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quarta-feira, 3 de junho de 2009

1137) Um debate sobre as cotas raciais e outras medidas em favor do Apartheid no Brasil

Comentários em blogs se perdem muito facilmente, pois os visitantes precisam clicar em cima dos comentários para poder seguir o fio dos argumentos desenvolvidos por cada um dos participantes.
Por isso resolvi transcrever num post independente, os comentário sobre este tema, que primeiro apareceu neste blog, sob a forma seguinte:

Segunda-feira, Junho 01, 2009
1133) De volta ao problema do Apartheid racial: o problema das cotas

'País, que não se pensava dividido, está sendo dividido', aponta antropóloga
Yvonne Maggie elogia decisão do TJ do Rio, critica cotas raciais e defende investimentos na educação básica
José Meirelles Passos escreve para O Globo, 31.05.2009:

1) Transcrevo aqui os comentários encaminhados na sequência pela Gláucia, uma interlocutora habitual de meu blog, ainda que até aqui desconhecida, se ouso dizer:

Glaucia disse...

Professor,
Continuo aqui, ja que a alta produtividade do blog vai arrastando discussões até que bem recentes para o historico. Não faço questão de outroladismo, não, ja fico honrada com a aceitação da critica neste espaço.
Perdoe a falta de referência no post anterior; falava de um texto que esta em outro blog seu, e que identifica como a grande falha do sistema de cotas o aumento da disparidade intra-negros nos EUA.
Ora, esse, me parece, é o objetivo do sistema de cotas (ou de qualquer ação afirmativa) numa sociedade capitalista: igualar a "amplitude de desigualdade" na raça negra à do resto da sociedade.
Acho curioso - e um pouco comovente - como os mais conservadores e autoproclamados meritocratas se tornam igualitaristas, quando se trata de negar uma chance a quem esta no fundo.
Sobre essa entrevista, o que posso dizer? Trata-se de uma antropologa que vem à midia falar sobre direito, constituição, educação, eficacia de politicas sociais, sociologia - tudo, em suma, menos aquilo que ela apresenta como sua especialidade. Maior autoridade que ela, nisso, so se chamassem o Caetano para contribuir no debate.
Interessante também como parece não incomodar a xenofobia quase chavista dessa mesma autoridade intelectual juridico-politico-filosofica, em geral apontada como uma praga de latinoamérica, quando a conclusão é favoravel.
Pra mim, quando a midia faz isso confessa o proprio fracasso.
Não preciso então nem comentar a insinuação de que a picaretagem de politicos ligados a categorias profissionais seja uma consequência da "divisão da sociedade em raças".
De resto, pra uma abordagem juridica séria, recomendo o capitulo correspondente em Dworkin, Taking Rights Seriously. A tese principal é: não ha nada que, isoladamente e a priori, possa ser considerado como constituindo o que chamamos "mérito". "Mérito" é o que é socialmente aceito como tal.
Não vejo então por que negar com tanta veemência que se considere como mais meritorio um estudante que ultrapassou varias barreiras do que um que teve tudo na mão, quando estes obtenham depois de 17 anos de tratamento continuo a mesma nota, ou notas semelhantes.
E verdade que nem todos os estudantes negros terão tido tratamento horrivel, e que nem todos os brancos terão morado em mansões. Mas não é esse o ponto.
Trata-se de verificar empiricamente a existência de um desequilibrio, com base na lei dos grandes numeros, e de procurar corrigir - também com base na lei dos grandes numeros - esse desequilibrio. As historias individuais vão, algo tolstoicamente, se dissolvendo nalgo que é a historia do pais. O fato de que pudesse haver escravos brancos em rincões do pais, e de que do outro lado muitos negros pudessem ser livres, não impede de dizer que o que ocorreu no Brasil foi uma "escravidão negra".
A antropologa, no caso, esta fazendo o que se espera da intelectualidade brasileira: raciocinar a partir de principios abstratos e dai tirar conclusões bem-pensantes - ainda que sem nenhum suporte na realidade.
O que me impressiona, nesse debate, é o quanto gente acostumada ao "bottom line", às analises empiricas, afferrada à prevalência da eficiência sobre a filosofia, de repente se põe a divagar sobre nossa consciência enquanto sociedade, a nivel de povo. E se recusa a pinçar uma estatistica, a fazer um estudo de caso, a olhar em volta um segundo que seja.
Se fizerem isso, torna-se dificil argumentar que politicas color blind vão resolver o problema do Brasil num prazo de menos de três gerações.
Como sempre, um abraço!
(P.S. - Reconheço a façanha que é usar a expressão "apartheid social" pra argumentar contra as quotas; Adorno ficaria orgulhoso)
Quarta-feira, Junho 03, 2009 1:15:00 PM

2) Transcrevo aqui o comentário por mim efetuado, em 3.06.2009:

Glaucia,
Não vou tecer longos comentários ao seu já longo comentário. Vou me ater a fatos simples.
Fato 1: O Brasil, sim, conheceu a escravidão negra, africana.
Fato 2: Os negros libertos foram, sim, discriminados socialmente, não recebendo terras, compensações, educação ou trabalho.
Fato 3: Isso comprometeu, sim, suas chances de progresso social ao longo dos anos e décadas seguintes, por não disporem de condições mínimas de inserção no mercado de trabalho em condições de igualdade com outras categorias sociais, mas provavelmente no mesmo plano dos mestiços do interior -- quero aqui me referir aos "bugres", "cafuzos" ou mesmo mulatos livres vivendo no campo desde os tempos coloniais, como vaqueiros, agregados, trabalhadores de latifúndios etc -- que tampouco tiveram muitas chances na sociedade capitalista atrasada que era o Brasil do final do século 19 e início do século 20.
Fato 4: Sim, os negros constituem boa parte da população pobre e deseducada no Brasil, ou seja, na incidência estatística é mais fácil encontrar negros do que brancos nos estratos mais desfavorecidos.

Desses fatos se pretende extrair "conclusões" que levariam aos seguintes equívocos:
Equívoco 1: Selecionar certo número de negros para serem contemplados com cotas universitárias, no serviço público, nos filmes, etc.
Equívoco 2: Fazer os descendentes de outros negros, brancos pobres, mestiços remediados, netos de imigrantes analfabetos, burgueses, aristocratas, privilegiados em geral, pagarem por esse tipo de "inserção social".
Equívoco 3: Substituir o mérito individual, obtido através do estudo, do empenho pessoal, do trabalho duro, por uma seleção política, por parte de um tribunal racial ou uma medida legislativa de caráter aparentemente genérica, fazendo dos seus beneficiários cidadãos especiais, premiados com algum tipo de escada oficial, governamental, para ascender na escala social, e isso unicamente em virtude da cor de sua pele, e não de seu caráter, esforço ou condição social de origem.
Equívoco 4: Chamar essa política racial discriminatória de combate à desigualdade social, quando ela está criando, como apontado, uma desigualdade supostamente equivalente àquela existente na sociedade capitalista.
Equívoco 5 e mais perigoso: Considerar que esse tipo de política racialista vai criar uma sociedade mais inclusiva, mais solidária, em lugar de uma sociedade contaminada pelo ódio racial, o que nunca existiu no Brasil, a despeito da discriminação "natural" existente na sociedade (como em qualquer outra sociedade, infelizmente, por enquanto, se espera).
Estes são os meus fatos e minha leitura dos equívocos que se cometem em promover uma política de cotas e, mais ainda, uma Lei da Desigualdade Racial, que, se aplicada na Alemanha de Hitler em favor dos brancos e contra os judeus, deixaria os nazistas muito contentes.
Paulo Roberto de Almeida

4 comentários:

Maria do Espírito Santo disse...

Marco Zero, revolucionário: o sistema de cotas.

A Revolução Francesa criou um novo calendário, cujo mês mais famoso se chamou Brumário.

Quem sabe não se cria, no Grotão Brasilis, o mês "Cotário", pós-sistema de cotas? O bom é que o termo congrega "cota" e "otário" na mesma palavra.

Parodiando Drummond que disse em um verso, "...quer ir para Minas, mas Minas não há mais", eu digo: Há quem queira ir para a raça, mas raça não há mais.

O médico Sérgio Pena, da UFMG, provou por A + B que não existe "raça", e se é que é possível imaginar algo em termos de mais ou de menos branco, eu diria que no Grotão Brasilis a mistureba é tamanha que até eu com meus olhos azuis posso perfeitamente ter o meu pezinho na senzala.

Como é possível se pensar que a cor da pele possa definir tudo em termos de maior ou menor acesso aos bens sócio-culturais?

A palavra escravo vem de eslavo... Quero dizer com isso que a escravidão negra foi um acontecimento no Grotão colonial, mas que já houve escravidão branca a torto e a direito pela história mundial a fora.

Quem vai me ressarcir da escravidão imputada aos meus antepassados eslavos?

Tenham a santíssima paciência, senhores e senhoras defensores e defensoras de cotas!

Este mundo "ideal", "justo" e "perfeito" com o qual vocês sonham, este "paraíso na Terra" é um paraíso na Terra do Nunca, isso sim.

E que a fadinha Sininho exija igualdade de "oportunidades" no Tribunal de Peter Pan.

Glaucia disse...

Bem, Professor, eu teria alguns argumentos a esgrimir, mas sinto que acabamos de ingressar no estranho mundo da Lei de Godwin.

Assim sendo, parece ser o momento de aguardar outros e mais promissores debates. Ainda mais que o blog não é meu.

Grande abraço/

Paulo Roberto de Almeida disse...

Glaucia,
Acredito que você está over-reacting, como se diz, e privando os leitores de seus bons comentários.
A Lei de Goodwin -- para os que não sabem se tratar de efetuar vinculações indevidas com o nazismo ou os nazistas -- não se dirigia aos seus comentários, e sim à Lei da (Des)Igualdade Racial, que reputo fundamentalmente racista e que pode, portanto, ser comparada às leis raciais da Alemanha hitlerista.
Seus comentários são sempre bem vindos, pois eles obrigam à reflexão, à busca de argumentos racionais, historicamente fundamentados e logicamente expostos sobre o problema que estamos debatendo.
Desde já me desculpo se você se sentiu melindrada por minhas palavras fortes, mas se você ler cuidadosamente o que digo, verá que o objeto da Lei de Goodwin é um projeto de um deputado (hoje senador) racista, ainda que negro.
Espero que você volte à liça...

Maria do Espírito Santo disse...

Não se esgrime sem a espada argumentativa, Gláucia Iane...

Independentemente de quem seja o blog, contra os argumentos contrários só valem os fatos bem fundamentados.

O resto é esquiva. O que não deixa de ser uma eventual tática na esgrima, válida em algumas circunstâncias. Mas valer-se apenas da esquiva, não vale.

Touché or not touché: that´s the question.