quinta-feira, 11 de junho de 2009

1151) Emprestimo do Brasil ao FMI: uma grande mentira e uma fraude com o seu dinheiro

Sou frequentemente perguntado, por estudantes ou jornalistas, sobre determinadas questões econômicas.
Recentemente, um me formulou a seguinte pergunta:
"Você acha que o governo acertou ao conceder empréstimo ao FMI?"

Minha resposta:
O "empréstimo" do Brasil ao FMI: colocando os pontos nos iis

A questão precisa ser colocada no contexto correto: estamos tratando de poupança e de dívida, tanto faz se de um individuo ou de um Estado.
Normalmente, se você tem excesso de poupança sobre os seus gastos, como indivíduo, você pode escolher diversas aplicações parea o seu dinheiro: poupança clássica, fundos de investimentos, ações, ouro, etc.
Enfim, voce, como qualquer individuo, é sempre motivado pelo desejo de ganhar mais, e pelo temor de perder algo, com desvalorização da moeda, calote de títulos públicos, inflação, etc.
Se você quiser segurança absoluta, vai para a poupança garantida, que rende pouco, mas tem todas as garantias do governo (se você acredita nisso) e não paga Imposto de Renda.
Se quiser ganhar mais, vai para outros instrumentos, e aí se arrisca a perder algo (em ações desvalorizadas, por exemplo), ou que o imposto e a inflação, mais as comissões bancárias lhe comam o essencial dos rendimentos supostos de uma aplicação em renda fixa ou variável.

Com o dinheiro do governo, acontece outra coisa. O governo não tem, nunca teve no Brasil, excesso de poupança sobre gastos, ao contrário: o superavit primário nem chega a cobrir todos os juros da dívida publica. Para constituir reservas, o governo compra os dólares de quem tem dólares: geralmente exportadores.
Para comprar, o governo emite títulos da dívida publica, que pagam pelo menos a Selic (que baixou de 14% a 9,25% agora), digamos numa média de 11 ou 12% ao longo de 2008-2009. Seria melhor se os juros fossem mais baixos, mas não são, porque o governo é um contumaz despoupador líquido, e costuma pegar grande parte da poupança privada que anda pelo mercado (aquele dinheiro que voce não gasta, aplica em "fundos", e o seu banco compra títulos do governo).

Portanto, apenas com a manutenção de reservas de 200 bilhoes de dolares (o que eu reputo excessivo, pois os economistas recomendam apenas três meses de importações), o governo gasta mais de 20 bilhões de dólares por ano. Este é o custo fiscal de reservas tão elevadas.
O mesmo aconteceria se voce, por exemplo, pegasse um empréstimo no banco, pagando juros de banqueiro, que voce deve saber quanto é, e colocasse todo esse dinheiro na poupança clássica, rendendo bem abaixo disso. Você estaria pagando para ter uma poupança. Seja lá o que voce possa pensar disso, nao acho nada inteligente, aliás, completamente estúpido: pagar para ter uma poupança. Melhor então nao fazer nenhum empréstimo, se a sua aplicação render abaixo dos juros cobrados...

E o que o governo pode fazer com esse dinheiro todo? Colocar no colchão seria seguro, mas nao renderia absolutamente nada. Comprar ouro, também nao renderia absolutamente nada, apenas a valorização (ou des-) do mercado. Se trata de um ativo tangível, comercializavel, bastante seguro, mas não muito rentável, e sobretudo incômodo, pois voce tem custos de manutencao, não sabe se vai encontrar compradores quando quiser vender, etc.

Portanto, a maior parte dos aplicadores, individuos ou governos, vai para o mercado financeiro. No caso dos governos, eles costumam comprar titulos de outros governos, considerados seguros, como sao os Treasury Bonds, dos EUA, classificados como AAA (ou seja, sem risco de calote). Acontece que esses titulos tambem correm o risco da inflacao do dolar, de sua desvalorizacao, e apenas pagam os juros fixados pelo Federal Reserve americano, hoje na casa de 0,75 a 2,5% ao ano, dependendo do prazo (de curto, médio ou longo prazo). Ora, a inflação americana está acima disso, o que lhe garante portanto juros negativos, ou seja, voce está perdendo dinheiro para aplicar em T-Bonds.

A despeito disso, o Brasil já aplicou mais de 140 bilhoes de suas reservas em T-bonds, geralmente entre 5 a 10 anos, com essa taxa de juros abaixo da inflação americana. Ou seja, o Tesouro americano agradece, mas estamos perdendo dinheiro com isso, sem contar o custo fiscal já mencionado acima.

Pois bem, a operação a ser feita com o FMI nao será muito diferente. O governo brasileiro vai pegar mais 10 bilhões de suas reservas (a um custo de pelo menos 1 bilhão ao ano, como indicado) e vai comprar titulos do FMI, como já comprava do Tesouro americano. A taxa de juros não deve ser muito elevada, provavelmente na faixa dos T-bonds, já que o FMI tambem é AAA e paga abaixo do mercado, sempre...

Resumindo, a operação toda, desde o começo, é altamente prejudicial ao Brasil, não apenas pelo custo fiscal, mas tambem pelo chamado custo-oportunidade, ou seja perdemos dinheiro ao nao aplicá-lo em coisas mais rentáveis, ou ao não diminuir nossas dividas em outros contratos e sob outras modalidades.

Por exemplo: o governo pagou toda a dívida que tinhamos com o FMI, uma atitude altamente questionavel, pois essa divida tinha um custo muito baixo, muito mais baixo do que a divida em dolares contraida nos mercados comerciais, e infinitamente mais baixa do que a divida interna, contraida ao custo Selic.
Ou seja, o governo faria muito melhor em deixar a divida com o FMI -- e não o fez por razoes puramente ideológicas, ou demagógicas, de propaganda enganosa, apenas para dizer que não devia mais nada ao FMI -- e decidir pagar a dívida ainda mantida no mercado comercial (necessariamente mais elevada do que os juros do FMI, e ainda assim mais baixa do que a interna).
Ou então, utilizar a sua alegada capacidade de poupança -- que, como sabemos, é quase zero, ou abaixo de zero -- para pagar a divida interna, muito mais custosa e muito pior do que a divida externa (comercial ou com o FMI), que geralmente tem prazos mais longos do que a interna, esta com prazo médio de 18 meses apenas.

Em tudo e por tudo, o governo erra, tanto ao não tratar prioritariamente da divida interna, como ao acumular reservas tao desmesuradamente desnecessárias, se tivessemos um movimento comercial maior (ou seja, se exportassemos e importassemos mais), e se os juros da divida interna fossem mais razoaveis.
E porque esses juros são tao altos? Simplesmente porque ninguem confia no governo a ponto de emprestar o seu dinheiro ao governo por prazos longos e a juros baixos (como ocorre com os T-bonds, por exemplo, absolutamente seguros, mas com rendimento mediocre, ou inferior à inflação).

Conclusao: muita demagogia, para uma grande perda financeira.
Nao esqueca, ao final, que é você, eu, todos nós que estamos pagando pela orgia da divida interna e que agora vamos pagar o prejuizo dessas operacoes com o Tesouro e o FMI. Um grande prejuizo, tenha certeza disso.

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Paulo Roberto de Almeida
11.06.2009

2 comentários:

  1. Paulo, quais são então os benefícios práticos que o Brasil obterá deste empréstimo? Melhora da nossa imagem frente a outros países? Aumento do poder de barganha com a comunidade internacional? Já que o dinheiro emprestado não estará realmente rendendo, qual é a razão para estarmos fazendo isso?

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  2. Pois é, na prova de PI de terceira fase do CACD deste ano, caiu a participação do Brasil no G20 Financeiro. E nós candidatos tivemos de tecer todos os encômios possíveis ao empréstimo brasileiro ao FMI, ecoando toda aquela ladainha de o Brasil aceitando ônus para legitimar-se no pleito de ampliação de participação no sistema internacional.

    Tudo para Antônio Carlos Lessa e Alcides Costa Vaz verem. Vou começar uma campanha: "PRA na banca de PI do CACD já!"

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