sexta-feira, 4 de março de 2011

Homenagem a um grande jornalista: Nahum Sirotsky - Gustavo Chacra

Este blog se dedica, precipuamente, a temas de relações internacionais e de política externa do Brasil, mas num sentido amplo, cobrindo livros e também temas de política brasileira, doméstica quero dizer, uma vez que sou cidadão brasileiro e tenho curiosidade em saber como o governo e os políticos estão gastando -- desperdiçando seria um termo mais exato -- o meu dinheiro.
De vez em quando abro uma exceção para algum post "desviante", mas que se justifica por essas interfaces tomadas em sentido lato.
Como é o caso deste veterano jornalista que merece nossa homenagem.
Paulo Roberto de Almeida

Nahum Sirotsky – O jornalista brasileiro que cobre o Oriente Médio desde a criação de Israel
Gustavo Chacra
Blog no Estadão, 03.março.2011 20:32:20

Atores sonham em ir para Hollywood ser estrelas de cinema. Para nós, jornalistas de Inter, a Califórnia é o Oriente Médio. Alguns podem preferir Beirute. Outros têm como destino Israel. Ao longo destes anos cobrindo esta região para o Estado e para a Folha, conheci muitos repórteres brasileiros que se mudaram para Tel Aviv e Jeursalém.

A Guila Flint, da BBC, que já conversou com o blog no passado. O Marcelo Ninio, que neste momento está em algum lugar da Líbia e ocupa o cargo de correspondente da Folha em Jerusalém. A Renata Malkes, de O Globo, que conhece a Cisjordânia como poucos no Brasil. A Daniela Kresh, com quem cobri as eleições israelenses em 2009. A Nathalia Watkins, atual repórter do Estadão em Tel Aviv. O Michel Gawendo, que deixou os jornais e foi para a TV. O Alberto Gaspar, da rede Globo, que entrou junto comigo em Gaza nos dias seguintes ao cessar-fogo. E o Gabriel Toueg, que acaba de retornar ao Brasil depois de publicar reportagens em quase todos os órgãos da imprensa brasileira em seus anos de Israel.

Estes jornalistas não ficam apenas no lado israelense. Também viajam para Ramallah, Hebron, Gaza e Nablus. E o patriarca dos jornalistas brasileiros em Israel se chama Nahum Sirotsky. Este repórter gaúcho cobre o conflito no Oriente Médio desde o dia da criação do Estado israelense. Acreditem, ele estava nas Nações Unidas em 1947. A história do Nahum será contada abaixo pelo Gabriel Toueg, que representa esta nova geração. Depois, o próprio jornalista dá um depoimento e responde a uma pergunta do blog. Além disso, o Gabriel é quase um neto para o Nahum

“Ele viu de perto guerras, guerrilhas civis, entrevistou políticos brasileiros e estrangeiros no um-a-um, viveu o jornalismo dos anos que o futuro chamaria de “dourados”. Hoje, aos 85, quase setenta deles dedicados à profissão, Nahum Sirotsky vive em Tel Aviv de onde segue trabalhando diariamente, apesar de ter dois dedos – um em cada mão – quebrados pela ditadura militar. Casado com a atriz e escritora Beyla Genauer, que vive no Rio, Nahum tem um filho e cinco netos morando em um assentamento judaico ultraortodoxo perto de Jerusalém. Ele foi foca de Joel Silveira, lançou Paulo Francis e Alberto Dines, trabalhou com Chatô e Roberto Marinho, conheceu o mafioso Frank Costello e ganhou um charuto das mãos de Che Guevara.

No final da década de 1950, Nahum foi o homem à frente da revista Senhor, que revolucionou o mercado editorial da época. “O primeiro número me fez chorar, foi um sucesso”, conta. Dirigindo a revista, ele reuniu nomes como Jaguar, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, Carlos Scliar, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Millôr Fernandes, Jorge Amado, Carlos Heitor Cony, Vinicius de Moraes… Ao deixar a revista, Nahum partiu para a carreira diplomática. Era 1961. Ele voltou como adido na Embaixada do Brasil nos EUA, onde quinze anos antes fora o primeiro correspondente brasileiro na ONU, para o jornal O Globo.

Em 1966 Sirotsky visitou pela primeira vez o país que, na ONU, vira ser criado, ao acompanhar a partilha da Palestina britânica em 1947. Como adido de imprensa da Embaixada brasileira em Tel Aviv, ele viu de perto a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Ao deixar o cargo, em 1971, Nahum passaria a trabalhar durante dois anos como correspondente, ao mesmo tempo, do Estadão, assinando com o pseudônimo “Nelson Santos”, e do Jornal do Brasil. “’Nahum Sirotsky’ era exclusividade do jornal carioca. O pseudônimo passou a escrever melhor e passou a receber mais correspondências e elogios que o original”, brinca.

Na época, cobriu outra guerra: a do Yom Kipur, em 1973. Mais de vinte anos depois, o jornalista voltou a se estabelecer em Tel Aviv, onde desde então vive e trabalha para o portal IG e o jornal Zero Hora. Durante uma cobertura na Cisjordânia ele levou de um garoto palestino uma pedrada no joelho. “Até isso valeu”, diz, apesar de caminhar com dificuldade até hoje.

Sobre a atividade na região, comenta: “aprendi logo na reportagem internacional que a primeira coisa a procurar é quais são os interesses em jogo – o que interessa a quem. A partir daí chega-se às informações. Quando cheguei ao Oriente Médio, descobri que isso não bastava. Era talvez suficiente para entender as políticas das nações ocidentais, mas não para entender as culturas daqui. O mais difícil é entender o que interessa e a quem. Mas eu precisei aprender o bê-a-bá, estudar história, geografia, fundamentos das religiões, para poder então começar a me orientar. .” (Gabriel Toueg)

Depoimento de Nahum Sirotsky
“Estava em Nova York em 1947 como primeiro jornalista brasileiro na ONU. Acompanhei o processo de divisão do que restava da Palestina entre uma área judia e outra árabe. O Oswaldo Aranha presidia a Assembléia Geral Especial das Nacões Unidas. Quando o Estado de Israel foi proclamado, por Ben Gurion, eu estava no Brasil. Ele teve a coragem de criar um país com menos de 600 mil habitantes que por milagre sobreviveu à primeira guerra contra os árabes. Se não me falha a memória, foi coberta pelo Samuel Weiner para os Diários Associados”.

Blog – Você acha que ainda assistirá à criação do Estado palestino?

“Tenho dúvidas sobre a proclamação do Estado palestino. Pelo andar da carruagem, parece que existirá um só Estado na área. Mas, em matéria de Oriente Médio, evito previsões pois o impensável acontece como se comprova na Revolução no Mundo Árabe. Cerca de 350 mil israelenses vivem em assentamentos na Cisjordânia. São novas cidades, com indústrias. Isso inviabiliza a hipótese de dois Estados. Mas onde surgiu a Bíblia, acontece o inexplicável. Diria que o que parece improvável pode passar a possível. Prefiro manter a ambigüidade para ser fiel ao que penso. Mas não estarei aqui para ver”.

O Nahum está no Twitter @nsirotsky

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O jornalista Gustavo Chacra, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia, é correspondente de “O Estado de S. Paulo” em Nova York. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Yemen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al Qaeda no Yemen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo em 2009, empatado com o blogueiro Ariel Palacios

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