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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

1302) Um intercâmbio acadêmico sobre a responsabilidade do Intelectual

Transcrevo abaixo o que os americanos chamariam de exchange, ou seja, um intercâmbio acadêmico com um colega sobre um dos temas mais relevantes de todas as épocas, desde os filósofos gregos até nossos dias de ética deformada nas instituições públicas. Trata-se de um debate sobre a responsabilidade dos intelectuais, e o thread, ou seja, a fileira de mensagens é auto-explicativa, eximindo-me, portanto, de maiores explanações preliminares.
Paulo Roberto de Almeida

1) Um post sobre Marx e os marxismos:

On 05/06/2009, at 15:57, Antonio Ozaí da Silva wrote:

Leia no BLOG DO OZAÍ:
Marx e os marxismos
Aprendi, na prática e na teoria, a diferenciar Marx dos marximos.* Da mesma forma que não podemos responsabilizar Jesus Cristo pelo que os cristãos fizeram e fazem em seu nome, também seria absurdo identificar de forma absoluta a teoria de Karl Marx com as práticas, e mesmo as interpretações teóricas, dos seus seguidores. Quem é a expressão verdadeira da obra marxiana? Não é por acaso que todos disputam o legado histórico, a tradição que a obra original representa. Trata-se de se apropriar do capital simbólico.
http://antonio-ozai.blogspot.com/2009/06/marx-e-os-marxismos.html

Permaneço aberto às críticas e contribuições. Comentários sempre são lidos e bem-vindos, mesmos os críticos...
Abraços e ótimo final de semana,
Antonio Ozaí da Silva
blog http://antonio-ozai.blogspot.com
Professor na Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM), editor da Revista Espaço Acadêmico, Revista Urutágua e Acta Scientiarum. Human and Social Sciences e autor de "Maurício Tragtenberg: Militância e Pedagogia Libertária" (Ijuí: Editora Unijuí, 2008).


2) Tendo lido tardiamente, respondi apenas no dia 15 de agosto de 2009:

Paulo R. de Almeida disse...
Meu caro Ozai,
Em meio a tantos afazeres, comento tardiamente este seu post, para lhe indicar uma correção fundamental.
Você equipara Cristo e Marx para desculpabilizá-los, previamente, de quaisquer bobagens, besteiras ou mesmo crimes, que seguidores, discípulos ou quaisquer outros indivíduos posteriores tenham cometido em nome da doutrina original.
Creio que você incorre aqui num ERRO GRAVE, que é comum nesse tipo de alusão desculpabilizante.
Você esquece, simplesmente, que Cristo -- ao que se sabe um personagem histórico sobre o qual não temos fontes originais -- não parece ter feito obra teórica ou empírica registrada diretamente, ou seja, ele não foi autor de nenhum manuscrito, a não ser de parábolas, ensinamentos, predicações e outras formas de transmissão oral de princípios, valores, concepções, das quais tomamos conhecimento pelo registro indireto e posterior de quatro evangelistas e alguns comentaristas esparsos, nenhum dos quais parece ter convivido com o personagem histórico.
Ou seja, não se pode imputar diretamente a Cristo qualquer responsabilidade pelo uso que os pósteros fizeram dessas predicações, pois ele não guarda conexão direta, pelo menos registrada, com as fontes da doutrina.
DIFERENTE, muito diferente, é o caso de Marx, um intelectual militante, um homem de partido, um responsável de organização, um jornalista ativo e um agitador diretamente conectado às lutas de seu tempo.
Ele PODE, SIM, ser responsabilizado pelo que ocorreu depois, pois os que fizeram o que se sabe em países tão diferentes como a Rússia ou a China, o fizeram em nome de sua doutrina, referindo-se especificamente a textos de Marx.
Esta responsabilidade intelectual pelo que escrevemos e pregamos é insubstituível e irrenunciável.
Por isso acho que você deveria revisar o seu texto ou escrever um novo, sobre a responsabilidade dos intelectuais.
Somos todos responsáveis pelo que escrevemos e pregamos...

Paulo Roberto de Almeida
15 de Agosto de 2009 15:07


3) O autor me respondeu hoje, 21 de agosto de 2009:

On 21/08/2009, at 16:23, Antonio Ozaí da Silva wrote:
Caro Paulo,
Muito obrigado.
Sei que és uma pessoa muito ocupada e, sinceramente, fico lisonjeado e agradecido por vc encontrar tempo para ler e comentar meus humildes textos. Ademais, sempre aprendo com seus comentários. Porém, aprender não é o mesmo que concordar. Respeito a sua posição, embora reconheça a complexidade do tema, ou seja, o que envolve o intelectual. Concordo que somos responsáveis sim pelo que escrevemos, mas discordo em imputar culpa por outro ter interpretado e agido como considerou melhor. Assim, reafirmo que Marx não é culpado pelo que os marxistas fizeram em seu nome. De qualquer forma, que importância tem essa nossa discussão para ele? Ele está morto... é o que todos dizem e eu acredito...
abraços e tudo de bom,
____________________
Antonio Ozaí da Silva


4) Como considero que a resposta foi insatisfatória, voltei ao debate:

Meu caro Ozai,
Acho que você missed the point, como dizem os americanos, ou seja, esquece de algo fundamental.
Por certo não se pode imputar a Cristo nenhuma das barbaridades que seus discípulos e seguidores fizeram em seu nome, em termos de massacres de heréticos, cruzadas contra os infiéis, etc. Afinal de contas, ele não assinou nenhum texto e não se sabe se os evangelistas foram ou não fieis às suas prescrições, que de toda forma eram especialmente "humanitaristas" e tolerantes (aquela coisa de "oferecer a outra face", em lugar de simplesmente passar seu adversário na espada...).
Agora, você esquece que Marx não apenas assinou textos, como recomendou a revolução proletária, a expropriação violenta da burguesia e a implantação de uma ditadura do proletariado como forma de transição para o socialismo, recomendações seguidas fielmente (e até agravadas) por Lênin (que mandou simplesmente eliminar fisicamente todos os que pertenciam à classe inimiga, independentemente de culpa individual) e todos os demais fiéis seguidores do credo, com o registro de enormes violências que todos conhecem ao longo do século 20.
Sinto muito, mas essa coisa de desculpar Marx pelo que fizeram os marxistas em seu nome não é apenas ILÓGICO no plano formal, é totalmente equivocado no plano material, da história concreta da humanidade desde o final do século 19 até nossos dias ainda.
Ou você acha que em Havana e Piong-Yang se recomenda a leitura de Adam Smith (ou de Cristo) sobre Marx e Lênin? O que se lia nas universidades soviéticas e chinesas ao tempo da construção do socialismo?
Sinto muito, seu argumento simplesmente não faz sentido e não bate com a realidade.
Existem coisas que eu admito no trabalho acadêmico, como os equívocos derivados de um insuficiente conhecimento da história.
Agora, honestidade intelectual é a primeira exigência de quem trabalha com o registro dos fatos históricos e sua interpretação no plano das ciências humanas.
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Paulo Roberto de Almeida

O debate parou, por enquanto, nesse ponto.
Paulo Roberto de Almeida
21 de agosto de 2009

Addendum importante:

On 21/08/2009, at 18:08, Rodrigo do Amaral Souza wrote:
Meus marxistas favoritos são os geniais irmãos Groucho, Harpo e Chico. Os seguidores do velho Karl só me dão tédio...

Paulo,
Quanto a seus comentários sobre Jesus, uma pequena correção: dois dos quatro evangelistas, João e Mateus, conviveram intimamente com Cristo. Eram seus discípulos e apóstolos. João escreveu ainda cartas (epístolas) e o Livro do Apocalipse.
Outros apóstolos, como Pedro e Tiago, são autores de epístolas e livros do Novo Testamento. O maior de todos os autores neotestamentários, contudo, Paulo, que escreveu boa parte do Novo Testamento e pode ser considerado como o consolidador da doutrina cristã, não chegou a conhecer pessoalmente Jesus.
Abraços,
Rodrigo

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Caro Rodrigo,
Muito grato pelas correções evangélicas, bem-vindas. De fato, dois apóstolos viveram ao tempo de Jesus e registraram suas palavras.
Eu considero a mensagem de Jesus, assim como a de Buda e a da tradição judaica, como eminentemente positiva, em termos de predicação humanista, respeitadora dos direitos individuais do homem (e da mulher) e promotora de valores superiores aos que eram cultivados no seu tempo histórico.
Já outras mensagens de guerra santa são eminentemente negativas, mas não preciso me estender neste ponto.
O fato é que todo mundo deve assumir responsabilidade pelo que prega, fala, escreve...
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Paulo Roberto de Almeida

4 comentários:

Daniel Doro Ferrante disse...

Caro Paulo Roberto de Almeida,

Meu nome é Daniel Doro Ferrante e eu sou Físico, e um blogueiro antigo.

Eu leio seu blog há tempos, via seu RSS (aka, "feed") através do Google Reader — acho que por isso acabo comentando pouco; porém, freqüentemente re-distribuo (às vezes, com comentários) seus escritos através das ferramentas disponíveis no Google Reader.

Porém, esse seu post me motivou a uma interação um pouco mais direta.

Em primeiro lugar, eu gostaria de dizer que concordo em gênero, número e grau com a responsabilidade da qual vc fala: quem se predispõem a escrever, é natural e trivialmente responsável por aquilo que diz — assim como quem fala ou age é igualmente responsável por suas palavras e atos. Isso sempre me foi tão óbvio, que eu considero quase que um absurdo haver necessidade de se fazer tal afirmação.

Isso posto, é bem verdade que, muitas vezes, as pessoas, no caso, os leitores, lêm e interpretam o que bem entendem — infelizmente, já vi casos bastante patológicos, e note que estou falando especificamente de Física e Matemática, que muitos dizem ser "ciências *exatas*", onde não deveria haver margem pra "interpretações". Entretanto, parece ser parte da "condição humana", em alguns casos mais "delicados", tentar imputar e projetar suas próprias crenças e "biases", de forma que seus valores não tenham mudar; ou seja, algumas pessoas tendem a evitar ao máximo o estado de "mudança".

Claro, pra alguém que se diz e se considera um "intelectual", isso soa como um absurdo — afinal de contas, intelectualidade não deveria ser sinônimo de aprendizado constante? E, dessa forma, constante mudanças?

De qualquer forma, a noção de que alguns valores originais do Marxismo ainda continuam vivos… me salta aos olhos: quer dizer que, depois de mais de 1 século (!), *nada* mudou? Não apareceram mais conceitos novos? Ninguém construiu sobre a obra de Marx?

Esse uso abusivo de pontos-de-vista descontextualizados e, nesse caso, antiqüados, me soa, na melhor das hipóteses, como desonestidade intelectual. E isso me incomoda bastante.

Independentemente do que se pensa sobre Pierre de Bourdieu, eu acho que o exemplo dele de "intelectualismo de trincheiras", i.e., de "esporte de contato", é algo extremamente saudável, que poderia acarretar uma refrescante reviravolta na nossa cultura. Infelizmente, essa posição não é muito bem vista, uma vez que quem a exercita se vê obrigado a assumir a responsabilidade do que diz.

É, de fato, uma pena que esses sejam os reflexos dos nossos tempos…

Muito obrigado por dedicar seu tempo a dissipar seus conhecimentos — concordando ou não com seus posts, eles sempre são "good food for thought". :-)

Daniel.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Daniel,
Creio que partilhamos várias coisas, uma delas a trilogia de Zemeckis, Back to the Future. Sob esse título tambpé escrevi uma trilogia sobre a transição do socialismo ao capitalismo, no final dos anos 1980 e início dos 90.
Preocupa-me, deveras, a deterioração da qualidade intelectual nas universidades brasileiras, para nada dizer dos problemas como os que levantei aqui, o da honestidade intelectual em reconhecer todos os fatos, derivações e consequencias do trabalho intelectual. Marx foi sobretudo um intelectual, mas com uma imensa responsabilidade sobre o que veio depois.
Lênin foi um grande organizador, e um aplicador implacável das receitas malucas de seu guru intelectual. Pena que ambos tenham se equivocado amplamente sobre como melhor organizar a sociedade.
Isso sabemos ex-post, apenas olhando ao longo do século 20: tentar evitar reconhecer a responsabilidade desses dois personagens sobre as catastrofes do socialismo real me parece de uma miopia imperdoável, e indesculpável num acadêmico.
O abraco do
Paulo Roberto de Almeida

Daniel Doro Ferrante disse...

Paulo,

Ainda sob o tema de responsabilidade e honestidade intelectual… uma coisa, um comportamento, que costuma me deixar curioso é o seguinte: as pessoas, me parecem, ficam presas nas doutrinas e se esquecem dos seus (i.e., das doutrinas) objetivos.

Se o objetivo é construir um mundo mais "justo" (pralguma definição de "justiça"), mais "equalitário", etc… por que, então, devemos ficar preso a "socialismo", "capitalismo", ou qualquer outro "-ismo"?

Eu não quero, nem pretendo, fazer um argumento maquiavélico, i.e., no sentido de dizer que os fins justificam os meios. Porém, perder a noção de qual o "fim" se deseja ter, apenas pra repetir e "rehash" antigos argumentos que, com grande probabilidade não se aplicam mais ao mundo atual… me soa… absurdo — pra dizer o mínimo.

A mim, não me interessa se uma idéia é taxada de "A" ou "B": se ela serve pra atacar e resolver o problema que se tem em mãos, então, por que não usá-la?!

Se eu tivesse que me arriscar em psicologia e sociologia "pop" e "barata", eu diria que aqueles que ficam mais presos na ideologia do que no ideal, precisam mais da confirmação do grupo do que qualquer outra coisa — vira mais uma rota de aceitação do que uma discussão racional sobre qual o melhor caminho a se seguir.

Mas, me parece que ces't la vie, assim caminha a humanidade. Confesso que nunca pensei que fosse me sentir assim, sem muitas esperanças em achar luz no final desse túnel… mas, depois duma era mais próspera (pelo menos aos meus jovens olhos), ver o mundo atual (de Bush a Berlusconi, de Kim Jong-Il a Sarkozi, de Cocaleiros a Lula, etc…) é um tanto deprimente. E, com líderes assim, quem precisa de "intelectuais"? :-(

Mas, obrigado mais uma vez pela atenção — e "Back to the Future" é um dos únicos (se não for *o* único) filmes com viagens no tempo que não comete nenhum erro na linha do tempo! :-)

Um abraço,

Daniel.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Meu caro Daniel,
De fato, o quadro atual é deprimente, não apenas na política brasileira, mas em grande medida na universidade também, talvez não na sua área, mas certamente na minha, na área dos masturbadores sociológicos.
Eu costumo comparar o caso do Brasil a cenário de outras grandes decadências de outras eras -- como a China, durante dois ou três séculos, ou a Grã-Bretanha, nos primeiros 80 anos do século 20 -- ou ainda em nossa própria era, como a Argentina, que não termina nunca de decair, desde 1930 pelo menos.
Comparado a esses casos, o itinerário do Brasil não é dos mais catastróficos, vamos apenas nos atrasar, enquanto outros avançam mais rapidamente. O duro é aguentar a mediocridade política e intelectual, a roubalheira generalizada, a falta de seriedade na maior parte dos empreendimentos públicos.
Escrevi um roteiro da decadência, e temo que o atravessemos completamente, para nosso desespero e dos nossos filhos, que talvez escolham viver em outros países que não o Brasil.
Em todo caso, é preciso persistir na defesa da dignidade e da honestidade intelectual, do contrário não é possível acreditar em mais nada.
O Brasil vai certamente melhorar, mas provavelmente demore um pouco, eu coloco em 20 ou 30 anos, ou seja, mais de uma geração inteira.
É preciso pelo menos deixar um legado de trabalho produtivo e tentar melhorar o que está em nosso alcance fazer.
O abraco do
Paulo Roberto de Almeida