões desses agentes atuando livremente – ou assim deveria ser em mercados dignos desse nome –, tais interações não podem ter falhas, ou deformações que sejam derivados de outra coisa que não a soma dessas interações fugazes, ou até estáveis, entre indivíduos e empresas. Numa sociedade democrática, nenhum indivíduo ou qualquer companhia podem ser levados a contrair uma relação que não expresse suas vontades soberanas. Numa economia aberta, os mercados farão exatamente o que a vontade individual ou coletiva desses agentes de mercado desejará fazer, como que guiados por uma “mão invisível”, na feliz expressão de Adam Smith. Por isso, uma sociedade será tanto mais próspera quanto mais livre forem os mercados, o que significa que eles serão necessariamente atomizados, dispersos, virtuais ou físicos, temporários ou estáveis segundo a vontade das pessoas. Esta é a lógica da vida econômica, ou pelo menos assim deveria ser nas sociedades abertas, não necessariamente libertárias, mas pelo menos liberais.
Outra é a lógica da política, que é sempre, segundo as lições weberianas, a expressão de um sistema de dominação. Para que uma sociedade não se consuma no arbítrio dos mais fortes, que se transformam em tiranos, num esquema hobbesiano do Leviatã todo poderoso, os arranjos sociais levam a um contrato coletivo pelo qual se estabelece uma entidade, o Estado, que passa a deter o monopólio da força, para, a partir daí administrar a segurança e a justiça em favor do súditos ou cidadãos. O problema está, justamente, em que essa lógica leva à concentração do poder, o contrário do que se deveria esperar de um sistema econômico pujante, dinâmica, baseado precisamente na livre disposição dos indivíduos, transformados em agentes econômicos, sobre o seu patrimônio, sobre os seus bens, sobre a sua capacidade produtiva (e acumulativa). O poder político geralmente não tolera essa dispersão de fontes de poder que está implícito à lógica econômica, e pretende tudo concentrar em poucas mãos, se preciso for pelo meio da força, da coação, da violência. Nas sociedades democráticas conhecidas, um sistema contratual (constitucional), dispondo sobre pesos e contrapesos, os famosos checks and balances, organizado pelos princípios de harmonia e equilíbrio entre os poderes do Estado, permite que não se chegue aos extremos do arbítrio e da violência. 
O grande problema, para a vida em sociedade, é quando essas duas lógicas se misturam de forma indevida entre ambas, por uma promiscuidade indesejável entre o poder econômico e o poder político, quando agentes poderosos da vida econômica conseguem transformar o seu papel econômico de produtores e ofertantes de bens e serviços num regime de concorrência aberta em um regime de monopólios ou de concessões exclusivas, garantidas por um poder político que, por sua vez, extrai recursos criados no terreno econômico para aumentar seus ganhos também exclusivos e monopólicos. A colusão entre o poder econômico e o poder político, a promiscuidade entre capitalistas e líderes políticos está na origem da corrupção e da perversão dos sistemas democráticos, e deve ser combatida institucionalmente pelos próprios agentes do Estado encarregados de assegurar a resiliência de uma sociedade aberta, ou se necessário pelos cidadãos conscientes em defesa de seus próprios interesses individuais.
Como se diz habitualmente, o preço da liberdade é a eterna vigilância. Se queremos viver em sociedades livres, prósperas, abertas aos talentos individuais, em bases meritocrática e de responsabilização dos agentes públicos devemos estar sempre atentos a que esse tipo de colusão indesejável não se estabeleça e não se perpetue. Por isso mesmo, devemos imprimir, até mesmo ao Estado, a mesma lógica que prevalece na vida econômica: a liberdade dos mercados, a atomização das ofertas, a livre disposição dos seus bens, a defesa da propriedade contra a intrusão dos donos do poder, o controle permanente sobre a regulação excessiva, a responsabilização dos agentes públicos num sistema aberto e transparente. Dessa forma evitaremos o supremo paradoxo que possa haver em nossas vidas: a total liberdade de que possam dispor os agentes políticos para disciplinar, enquadrar e tosquiar os agentes econômicos que somos todos nós. 
Lembremos sempre: o Estado não cria um grama de riqueza, não produz nenhum tipo de renda que não seja aquela que extrai dos produtores primários, que são todos os indivíduos da sociedade. Não deixemos a lógica da concentração de poder que é inerente ao Estado asfixie a lógica da dispersão de poder que é próprio da vida econômica. A liberdade começa por uma sociedade economicamente livre, cuja primeira missão é justamente a de evitar a colusão entre a dominação política e a atividade econômica. 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18 de maio de 2018