Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Religiao e desenvolvimento: um questionario e minhas respostas
Como sei que minhas respostas serão aproveitadas apenas parcialmente, e como sei que este tema sempre desperta curiosidade nos estudiosos de ciências humanas em geral, permito-me transcrever aqui minhas respostas, não como religioso, mas como simples estudioso das religiões e, sobretudo, do desenvolvimento econômico e social em escala comparada.
Acredito que o tema é relevante, mas desde já me posiciono contra a posição fundamentalista que está vinculada a certas confissões evangélicas, no sentido de apoiar o criacionismo e se posicionar contra o evolucionismo. Aqui não é uma questão de fé ou de postura anti-religiosa. Acredito que essa posição é errada, e é profundamente danosa para o desenvolvimento do espírito científico, em qualquer país, em qualquer época, com qualquer religião.
Como disse em uma das minhas respostas: esses fundamentalistas serão, eventualmente salvos, pelo avanço da pesquisa científica em matéria de doenças e procedimentos terapêuticos, mas dificilmente, ou JAMAIS, poderão colaborar para a descoberta da cura ou de inovações levando a melhor condição de vida enquanto ficarem presos a essas concepções ingênuas e no fundo anti-racionalistas.
Paulo Roberto de Almeida
Pesquisa sobre Religião e Desenvolvimento
Paulo Roberto de Almeida
Respondendo a perguntas colocadas por repórter de confissão evangélica.
Perguntas:
1) Que relação pode haver entre a religiosidade de um povo e seu nível de renda?
PRA: Não existe um padrão universal e uma correlação unívoca – ou seja, de causa a efeito, numa só direção – entre religião e prosperidade, ou entre religião e nível de vida de um povo, pois as situações são as mais diversas possíveis e têm mais a ver com a formação histórica e cultural de um povo do que propriamente com o seu nível de vida. Todos os povos têm, naturalmente, religiões, alguma emergindo naturalmente, como o antigo paganismo ou politeísmo, outras surgindo com base em profetas ou figuras carismáticas (Cristo, ou Maomé, por exemplo). Alguns povos “importam” suas religiões – como o budismo na China e no Japão, por exemplo, propagado a partir da Índia, a partir de monges missionários, mercadores, viajantes, etc. Outros povos são levados à conversão por colonização ou dominação externa, como a maior parte dos povos autóctones da América Latina. Ou seja, as situações são muito diversas, pois entre todos esses povos encontramos nações extremamente desenvolvidas (como Europa e Estados Unidos, onde o cristianismo se propagou por evangelização ao longo dos séculos) e outras totalmente miseráveis (como a índia secular, por exemplo, basicamente hinduísta, mas também muçulmana e dotada de dezenas de outras religiões, inclusive o próprio budismo, no qual existem povos hoje desenvolvidos, como os japoneses, e outros ainda “atrasados”, como no Nepal, Butão, o próprio Tibete, etc.
A nação mais avançada do mundo, que é indiscutivelmente os EUA, pelo menos em termos científicos e tecnológicos, é, também, a mais religiosa, ou parece ser, com uma profusão de cultos, sobretudo evangélicos e protestantes (mas aberta a todas as confissões, num sistema tão livre quanto anárquico, de religiões, de opiniões, de iniciativas individuais, enfim, de ampla liberdade). Ao lado, temos o México e os países da América Central, todos uniformemente católicos e relativamente atrasados, com um nível de renda per capita 5 ou 6 vezes menor do que nos EUA.
Em resumo, não há um padrão, e muita tinta já se gastou, desde Max Weber, em tentativas de correlação entre uma coisa e outra, sem muito sucesso aparente.
2) Em sua opinião, há uma influência recíproca entre religião e economia?
PRA: Sim e não, dependendo do que se pretende como fatores causais. Essa influência pode ser positiva, ou seja, levar um povo a prosperar com base em suas habilidades próprias. Mas as relações reais são muito complexas. Acredito, por exemplo, que uma religião que coloca a mulher em papel subordinado, como ocorre no islamismo em grande medida, atua num sentido negativo para fins de desenvolvimento social e prosperidade. Religiões que atribuem forte papel à mulher, como mãe e responsável pela educação dos filhos – como ocorre na tradição judaica, e parcialmente no cristianismo – podem ser extremamente positivas na inovação e na prosperidade. Os judeus, por exemplo, constituem menos de 1% da população mundial, mas contribuíram de maneira absolutamente “desproporcional” para o progresso da humanidade, nos mais diversos campos do saber, da ciência, da cultura. Basta ver a proporção de Prêmios Nobel ganhos por pessoas de origem judia. Creio que o grande papel, aqui, é o da mãe e da família judia, extremamente focadas no desenvolvimento dos filhos, na sua educação, numa vida digna e voltada para o benefício da comunidade. Não se encontra esse tipo de motivação e de vocação entre todas as religiões. Mas fatores causais podem ser mais de origem cultural, ou costumeira, do que propriamente religiosa, pois o patriarcado, ou dominação masculina, e a conseqüente opressão da mulher, existem em várias religiões.
3) De acordo com a pesquisa, quanto mais religiosos são os habitantes de um país, mais pobre ele tende a ser. O senhor concorda com essa conclusão?
PRA: Não concordo, absolutamente, e o exemplo já citado dos EUA nega esse tipo de afirmação. Mas, mais uma vez, essa relação é complexa, e não se pode, sem ser leviano, estabelecer uma correlação entre o grau de “religiosidade” – o que isto quer dizer?; trata-se aqui de conceito essencialmente subjetivo – de um povo e o nível de sua prosperidade material. Certas religiões podem contribuir para certa estagnação – ou falta de inovação de certos povos, como determinadas variantes do islamismo, a partir de certa fase – e outras permitirem o desenvolvimento.
Tudo depende, em minha opinião, da capacidade de ser exercido o chamado “espírito criativo”, algo que, como a religião, parece ser inato no homem (ou nos seres humanos). As religiões que “congelam” determinados conceitos sociais e impedem o avanço da pesquisa e da inovação – em matérias científicas, como biologia, história, etc. – contribuem para o atraso de seus povos. Aquelas que permitem a chamada “exegese”, ou seja, a interpretação dos “livros sagrados”, para adaptar as mensagens religiosas à dinâmica econômica e científica, contribuem para o desenvolvimento dos povos, e isso ocorreu no cristianismo. Mas esse itinerário ainda não foi conhecido no islamismo, pelo menos em várias de suas interpretações literais; pode ser que o islamismo evolua para esse mesmo tipo de secularização que permita uma interpretação alusiva, e não literal, da palavra escrita, ou seja, que permita a exegese (algo mais ligado à tolerância do que ao dogmatismo). Não devemos esquecer, por outro lado, que a Europa conheceu terríveis guerras de religião, responsáveis por morticínios inacreditáveis na concepção moderna dos direitos humanos.
Acredito que o fanatismo, a intolerância, o dogmatismo e o exclusivismo religiosos podem ser, sim, fatores de atraso, ao passo que a tolerância, o espírito aberto, a capacidade de absorver e integrar novas descobertas na cultura religiosa dominante são, ou podem ser, fatores de progresso e de prosperidade.
4) A pesquisa aborda a questão de forma genérica, no entanto, não deveriam ter levado em consideração as diferenças doutrinárias de uma religião para outra, já que essas diferenças poderiam ter apontado outro resultado, a exemplo de Max Weber que considerou o Protestantismo melhor para o desenvolvimento econômico do que o Catolicismo?
PRA: A tese de Max Weber é extremamente controversa, sempre foi aliás. Ele escreveu numa época – começo do século 20 – quando os povos protestantes pareciam ser a vanguarda do desenvolvimento econômico mundial, e de fato a Europa e os EUA estavam na dominação indisputada do mundo, exercendo uma extraordinária hegemonia econômica, tecnológica e cientifica. Mas, o capitalismo – que esteve na base desse excepcional desenvolvimento – nasceu na Itália católica, e não nos povos setentrionais protestantes. É certo que o comportamento mais aberto às inovações financeiras levaram protestantes a se desenvolverem mais rapidamente, e que o preconceito cristão, ou católico, contra o lucro e a usura pode ter contribuído para um desenvolvimento capitalista mais lento, mas mesmo essa tese é sujeita a caução. Se dizia, algumas décadas atrás, que os povos asiáticos, que possuem dezenas de religiões, mas poucos são cristãos ou protestantes, estavam condenadas ao atraso e à miséria, mas nas ultimas três décadas são os que mais avançaram no mundo em termos de prosperidade material, deixando para trás a América Latina quase toda ela católica, que décadas atrás aparecia como mais promissora para fins de crescimento e riqueza. Tudo isso NÃO TEM a ver com religião, e sim com as políticas econômicas corretas e, sobretudo, com a educação do povo. Mais do que as religiões, são as instituições sociais que podem ser “colaborativas” ou “impeditivas” do progresso.
5) A seu ver, é a religião que leva uma população à pobreza ou é a riqueza que tende a afastar as pessoas da religiosidade?
PRA: De modo algum; todas as situações são encontradas nos mais diferentes povos, locais e épocas históricas. Existe, aparentemente, uma correlação entre prosperidade material e uma atitude menos “religiosa”, ou seja, mais laica, ou secularizada, como ocorre entre os povos nórdicos, por exemplo, onde se pode notar uma forte diminuição da assistência a cultos religiosos, do pagamento de contribuições às Igrejas e do ensino religioso, de forma geral. Mas, acredito que a religião é um traço civilizacional que vai acompanhar as comunidades humanas sempre, independentemente do grau de seu desenvolvimento (ou ausência de) prosperidade material.
6) A religião desempenha um papel importante no desenvolvimento econômico de um país?
PRA: Eu diria que esse papel é em geral neutro e não depende da religião em si, ou seja, da “mensagem sagrada”, e sim das instituições que determinam a criação de riqueza. Certas instituições são mais favoráveis a isso, como o instituto da propriedade, o respeito aos contratos, o chamado rule of Law, ou seja, o respeito à lei e à legalidade jurídica num pais, etc. Tudo isso pode ser, e é, positivo para fins de desenvolvimento, independentemente da religião específica de um povo. Mas, se uma religião se atém, por exemplo, a uma leitura literal e obrigatória sobre determinados fenômenos naturais, e recusa a abertura à pesquisa e à inovação, ela pode, sim, ser fator de atraso. Por exemplo, não se pode ter carreira cientifica em biologia, ou nas ciências de modo geral, sem aderir a alguns pressupostos da teoria da seleção natural, de origem darwiniana (mas a evolução é um fato, que independe de teorias). Quem não aceita esses pressupostos simplesmente não consegue fazer biologia, ou até geologia ou, no limite, a história e a arqueologia. Tudo isso pode representar fatores de atraso absoluto no desenvolvimento material, pois a tecnologia só pode avançar com plena utilização do espírito cientifico. Todas as pessoas podem ser salvas pela medicina avançada, mesmo recusando seus pressupostos básicos, e negando a teoria evolucionista, por exemplo. Mas essas pessoas JAMAIS contribuirão para aquela solução cientifica que salva as suas vidas se elas não aderirem a certas metodologias científicas que uma determinada vertente religiosa, intolerante e dogmática, pretende banir do ensino laico (que deve ser aberto a todo e qualquer desenvolvimento científico, pois isso é importante e crucial para a humanidade).
Eu me proclamo, apenas para fins de honestidade intelectual, como uma pessoa irreligiosa – ou seja, não me posiciono quanto às religiões, embora as respeite historicamente – e essencialmente como um racionalista. Sou, sim, um grande estudioso das religiões, como deveria ser todo espírito aberto e propenso ao progresso material e espiritual da humanidade.
Paulo Roberto de Almeida (Beijing, 14.10.2010)
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Agora a pesquisa que motivou a consulta:
Pesquisa: 80% da população mundial vê a religião como importante .
Qui, 02 de Setembro de 2010
Fonte: Christian Post – Link: http://www.christianpost.com/article/20100901/over-8-in-10-worldwide-see-religion-as-important/
Mais de oito em cada dez adultos em todo o mundo dizem que a religião é uma parte importante de suas vidas diárias, de acordo com pesquisas do Gallup realizada em 114 países.
E, como pesquisas anteriores encontraram, ainda há uma forte correlação entre o nível socio-econômico do país e a religiosidade de seus moradores.
Nos países mais pobres do mundo - aquelas com renda média per capita de 2000 dólares ou menos - a proporção mediana que dizem que a religião é importante em suas vidas diárias é de 95 por cento, informou nesta terça-feira Gallup.
Em contraste, a mediana para os países mais ricos - aqueles com renda média per capita acima de USD $ 25.000 - é de 47 por cento
"Os cientistas sociais têm colocado diante inúmeras explicações possíveis para a relação entre a religiosidade de uma população e o seu nível de renda média," observou o editor Steve Gallup Crabtree.
"Uma teoria é que a religião desempenha um papel mais funcional nos países mais pobres do mundo, ajudando muitos moradores a lidarem com uma luta diária para prover a eles e suas famílias. A análise anterior Gallup apoia esta idéia," acrescentou.
Na análise da Gallup de 2009, inquéritos realizados em 143 países, nos três anos anteriores, a organização concluiu que a relação entre religiosidade e bem-estar emocional é mais forte entre aqueles nos países pobres do que entre aqueles no mundo desenvolvido.
Em seu último relatório, Gallup disseram que a religião era considerada importante por 95 por cento das pessoas em países com 2.000 dólares ou menos renda per capita. E para os países com renda per capita acima de USD $ 2.000, mas menos de USD $ 5.000, 92 por cento das pessoas disseram que a religião é uma parte importante da sua vida quotidiana.
Depois de 5.000 dólares, os números declinaram mais, com 82 por cento considerando a religião como importante para os países dentro do grupo USD $ 5.001-12,500. Para renda de USD $ 12.501-25.000, 70 por cento disseram o mesmo. E para os países com renda per capita mais USD $25.001, apenas 47 por cento disseram que a religião é uma parte importante da sua vida quotidiana.
Tal como em inquéritos anteriores, no entanto, os Estados Unidos estão entre os países ricos, que vêm escapando à tendência.
Segundo a última pesquisa Gallup, 65 por cento dos americanos dizem que a religião é importante em suas vidas diárias. Outros países de alta renda mais propensos a enfatizar a importância da religião incluem Itália, Grécia, Singapura e países do Golfo Pérsico.
Os seis principais países com maior porcentagem de pessoas colocando importância da religião foram Bangladesh, Nigéria, Iêmen, Indonésia, Malawi, e Sri Lanka - com pelo menos 99 por cento em cada comunicação a religião como importante em suas vidas diárias.
Os seis países com os menores percentuais foram a Estónia (16 por cento), Suécia (17 por cento), Dinamarca (19 por cento), Japão (24 por cento) e Hong Kong (24 por cento).
Resultados de pesquisas Gallup são baseados em entrevistas telefônicas e presenciais, realizadas em 2009 com cerca de 1.000 adultos em cada país.
Fonte: Folha Gospel
8 comentários:
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Excelente texto, professor Paulo Roberto! Também sugiro a leitura de Thomas E.Wood Jr., in "Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental", Editora Quadrante, S.Paulo, 2008.
ResponderExcluirArlindo Montenegro
Acho que as dificuldades da vida tendem a levar as pessoas a uma maior religiosidade, a relação de causa e efeito foi tomada como dado nsa análises e acho que deveria ser investigado o contrário.
ResponderExcluirComo a qualidade de vida influencia na religiosidade das pessoas ?
Gostaria de ler algo a respeito.
Abraços
Nesse caso, seu fosse utilizar a propedêutica jurídica, citaria Ronald Dworkin para tentar solucionar algumas das perguntas de origem teológicas e chegar no teleológico. Ni Hao.
ResponderExcluirProfessor,
ResponderExcluirComo sempre uma análise correta e lógica. Sem o ateísmo "religioso" (com perdão da contradição) dos que militam para extirpar as religiões.
É tão raro ver um cientista social fazer ciência social que há até um certo estranhamento.
Abs,
-APAGAR-
ResponderExcluirProfessor, só por apego ao debate, mas tentanto fazer um comentário a respeito dos outros comentários, a relação de causa e efeito proposta na pesquisa é óbvia, já que têm cunho religioso e de certa forma criacionista. Seria muito evidente ou estranho pesquisar o efeito e depois causa nesse contexto, pois o centro primordial seria a causa para gerar o efeito, entretanto, se fosse pesquisar efeito com consequência a causa, a qualidade de vida e comodidade no ser humano gera um certo desapego das coisas divinas em um prisma, então, entraria a auto-suficiência do indivíduo em tese, e o consolo das religiões citado nas análises simples de Nietzsche seria extinguido, e fato que um cientista social produz ciência social. Perdão se fiz um comentário abrupto, mas sigo alguns conselhos de Maquiavel quanto aos bajuladores, é bom mas não é. Sou apenas um ser humano com intenções, interesses, vontades, valores e etc. Deus abençoe.
Há de se diferenciar concordar de bajular.
ResponderExcluirAinsi soit-il mon frère!
ResponderExcluirProfessor,
ResponderExcluirMuitíssimo pertinente a afirmação “Mas, o capitalismo – que esteve na base desse excepcional desenvolvimento – nasceu na Itália católica, e não nos povos setentrionais protestantes”; é o mesmo que Rodney Stark afirma em "The Victory of Reason: How Christianity Led to Freedom, Capitalism, and Western Success".
Charles De Gaulle dizia que a identidade de uma nação se faz com disseminação da alta cultura, religião e idioma pátrio (ferramenta básica de trabalho). Concordo plenamente. Basta ver como se deu essa construção da identidade nacional dos EUA para ficar clara a questão.
Gostei muito de sua explicação.
Clara e didática como de costume.