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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

1363) Cronica do racismo ordinario: o programa de acao afirmativa do Instituto Rio Branco

Recebi, a propósito deste meu post publicado anteriormente:

1358) Cronica do racismo ordinario

o comentário de um amigo, advogado negro, batalhador da causa do anti-racismo no Brasil e que, como eu, se preocupa com a criação de um novo Apartheid no Brasil, à raiz de todos os programas racialistas que vem sendo implementados pelo governo e pelos militantes da causa negra.
Seu comentário, já postado nos comentários ao post acima, foi o seguinte (eu o reproduzo aqui pois quase ninguém lê essas "notas de rodapé"):

On 16/02/2010, at 14:51, José Roberto F. Militão wrote:

José Roberto F. Militão deixou um novo comentário sobre a sua postagem "1358) Cronica do racismo ordinario":

Dr.Paulo,
A propósito das leis raciais e políticas públicas em bases raciais estarei na Audiência Pública convocada pelo S.T.F. nos dias 3,4 e 5 de março. Há um flagrante desequilíbrio pois são 20 expositores a favor e somente 12 contrários. Espero que tenhamos sucesso já que o Supremo é a última barreira para essa ´onda´ racialista internacionalista.

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=119782

A respeito desse programa do Instituto Rio Branco, o senhor possui os números do que tem sido?
Agradeço a atenção,
J. Roberto Militão, adv. Comissão de Assuntos AntiDiscriminatórios - CONAD-OAB/SP.


Postado por José Roberto F. Militão no blog Diplomatizzando... em Terça-feira, Fevereiro 16, 2010 2:28:00 PM

Eu lhe dirigi, em mensagem por e-mail, o que segue abaixo, e que acredito possa interessar a outras pessoas também:

Caro amigo,
Nao tenho os numeros oficiais, mas sei, por perguntar ocasionalmente a um ou outro colega de carreira, que sao baixissimos os resultados positivos do programa, ou seja, o percentual de entrantes sobre o numero de bolsistas totais. No comeco, nos tres ou quatro primeiros anos, parece que nenhum entrou. Depois entraram alguns, mas o exercicio de detectar o que é resultado do programa e o que é preparacao previa ou paralela do proprio candidato é muito dificil de ser feito, pois esse tipo de exercicio cai num terreno complicado de separar coisas talvez inseparaveis pela propria natureza do processo de formacao dos individuos.
Talvez o percentual global do Programa de Acao Afirmativa do Rio Branco nao exceda 5%, pode ser até menos, mas eu precisaria confirmar. Vou tentar faze-lo (mas desconfio que o proprio Rio Branco nao possua os numeros completos, ou nao conseguira ter uma ideia clara, posto que um candidato pode ter entrado dois ou tres anos depois, quando ja deixou de dispor da bolsa, e continuou se preparando por meios proprios). Saber se a bolsa foi decisiva ou nao, é dificil determinar, e aposto 100 por cento que todo candidato beneficiario vai dizer, por razoes obvias, que a bolsa foi, sim, muito importante para eles. Ou seja, até por razoes psicologicas ou de justificativa social, todos vao dizer que a bolsa fez uma grande diferenca.
Minha percepcao, tambem derivada do tempo em que voluntariamente me dediquei a formar, como acrescimo de preparacao, os candidatos de Brasilia (entre 2004 e 2005, depois deixaram de me contatar para "tutoriar" os candidatos locais), é a seguinte:
Os candidatos selecionados, deliberadamente, pela banca, se ouso dizer, nao sao obviamente "negros pobres" que nunca tiveram nenhuma chance na vida, e sim negros de classe media, em grande medida inseridos no mercado de trabalho (posto que ja formados e trabalhando) e que ganham a bolsa como uma especie de premio, ou "ajutorio" para melhor se preparar para o dificilimo concurso do Itamaraty durante um ano.
Ainda assim, na ausencia de uma banca de selecao oral, que teoricamente poderia "premia-los" hipoteticamente, eles concorrem em condicoes de "igualdade" com candidatos que estao nesse mercado ha muitos anos, jovens que sempre tiveram essa perspectiva e, com todas as facilidades familiares de uma classe media alta, puderam estudar linguas, alguns viver no exterior, boa formacao em escolas de elite, bom ambiente familiar, enfim, o quadro que sabemos do cenario social desigual no Brasil. As chances dos "bolsistas" sao sempre menores, pois nao é um um ano de preparatorio que se vai preencher lacunas de uma geracao inteira, pois mesmo os negros de classe media que recebem as bolsas sao provenientes, em larga medida, de um ambiente social mais desfavorecido, estudaram em escolas menos qualificadas, e viveram em meios sub-otimos, digamos assim.
Isso nao impede que a maior parte, eu ate diria a quase totalidade dos bolsistas sejam pessoas que ja tiveram sucesso na vida. Entre meus "alunos" estavam um arquiteto mulato, uma mestica que depois encontrei no Itamaraty como Oficial de Chancelaria (nao sei se ja estava dentro ou se entrou no meio do caminho, num outro concurso), enfim, gente bem vestida, bem alimentada e razoavelmente bem inserida na vida. Tudo bem, essa é a realidade e nao tenho nada contra isso: as pessoas sao o que sao, e o mundo é o que ele é. Eu dediquei muitas horas de meu tempo livre para ensinar pessoas que provavelmente poderiam ter tido a mesma orientacao pagando um cursinho preparatoria, mas eles se sentiam bem, imagino, ao conversar com um diplomata de carreira.
Provavelmente, um ou outro, estudando por sua propria conta ou por seus proprios meios, poderiam ingressar na carreira como de fato o fizeram, sem que eu possa determinar agora o quanto a bolsa fez diferenca. Bem, receber 2.500 por mes durante um ano, sempre faz diferenca, voce pode comprar todos os livros de que necessita, sem precisar ir a bibliotecas, pode assinar jornais e pagar cursinhos preparatorios, o que é um tremendo impulso. Mas nao creio que esse aporte financeiro seja o essencial, e sim a propria vontade do candidato em se empenhar pelo seu sucesso no exame de ingresso.
Reafirmo, portanto, minha impressao de que, se um programa desse tipo deveria existir -- e eu sou totalmente favoravel a que bolsas existam para candidatos ou estudantes desfavorecidos em qualquer area -- ele deveria ser direcionado a quem dele necessita, nao segundo esse conceito racista do afrodescendente (onde está a maioria da populacao brasileira alias). Bolsas sao para quem precisa delas, nao para quem tem uma cor definida por um tribunal racial. Minha impressao é a de que o 'tribunal racial" do programa em questao seleciona os mais capazes de ingressar na carreira diplomatica, dentre aqueles "oficialmente" definidos como negros ou afrodescendentes, nao os mais necessitados absolutamente, que seriam os que teoricamente dispoem de menor renda por estarem em empregos menos atrativos e menos remuneradores.
Ou seja, como varias outras coisas deste governo, se trata de um esforco demagogico de propaganda, alem de sucumbir a essas demandas de grupos militantes da negritude que expressam uma deliberada e voluntaria atitude racista, pois querem se apropriar da mulatice da maioria da populacao brasileira para criar um conceito de negro oprimido que caminha na direcao do Apartheid e do racismo oficial.
Como ja disse varias vezes, nao nego a realidade da discriminacao e do racismo no Brasil. Ela ainda está presente, a despeito de todos os progressos realizados num itinerario certamente doloroso para todos os negros e mulatos no Brasil. Sabemos de tudo isso. Minha posicao é a de que devemos combater o racismo pela promocao da mistura total de racas, algo que os militantes negros recusam como se eu quisesse praticar genocidio racial, quando sao eles que estao promovendo o atraso racialista ao manter a separacao.
Independente do que eu, voce e eles pensam, essa realidade da mistura racial (puramente fenotipica) vai se impor no futuro da humanidade, e desmantelar pensamentos racistas brancos e os da suposta negritude.
Volto a reafirmar: acredito que a bolsa deveria ser dada a todo e qualquer candidato merecedor. Provavelmente, uma banca de selecao nesse novo formato, tampouco escolheria os mais "pobres", e sim os mais "suscetiveis" de entrar. Apenas que neste caso nao haveria o appeal, que imagino seja o dos promotores do programa atual, de se ter "negros" ingressando no Itamaraty. Para eles nao importa que um cidadao branco ou de qualquer outra cor de meios desfavorecidos tenha sido preterido por um "negro" de classe media, ja profissional inserido no mercado de trabalho: basta a propaganda que se fez em torno do "acesso de negros à carreira diplomatica". Posso até achar bonita essa diversificaçao do Itamaraty, mas minha honestidade intelectual proverbial me faz condenar todo exercicio de demagogia politica e de populismo social desse tipo.
Mas, minha principal objecao, como ja disse é de natureza moral e politica: acredito que estejam sendo implantadas as sementes do racismo oficial no Brasil, algo muito, muito, terrivelmente negativo para nosso futuro enquanto nação inclusiva.
O abraco do
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Paulo Roberto de Almeida
www.pralmeida.org
http://diplomatizzando.blogspot.com/

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