Talvez não queira, mas se reclamar das prisões da Polícia Federal ela pode dizer que preferiria que elas não ocorressem. Além de não lhe caber adotar tal atitude, pois seria claramente ilegal e imoral, ela pode pagar um alto preço político, talvez não junto a um congresso já contaminado pela corrupção política e pela roubalheira generalizada, mas junto à população, à cidadania, às pessoas simples que somos todos nós, e que achamos perfeitamente normal que lugar de bandidos é na cadeia, não no parlamento.
Paulo Roberto de Almeida
No limiar do descontrole
Editorial - O Estado de S.Paulo
12 de agosto de 2011
A sucessão de escândalos de corrupção no governo federal parece estar levando a presidente Dilma Rousseff ao limiar do descontrole. Segundo o noticiário de ontem, ao tomar conhecimento da prisão, pela Polícia Federal (PF), dos envolvidos na Operação Voucher, que apura irregularidades no Ministério do Turismo, Dilma demonstrou "grande irritação". De acordo com fontes palacianas, classificou de "acinte" o fato de os detidos terem sido algemados, reclamou "furiosa" por estar sendo a toda hora surpreendida por operações da PF que lhe criam problemas políticos e cobrou satisfações do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a quem a PF é subordinada.
É fácil entender que a chefe de governo perca a paciência ao se dar conta das proporções em que o aparelho estatal que herdou está contaminado pelo fisiologismo que seu antecessor institucionalizou. É igualmente compreensível sua aflição diante da grave ameaça que a denúncia e a repressão dos arrastões nos ministérios representam para a estabilidade da base de sustentação de seu governo. Afinal, hoje está mais do que evidente que o que manteve em pé essa construção, meticulosamente edificada ao longo de oito anos, foi a tolerância com os gambás introduzidos nos galinheiros.
Mas a ênfase com que a presidente passou a manifestar sua contrariedade com esses espetáculos pode dar margem à interpretação de que está tomando as dores dos denunciados, em vez de manter a atitude de isenção e respeito ao funcionamento das instituições que sua alta investidura exige. À chefe do governo não cabe "enquadrar" a PF, como têm sugerido, ou mesmo exigido, colaboradores e aliados. A polícia existe para investigar delitos e reprimir a ação de criminosos, colocando-os à disposição da Justiça. E deve agir de acordo com normas de procedimento que, se infringidas, sujeitam os responsáveis pelas infringências, por sua vez, a investigação, julgamento e, se for o caso, punições cabíveis. Não cabe, portanto, a altas autoridades palacianas, classificar de "exageradas" ou "atabalhoadas" as ações da PF que lhes criam problemas políticos. Nem ao líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza, declarar que "houve abuso de poder do Judiciário e do Ministério Público".
Até agora a presidente Dilma Rousseff vinha se comportando publicamente com exemplar sobriedade diante das repetidas denúncias de corrupção, apoiando a necessária "faxina" nos setores da administração comprometidos com a bandalheira. E essa atitude tem sido respaldada pela opinião pública, como demonstram as pesquisas. Mas a sua reação diante do mais recente capítulo de uma sucessão de escândalos como nunca se viu antes na história deste país, parece revelar que se está tornando irresistível a pressão daqueles que, tanto no governo como na base aliada, não admitem senão a maneira lulopetista de governar.
Pressionada por todos os lados e preocupada, principalmente, com o tensionamento das relações entre governo e PT, de um lado, e PMDB, do outro, Dilma recorreu a quem entende do assunto para se aconselhar. Em reunião com Lula em São Paulo, na terça-feira, foi orientada a "repactuar" a aliança com o maior partido da base aliada, cujos interesses estão sendo afetados pelos escândalos nos Ministérios da Agricultura e do Turismo. Resta saber o que Lula entende por "repactuar".
Depois da porteira arrombada, parece impossível conter a catadupa de denúncias na mídia e as ações policiais contra o arrastão na administração pública, em especial na federal. É uma simples questão de se colher o que foi plantado durante oito anos. Trata-se, é claro, de uma lavoura que não foi inventada por Lula e pelo PT, que na verdade criaram fama denunciando pragas. O lulopetismo apenas aperfeiçoou métodos de semeadura e colheita. E o PMDB é o segundo maior beneficiário de toda essa criatividade. Na hora em que esses benefícios se transformam em constrangimento, "repactuar" a aliança parece significar a promessa do impossível ao parceiro: acabar com as denúncias e com as operações policiais e com a repercussão de tudo isso na mídia.
Dá para entender, portanto, a irritação da presidente. E lamentar que ela esteja dirigida na direção errada.
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