sexta-feira, 28 de julho de 2006

606) R.I.P Mercosul?: pelo menos é o que pensa a revista Exame...

Da revista Exame, desta semana (as tabelas saírão desformatadas, o que eu procurarei corrigir remetendo ao link original, assim que for possível).


EXAME 27.07.06

10 razões para enterrar o Mercosul
Com show de demagogia, bravatas antiamericanas e nenhum resultado prático, reunião de Córdoba provou que o bloco é cada vez mais obra de ficção

O encontro na Argentina: união aduaneira só em 2009
Por Carolina Meyer

Na última reunião de cúpula do Mercosul, realizada no final de julho em Córdoba, na Argentina, a Venezuela fez sua estréia oficial como país-sócio e o Brasil assumiu para o próximo semestre a presidência da associação. Fora essas formalidades, o encontro teve pouca utilidade prática -- reforçando a idéia de que o bloco é cada vez mais uma obra de ficção. Em Córdoba, foram fechados acordos comerciais com potências econômicas do porte de Paquistão e Cuba, houve overdose de retórica antiamericana (com o reforço da presença de Fidel Castro, convidado de honra do evento) e tomou-se a decisão de adiar mais uma vez a união aduaneira, o que transformaria o Mercosul numa zona de livre-comércio de fato, sem barreiras nas transações entre os países-membros e com uma política comum de tarifas de importação para nações de fora do bloco. Segundo o cronograma original, essa questão já deveria ter sido resolvida em 2001. Agora, ela foi empurrada para 2009.

Criado em 1991 por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o Mercosul até que teve um início promissor. Num primeiro momento, devido ao acordo de queda de tarifas de importação de uma série de produtos, registrou-se um expressivo aumento de comércio entre os sócios. Mas a coisa parou por aí. As crises econômicas enfrentadas por Brasil e Argentina refrearam os negócios a partir do final da década de 90, que só agora começam a dar sinais de recuperação. Nesse mesmo período, o peso do Mercosul para a balança de exportações da maioria de seus membros caiu pela metade, em média (veja quadros ao lado). Para piorar, é cada vez mais difícil conciliar os interesses dos integrantes. Paraguai e Uruguai falam em deixar o bloco. A Argentina não pára de criar cotas e restrições aos produtos brasileiros. Em troca de seu delirante projeto de liderança política entre os países em desenvolvimento, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem aceitando essas condições. O Mercosul tem uma essência política e ideológica. Mas lhe falta o principal: lógica econômica e de negócios. "Do jeito que está, esse bloco é cada vez mais um problema do que uma solução para o Brasil", afirma Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Nas páginas a seguir, ele e outros especialistas elencam fatos e argumentos que demonstram por que o Mercosul deveria ser, de uma vez por todas, enterrado.
Relações instáveis
As crises das economias de Brasil e Argentina a partir do final da década de 90 esfriaram as transações comerciais no bloco, que só agora começam a dar sinais de recuperação
Comércio entre os países do Mercosul (em bilhões de dólares)
1991 5
1993 10
1995 14
1997 21
1999 15
2001 15
2003 13
2005 21
Fontes: OMC e Tendências Consultoria Integrada

Importância reduzida
Nos últimos anos, a participação do Mercosul na porcentagem das exportações dos três membros mais importantes caiu pela metade, conforme mostra o gráfico ao lado
Brasil
1998 17%
2005 10%
Argentina
1998 35%
2005 18%
Paraguai
1998 51%
2005 54%
Uruguai
1998 55%
2005 23%
Fontes: OMC e Tendências Consultoria Integrada

1 - O Brasil é grande demais para o Mercosul
É muito difícil harmonizar as relações entre os países-sócios numa situação em que um deles responde por 80% do PIB do bloco (considerando-se a formação original de quatro países). Além do tamanho desproporcional, o Brasil tem uma economia muito mais eficiente e produtiva que a de seus sócios. O parque industrial brasileiro chega a ser cinco vezes maior que o argentino. No caso da União Européia, o problema foi resolvido com a ajuda dos países mais ricos, que financiam os sócios menores até que sua economia se ajuste minimamente às condições da zona de livre-comércio. "Como o governo brasileiro não tem dinheiro para fazer o mesmo, as nações menores do Mercosul sempre vão criar obstáculos à integração", afirma Michel Alaby, presidente da Associação de Empresas Brasileiras para a Integração de Mercados. A experiência européia ajuda a evidenciar que os acordos comerciais, contrariamente ao senso comum, tendem a favorecer mais os países menores. Espanha, Irlanda e Grécia são freqüentemente apontados como os que mais se beneficiaram do acordo.

2 - O bloco dificulta acordos com Estados Unidos e União Européia
Exatamente por seu tamanho, o Brasil teria muito mais a ganhar se fizesse acordos com economias maiores, como os Estados Unidos e a União Européia. Mas acordos com outros mercados precisam necessariamente ser decididos por consenso entre os países do Mercosul. Há dois problemas graves aí. De um lado, as nações menores temem abrir as fronteiras aos americanos e europeus, pois sua indústria é pouco competitiva. Por isso, opõem-se a mais abertura. Nos últimos dez anos, enquanto o Brasil reduziu suas tarifas externas de 14% para 8,8%, em média, Argentina, Uruguai e Paraguai aumentaram as barreiras de proteção em cerca de 20%. Para piorar a situação, com a entrada da Venezuela no bloco e a aproximação de Cuba, a tendência é o Mercosul se afastar ainda mais dos maiores mercados do mundo.

3 - A diplomacia brasileira está acima dos interesses comerciais
Cego por seu projeto de erguer o Mercosul a qualquer custo, o governo brasileiro tem aceitado todas as condições impostas pelos sócios, em especial a Argentina. O caso mais recente foi a aprovação, em fevereiro, do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC). Verdadeira aberração num bloco de livre-comércio, esse instrumento permite a elevação do protecionismo em setores específicos e foi criado basicamente para atender aos interesses dos argentinos. Eles reclamavam que haviam sido invadidos por produtos brasileiros e que sua indústria precisava de alguma proteção para poder crescer e competir em pé de igualdade. Após cinco meses de instituição do MAC, o que ocorreu na prática foi a substituição de artigos brasileiros por similares chineses nas prateleiras argentinas. Um exemplo são os calçados, que estão na relação de produtos atingidos pela medida. No primeiro semestre de 2006, as exportações brasileiras para a Argentina cresceram 0,1% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto as vendas chinesas para o vizinho cresceram 91%. Eventuais perdas de alguns setores fazem parte da própria natureza de uma zona de livre-comércio. É saudável que produtores mais eficientes prevaleçam sobre os demais. No caso brasileiro, setores como o de arroz e o de vinhos perderam espaço para os importados. O que chama a atenção no Mercosul, porém, é que o atual governo aceita a maior parte das restrições comerciais impostas pela Argentina -- que vão contra a própria idéia de livre-comércio -- sem exigir contrapartidas.

4 - O cronograma da integração foi desmoralizado
Segundo o cronograma original do bloco, a união aduaneira já deveria estar em vigor desde 2001. Para atender a interesses setoriais, o prazo acabou prorrogado para 2006 e, agora, 2009. "Os países latino-americanos têm tradição no descumprimento de prazos, o que prejudica a credibilidade do bloco", afirma Félix Peña, ex-secretário de Comércio Exterior da Argentina. Problema semelhante ocorre com os acordos de livre-comércio. Na indústria automotiva, por exemplo, a partir de 2006 o sistema de cotas de exportação deveria ser totalmente extinto. Segundo a regra, a cada 1,95 dólar que o Brasil exporta para a Argentina nessa área, o país tem de importar 1 dólar do vizinho no mesmo setor. No entanto, para atender à grita argentina, o prazo foi renegociado, e o comércio só deverá ser liberalizado em 2009 -- se não vier novo adiamento.

Encrencas comerciais
Algumas disputas que estão atravancando o desenvolvimento do Mercosul
Crise das papeleras
O governo argentino é contra a construção de duas fábricas de papel na região de fronteira com o Uruguai, com o argumento de que prejudicarão o meio ambiente. A crise foi levada ao Tribunal de Haia, com derrota dos argentinos, mas o governo de Néstor Kirchner ainda não se deu por vencido
Dissidentes
Os governos de Uruguai e Paraguai já manifestaram seu desejo de abandonar o bloco e firmar um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos. Eles alegam que seus países não têm se beneficiado do Mercosul e, por isso, desejam alcançar outros mercados
Barreiras argentinas
Os empresários brasileiros estão insatisfeitos com as cotas e outros tipos de restrição criados pelos argentinos para limitar a importação de calçados, artigos têxteis e linha branca de eletrodomésticos, entre outros produtos

5 - As normas não são claras
Empresários dos quatro países freqüentemente deparam com súbitas alterações nas regras na hora de exportar para seus vizinhos. O caso mais recente envolveu a gaúcha Marcopolo, fabricante de carrocerias de ônibus e caminhões. A Marcopolo compra chassis de companhias como Mercedes-Benz e Scania e vende os veículos montados para a Argentina. No início de julho, a empresa teve suas exportações suspensas por questões burocráticas. De uma hora para outra, unilateralmente, o governo argentino passou a exigir uma única nota fiscal para a entrada do produto. "Há 15 anos vendemos para lá com duas notas, uma para a carroceria, outra para o chassi, totalizando o preço total do veículo", afirma um executivo da Marcopolo, que não fala oficialmente sobre o problema. O governo brasileiro foi acionado, mas não havia feito nada de concreto até o fechamento desta edição. No total, 68 ônibus da empresa -- e outros 82 das concorrentes -- estão parados na alfândega. Episódios como esse criam um clima de insegurança para as companhias exportadoras. "Muitas delas, que investiram nos últimos anos para ampliar seus negócios no Mercosul, estão agora diversificando a carteira de clientes, com medo de sofrer prejuízos", afirma Eduardo Matias, advogado especializado em direito internacional e autor do livro A Humanidade e Suas Fronteiras -- Do Estado Soberano à Sociedade Global.

6 - Não há punições estipuladas para quem descumpre as regras
Na União Européia, qualquer país que descumpre alguma cláusula dos acordos comerciais do bloco está sujeito a multas pesadas. No Mercosul, como não existem mecanismos semelhantes de punição, os sócios agem de acordo com suas conveniências. Um exemplo recente foi a crise das papeleras entre Argentina e Uruguai. No início do ano, cerca de 40 000 manifestantes bloquearam duas pontes que ligam os dois países, protesto que se arrastou durante quase três meses. O motivo da manifestação foi a construção no Uruguai de duas fábricas de celulose (uma finlandesa e outra espanhola) ao lado da fronteira com a Argentina. Os opositores reclamam que as indústrias vão provocar danos ao turismo e ao meio ambiente. A questão sobre a legalidade da construção das fábricas foi levada ao Tribunal de Haia, na Holanda, com a derrota dos argentinos, mas o caso está longe de ser resolvido. O assunto foi discutido na última reunião de cúpula do Mercosul, em Córdoba, mas não houve acordo entre os dois. O Uruguai prossegue na construção das indústrias de celulose e quer indenização de 300 milhões de dólares do governo argentino pela interrupção do trânsito entre as fronteiras. O presidente argentino, Néstor Kirchner, além de não aceitar o pedido, continua empenhado em embargar a obra.

7 - O órgão de arbitragem do Mercosul para resolver conflitos comerciais não funciona na prática
O Mercosul conta com um Tribunal Permanente de Revisão e um sistema arbitral de solução de controvérsias. Contudo, tais mecanismos raramente são utilizados. Ao longo de oito anos de existência, o sistema julgou apenas dez casos. Desse total, somente dois foram movidos pelo governo brasileiro. "Quando levamos nossos problemas comerciais para o Itamaraty, recebemos a recomendação de aceitar as exigências dos argentinos", afirma um executivo de uma das grandes empresas do setor têxtil. A situação ficou evidente no problema envolvendo os eletrodomésticos de linha branca vendidos pelo Brasil à Argentina. Como os fabricantes brasileiros vinham aumentando sua presença no mercado argentino nos últimos anos (até chegar a quase 60% de participação), os vizinhos, com apoio do governo Kirchner, ameaçaram impor sérias restrições à importação desses produtos. Para evitar um prejuízo maior, os fabricantes brasileiros acabaram aceitando submeter-se a um regime de cotas. Esse sistema, que acabou em março, vigorou durante aproximadamente um ano e meio para geladeiras, fogões e máquinas de lavar. Calcula-se que a participação brasileira nesse mercado na Argentina tenha caído pela metade no período.

8 - O Mercosul vem perdendo relevância para os países-sócios
Apesar de o volume de negócios no Mercosul ter crescido de 5 bilhões de dólares em 1991 para 21 bilhões em 2005, a participação relativa do bloco nas exportações da maioria dos sócios vem despencando. No Brasil, por exemplo, o Mercosul responde por apenas 10% das vendas externas. As crises por que têm passado os membros do bloco deixaram algumas empresas com medo de investir na região. Foi o que aconteceu com a Hering. A companhia havia investido no estabelecimento de 65 franquias na Argentina nos anos 90. Boa parte delas foi à falência durante a recente crise econômica do país. Hoje, a empresa aposta nos países do Oriente Médio para continuar crescendo. "Devido ao ambiente muito instável da América do Sul, os empresários estão dando prioridade a outras regiões do mundo", afirma Dante Sica, diretor da consultoria argentina Abeceb. Em conseqüência disso, as negociações com as nações de fora do bloco evoluem num ritmo muito mais rápido. Entre 1998 e 2005, Argentina e Brasil quase quadruplicaram suas vendas para a China. No mesmo período, o peso das vendas para o Mercosul na balança de exportações dos dois países caiu à metade.

9 - Perde-se tempo na criação de instituições pouco relevantes
Na última reunião de Córdoba, os governos de Argentina e Venezuela apresentaram um projeto para a criação do Banco do Sul. A idéia mais que pretensiosa é que ele substitua organismos internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o próprio Fundo Monetário Internacional. De acordo com o projeto, os países do Mercosul poderiam ter acesso a um socorro financeiro mais barato, bancado principalmente pelos petrodólares de Hugo Chávez, que já se candidatou a ser o financiador da instituição. Pior do que o banco de Chávez é certo Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem). Ele deverá promover projetos de infra-estrutura na região, a exemplo do que já faz o Banco Mundial e o próprio BNDES. Se a idéia for aprovada pelos sócios, o Brasil vai ter de arcar com 70% dos 100 milhões de dólares que estão previstos para compor esse fundo.

10 - Acordos bilaterais são mais eficazes
O Chile é o melhor exemplo disso. Em 2003, o país firmou um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos. Com isso, as exportações chilenas para os americanos passaram de 3,7 bilhões de dólares em 2003 para 6,7 bilhões em 2005, um aumento de 80%. O volume de vendas do Brasil para os Estados Unidos é muito maior (22,5 bilhões de dólares por ano), mas evoluiu apenas 30% no período. Segundo muitos especialistas, o Mercosul deveria ser enterrado para dar lugar a uma zona de livre-comércio, nos moldes do Nafta, que envolve Estados Unidos, México e Canadá. A idéia foi encampada no projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que morreu de inanição dada a falta de interesse mostrada pelos países mais importantes da região -- incluindo o Brasil e os Estados Unidos. A falência da Alca e a tentativa algo desesperada de sustentar o combalido Mercosul evidenciam que, num continente onde sobram demagogia e confusão, nem sempre o método mais simples e racional de integração comercial é o que faz parte dos sonhos dos dirigentes.

Com reportagem de Felipe Seibel e Suzana Naiditch

2 comentários:

  1. Viva:

    Compridinho...mas gostei da visita.

    Um abraço,

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  2. Realmente o Mercosul só está trazendo prejuízo ao Brasil.

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