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domingo, 14 de fevereiro de 2010
1348) Algumas coisas simples que deveríamos ter no Brasil
Paulo Roberto de Almeida
Via Política (n. 53, 18 junho 2007).
Toda pessoa de bom senso concordaria em que um cenário ideal, para o Brasil e a sua sociedade, seria contar com um regime democrático seguro, estável e aberto, caracterizado por amplas liberdades individuais, a maior liberdade econômica possível – isto é, espaços garantidos para a iniciativa privada, no quadro de uma regulação amigável aos negócios e pouco “extratora” no plano dos tributos –, direitos iguais para todos os cidadãos, tolerância mútua no terreno cultural e religioso, sufrágio universal sob um regime representativo equilibrado e respeitador do direito das minorias e um governo responsável (accountable) que funcionasse estritamente segundo normas institucionais impessoais (rule of law), sem qualquer tipo de patrimonialismo, fisiologismo ou desvio de função dos poderes constituídos.
A essa estrutura política formal, correspondendo, grosso modo, a uma democracia liberal, muitos agregariam elementos de social democracia inclusiva, ou seja, a atribuição de um papel qualquer ao Estado no sentido de construir um regime de equidade social, o que representa ajudar os mais necessitados e tentar evitar disparidades gritantes de renda e riqueza. Não há exatamente concordância quanto aos meios de ser cumprido este papel distributivo por parte do Estado, pois muitos prefeririam que a repartição se fizesse sobre fluxos sempre crescentes de renda – teoria do crescimento do “bolo” – ao passo que outros privilegiariam o esforço contributivo dos mais ricos a partir dos estoques existentes de riqueza disponível (canalização da renda “excedentária” via tributos progressivos).
Qualquer que seja o julgamento que se tenha sobre a natureza do regime democrático que se pretenda ter no Brasil – se mais formal, ou “burguês”, ou se mais igualitário e inclusivo e, portanto, social-democrático –, uma coisa é certa: estamos bem longe do cenário ideal traçado acima. Nosso regime democrático pode até ser estável – atualmente –, mas ele é certamente de baixa qualidade, uma vez que persistem deficiências notórias no sistema representativo, disfunções visíveis no sistema partidário, uma regulação excessivamente intrusiva na vida das empresas por um Estado famélico por mais e crescentes tributos, o que conduz, por outro lado, a uma evasão e uma informalidade generalizadas na vida econômica, agregando ao quadro bem conhecido de corrupção disseminada nos mais diversos poderes do Estado.
Pois bem: o que impede, hoje, a sociedade brasileira de aproximar-se daquele ideal (seria ele idealizado)? Observando-se a dinâmica social brasileira, com uma classe empresarial bastante ativa nos seus esforços de modernização, uma universidade que acompanha grosso modo os progressos do espírito científico no mundo, uma população trabalhadora, cordial e ordeira, o que se poderia constatar é que os principais obstáculos à consecução de um sistema democrático funcional e à realização de um ritmo de crescimento satisfatório no plano econômico está todos do lado do sistema político, ou mais propriamente estatal.
Pensando bem, é o Estado que não faz a sua parte em termos de obras de infra-estrutura e de fornecimento energético, de logística de transportes, de regulação amigável dos negócios e de tributação adequada das atividades produtivas, deixando assim de criar as condições para uma taxa mais elevada de crescimento econômico. É o Estado que, ao concentrar volume exagerado de recursos em suas mãos, abre espaço a todos os tipos de corrupção e de desvio do dinheiro público. É o Estado quem deixa de investir na educação e em ciência e tecnologia, que torna a Justiça excessivamente lenta para os necessitados e excessivamente leniente para os criminosos com canais privilegiados nos foros judiciais. É o Estado quem produz inflação ou desequilíbrio fiscal, ameaçando assim a boa gestão das contas públicas e comprometendo a renda das futuras gerações. Chega a ser surpreendente que, em face desse quadro de anomalias bem visíveis, os cidadãos brasileiros não procurem corrigi-las atacando a fonte do “mal”, que é o próprio Estado, mas concordem em soluções que implicam sempre em mais Estado (agora para “vigiar e punir” os responsáveis pelas anomalias). Parece bizarro que, com tanto dinheiro público sendo desviado para bolsos indevidos, as pessoas não pensem, simplesmente, em cortar o mal pela raiz, isto é, retirando ou diminuindo o montante de recursos da sociedade que são canalizados pelo Estado, mas busquem, ao contrário, paliativos ou mecanismos de “controle” que custam bem mais do que produzem ou apenas desviam o foco da atenção que se deve dar à própria forma de conduzir os negócios públicos.
Uma sociedade mais auto-organizada, um Estado mais contido em suas funções, estas me parecem ser receitas simples para construir uma sociedade mais inclusiva e um sistema político mais condizente com os ideais de democracia traçados acima.
Brasília, 16 de junho de 2007
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